quinta-feira, dezembro 21, 2023

Professora Christine Dabat

Caros Dom Helder dizia que conheceu alguns europeus nascidos na Rua da Aurora, e conhecera brasileiros que nasceram à beira do Rio Sena. Desde 1967 encontrei a Professora Doutora Chistine Dabat, uma brasileira nascida na França. Tornou-se professora concursada da Universidade Federal de Pernambuco, assumindo a disciplina de História Medieval, dedicada aos estudos de uma parte da “invenção” da Europa que veio, em parte para o Brasil com aqueles decididos a viver em espaços que havia conhecido recentemente, e criar novas Lusitânia, York, Inglaterra, Amsterdan, mas geraram novas culturas e sociedades, mesclando tradições e cargas genéticas, alguns, enquanto outros cuidaram de manter-se separados das novidades, como se não houvesse um Atlânticos separando-os das suas terras originárias, por isso viam as novas terras apenas como lugares para o enriquecimento rápido, com vistas a um retorno quase imediato para o lugar de onde saíram. Alguns desses vivem como uma sanfona, ou como diz um samba de Martinha da Vila: “não sei se vou, não sei se fico..” Christine não vive este drama: veio para ficar. Christine dedicou-se a estudar a história social e, como está no Nordeste do Brasil, na região que se constituiu com e no açúcar, com amargo sabor de exploração, de sofrimento, mas com a doçura do sonho, da esperança. Seus estudos nos ajudam a entender o que somos, como vivem parte dos brasileiros, esses brasileiros que não são vistos por outros que nasceram ao seu lado. Seus estudos sobre os moradores dos engenhos, não os das casas grandes, mas das casas de pau-a-pique, seguradas com o mesmo barro que alimenta o canavial, que se renova anualmente, mas são casas frágeis que não lhes pertencem, onde moram “de favor”, e que podem ser derrubadas facilmente, ao primeiro sinal de insatisfação. Enquanto Christine dedicava-se a estudar o mundo do trabalho dos cortadores de cana, eu brincava com ela que eu estudava esses mesmos homens e mulheres em seus momentos de lazer e criatividade, em suas brincadeiras, e a realização da crítica que está presente no Cavalo Marinho, no Maracatu Rural, críticas não percebidas pelos frequentadores dos alpendres das casas construídas vários metros acima dos corpos dos trabalhadores, uma arquitetura do poder. Christine tem os olhos de uma brasilidade, uma brasilidade não excludente, por isso é capaz de entender que há laços profundos entre os povos asiáticos e os brasileiros, uma relação que existe desde muito antes que os filhos da Europa encontrassem o caminho para as Índias; percebe que este passado está voltado a criar novas relações, como bem demonstra o Grupo de Estudos da Ásia, que tem aberto os olhos e as mentes de seus alunos para essa realidade que está sendo gerada enquanto estamos vivendo. A minha amiga Christine está a se aposentar, pelo que entendi, deixará as aulas dos cursos de graduação, mas continuará, enquanto lhe for possível, atividades na pós graduação e nos grupos de estudos sobre a Ásia. Agradeço os momentos que trabalhamos juntos em diversas comissões no curso de História, agradeço a sempre alegre acolhida em sua sala, agradeço a ela por ter-me auxiliado a compreender um pico mais o universo cultural em que viveram meus pais na Zona da Mata Norte de Pernambuco, agradeço-lhe ter-me feito gostar mais de meu povo. Desejo que o Curso de História da Universidade Federal de Pernambuco jamais deixe de estudar seu lugar, seu povo. Finalizo dizendo que, em meu nome, em nome de seus alunos e, creio, em nome de seus colegas, declaro, desde agora, Christine Paulette Yves Rufino Dabat, Professora Emérita da UFPE. Severino Vicente da Silva Professor associado da UFPE. Ouro Preto, Olinda, 21 de dezembro de 2023

sexta-feira, dezembro 15, 2023

Calendas de dezembro

São as calendas de dezembro, o mês que, avançou duas casinhas, abandonou a dezena, tornou-se dúzia, o mês do fim anunciador do Começo ou recomeço. Recomenda-se recomeçar, ou ao menos tentar novo rumo, novos caminhos. Desde o início do mês venho pensando em escrever algo sobre o aniversário da Declaração dos Direitos Humanos, uma bela carta de intenção para que se organize o caminho em direção da humanidade. É uma carta escrita sob a influência da evidência da malvadez humana. Ocorreu em um tempo de conviver com a surpresa dos campos de concentração na Alemanha, na Rússia, no Japão, nos Estados Unidos da América, no Sudeste e no Nordeste do Brasil. No primeiro instante, e nas décadas de quarenta e cinquenta, os campos utilizados pelos nazistas para eliminar ciganos, judeus, homossexuais, polacos, comunistas, católicos, protestantes ficaram mais famosos, foram registrados pelas lentes dos fotógrafos “para que ninguém viesse a negar” a barbárie que o General Eisenhower viu. Esperava, o general que tais registros fotográficos auxiliassem a memória dos povos e tais fatos de desumanidade não voltariam a ocorrer. E desde então não esquecemos, não devemos esquecer, que ocorreu o holocausto. Infelizmente, só tem sido considerado criminoso o que ocorreu com o povo judeu, e os demais grupos humanos foram jogados no silêncio da História, no esquecimento, na ignorância. Assim, foram escolhidos os alemães como responsáveis pelos campos de extermínio, e os judeus como sendo os exterminados. E então ocorreram julgamentos e caça aos que foram os principais responsáveis pela matança provocada pelo ódio a uma parte da humanidade. Mas quando se odeia uma parte, tudo que forma o inteiro é odiado. Quanto aos demais, receberam a ignorância consentida. O passar do tempo é que, vez por outra expõe a existência de outras barbaridades realizadas pelos humanos contra os humanos, mas tal novo conhecimento depende do movimento da história, dos interesses de alguma parte da humanidade. Foi assim que soubemos das atrocidades perpetradas pelos dirigentes da União das Repúblicas Soviéticas, morrer e como ocorreria tais mortes, se haveria a morte imediata ou se a morte viria de maneira lenta nos campos da Sibéria. A notícia chegou através uma acusação formal durante um congresso, ele veio a ser consolidado pela literatura de um sobrevivente desses Gulags. Mas não foram poucos os que desejaram ignorar, cultivar a ignorância desejada para si, a ignorância justificada. Stalin, como Hitler, tinha seus soldados voluntários e sedentos pelo poder. Um ditador não se mantém sem o apoio anônimo dos ignorantes dos fatos e daqueles que são ignorantes pelo desejo de sê-lo. Ainda não chegou nas escolas brasileiras a notícia de que durante as longas estiagens nordestinas foram criados campos que concentravam os migrantes, os retirantes em busca de pão. Muitos morreram nesses campos de concentração da miséria humana, uma parte que mata e outra que de fome morre. O século XX, como os anteriores estão carregados desses atos contra a humanidade. Durante a Segunda Guerra Mundial, aquela que gerou os campos de concentração nazistas, nas regiões onde os japoneses, recentes migrantes, estavam restaurando suas vidas, ocorreram campos de concentração para onde foram levados e tratados sem consideração por sua humanidade. Os estados de São Paulo e Pernambuco isolaram os japoneses que ali viviam. Os alemães também foram incomodados, e tratados como possíveis traidores da terra que os acolheu. Povos Transplantados, como nos explicou Darcy Ribeiro, formam comunidades à parte, onde mantém seus costumes de origem, recusando-se a envolver-se com aqueles que os aceitaram. Chegaram no Brasil com o sentimento do racismo científico que estava sendo gestado nas regiões que se industrializavam e geriam a produção do saber. E o saber produzido não reconhecia, não reconhece ainda, que não faz parte de seu grupo social, por isso “não são humanos”. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, construída em 1948, marcada pelos escombros físicos e morais pela guerra que findara em 1945, pretende ser uma orientação para humanidade. Mas como alcançar esse objetivo se tem sido cultivada a ignorância sobre eles e, simultaneamente ocorra a celebração da miséria moral, leva milhares de cidadãos e cidadãs a optarem por dirigentes sem cultura, cultivadores de ódio aos seres humanos e ao planeta? Enquanto não assumirmos a Declaração Universal dos Direitos Humanos é de nossa responsabilidade, estaremos no caminho oposto à humanidade, como nos comprovam as guerras que, agora não têm mais pejo de criar campos de concentração à vista de todos, que os ignoram enquanto embebedam-se orgulhosamente de sua ignorância; Severino Vicente da Silva. Olinda 15 de dezembro de 2023. Este texto, entre outras influências, reconhece sua dívida a Peter Burke (Ignorância: uma história global) e Jesse Souza O( A guerra contra o Brasil).

domingo, dezembro 03, 2023

Dezembro e o sonho

Já vai longe o mês de novembro, é passado, recente, mas passado. O passado está sempre presente, assim não surpreende que mais da metade de dezembro é novembro. A guerra iniciada em outubro, tomou novembro, dominará dezembro e poderá continuar indefinitivamente, apesar dos esforços de Bibi, em “terminar o que começou”, como espera o presidente estadunidense, preocupado com a duração da guerra entre o grupo terrorista Hamas e o Estado de Israel que, sofrendo algum dos efeitos da Síndrome de Estocolmo, está cada vez mais parecido com um terrorista. Será possível que continuemos a esquecer a Guerra da Ucrânia, para desespero do palhaço que parece ter perdido o tablado? E o Iêmen? E o drama dos haitianos em Santo Domingo, onde os bispos católicos apontaram que o rosto de Cristo é o rostos nos negros, índios, brancos pobres e todos os desvalidos? E o que dizem os bispos sobre a Nicarágua, cada vez mais afundada no terror de uma revolução que era bonita no livro e que até virou livro de uma Pedagogia da Revolução? A era de Aquarius foi tão frustrante quanto ao balado Hare Krishna. Ainda bem que Henry Kissinger morreu quase obscuro e desconhecido das gerações da Nutella (nunca foram a uma favela), das ‘redes sociais ‘que não socializam. Novembro seguiu Outubro e vai ser seguido por Dezembro, o enunciador do permanente Ano Velho, vestido de novo. Esta semana sonhei que estava no Vaticano, assistindo uma reunião dos cardeais presidida pelo Papa. Eu devia estar no lugar de algum anjo, o que não surpreende, pois nunca estou no lugar que, pensam, me reservaram na vida. Assim assistia a reunião sem dela participar, pois para isso eu teria que ter a permissão de Nega Fulô, convidada para o céu. Vi quando um bispo – cardeais são bispos vestidos de vermelho – que parecia ter sido amigo de infância e juventude do papa, disse: Mas Antônio, você não me disse que era bispo. Ao que Antônio retrucou: Nem você, Francisco, disse-me que era papa. Os dois abraçaram-se choraram pelo reencontro. Os cardeais, ou outro, deviam estar chorando, mas eu não estava preocupado com eles. Francisco tomou aquele olhar sério que os pais costumavam ofertar aos filhos, e disse: pois Antônio, agora que você é bispo, lembre-se que deve ser um bispo para o mundo, como dizia Dom Hélder Câmara. E. lá do meu posto de observação, eu vis os cardeais levantarem-se e aclamarem o arcebispo de Olinda e Recife e do Mundo, a sua diocese. Não tenho a menor ideia do que este sonho signifique, ou se tem significado. Talvez vocês saibam. É muito estranha esta sensação de que alguns anos de sua vida você conviveu com um santo, uma pessoa que sabia ter defeitos e diariamente estava nos encantando com a simplicidade divina. Gosto muito do Dom e, neste mundo impessoal, convivo com jovens que nasceram no ano da da morte de Hélder, mas não sabem quem foi, o que ele fez. Nessa sociedade impessoal que está sendo gestado, por nós, os de setenta + e os de setenta - , é também uma sociedade que se desmemorializa. Sem memória, não há história, não há choro, não há alegria, não há amigos nem encontros pessoais, apenas mesa de negócios e janelas de oportunidades. Quem vive de oportunidades é apenas um consumido pelo seu consumo, não cria relações além da clientela. Boa Noite. 03/12/2023 Severino Vicente da Silva