quinta-feira, julho 31, 2008

Virus da corrupção

Em um outros momentos - 09 de julho e 21 de julho - fiz cometários sobre os privilégios que estão sendo concedidos aos que decidiram viver contra qualquer ordem moral no Brasil. Privilégios que estão sendo concedidos por juízes. Preocupa mais ainda quando a gente está assistindo a tentativa de fazer dos escritórios de advocacia lugares sagrados e invioláveis para que a polícia deles não se aproxime. Algo como ocorria na Idade Média quando os criminosos corriam para as igrejas fugindo da perseguição de algum senhor e ficavam sob a proteção de Deus. Essas ações que dizem ser ealizadas para proteger os direitos dos cidadãos, escondem a intenção de eliminar qualquer tentativa da sociedade proteger-se dos criminosos, são sérias e precisam ser pensadas.
Como não sou advogado, jurista, estudioso do assunto, mas apenas um cidadão que lê a Constitução Federal, ressolvi colocar neste meu espaço as reflexões do cidadão Antonio Sebastião de Lima, um advogado que já está aposentado e que não pertence a esta geração que está gerando incerteza no país, com o auxílio de deputados e senadores - muitos deles advogados -. O texto foi publicado no jornal A TRIBUNA DA IMPRENSA, do Rio de Janeiro, no dia 31 de julho de 2008.
Boa Leitura e boa reflexão.


VIRUS DA CORRUPÇÃO
Antonio Sebastião de Lima


A manifestação do senador Heráclito Fortes, em estudada pose de indignação, denuncia ligação com o banqueiro Daniel Dantas, de quem se declara amigo. O senador incluiu-se no inquérito policial, embora a simples menção do seu nome não significasse indiciamento. Com essa manobra, ajuda o amigo, quiçá provedor, a escapar da Justiça comum. Ambos se beneficiarão com o privilégio de foro, essa vergonhosa sobrevivência monárquica em país republicano e democrático!
Os aristocráticos criminosos do colarinho branco servem-se do Supremo Tribunal Federal (STF) como porto seguro. O caso Henrique Meirelles é emblemático. O caso José Dirceu seria o contraponto se a velocidade dos trâmites superasse a do bicho-preguiça na travessia da estrada. Até o final do processo, por volta de 2080, os acusados terão desfrutado, em liberdade, o dinheiro obtido ilegalmente e deixado, aos herdeiros, considerável patrimônio. Os pósteros dirão: "O finado Delúbio estava certo".

A relação Heráclito-Dantas não é de se estranhar. A corrupção endêmica na sociedade brasileira a explica. O vírus cultural foi inoculado já na colônia portuguesa. Inteligência e esperteza andam juntas na aquisição e expansão do patrimônio. Os freios morais afrouxam-se. A compulsão pelo crescimento da fortuna elimina o senso ético.

O indivíduo se torna amoral e poderoso. A cornucópia atrai senadores, deputados, chefes de governo, ministros, magistrados e outros serviços públicos. A esperteza Heráclito-Dantas poderá ser neutralizada. Basta desmembrar o inquérito. No primitivo ficam os primeiros indiciados. Nos inquéritos desmembrados serão indiciados os personagens da ramificação da atividade criminosa, inclusive Heráclito. As provas produzidas em um inquérito servirão aos demais mediante fiel reprodução.

A responsabilidade penal é individual. O Ministério Público poderá oferecer tantas denúncias quantos forem os inquéritos, com a vantagem de não esperar a conclusão dos mais novos. A denúncia contra o senador seria oferecida pelo procurador-geral da República e o respectivo processo, se instaurado, chegaria ao fim por volta de 2108.

Estranhável foi o habeas corpus (HC) concedido a Cacciola para evitar algemas, camburão e exposição à imprensa. O HC destina-se a amparar a liberdade de locomoção (CF 5º, LXVIII). Cacciola havia perdido essa liberdade em decorrência de sentença penal condenatória. Sendo legal a prisão, o HC é incabível. Algemar criminosos não caracteriza ilegalidade ou abuso.
O constrangimento é legal, atende a fins morais e jurídicos, ocorre em todos os continentes, indiferente à riqueza, pobreza, periculosidade ou mansidão do prisioneiro. Conduzir o preso em camburão ou em outro tipo de carro oficial e usual é decisão que compete à autoridade policial.
O comando policial é que está qualificado para saber o que aconselham as circunstâncias de cada diligência, se há perigo, se há algum tipo de risco, qual o percurso mais seguro e assim por diante. O meio de transporte oficial e usual não constitui ameaça à dignidade de quem já está condenado. No caso Cacciola, houve rombo no erário, processo, prisão, soltura, fuga para a Itália.

A imprensa não perderia o lance do retorno do fugitivo. Não havia motivo algum para impedi-la de registrar e noticiar os acontecimentos. Os jornalistas e/ou populares, quando muito, poderiam ameaçar a integridade física do preso, mas aí a medida protetora seria outra, tanto da parte da polícia, como da parte do Judiciário.

Dir-se-á que o direito do prisioneiro à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem estava ameaçado pela polícia e pelos veículos de comunicação, e que o remédio era o HC. Acontece que a garantia para esse tipo de direito é o mandado de segurança e não o HC. Na situação de Cacciola, demonstrar a liquidez e certeza desse direito seria tarefa impossível. A inviolabilidade do citado direito é de quem está em situação lícita, do ponto de vista jurídico. A pessoa condenada pela Justiça criminal sofre restrição e privação de bens, como a liberdade, a propriedade e a honra.
Ao praticar crimes, o agente fica sujeito à suspensão e à perda de direitos. Inexiste igualdade daquele direito entre o prisioneiro e as pessoas livres, decentes, honestas e cumpridoras dos seus deveres. Carece de sentido o protesto por intimidade e privacidade. O regime prisional do Estado prepondera. Para que haja efetiva proteção judírica à honra é necessário que a pessoa seja honrada.

O Estado não está obrigado a proteger a imagem de criminosos. O próprio Cacciola não se preocupou com a imagem. Beneficiado pelo insólito HC, sem algemas, deu risonha e cínica entrevista à imprensa. A parcela honesta da nação brasileira, que prima pela honradez, certamente, ficou injuriada ao receber tal bofetada.

A.S. de Lima é professor e juiz de Direito aposentado

segunda-feira, julho 28, 2008

VANILDO DE POMBOS, poeta do forró


"Nessa sua maldade irás envelhecer, sem conseguir vencer minha simplicidade, quem fraqueja é covarde, a inveja é do cão, quem nasce para ser forte trás o dote na mão. Pode falar de mim que não estou nem aí".

Vitô e Darcy eram dois jovens quando se conheceram no Paraná, embora houvessem passado
a maior parte de suas vidas no mesmo município de Vitória de Santo Antão. Apaixonaram-se, casaram-se e tiveram muitos filhos, a maior parte deles nascido em Pernambuco, no mesmo município de Vitória de Santo Antão, para onde regressaram fugindo da exploração. Mas agora o lugar já era parte do município de Pombos, criado em 1964. O primogênito, Vanildo, nasceu paranaense em 1960. Ainda no Paraná ouvia seu pai tocando e fazendo festa na sala da casa, recebendo os colegas que trabalhavam na mesma roça. Em Pernambuco, o menino fugia do roçado para brincar de cantor, cantando para capins e flores silvestres. Depois quis aprender tocar sanfona, no instrumento de seu Vitô, que proibia, pois não queria que seu menino ficasse enganado com essas coisas de poesia e cantoria. Dona Darcy deixava o menino tocar escondido do pai.

Embora fosse amante da natureza, não era da sua natureza o trabalho de agricultor. Vanildo veio para o Recife, dormiu nas ruas, depois protegeu-se sob o teto do futuro Centro de Criatividade Cultural, aprendeu a fazer música enquanto guardava os instrumentos dos artistas. Plantou-se na porta da Rádio Jornal do Comércio para falar com o “Coroné Caruá”. Um dia foi atendido, cantou e conseguiu uma pontinha em um comercial. Seus primeiros dinheiros foram usados para comprar presentes para a família que se encantou com um televisor preto branco, portátil à base de pilha. Ainda hoje está guardado. Depois foi fazendo crescer o sonho de um disco.

Criador de sua vida, Vanildo foi para o sertão e manteve um programa de rádio. Voltou para o Agreste, criou o personagem GEREBA, inspirado em seu primeiro padrinho artístico, o “Coroné Caruá” e manteve um programa radiofônico em Vitória de Santo Antonio. Como cantor e compositor passou a ser Vanildo de Pombos, deixando claro seu carinho pelo lugar de seus avós, seus pais e seu.

O sonho de Vanildo de Pombos o levou à ao Rio de Janeiro, São Paulo, França, Bélgica, Alemanha, Portugal, e Nova Iorque (Festival Lincoln Center -2003). Lá visitou e cantou no Central Park, no monumento dedicado a John Lennon, com quem se identificava na luta da causa pela paz e no desenvolvimento de uma espiritualidade universal.

Essa espiritualidade parece que o auxiliava a prever certos acontecimentos de sua vida. Uma vez ele sonhou com uma equipe da Tv Globo indo atrás de seu carro. Isso aconteceu quando ele cantou os intervalos dos jogos da copa que teve o pernambucano Rivaldo como destaque.

Vanildo de Pombos com Genilval Lacerda, Terezinha do Acordeon, Santana, e Dominguinhos. Neste ano foi homenageado no São João de Gravatá. Preocupado com a violência crescente em nossas cidades, Vanildo de Pombos estava preparando um festival para promover a paz no Agreste. No sábado, dia 26 de julho, Vanildo de Pombos foi assassinado quando saia de sua casa, em companhia de Cláudia e Maria Clara sua esposa e filha. Correu para longe de seus familiares para protegê-los.

Neste domingo, mais de dez mil pessoas acompanharam o poeta de Dona Darcy, seu Vitô para sua última morada, na sua cidade.

Vanildo de Pombos gravou quatro discos e compôs mais de trezentas músicas. Eu conheci, estive em sua casa com sua família e ele também esteve na minha casa. Estamos trabalhando na construção de sua biografia, a biografia de um poeta do forró.

segunda-feira, julho 21, 2008

Aqueles Del-Rei não podem receber o baraço

Outro dia, entrevistando o professor Luiz Carlos Marques Luz, ele mencionou haver recebido a orientação de ler jornais para ser um historiador. É que os historiadores buscam a pesquisa histórica a partir de algum problema que o seu tempo vive. Pois bem. Recentemente estamos recebendo aulas de direito na imprensa, notadamente nos telejornais. Aulas dos diversos ramos do direito: penal, civil, criminal, constitucional e outros. Embora não se possa definir com exatidão o momento inicial das aulas, podemos sugerir o caso do assassinato de uma criança por seus pais (pai e madrasta) e o caso da ação da Polícia Federal em torno nas atividades de um banqueiro que, nas últimas décadas, tem aparecido em noticiário policial.

Neste último caso chama atenção a rapidez de concessão de habeas corpus e libertação do banqueiro, entre outras razões, por conta da utilização de algemas no aprisionamento daquele cidadão e de seus parentes e associados mais próximos. Ficamos sabendo que a presidência do Supremo Tribunal Federal atende 24 horas por dia, mesmo em tempo de recesso, para garantir que o banqueiro não ficasse aprisionado e que a lei fosse cumprida. Esse cumprimento da lei promoveu farpas entre o presidente do STF e o Ministro da Justiça, por conta da difícil interpretação da mesma lei: a polícia pode ou não pode utilizar algemas foi o centro da questão. Esqueceu-se a questão de milhões de reais (que parecem ter procedência pouco esclarecida) envolvidos, a tentativa de suborno aos policiais, questões de corrupção, malversação de dinheiro público, e outras coisinhas menores. A utilização das algemas em certos presos incomodou de tal modo a ordem pública que, surpreendentemente, o presidente da República promoveu uma reunião entre o presidente do STF e o Ministro da Justiça. Uma foto saída nos jornais mostra o presidente sério como um pai que impõe um carão aos filhos e estes, sorridentes, diziam ao pai que está tudo em ordem. A ordem veio com o afastamento dos delegados desse caso. Pouco se pode dizer além disso, e as revistas e jornais já não falam mais desse assunto. Lembra a peça Farsa dos Almocreves do poeta Gil Vicente: “cedo não haverá vilão. Todos del-rei, todos del-rei.

Lendo Os Excluídos do Reino, escrito por Geraldo Pieroni, que no segundo capítulo trata das Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, encontrei um pouco a razão do horror que fez perder o sono o presidente do STF. Nas Ordenações Filipinas (feitas por ordem de Dom Felipe II e continuadas e postas em vigor após a Revolução de 1640 por Dom João IV), o livro V trata do Direito Penal. Ali está dito que certas pessoas, os nobres, aqueles de são del-rei, os fidalgos, estão isentas de certas penas. É que a legislação do Antigo Regime, aquele que teria acabado com a Revolução Francesa de 1789 e as seguintes, é uma legislação garantidora da desigualdade social; daí o desejo de enobrecimento que se verifica na sociedade portuguesa daqueles séculos e que foi herdado pelas “zelites” brasileiras. O Título CXXXVIII, do Livro V das Ordenações Filipinas define as “pessoas que são escusas de haver pena vil”, relacionando as profissões e títulos dos nobres que “devem ser relevados de haver pena de açoute, ou degredo com baraço e pregão, por razão de privilégios ou linhagem”. Não vou transcrever a lista, pois hoje ela está quase resumida à posse e apresentação de diploma de título superior. Talvez seja essa uma das razões para a proliferação de faculdades dos mais diversos cursos técnicos transformados em cursos superiores. No dizer de Gil Vicente:Cedo não haverá vilão." É claro que essa “qualidade” , na prática, é proibida para um povo analfabetizado pela política de ausência de escolas.

Entretanto, se o diploma formação superior é uma garantia de privilégios, imagine se o portador do diploma seja, também, portador de bilhões de reais! E se a mesma pessoa for parente do Barão de Jeremoabo, aquele que incentivou a nação brasileira para a destruição do Arraial de Canudos, no final do século XIX, penso que, então deve ser entendida como normal a aplicação das Ordenações Afonsinas.

A humilhação pública sempre foi reservada às pessoas comuns, imprimindo nelas o estigma da vergonha. O procedimento judiciário para os nobres foi portanto suavizado pela legislação que lhes reservava certos privilégios. (PIERONI, Geraldo. Os Excluídos do Reino. Brasília: Editora da UNB, 2006. 2ª edição. P 47)

O uso de baraço, que significa corda e hoje pode ser entendido como sinônimo de algemas, está proibido para a atual nobreza brasileira, é o que nos ensinam esses recentes acontecimentos e posturas de nossas autoridades, elas próprias geradoras de sua nobreza. Um antigo líder sindical costumava nos alertar contra as artimanhas das elites ou Zelite.

Festival de Inverno de Garanhuns



Três dias com sentimento de férias, assim estive em Garanhuns, cidade pólo do Agreste Meridional pernambucano que, nos últimos dezoito anos vem utilizando o clima físico para movimentar o clima cultural de Pernambuco. Foram os dias iniciais do Festival de Inverno, edição 2008.

Creio que em apenas três ocasiões fui à Garanhuns nesse período, embora tenha estado na cidade várias vezes. Uma das primeiras, no tempo em que a antiga Fundação de Ensino Superior de Pernambuco - FESP estava a fazer o esforço necessário para vir a ser a Universidade de Pernambuco. Participei, como docente, de vários cursos de que tinham o objetivo melhorar a titulação dos docentes da Faculdade de Formação de Professores do campus avançado de Garanhuns, assim como o de Petrolina. Daquele período tenho gratas recordações, pois fiz amigos que ainda hoje atuam no magistério da UPE, alguns agora em Nazaré da Mata. Lembro também dos conhecimentos e amizades que tenho desde quando assessorei a Faculdade de Administração – FAGA; participei de reuniões no Rotary quando das celebrações do quinto centenário dos descobrimentos portugueses. Outras vezes de minha visita na cidade esteve ligada à ação pastoral com os jovens da diocese e no contato com os Redentoristas, na pessoa de Padre Gabriel, que havia sido meu professor de Teologia Moral. E ainda, por conta das aulas, Garanhuns foi meu ponto de apoio nas pesquisas que fiz na comunidade dos Fulni-ô de Águas Belas, bem nas minhas idas a Caetés. Desses contatos tenho agradáveis recordações, dos que estudaram comigo, já então professores, e dos que conheci por minha freqüência na cidade. Referência especial ao Hotel Maville.

Em entrevista Diário de Pernambuco, Afonso Oliveira, produtor cultural responsável pela Casa dos Pontos de Cultura, lamenta que, nesse largo espaço de quase duas décadas, o FIG ainda não tenha revelado grupos culturais locais. Tais palavras coincidem com as que escutei de alguns moradores da cidade. Parece que o Festival de Inverno de Garanhuns tem uma vocação maior para atrair turistas temporários que promover a cultura local. Na verdade, a maior parte do público se desloca para o Agreste Meridional para encontrar-se com alguns artistas-cantores de projeção nacional, ligados ao mundo do divertimento.

Há, no FIG, um espaço muito bom para a aproximação da arte musical erudita na direção de um público que não tem acesso a esse tipo de refinamento cultural. Mas como ele ocorre eventualmente, não tem sido o suficiente para atrair o homem e a mulher cotidianos da região. Aliás, os moradores da cidade continuam em sua faina diária, o que não lhe permite usufruir os bens culturais que estão postos para a degustação.

Nas tardes da sexta e do sábado tive o prazer de, na Catedral, ouvir belas peças, e apreciar um maravilhoso espetáculo – musical e visual – de música do Renascimento Cultural europeu: uma maravilhosa aula de cultura renascentista. Ao início das noites daqueles mesmos dias duas peças teatrais discutiram as relações dos homens com a natureza e com os seus semelhantes; a Árvore (grupo Duas Companhias, de Pernambuco) e o Quebra-Quilos (grupo Alafim, da Paraíba). Durante o dia foi o “bater pernas” em busca das exposições de pintura, de fotografia, Livrarias, etc. Foram dias de férias e estudo e de observar pessoas em busca de oficinas diversas.

Mas a cultura local, só pude mesmo ver e ouvir, enquanto comia um prato feito na área comercial., com a chegada de um grupo de Reisado que tocou três músicas, tomou uma cachaça e continuou a espalhar música no almoço dos comerciários.

Talvez, para que a cidade de Garanhuns venha tornar-se um ponto de turismo permanente, seja necessário fazer uma pesquisa mais acurada das criatividades culturais locais – artesanato, danças, grupos de teatro, etc. Mas isso só ocorrerá quando e se a população local tornar-se mais que simples espectadora e servidora daqueles que buscam, no clima da região, sentir-se um pouco mais europeu, ou vão à cidade uma vez por ano para ter contato, gratuito, com músicos e bandas. O Festival de Inverno de Garanhuns deve caminhar na direção de ser mais que um evento feito para ser consumido e não degustado.

quinta-feira, julho 17, 2008

Um salário mínimo para os professores, mas não o professor mínimo

Neste cipoal de notícias que se acumulam sobre a gente, notícias as mais diversas, inclusive essa informação de que o vizinho chegou bêbado e, generosamente, resolveu dividir conosco o seu prazer de ouvir música, ontem soubemos que o presidente da República estabeleceu um piso salarial pra os professores brasileiros.

Esse tem sido um longo percurso: reconhecer que os professores, especialmente os que realizam o trabalho mais básico, não podem continuar tão desconsiderados nesta sociedade capitalista. Evidentemente não foi definido um salário como o que os senadores pretendiam dar a alguns dos seus amigos R$ 9.900.00. Também seria querer muito, como costuma dizer quem se contenta com um pouco mais do que já conseguiu. Quando fiz uma pequena assessoria a uma prefeitura do Agreste pernambucano, conversei com uma professora que se recusava fazer uma capacitação, pois, se não o fizesse seria posta para fora da sala de aula e passaria a fazer a varrição de rua. Ela disse que era o que desejava, pois se caso isso ocorresse ela dobraria o seu salário. Passam seis anos desse acontecimento.

A valorização do professor deve caminhar paralela a mudanças e melhorias nos espaços das escolas. Espaços físicos: bibliotecas, salas de aula, limpeza dos sanitários, salas para professores, salas específicas para atividades conjuntas, auditórios, teatros, espaços para prática de esportes, etc.; e também os espaços mentais dos diretores, supervisores, funcionários administrativos, professores, secretários de educação e alunos. É que essa melhoria salarial, que deve ser posta em prática até o final de 2009, seja um passo na direção de uma melhoria nos demais aspectos da vida profissional, mas principalmente no que concerne ao professor ter uma melhor percepção de si mesmo e de seu trabalho, de sua função social, de seu papel histórico na construção de um mundo melhor, mais justo, mis digno para a vida de pessoas humanas plenas.

As melhorias devem ocorrer em todos os níveis de ensino, de tal maneira que nossas escolas possam ser, de verdade, um espaço de experiência, reflexão, aprendizado e treinamento que capacitem os que vivem e passam por elas para viver no século XXI.

Mas uma das melhores coisas que pode acontecer nas escolas é que elas sejam realmente democratas, abertas para todos. Precisamos parar com concessões aos sobreviventes das aristocracias, castas e igrejinhas. A manutenção de certos comportamentos serviçais que se tem por certas "tradições, pessoas e situações aristocráticas" impedem e dificultam o trabalho que os educadores devem fazer.

terça-feira, julho 15, 2008

Os ciganos, nossa carteira de inquietação

Recentemente o governo italiano tornou público o seu interesse em identificar todos os ciganos que entram na Itália. Diz que o objetivo é garantir que eles recebam assistência social, tenham acesso à educação, etc. Essa disposição do governo italiano vem quando ocorre um seguido coro de lamentação sobre a crescente presença, na Itália, desse grupo humano que tem como pátria o mundo. Pelo fato de não estarem organizados em um estado, poucos sabem que as experiências nazistas para depuração da humanidade e grantir o domínio da “raça ariana” começaram com massacre dos ciganos. Essa busca de soluções para problemas que indicam controle do estado sobre os indivíduos deve sempre gerar preocupações. Quase sempre os grupos que estão fora dos espaços do poder sofrem as conseqüências dessas boas intenções. Evidente é que os que estão no poder também sofrem as conseqüências, mas não as negativas.

O processo de globalização permanente ao qual estamos submetidos, influenciando nele e dele sendo influenciado, exige de nós um comportamento mais atento sobre o que ocorre ao nosso redor. A cada momento recebemos milhares de informações e não nos permitem tempo para absorvê-las. Esse sistema informativo nos coloca para correr atrás de objetivos que não nasceram de nossas ansiedades mais íntimas, ao mesmo tempo em que somos forçados a assumir objetivos gerados em salas de “criação” de alguma agência ou escritório de assessoria a alguma empresa. Assim é que ficamos assistindo os nossos governantes buscando alianças para ganhar tempo de televisão na próxima campanha política, enquanto deveriam estar discutindo o que fazer para melhorar as vidas dos moradores das ruas, quer possuam teto ou não. Tudo parece tão normal, tão natural, que nem discutimos a ausência de espaço nas delegacias que atende os “criminosos comuns” enquanto prisioneiros na agência centro da Polícia Federal recebem comida enviada por seus familiares, entregues por advogados bem vestidos e bem nutridos. Apenas somos informados e não somos chamados – e não nos chamamos – para discutir o que se passa e o que significa isso. É natural, sempre foi assim, nos dizem.

Ora, não é natural, nem sempre foi assim e devemos agir para que não continue sendo assim.

Tudo é hoje um espetáculo, nos dizem. Mas, o que significa que algo é um espetáculo, e o que siginifica fazer parte de um espetáculo é o que precisamos saber. Mas esse saber não pode ser apenas racional, ele deve ser vital em todos os pedaços do nosso ser. Quando o saber é só racional ou é só emocional ele pode se tornar reacionário.

Em um espetáculo há vários agentes: idealizador (es), diretor (es), produtor (es), artista (s), maquiador (es), iluminador (es), público, etc. Precisamos saber qual a função que estamos exercendo nesse espetáculo de nossas vidas. Esse foi o tema de um filme, já não tão recente, sobre a vida de um homem que, sem saber esteve sempre sobre os holofotes e fazia parte de uma telenovela. A sua vida era um novela, mas ele não era o diretor. Entretanto tudo dava certo para ele. E tudo começou dar errado quando ele começou a se inquietar e querer ser o seu diretor. Há sempre a possibilidade de inquietação. Não ficar quietos.

Fomos ao cinema, vimos o filme, o achamos interessante e continuamos a nossa parte, continuamos a ser Truman. Ou ciganos, candidatos a receber uma identidade para que o estado possa controlar melhor a nossa existência. Aliás, vem aí uma nova Carteira de Identidade que, já se diz, há de nos garantir melhor proteção.

Na sociedade espetacularizada, só devemos nos mexer, não nos inquietarmos.

quarta-feira, julho 09, 2008

As algemas do ministro

Julguei que passaria mais tempo sem retornar a escrever neste espaço de conversas comigo e com os que me acompanham. Contudo, acontecimentos me forçaram a escrever. Esse negócio, esses negócios que envolvem o banqueiro Daniel Dantas, um nome que vimos acompanhando nos noticiários político, econômico e policial por mais de uma década, deixam-me furioso. Especialmente quando assisto, no noticiário, o presidente do Supremo Tribunal Federal reclamando da maneira que foi preso o banqueiro, instantes após ter visto uma afirmação do banqueiro, que tentara corromper um policial para não se preso, uma vez que temia a primeira instância da justiça, pois, dizia ele, no STF seria mais fácil. O Presidente do STF estava chateado porque o banqueiro, que vez por outra, tem seu nome associado a alguma ação delituosa e anti-republicana, foi algemado. Diz ele que isso é um abuso. Talvez, penso eu, porque machuque o corte do paletó ou suje a camisa.

Ora, Nunca vi, nem esse nem outros ministros, reclamando o uso de algemas nos bairros pobres deste país. Eu fui algemado durante a ditadura militar e levado, em sigilo de justiça, para onde ainda não sei. Esse presidente do STF acha que apenas os pobres, pretos, analfabetos, assalariados que não podem pagar R$ 6000.00 por uma garrafa de vinho devem ser algemados. É capaz de ele vir a criar uma lei que proíba os ladrões, que vez por outra, encontram-se com ele em lugares em que os trabalhadores assalariados jamais puseram os pés depois de terminada a construção, sejam presos.

As palavras desse ministro confirmam que a maioria do povo brasileiro não faz parte do Brasil. Ou seja, do Brasil frequentado pelo ministro e seus amigos. Como diz o poeta "o brazil não conhece o Brasil".

Coisas como essas que vimos no noticiário de ontem é que explicam porque mais de duas centenas de recém-nascidos morrem em um hospital em seis meses; afirmações, como as que fez o ministro do STF, explicam porque as escolas públicas estão sempre carentes de bibliotecas, área de lazer, telefones, pinturas, tetaro, carteiras, etc.; frases como a do ministro, saindo lépido e fagueiro na acusação aos policiais que sabem da inexistência de leis que proíbam o uso de algemas para ricos, explicam porque um banco que recebe córneas para transplante fecha por falta de verba, enquanto banqueiros como Dantas mantém seu banco funcionando e o banqueiro Cacciolla pode fugir do país; especulações como as explicitadas pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal explicam porque não há condução decente para os trabalhadores irem ao trabalho diário e seus filhos irem à escolas; sentenças como a desse juiz explicam porque não parques publicos nas cidades brasileiras.

Ah! Quanto benefício pode trazer esse deslize do pressidente do STF, depois que um corruptor disse que era mais fácil ele se sair bem nos tribunais superiores. Ambos, o delinqüente e o juiz sabem o que disseram. Nós ficamos pagando impostos para garantir que os juízes defendam aqueles que não pagam impostos. Isso nos dá a impressão de que alguém paga alguma coisa a alguém.

Estou indignado. Desejo que as pessoas voltem a cultivar alguma indignação.

Por outro lado sei que nestes tempos de tudo ser relativo é meio deselegante ficar indignado. Uma pessoa educada, politicamente correta, não deve expor seus pensamentos sobre as autoridades, não deve dizer que acha essas coisas que banqueiros e políticos fazem estão erradas. Afinal, nada vai mudar, pensam os indigentes de indignação, e os indignados podem vir a ser prejudicados, pois nunca se sabe as voltas que mundo dá. Esse negócio de ser politicamente correto é que faz o juiz sair em defesa de pessoas que já não sabem beber água. Apenas os que têm um "salariozinho", como bem disse o presidente, esses que só podem beber cachaça brasileria de baixa qualidade, que jamais bebem uisque ou usam paletós tão finos, aqui e no exterior, é que devem ser algemados.

Roupa e dinheiro lavados promovem assistência judiciária gratuita das Associações de Magistrados. Quem é preso com roupa muito usada e machucada deve ser algemado.

segunda-feira, julho 07, 2008

Coisas de final de semana



É uma manhã clara em Brasília e, enquanto espero o momento de embarcar de volta para o Recife, penso um pouco no que ocorreu nesses últimos dias.


Na sexta feira estive no espaço da Menina Mulher, uma entidade que oferece assistências a adolescentes em situação de risco social; e lá conversamos um pouco sobre a relação entre as danças brasileiras de ascendências africanas e as religiões, especialmente certas orientações do cristianismo pentecostal que vê a presença do diabo em qualquer movimento. Essa demonização do mundo, esse esforço de dominar e controlar pelo uso do medo, é uma recorrência na maior parte das religiões, especialmente essas que se organizaram em igrejas. Essa busca da localização do mal na ação dos outros seres, parece-me, é fruto da vaidade que acompanha certos grupos humanos desde épocas remotas, a vaidade de achar-se proprietários da verdade, donos das divindades. Em nossa sociedade, tem crescido o número de pessoas que vive mais preocupada com a situação que poderá existir após a morte, enquanto se esquece das condições de exclusão, sofrimento, que tem sido a marcada existência de tantos jovens. Provoca dor quando se encontra com jovens tão certos de “verdades” que lhes foram repetidas tantas vezes, que fecham as portas de suas mentes para qualquer outra palavra que não seja a palavra de pessoas que se autodenominam representantes diretos de um deus, um deus que escolhe alguns para a salvação e alguns para a danação. Pessoas que pregam e vivem deuses excluidores semeiam sociedades excludentes. Como o Brasil tem sido uma sociedade excludente desde a sua formação inicial como Estado, ele é um bom lugar para esses pregadores de divindades excluidoras. Mas o bom daquela manhã e daquela tarde foi poder debater com meninas-mulheres e promover o confronto de idéias. Afinal, abrir caminhos de liberdade é permitir que as pessoas sejam informadas e se formem conversando.



Já o sábado foi de debate com estudantes de História do Brasil, na cidade de Goiana. Uma manhã também produtiva pelo animado debate. Gosto muito de conversar com professores que atuam no interior, espaços distantes das capitais. Lá descubro essas pessoas que, em situações bem mais difíceis, conseguem abrir suas mentes e seus corações para o conhecimento. Nem sempre esses professores tiveram acesso a bibliotecas e leram muitos livros, (Esse é um problema crônico em nossa sociedade excluidora: como se estuda sem acesso a livros nesse país!) mas estão desejosos de saber e trabalhar em sala de aulas. É interessante como sempre há professores e pessoas interessadas em serem professoras nos interiores do Brasil e recebendo salários de fazer vergonha a escravos; ao mesmo tempo, ainda que prefeituras ofereçam salários de R$ 7.000.00, não se consegue médicos brasileiros para atendimento aos brasileiros que não vivem nos grandes centros urbanos. Deve haver algum engano na pedagogia e nos objetivos do ensino médico.


Na noite do sábado já me encontrei em Brasília para acompanhar o Coco Popular de Aliança em sua apresentação no projeto RioPernambuco.com, que ocorreu no Espaço Cultural da Caixa Econômica, ao lado de Afonjá. Se foi bom ver homens e jovens da Mata Norte de Pernambuco afirmando-se como sujeitos de suas vidas para além da exclusão social dos canaviais, mais gratificante foi com eles visitar os espaços sociais e de representação política do país na manhã do domingo.





Na noite, juntamente com a apresentação do Maracatu Estrela de Ouro de Aliança, cantando e tocando ao lado e com Jorge Mautner, fizemos o lançamento do livro Maracatu Estrela de Ouro de Aliança: a saga de uma tradição, no mesmo espaço cultural, com o auditório lotado e com o público dançando em frente ao teatro ao final do espetáculo. O mesmo acontecera na véspera com Biu do Coco e Mestre Duda liderando uma ciranda.


Foi um excelente final e início de semana.






sexta-feira, julho 04, 2008

Anúncios de vida

Chegando em casa, após ter-se apresentado em um solo de dança - Pequenas Subversões - por ela criado e gerado, a minha filha Ana Valéria comunicou-me que exames laboratoriais confirmavam que ela está vivendo a quarta semana de gravidez. A sua primeira gravidez e o meu segundo neto, que pode vir a ser a minha primeira neta. Pois então tenho a família crescendo, mantendo a continuidade, confiando no futuro.

Cada gravidez é sempre uma aposta na bondade da vida, é uma mostra de confiança que a humanidade encontrará saídas para os impasses que ela cria. A geração de um ser é uma doação. Um corpo passa a dividir-se para dar início a um novo corpo, assim como duas almas, que vivem em corpos diferentes, dividiram tempo, dedicação, entrega para promover a chegada de nova alma. Concebidos em alegria física e espiritual, novos habitantes da terra chegam alegres para alegrar e construir novos caminhos com, nos, e ao lado de outros caminhos. A alegria é a marca da vida, ainda que ela venha com dores, sangue, apreensão. Mas o que caracteriza a vida é sempre alegria. Quando não há alegria, sempre nos perguntamos afirmando se “isso é vida”. Nesta manhã de julho fico alegre com as dores e os risos que virão em janeiro.

A vida parece ter término. Mas é uma aparência de fim. Todos que já vivemos com alguém que já morreu sabemos que ele se mantém vivo e conversando conosco quase todos os dias. Caminhamos com os nossos mortos, pois eles nos mantêm vivos. Assim foi com dona Ruth Cardoso que, embora morta na semana passada, vai viver muitos anos porque sua vida foi fértil nos mais amplos e mais peculiares sentidos dessa palavra.

Interessante como nós a chamamos sempre de “dona Ruth”, assim como nos referimos a senhora que respeitamos e amamos. A reconhecemos senhora.

Pois bem, dona Ruth Cardoso, a professora de antropologia que pôs um fim na falsa ajuda da Legião Brasileira de Assistência, que assistia mais aos não necessitados de assistência e criou programas como o Universidade Solidária e o Bolsa Escola. De início o Universidade Solidária parecia ser uma reedição do Projeto Rondon, uma iniciativa ocorrida nos anos da ditadura militar, pois era também voltado para universitários. Entretanto tinha uma prática mais envolvida e comprometida com mudanças, não apenas nos estudantes, mas nas comunidades que eram atingidas pelo programa. Essas iniciativas mostraram uma acadêmica conhecedora das realidades brasileiras e disposta a indicar um caminho que nos livrasse desse peditório que as elites brasileiras criaram para continuar no poder.

As ações de Dona Ruth Cardoso sempre me lembraram os ensinamentos que escutei de Dom Hélder Câmara, ainda no tempo em que desconfiava dela por desconhecê-la. (ah! mas eu nunca a conheci, jamais nos olhos se viram, mas conheci o resultado de suas iniciativas, especialmente em Belém do São Francisco). Dom Hélder, o criador da Operação Esperança, dizia algo assim:devemos sempre evitar dar coisas, conhecimentos prontos, é melhor indicar os instrumentos para que sejam utilizados, assim as pessoas ganham autonomia e podem se tornar sujeitos de sua vida.

Dona Ruth Cardoso, como Dom Hélder Câmara, era contrária à prática da simples esmola, esse gesto quase inconsciente de colcoar a mão no bolso para dar o que não se precisa. Essa esmola é fortalecimento de situações de escravidão, de servidão. Gera dependência. A verdadeira ajuda é aquela que permite a vida se construir autonomamente, como um homem e uma mulher que entregam partes de seus corpos para que outro corpo, outro ser nasça, cresça e seja.

Aqueles que produzem a vida não morrem.

terça-feira, julho 01, 2008

uma pergunta: a internet emburrece

Li o texto abaixo em meu programa QUE HISTÓRIA É ESSA, na rádio Universitária 820AM, no dia 25 de junho. O texto foi-me enviado peloprofessor Edson Hely, que leciona no Colégio de Aplicação da UFPE. Creio que todos devemos tomar conhecimento dos limites que essa ferramenta, a internet possui. Aliás, todas as ferramentas são limitadas. Sabemos que um martelo não é bompara cortar carne ou madeira.



GILBERTO DIMENSTEIN Internet emburrece?

As redes facilitaram o acesso à informação, mas também facilitaram a apropriação de reflexões dos outros

IMAGINE 687 MIL UNIVERSITÁRIOS ou recém-formados disputando 2.500 vagas de estágio e de programas de trainee. Isso equivale a aproximadamente 2.800 candidatos por vaga. Só para dar uma medida de comparação: é uma proporção 25 vezes maior do que a dos vestibulares das mais disputadas faculdades brasileiras.O que você acha que ocorreu com tanta gente disputando tão poucos empregos? Pergunte a algumas das 57 empresas, entre as quais a Microsoft, a Natura, a Unilever, a Braskem e o ABN-Amro, que participaram da seleção. Não ocorreu o óbvio. Responsável pela aplicação dos testes em 2007, a psicóloga Sofia Esteves constatou que algumas das empresas não preencheram vagas ou tiveram de se contentar com a repescagem, obrigadas a diminuir o nível de exigência. "Há uma distância crescente entre o perfil desejado pelas empresas e a qualidade dos universitários", afirma. Além das óbvias questões educacionais, relembradas na semana passada, com a divulgação de um índice de qualidade do ensino (Ideb), a psicóloga levanta mais uma hipótese: excesso de internet. Seria essa mais uma das retrógradas reações típicas de quem tem fobia tecnológica?
Sofia conta que alguns exames foram abrandados ou até eliminados. Numa prova de língua portuguesa, apenas um entre 1.800 candidatos foi aprovado. Decidiu-se então abolir esse requisito -o candidato passou a ser eliminado apenas quando comete, na redação, um erro do tipo escrever experiência com "ç". Na seleção, porém, a dificuldade tem sido menos a de escrever segundo as normas gramaticais (o que já é grave) do que a de expor criativamente uma idéia -um critério relevante porque as empresas querem funcionários capazes de enfrentar desafios com autonomia. E aí, na visão da psicóloga, entraria a ação nociva da internet.
É verdade que as redes digitais facilitaram, como nunca, o acesso a qualquer tipo de informação, mas também é fato que facilitaram a apropriação de reflexões dos outros. É sabido que muitos alunos, na hora de fazer as lições, montam uma colagem de textos encontrados na internet. "Estão perdendo o hábito de ler um livro inteiro e fazer um resumo." Pula-se velozmente de galho em galho digital, numa interatividade hiperativa. A hipótese é que, por isso, sairia prejudicada a busca de profundidade.
A combinação de excesso de informação com hiperatividade foi um dos fatores que motivaram Mark Bauerlein, professor da Universidade Emory, em Atlanta (EUA), a escrever um livro intitulado "A Mais Burra das Gerações: Como a Era Digital Está Emburrecendo os Jovens Americanos e Ameaçando Nosso Futuro". Burrice seria, na sua visão, 52% dos adolescentes americanos terem respondido em uma prova que a Alemanha foi aliada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. Sua tese central é a de que as tecnologias digitais permitiram que os jovens passassem ainda mais horas do dia trocando informações com seus pares, mas, ao mesmo tempo, diminuiu o tempo de intermediação dos adultos nos processos de aprendizado. Diante daquela avalanche de dados em tempo real, ficaria então mais difícil para os jovens aprender a selecionar e expor o que é relevante no conhecimento tudo isso acaba prejudicando a liderança e a capacidade de trabalhar em grupo.
A avalanche digital não teria maiores problemas se o jovem não fosse obrigado a buscar um emprego que exigisse criatividade e autonomia para solucionar desafios o que requer necessariamente a capacidade de síntese e a habilidade de selecionar uma informação relevante. Justamente uma das razões, entre várias, para que aqueles 687 mil universitários brasileiros não conseguissem preencher 2.500 vagas.
PS- Como trabalho simultaneamente com comunicação e educação, tenho observado que, embora adore a abundância de informação, reverencie a possibilidade de escolhas e aprecie ainda mais a possibilidade de interagir, coisas que vieram mesmo para ficar (e é bom que fiquem), o jovem se sente confuso e demanda cada vez mais a intermediação de gente em quem possa confiar para ajudar na seleção das informações. Ele vê com desconfiança os meios de comunicação tradicionais como a escola, por suspeitar que eles não conseguem traduzir o que é relevante para sua vida. Por esse ângulo, nós é que somos emburrecidos. Tanto a escola como o jornal do futuro vão estar assentados na solução desse desafio ou vão ficar estacionados no passado. gdimen@uol.com.br