sexta-feira, dezembro 15, 2023

Calendas de dezembro

São as calendas de dezembro, o mês que, avançou duas casinhas, abandonou a dezena, tornou-se dúzia, o mês do fim anunciador do Começo ou recomeço. Recomenda-se recomeçar, ou ao menos tentar novo rumo, novos caminhos. Desde o início do mês venho pensando em escrever algo sobre o aniversário da Declaração dos Direitos Humanos, uma bela carta de intenção para que se organize o caminho em direção da humanidade. É uma carta escrita sob a influência da evidência da malvadez humana. Ocorreu em um tempo de conviver com a surpresa dos campos de concentração na Alemanha, na Rússia, no Japão, nos Estados Unidos da América, no Sudeste e no Nordeste do Brasil. No primeiro instante, e nas décadas de quarenta e cinquenta, os campos utilizados pelos nazistas para eliminar ciganos, judeus, homossexuais, polacos, comunistas, católicos, protestantes ficaram mais famosos, foram registrados pelas lentes dos fotógrafos “para que ninguém viesse a negar” a barbárie que o General Eisenhower viu. Esperava, o general que tais registros fotográficos auxiliassem a memória dos povos e tais fatos de desumanidade não voltariam a ocorrer. E desde então não esquecemos, não devemos esquecer, que ocorreu o holocausto. Infelizmente, só tem sido considerado criminoso o que ocorreu com o povo judeu, e os demais grupos humanos foram jogados no silêncio da História, no esquecimento, na ignorância. Assim, foram escolhidos os alemães como responsáveis pelos campos de extermínio, e os judeus como sendo os exterminados. E então ocorreram julgamentos e caça aos que foram os principais responsáveis pela matança provocada pelo ódio a uma parte da humanidade. Mas quando se odeia uma parte, tudo que forma o inteiro é odiado. Quanto aos demais, receberam a ignorância consentida. O passar do tempo é que, vez por outra expõe a existência de outras barbaridades realizadas pelos humanos contra os humanos, mas tal novo conhecimento depende do movimento da história, dos interesses de alguma parte da humanidade. Foi assim que soubemos das atrocidades perpetradas pelos dirigentes da União das Repúblicas Soviéticas, morrer e como ocorreria tais mortes, se haveria a morte imediata ou se a morte viria de maneira lenta nos campos da Sibéria. A notícia chegou através uma acusação formal durante um congresso, ele veio a ser consolidado pela literatura de um sobrevivente desses Gulags. Mas não foram poucos os que desejaram ignorar, cultivar a ignorância desejada para si, a ignorância justificada. Stalin, como Hitler, tinha seus soldados voluntários e sedentos pelo poder. Um ditador não se mantém sem o apoio anônimo dos ignorantes dos fatos e daqueles que são ignorantes pelo desejo de sê-lo. Ainda não chegou nas escolas brasileiras a notícia de que durante as longas estiagens nordestinas foram criados campos que concentravam os migrantes, os retirantes em busca de pão. Muitos morreram nesses campos de concentração da miséria humana, uma parte que mata e outra que de fome morre. O século XX, como os anteriores estão carregados desses atos contra a humanidade. Durante a Segunda Guerra Mundial, aquela que gerou os campos de concentração nazistas, nas regiões onde os japoneses, recentes migrantes, estavam restaurando suas vidas, ocorreram campos de concentração para onde foram levados e tratados sem consideração por sua humanidade. Os estados de São Paulo e Pernambuco isolaram os japoneses que ali viviam. Os alemães também foram incomodados, e tratados como possíveis traidores da terra que os acolheu. Povos Transplantados, como nos explicou Darcy Ribeiro, formam comunidades à parte, onde mantém seus costumes de origem, recusando-se a envolver-se com aqueles que os aceitaram. Chegaram no Brasil com o sentimento do racismo científico que estava sendo gestado nas regiões que se industrializavam e geriam a produção do saber. E o saber produzido não reconhecia, não reconhece ainda, que não faz parte de seu grupo social, por isso “não são humanos”. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, construída em 1948, marcada pelos escombros físicos e morais pela guerra que findara em 1945, pretende ser uma orientação para humanidade. Mas como alcançar esse objetivo se tem sido cultivada a ignorância sobre eles e, simultaneamente ocorra a celebração da miséria moral, leva milhares de cidadãos e cidadãs a optarem por dirigentes sem cultura, cultivadores de ódio aos seres humanos e ao planeta? Enquanto não assumirmos a Declaração Universal dos Direitos Humanos é de nossa responsabilidade, estaremos no caminho oposto à humanidade, como nos comprovam as guerras que, agora não têm mais pejo de criar campos de concentração à vista de todos, que os ignoram enquanto embebedam-se orgulhosamente de sua ignorância; Severino Vicente da Silva. Olinda 15 de dezembro de 2023. Este texto, entre outras influências, reconhece sua dívida a Peter Burke (Ignorância: uma história global) e Jesse Souza O( A guerra contra o Brasil).

Nenhum comentário: