quarta-feira, novembro 20, 2024

O POVO MESTIÇO, ZUMBI E A REPÚBLICA

O POVO MESTIÇO, ZUMBI E A REPÚBLICA. Severino Vicente da Silva – Biu Vicente Corria o ano de 1987, Dom Luiz Fernandes era o bispo diocesano e realizava uma semana de reflexão sobre o papel que a Igreja desempenhava e desempenha na história e formação do Brasil. Eu já era professor do Instituto de Teologia do Recife, ITER, e fui convidado para apresentar algumas ideias, reflexões, sobre a relação social da Igreja Católica ao longo do processo de formação do Brasil. Naquela mesma semana Roberto Carlos programara uma apresentação na casa Spzzio, eu não havia percebido, nem outros convidados, Um deles, bispo de Guarabira telefonou para mim e propôs trocarmos nossos dias de apresentação, aceitei. No dia aprazado, saí de Olinda dirigindo a kombi da Faculdade de Filosofia do Recife, onde exercia o cargo de vice-diretor, e ao chegar na cidade onde passei belos dias, durante parte de minha primeira juventude, compreendi a solicitação do bispo de Guarabira: naquela mesma noite, roberto Carlos apresentava-se na maior casa de show do Nordeste. Palestrei para o bispo Dom Luiz Fernandes e mais uma quase cinquenta pessoas em um auditório que caberia mais de duzentas. O tema de minha conversa era entender quais era as relações entre a família e a Igreja; na verdade, creio, desejava-se que fosse feito o elogio da família e como a Igreja fomentara a organização da instituição básica da nossa sociedade. Mas uma questão que acompanhava os agentes pastorais presentes naquele auditório, era a dificuldade de organização, a estruturação familiar nas regiões mais pobres da cidade, da sociedade. Esta é uma questão que se debate ainda nos dias de hoje, uma das sequelas do sistema de exploração da terra e do homem que foi posto em funcionamento desde a primeira parte do século XVI, pelos europeus em terras que hoje chamamos de Brasil: A Escravidão do homem e a Escravidão da terra E todos nós sabemos que havia a prática da escravidão na áfrica, na Oriente Médio e o Oriente Distante, mas não era uma escravidão sistemática para a produção e apropriação das riquezas, a escravidão como ‘modo de produção”, dizia Gorender. O ato de escravizar alugém é o ato de o despessoalizar, de negar-lhe o direitos que são próprios da pessoa humana, dizemos nós atualmente, ou dos direitos de filhos de Deus, diriam ao longo da convencional Idade Média, período de dominância religiosa cristã na Europa. Ao optar, o capitalismo nascente, pela escravização dos africanos, trazendo-os para o Brasil ou levando-os a outros espaços do continente que eles haviam conhecido recentemente, eles continuaram o que estavam realizando com os povos que habitavam essas regiões, matando-os fisicamente ou culturalmente. Assim o fizeram até o final do século XIX. O sistema escravista necessita que haja uma separação física e moral entre o escravista e o escravizado, como ocorreu nos nas colônias inglesas e alemães, ou a total despersonalização do escravo. No primeiro caso a separação racial foi a segregação extremada, com áreas específicas para cada grupo racial, o que gerou o appartheid, a destruição das tradições culturais e imposição ad infinito dos valores religiosos ao grupo escravizado, de onde, nos Estados Unidos, não haja resquícios graves das religiões africanas, com a presença da Igreja Batista quase como símbolo dos afro-estadunidenses; no segundo caso, mantém a proximidade física, quase harmônica, mas com enorme separação cultural, embora se permita a celebrações de festas pelos escravizados, inclusive permitindo-lhes que se mantenham as tradições de suas origens, com as dificuldades que o sistema impõe, tais como a venda dos escravizados separando-o os povos e origens. Por outro lado, são acolhidas essas manifestações no arcabouço cultural religioso, em confrarias, nas procissões e outras atividades socioculturais. Contudo, o sistema, que foi apoiado pela Igreja, pois que ela no Império Português fez parte da estrutura burocrática de governo, aceitava a ideia de que os escravos podiam ser vendidos, independente dos laços afetivos que haviam sido criados pela convivência, tornava impossível a formação da família, como era apresentada nos quadros renascentistas e barrocos. Na hora de vender os escravos, os senhores separavam “aquilo que Deus uniu”. Claro que este não era um estímulo para a construção de uma família nem do seu fortalecimento. E quando, por força das pressões históricas, foi abolida da escravidão no Brasil, a sociedade fez o caminho de desestruturação familiar, pessoal, à medida que abandonou os recém libertos sem qualquer proteção social. Assim, a construção de famílias entre os mais pobres da sociedade é decorrente de seus esforços para receber um mínimo de reconhecimento social, e encontrar um meio para que suas crias tenham melhores possibilidades de sobrevivência. Não sabia que eu surpreenderia tanto a pequena assistência que me foi dada em noite concorrida com o Rei Romântico do Brasil. A Igreja Católica no Brasil tem feito, desde o Concílio Vaticano II esforços para superar essa realidade, mas o seu atraso em perceber o quão foi nefasto o Regime de Padroado, um regime que enfraqueceu (ou fez desaparecer) o espírito missionário de seus fiéis adeptos. Enquanto isso, os Terreiros de Xangô (como se dizia no Recife antes da cruzada baiana pelo candomblecismo), as demais tradições cristãs agiram com maior presteza, dizia eu naquela década dos noventa. E, sem medo de errar repito agora nesta Semana da República que, em si carrega o dia da Bandeira Nacional e o Dia da Consciência Negra. Tomara que a República considere que fica difícil o povo mestiço brasileiro, descendentes dos quilombos e dos aldeamentos indígenas, carregar essa Bandeira, enquanto o Estado republicano não supere a frase de Aristides Lobo que é, simultaneamente denúncia e constatação. Que não continue sendo profeta. Que a República assuma a consciência de que ela e o Brasil não apenas os “gatos pingados” que passearam de cavalos no centro do Rio de Janeiro. Não bastam baionetas nas mãos de Deodoro, melhor seriam os livros sonhados por Benjamin Constante, as pontes de André de Rebouças. As baionetas de Deodoro eliminaram o Arraial do Bom Jesus, recentemente quiseram levantar-se mais uma vez contra o Brasil, e ameaçam diminuir os livros e as pontes. Mas continuaremos a construir a República. Como Zumbi, esse povo nunca foge à luta. Severino Vicente da Silva – Biu Vicente No dia Nacional da Consciência Negra Ouro Preto, Olinda, Pe

sexta-feira, novembro 15, 2024

A PERMANENTE CRIAÇÃO DA LIBERDADE

A PERMANENTE CRIAÇÃO DA LIBERDADE Severino Vicente da Silva – Biu Vicente Outubro e novembro deste ano de 2024 foram surpreendentes para todos os que estão atentos aos acontecimentos e às mudanças. Quem imaginou o surgimento de uma nova liderança da ‘direita’ no Brasil, a partir de São Paulo e colocando em dúvida a liderança única do pretendente a Füher tropical? Aconteceu nas eleições municipais da capital dos paulistanos. São Paulo é um município que pretende ser caminho para o palácio da Alvorada. Às vezes ocorre uma pequena passagem pelo governo do estado. Assim pensou e acertou Jânio -Quadros antes da ‘redentora’, mas enganaram-se José Serra e Luiz Inácio. Fernando Henrique sentou-se no Planalto Central, sem conseguir banhar-se no Ipiranga. Neste momento, banhando-se, não Ipiranga, mas no sangue da baixada santista,Tarcísio de Freitas, carioca que foi ministro no governo Dilma e continua amigo de generais que o indicaram à primeira Presidenta, está governando os paulistanos com olho grande no Planalto Central, embora o seu chefe, que lá espojou-se um vez, pretenda; voltar, mas os erros que cometeu foram tão graves que está inelegível. E o ex-presidenciável espera poder fazer o que seu ídolo fez nos Estados Unidos da América: ganhar uma eleição democrática para destruir a democracia, como estamos a ver em diversos países, mais próximos ou distantes. E tais pretensões e desejos ocorrem no Brasil que, parece, ainda não ter escolhido o seu futuro, e isso pode levar ao futuro do pretérito, como os praticantes do “jeito politicamente correto” de falar, vem ensinando diversas gerações a não mais dizer “desejo”, preferindo “desejaria”, estão a ensinar que o mais educado é aquele que fale em um futuro que já passou. Isso ensinam aos que virão a ser os fazedores de coisas, mas jamais terão permissão de escolher pensar. Sim, eles pensariam se os deixassem, mas aprenderam que não é esperado que pensem. Lembro de um professor que me perguntou: E quem lhe mandou pensar? O que me fez lembrar de estadunidense que, nos anos setenta disse-me: Este é um lugar maravilhoso, aqui vocês podem colocar em prática o que nós pensamos. Tais ecos de tempos que já foram, mas permanecem, me mantém em alerta para que não me subordine pessoalmente, embora grande parte de minha sociedade já esteja subordinada. Por isso, neste 15 de novembro, lembro duas frases do Hino da república: “Liberdade, liberdade/Abre as asas sobre nós/Das lutas na tempestade/Dá que ouçamos tua voz” para que possamos manter essa fé de seremos capazes de vencer os obstáculos que nos impediam e, ainda nos impedem, de sermos um povo livre, capaz de pensar e realizar seu futuro. O Hino da República diz que é difícil acreditar que ho9uve escravidão em tão nobre terra, mas precisamos saber que houve e que assim é que nos formamos, lutando para sermos livres, não apenas do jugo de um estranho, mas dos nossos que se quiseram ser estranhos aos seus construíram e constroem o Brasil. E precisamos afirmar nossa história, nosso desejo, não com o medo que é posto quando se expressa no futuro de pretérito, mas que seja com a certeza que o futuro nos pertence, pois a liberdade é a nossa vocação, nosso destino. Mas a “Liberdade não abrirá as asas sobre nós”, nós é que a abriremos, não como um lençol ou coberta, mas como um estandarte que nos guia e guiará para o nosso futuro. Quando em 1889, doente e enganado, o Marechal Deodoro da Fonseca proclamou o República, ele não ouviu o povo, mas os descontentes com o fim da escravidão que, no entendimento que os seus herdeiros carregam ainda hoje, iria por fim ao Brasil que eles estavam construindo. O historiador Jorge Caldeira em sua História da Riqueza no Brasil, demonstrou que o que se punham em risco era a maneira que ele exploravam o trabalho de africanos e brasileiros escravizados. E continuam com essa mentira até os dias de hoje, o que fez surgir uma subcidadania, conforme ensina Jessé Souza, continuando a exploração colonial de seu próprio país colocando-o submisso a interesses outros que não os brasileiros. Daí que somos escravizados pela economia e pela desapropriação de nossa cultura em benefício deste ou da que grupo étnicos, pouco importa se europeus, americanos, africanos ou asiáticos, pois que somos todos crescido e construtores deste mundo aqui, com as pedras culturais que recebemos de todos os povos que convergiram para este espaço. Todas as raízes, tradições e ancestralidades que eles trouxeram, aqui se fundiram, e seremos livres quando aceitarmos esta simples constatação histórica. Precisamos parar de construir o futuro do pretérito, nossa tarefa e construir o futuro com o pretérito. Assim fizeram os ancestrais que viveram as últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX. Um dos fundadores da República que Deodoro proclamou disse, com clareza que “o povo assistiu bestificado” a chegada da República, mas sabemos que o povo tomou a histórtia em suas mãos, ocupou novos espaços que, mais uma vez lhe foram tirados, mas eles ocuparam novos espaços; como não tinham clubes e não lhes permitiam entrar nos clubes, criara os carnavais; não podiam ter mais confrarias e irmandades religiosas, criaram os maracatus, os terreiros de Xangô no Recife, os terreiros Candomblé na Bahia, a Casa da Mina em São Luiz, etc. Criaram Escolas de Samba, se reuniam e cuidaram de nossas tradições, e nos deram por herança essa coragem de nunca desistir da liberdade, ainda que aparentemente estejamos perdendo. Como nos ensinou Gustavo Gutierrez, O Povo é o Senhor da História. Ouro preto, Olinda 15 de novembro de 2024, Dia da República.

segunda-feira, novembro 11, 2024

au brésil, le maracatu fait danser le nordeste invitation au voyage ar...

Convido vocês a ver uma pequena história d Maracatu, um visão oferecida por caboclos, mestres, estudiosos, com minha participação, e filtrada pelos documentaristas europeus. Saiu um bom trabalho.

segunda-feira, outubro 28, 2024

Reflexões em torno das eleições de 2024

REFLEXÕES EM TORNO DAS ELEIÇÕES DE 2024 Severino Vicente da Silva, Dr. em História do Brasil. E chegamos ao final de outubro deste ano de 2024, e com ele termina o ciclo eleitoral, este ano dedicado a escolha de vereadores e prefeitos. Aprende-se em todas as experiências vividas, desde que invistamos algum tempo a pensar sobre elas. A maior parte de nossa população dedica pouco tempo às eleições, reflete pouco sobre como os candidatos são escolhidos e por quem; também pouco se sabe a respeito do que pensam os candidatos, nem sabemos se eles pensam. Conheci, ao longo de minha vida como eleitor, que há pouco pensamento político na mente de muitos candidatos, às vezes convidados para que os partidos cumpram o que diz a legislação em relação à representatividade da população em seus quadros. Os candidatos a prefeitos refletem os partidos aos quais se filiaram e, percebemos que eles não desenvolveram um projeto para a cidade que se propõem governar. Se não há projeto para a cidade é porque não há um projeto nacional. Percebe-se que não há um projeto nacional, mas todos parece terem um projeto comum: chegar ao poder, ter acesso ao poço sem fundo das verbas públicas. Por isso, mesmo antes de terminarem de contar os votos, os chefes partidários, como demonstram os comentaristas da política, dão início à próxima campanha eleitoral. Este é um processo bianual, e a pergunta que começa a ser feita é: quem serão os candidatos aos governos estaduais, quais os que apresentam chances de vitória e garantam que os donos dos partidos, queria dizer dirigentes, um maior leque de compromissos que garantam a manutenção de um sistema que permite a continuidade de um país sem projeto de país. Cresce a cada dia a necessidade de entender melhor a frase do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso enunciou a respeito do governo de Getúlio Vargas. Nela expressou o seu desejo de por termo ao projeto daquele que foi ditador entre 1937 a 1945, e foi presidente eleito nos anos 1951 a 1954, quando forças maiores o levaram ao suicídio. O que Fernando Henrique pretendia mesmo superar? o que fez Getúlio Vargas de tão danoso ao país que provocou tanto asco ao 'príncipe dos sociólogos' brasileiros, filho amantíssimo da Universidade de São Paulo? Será que foi a garantia de férias para os operários? terá sido o reconhecimento do descanso semanal dos trabalhadores? quem sabe foi a necessidade de acabar com o projeto de uma nação formada por mestiços, um projeto nacional de uma sociedade sem a polaridade racial desenvolvida no que se chama Estados Unidos da América do Norte, uma união segregacionista, racista e infensa à mestiçagem que caracteriza o Brasil? O projeto nacional brasileiro há que ser mestiço ou o Brasil não fará o que o seu povo tem se esforçado por criar desde a República, da qual foi escorraçado. As constantes mudanças na legislação eleitoral demonstram que o Brasil, o povo, vota com objetivos diversos daqueles que estão a fazer tais modificações. Esse projeto anti Brasil está ligado ao que, uma vez escrevi: o Plano Nacional Burrificação, posto em prática oficialmente desde 1964, com os ajustes que eles fazem sempre que se sentem ameaçados. Os mestiços, os mulatos, os caboclos, curibocas e outros tantos resultantes dessas relações sociais, culturais desses quinhentos anos hão de ser o Brasil, ou o Brasil o não existirá, pois será apenas um decalque malfeito da Europa do século XIX com a agregação do pior que ela produziu no século XX, ou uma colônia, sem caráter, financiada por fundações que afundam os povos. Será que é este o projeto que vereadores desorientados, prefeitos a serviço de partidos e governadores e presidentes que pretendem refundar o século XIX? Dia de São Judas Tadeu, (o santo das causas perdidas). Ouro Preto, Olinda, 28/10/2024. Biu Vicente

sábado, outubro 12, 2024

AS EFEMÉRIDES: DAS CRIANÇAS, DAS AMÉRICAS E DA ESPERANÇA APARECIDA.

As efemérides das crianças, das Américas e da esperança Aparecida. Escrito por Severino Vicente da Silva, Biu Vicente. É 12 de outubro, dia de celebração de muitas efemérides. Coisas importantes devem ter sido criadas em um dia como esse há algum tempo; pessoas nasceram, pessoas morreram enquanto outras estavam sendo forjadas no amor, outras foram por desalento, descaso. Uma vez alguém deve ter atentado que haviam criado um dia para celebrar as mães, mas mães têm filhos que nascem pequeninos e vão crescendo e aprendendo o mundo ao seu redor, ao redor da mãe. No primeiro período de crescimento os filhos são chamados de crianças. 1. Ao longo da história da humanidade nem sempre houve o reconhecimento de que os humanos tinham infância. Uma das mais fortes ações contra os filhos dos humanos foi a matança dos primogênitos, ordenada pelo Deus de Moisés, na sua disputa com o Faraó e seus deuses. Outra grande matança é narrada como parte do nascimento de Jesus, é ordenada por Herodes, um rei judeu serviçal de Roma. Era costume de muitos em Roma jogarem recém-nascidos indesejáveis no lixo ou vendê-los como escravos. Historiadores cristãos contam que os primeiros cristãos romanos recolhiam esses rejeitados, sendo que há narrativa contando o martírio desses cristãos adolescentes quando pegos levando alimento espiritual aos encarcerados. Parece que em Portugal Infante era um título do filho do rei que não viria a tornar-se rei. Por isso o criador da "Escola Superior de Pesquisas Náuticas", mais conhecida como Escola de Sagres, morreu, como Infante aos 64 anos de idade em 1460. Pintores retrataram filhos de reis e nobres como pequenos adultos, mesmo os que haviam morrido logo cedo. Não sei bem, mas Leonardo Da Vinci foi um dos que primeiro vieram a desenhar crianças, como crianças, Esse foi o tempo do aparecimento das crianças, mas elas só conseguiram as bonecas para suas brincadeiras, alguns séculos depois. As bonecas eram privilégios das adolescentes e muitas as levavam em seus casamentos. O costume de ter amas de leite foi muito comum no século XIX, e não era prerrogativa das senhoras de engenhos brasileiras, como pensam alguns. Os católicos mantém uma devoção a Tereza de Lesieux, a carmelita Terezinha de Jesus, e poucos sabem que sua mãe a levava para ser amamentada em um bairro distante, e passava a semana sem relacionar-se com a criança. O século XIX foi a descoberta da adolescência, o XX foi o século das crianças (alguns pedagogos tentaram isso antes), para quem foram criados os Jardins da Infância, onde muitos experimentos foram realizados para se aprender como ensinar as crianças a serem crianças e seus pais serem pais de crianças. Mas o movimento foi lento, e só no final do Século foram criadas declarações dos Direitos da Criança. Pois bem, o dia 12 de outubro, entre outras efemérides, é dedicado às crianças que, neste século XXI algumas têm abundância de brinquedos, alimentos, segurança, escola (pode ser que faltem carinho dos pais atarefados em ganhar dinheiro para itens). Simultaneamente, talvez a maioria das crianças vivam famintas, sem brinquedos, inseguras, sem escola, com seus pais trabalhando, em dobro ou tripla jornada, na ânsia de poder oferecer-lhes mais que carinho, amizade, amor. Dia das crianças é o dia em que palhaços remediados, contratados por senhores endinheirados, apresentam espetáculos gratuitos para oferecer possibilidades de risos que serão vendidos, em cores, como alegria e "felicidade estampada nos rostos", como dito em jargão do jornalismo televisivo, para crianças cujos não as pode levar a teatros, por serem remediadas e pobres. 2. Nos dias de minha infância biológica fui ensinado que em um 12 de outubro a América foi descoberta por um europeu. Cristóvão Colombo "descobriu" a América Central, tivesse mais sorte poderia ter descoberto o único pedaço de terra que se autodenominou de América. No final do século XIX e final do século XX, quando os italianos tentaram descobrir a América, encontraram os ingleses que haviam matado os primeiros habitantes e dominado de tal maneira as terras de Sua Majestade britânica, que quase lhe parece normal matar os que se põem em seu caminhos, sejam povos vindos do continente africano, sejam povos que vieram da Europa, seja os que agora chegam dizendo que são americanos da América Central ou América do Sul. Como para eles só existe a sua América, logo aprenderam nomear esses novos migrantes de "latinos". E não o fazem como elogio. Estadunidenses, norte-americanos (como preferem ser conhecidos) mesmo são os descendentes dos piratas de Sua Majestade Britânica. Recentemente vimos jovens estudantes estadunidenses derrubarem as estátuas de Colombo, acusando-o de ser um invasor das terras dos Dakota, Cheroquee, Chayenne e tantos outros, mas Cristóvão Colombro nem foi para lá no fatídico 12 de outubro de 1492. 3. Quando a Região das Gerais já não produzia tanto ouro, embora a matança de índios continuasse a ser praticada pelos paulistas, depois transformados em heróis formadores do Brasil pela historiografia uspiana, na região de Guaratinguetá, gente pobre e daquelas partes da Colonia portuguesa, negros, mestiços, curibocas, mamelucos, encontravam na pescaria o sustento para si e suas famílias. Mas a passagem do governador na região foi uma oportunidade para agradá-lo, e os homens bons do lugar, mandaram fazer uma festa. Precisavam de peixe e pescadores foram encarregados de encontrá-los, e saíram, à noite, para tal tarefa. A natureza não parecia querer ajudá-los. Parecia ser uma noite perdida. Preocupados com o que poderia lhes acontecer se os vereadores da vila não pudessem fazer a festa planejada e prometida, rogaram por bençãos divinas. Jogaram a rede, mas não veio peixe, na rede estava parte de uma estátua sem cabeça. Jogaram mais uma vez a rede, e pescaram uma cabeça que completava a estátua. A cabeça, a única parte do corpo que aparecia, era preta, e as duas peças se encaixavam. Lançaram a rede mais uma vez, e vieram os peixes em grande quantidade. Domingos Garcia, João Alves e Felipe Pedroso entenderam que a Virgem Maria, a quem haviam solicitado ajuda, os atendeu. Levaram a imagem para casa, e com as famílias rezaram em agradecimento. Os vizinhos souberam e nos anos seguintes passaram a visitar a imagem da Virgem Aparecida nas águas do rio. Depois construíram uma capela, e outra maior para receber os que vinham visitar a Senhora Aparecida. No mês de abril de 1822, Dom Pedro de Alcântara, o Príncipe Regente, foi até o local e teria prometido escolher a Senhora Aparecida como padroeira. Ora, em abril de 1822 não passava pela cabeça de Dom Pedro separar-se de Portugal, por isso, quando veio a independência em setembro daquele ano, ele preferiu que o Brasil tivesse como padroeiro o português São Pedro de Alcântara. O povo preferia visitar a igreja onde estava a imagem, como diziam e dizem, de Nossa Senhora Aparecida, que apareceu aos pobres do Brasil em 1717. Anos depois, em novembro de 1888, a neta de Dom Pedro I, a princesa Isabel, visitou a capela dedicada à Nossa Senhora Aparecida no Brasil, preta como os escravos recém libertados e, fez a doação do manto e da coroa que embeleza a imagem da Santa que o povo quis como padroeira. Em 1822, o cardeal Sebastião Leme consagrou o Brasil à sua padroeira, em 1980, o governo federal estabeleceu o 12 de outubro como feriado nacional em homenagem Senhora Aparecida para auxiliar a vida de pobres pescadores. Em um mundo que escolhe deixar morrer de fome parte de sua população. 4. A devoção a Senhora Aparecida é a esperança do povo que não sabe rezar, como diz o poeta, e lhe apresenta o seu olhar de Pidão e de agradecimento pelas graças que aparecem em sua vida, massacrada pelos que vivem a oferecer festas ao Conde de Assumar, que sempre está de passagem para trazer sofrimento aos Pescadores de Esperança. Severino -Biu - Vicente da Silva, em João Pessoa, no dia de Nossa Senhora aparecida. 12/10/2024

domingo, setembro 22, 2024

AS PRIMAVERAS QUE PODEMOS PERDER

As PRIMAVERAS QUE PODEMOS PERDER Severino Vicente da Silva. Sempre em continuidade à minha formação, estou a ler Uma Breve História da Desigualdade, autoria do professor Thomas Piketty. Sem pressa, passo pelos capítulos como um passeio sobre a história da humanidade, encaminhado pelas interpretações que o autor desenvolveu sobre a quase impossibilidade de afastar a pobreza, diminuir as desigualdades entre os seres humanos, elas que são criações humanas em todas as sociedades. Mas ele se propõe a estudar a igualdade entre os seres humanos, ele concebe a história como a luta pela criação da igualdade, e admite que não é uma história fácil de ser assimilada, pois ele a vê como sendo o objetivo da humanidade. Podemos entender que essa preocupação pela igualdade entre os homens é. pois, resultado do processo de conscientização das diferenças que antes eram vistas como naturais. É nesses tempos modernos que a consciência de que o Outro tem existência, que ele é diferente, mas que essa diferença não pode ser vista como desigualdade. “Todos os homens são nascidos em igual condições e direitos”, é um conceito desenvolvido pela sociedade a partir do século XVIII, e desde então vem evoluindo a recepção e compreensão de que os Direitos Humanos são uma criação histórica, não dada de maneira total e definitiva, como se dogma religiosos fosse. Por razões como essas, o que estamos assistindo e fazendo é a luta pelo fim das desigualdades. Por isso é que os grupos humanos não desistem de sonhar e construir essa sociedade igualitária. Na década de 1990 foi criada a Carta da Terra, onde se expunha a situação periculosa que se vivia: pôr em risco a sobrevivência da terra por conta dos interesses econômicos de alguns, em detrimento dos Direitos dos demais seres que habitam o planeta, Os eventos climáticos recentemente experimentados: excesso de chuva em algumas regiões, seca cada vez mais longeva em outras; enchentes cada vez mais fortes e intensas, decorrente do assoreamento dos rios, em consequência da destruição das matas ancilares, protetoras dos solos. Os governantes locais não se preocupam em acompanhar os debates e as decisões tomadas por fóruns de especialistas sobre o tema, pois estão mais interessados em satisfazer a cupidez e a luxúria de interesses econômicos regionais ou locais, não percebendo que seus locais e regiões são parte de uma sociedade mais ampla que as bordas das piscinas que frequentam. E ao falarmos governantes, estamos a nos referir aos três poderes conforme a compreensão moderna e montesquiana. E os cidadãos parece desejarem aprofundar comportamentos incivis, mantendo suas ruas ruas sujas, calçadas intransitáveis, como que recusando compreender que governantes não podem mudar sem a sociedade e, em alguns casos, forçados pelos exemplos dos cidadãos. Começamos, agora a Primavera, estação tão interessante que se tornou mais comum lembrar a passagem do dia do nascimento como mais uma primavera conquistada que dizer ter vivido mais um inverno. A Primavera é sempre uma promessa de nova vida, com temperaturas amenas, uma quantidade maior de flores e, pouco difícil de encontrar nas cidades, borboletas a brincar com o vento, espalhando polem, criando a possibilidade de novas vidas. A primavera começa, em nosso hemisfério com o Dia da Árvore, talvez para nos lembrar que sem os vegetais diminuem bastante as possibilidades de vida humana na terra. Nas escolas dos primeiros anos de nossas vidas, celebrávamos, ainda celebra-se, o dia da Árvore. À medida que envelhecemos começamos a achar sem graça essas menções nas escolas de nível médio e superior. Daqueles período em diante, em nossa sociedade voltada para o lucro e a satisfação individual, as Árvores passam a ser vistas como objetos de onde lucros podem provir, perdem o encantamento e não mais cuidamos delas. As cidades onde vivemos são construídas, algumas, em solo de antigas florestas, bem como campos agora dedicados ao plantio de leguminosas, pecuária e grande quantidade de grãos. O estímulo que leva muitos a cuidar dos campos parece ter mudado, pensa-se no lucro, depois na alimentação das pessoas. Na verdade, quase mão se pensa nessa última hipótese, somos levados a pensar dessa forma, quando observamos a organização de lançamento de leite nos esgotos das cidades, o esmagamento de frutos e legumes nas ruas, em defesa do lucro de indivíduos que já receberam incentivos para plantar e produzir. E, no entnto, tais comportamentos ocorrem enquanto milhares de seres humanos estão em carência alimentar. Estaremos a perder a profecia da primavera? Nosso comportamento societário atual nos indica uma preferência por invernos e verões capazes de alimentar os caminhos da destruição que socialmente cultivamos, ao dominar a natureza de modo que a desvirtuamos em sua capacidade de promover a geração de novas vidas. As maldades que fizeram com os biomas brasileiros nos últimos anos são tão semelhantes aos milhares que foram mortos pela fome, por causa da fome de lucro de alguns. Claro que esse comportamento tem provocado fome nos países africanos, nos países asiáticos e também nas cidades do mundo gordo por excesso alimentar. Esses são novos desafios para além do que os humanos têm enfrentado desde quando compreenderam que deviam se organizar em sociedade para manter o tipo de vida que surgiu das vidas já existentes. Assim o fizeram, assim o fizemos, e criamos civilizações com artes; mas agora, estamos a agir de forma a destruir as civilizações que construímos, pois não conseguimos, até agora, entender que o outro somos nos simultaneamente. Severino - Biu - Vicente da silva Ouro Preto, Olinda, 22 de setembro de 2024.

domingo, setembro 01, 2024

AOS 74, UMA LEMBRANÇA DOS 17 ANOS

AOS 74 E QUATRO, UMA LEMBRANÇA DOS 17 ANOS Severino Vicente da Silva - Biu Vicente. 1º de setembro de 2024. Vez por outra nos assalta lembranças de momentos que jamais esquecemos, permanentes que ficaram em nossa mente, continuam fazer parte de nossa existência de modo consciente. Tenho essa sensação no que se refere a uma pequena viagem que realizei à Palmeira dos Índios. Havia, recentemente, completado 17 anos de vida e estava evolvido com a organização e animação de grupos de jovens católicos. Pertencia à Paróquia de Nova Descoberta que, à época estava sendo assistida por padres de afirma nacionalidade estadunidense, fruto de um convênio assinado, ainda no bispado de Dom Carlos Coelho, entre as arquidioceses de Olinda e Recife e Detroit. Estavam atendendo um pedido do papa João XXIIIi para que fossem enviados padres para a América Latina, tendo em vista a possível expansão do comunismo após a vitória da Revolução Cubana. Mas não foi apenas Pernambuco que recebeu sacerdotes missionários, pois Palmeira dos Índios estava sendo atendida por padres Oblatos de Maria, só que de origem canadense. O grupo de jovens de NOva Descoberta foi convidado a participar de um seminário naquela paróquia alagoana, pelo vigário padre Donald. Fomos em grupo formado por Samuel Freitas, Josenita Monteiro (Nita), Josenita Arcanjo (Dói) e eu. Passamos a semana e eu aproveitei para fazer um ritual que tenho: andar pela cidade, olhando suas ruas, becos, praças, pessoas nas ruas, edifícios, etc. Assim conheço o local sem a interferência de olhares comprometidos e acumulo informações que utilizo em minhas falas. Faço isso até os dias de hoje, quando vou a lugares pela vez primeira. Fiz uma palestra no encerramento do encontro que não agradou muito aos meus novos amigos/conhecidos na cidade. Durante a semana ouvi a constante reclamação sobre o poderio do Império Estadunidense que tratava a todos como Colonia. Sem negar afirmações como essa, perguntei se havia alguma lei proveniente dos Estados Unidos que proibia crianças entrar, nas escolas, de chinelo. Sim eu assisti essa prática, e ao mencioná-la provoquei ira no auditório, tendo que sair de lá protegido por alguns amigos da paróquia. Retornamos para o Recife no dia seguinte, e na viagem o radio de pilha nos informou que havia iniciado uma guerra entre Israel e a República Árabe Unida - RAU, tendo os israelenses destruído a força aérea do Egito, Síria e Jordânia. Então comentei: a gente não pode sair de casa que começa uma guerra que não se sabe quando acaba enquanto acabam as nações Nesta semana estou lendo O Naufrágio das Civilizações, escrito por Amin Maalouf, filósofo, membro da Academia Francesa desde 2011ii , na página 92 ele assim escreve: Eu seria quase tentado a escrever, pr eto no branco: segunda feira, 5 de junho e 1967, nasceu o desespero árabe. Naquele ano, Amin Maalouf, que nasceu em 1950, estava com 17 anos. Ele lembra que seus colegas estudantes traziam notícias, publicadas nos jornais, de que o exército e a força aérea israelenses haviam sido destruídas. Eram as falsas noticias, enganavam o povo, escondiam o fracasso, que não foi apenas dos árabes, mas das civilizações, incapazes de dialogar, o que as encaminhou para o naufrágio. Neste ano de 2024, estamos assistindo à destruição da Faixa de Gaza. A destruição dos prédios, nem se nota, é acompanhada com a destruição da esperança, a destruição da da esperança é a destruição das civilizações que, construída no passado, rejeitamos agora.