terça-feira, setembro 16, 2008

A Esperança e as bolsas

A caminhada matinal me fez encontrar uma pessoa a colocar nas calçados retratos de um dos muitos interessados em prefeiturar a cidade, e de outros que desejam apenas a vereança. Por ordem de um juiz eleitoral, eles devem deixar espaço para os pedestres. Na verdade, pela maneira que os retratos são postos em exibição, podemos supor que o supervisor daquela pessoa está mais interessado em que os retratos sejam vistos pelos motoristas dos automóveis do que pela possível parada dos olhares dos pedestres. Interessante é que todos os personagens retratados expõem um belo sorriso. Alguém já disse que eles estão rindo dos eleitores. Não creio. Afinal, todos os que se dispõem a expor suas vidas no cuidado das coisas públicas, são pessoas altruístas, dedicadas à construção do bem comum e, jamais pensam em tirar vantagem pecuniária do exercício do cargo público. Assim eu penso, embora conheça muitos que fizeram ótimo pé-de-meia e garantem uma bela aposentadoria após oito ou doze anos de serviço público. Mas creio são exceções.

Vendo aqueles retratos lembrei-me de eleições passadas e, uma dessas lembranças veio a ser uma campanha para governador, aquela em que todos acreditávamos que a Esperança voltava, após os anos da ditadura. Naquela eleição, pusemos, mais uma vez, Miguel Arraes no Palácio das Princesas, de onde ele havia sido arrancado, mas não derrotado. Digo pusemos, pois naquela campanha tive alguma participação mais ostensiva.

Como a direita escalara um descendente de senhor de engenhos e terras da Mata Sul para se opor a Miguel Arraes. Escrevi vários textos tendo como mote o seguine: às vezes o velho é novo e o novo é velho. Entretanto sabemos que há velhos que são velhos e jovens que são jovens, jovens que não envelhecem e jovens que, por maldição histórica, sempre serão velhos. José Múcio era um jovem que continuava a tradição de umas coisas velhas do nosso estado. Hoje ele é um dos mais importantes ministros do presidente Luiz Inácio da Silva. Um jovem ministrando para um jovem.

Mas além daquele exercício cívico-literário e anônimo (mas foram bem reproduzidos pelo pessoal da campanha e distribuídos, especialmente nos comícios realizados nos bairros mais ricos), na época eu estava vice-diretor, professor de História da Igreja e um dos coordenadores de estudos do Instituto de Teologia do Recife. Alunos e professores não queriam ficar alheios ao clima de mudança, euforia e esperança que corria em Pernambuco e no Brasil. Era evidente que cada um, como cidadão podia participar da campanha política. Mas estávamos de arcebispo novo e, diferentemente do seu antecessor, Dom José Cardoso não permitia que pessoas ou instituições eclesiásticas assumissem compromisso público com qualquer dos candidatos. Todos entendíamos que o novo arcebispo não desejava que os católicos fossem orientados a votar em um candidato progressista, afinal ele havia sido escolhido para arcebispo de Olinda e Recife, entre outras tarefas, com o intuito de estancar as reflexões da teologia da Libertação. Os professores e alunos do ITER desejavam uma manifestação pública.

Contatos foram feitos e, uma noite, ocorreu uma reunião de Miguel Arraes com a direção do ITER, os Coordenadores de Estudo, professores e representantes de alunos. Foi uma conversa muito instrutiva para mim: aprendi que os médicos estavam se tornando uma força política por conta de seus contatos diretos com a população; aprendi que a Segurança Pública era uma área muito sensível e de difícil equação; entendi que a educação era uma prioridade no futuro governo e que Arraes continuava a focar os trabalhadores do campo. Depois desse encontro, uma reunião produziu um manifesto e eu fui escalado para levar pessoalmente o documento ao nosso candidato. Terminei por ser figurante de um dos guias eleitorais, entregando o tal manifesto àquele que era visto como a esperança e, ao mesmo tempo, um desejo de retomar o caminho que havia sido truncado em 1964.

Nunca saberemos realmente se a presença do Instituto de Teologia do Recife no guia eleitoral de Arraes auxiliou algo na sua eleição. Mas, penso que a lição de que devemos participar do processo democrático foi dada, mesmo que essa participação inclua riscos. O resultado da eleição foi favorável a Arraes, embora a sua eleição tenha causado desgosto a alguns dos aliados e, alguns anos depois, um deles se uniu a José Múcio para derrotar Arraes. Quanto ao Instituto de Teologia do Recife, algum tempo depois foi fechado por ordem romana aplicada pelo arcebispo. Deixei de ser vice-diretor do ITER, perdi o direito de ensinar História da Igreja em estabelecimentos eclesiásticos. Mas participei dessa e de outras campanhas eleitorais em que as pessoas acreditavam no que diziam e vibravam nas ruas. Depois vieram os marqueteiros e todos os candidatos passaram a ter o mesmo sorriso e a barba aparada e cabelos alinhados. Ganha-se em beleza perde-se em debate.

A esperança hoje são as “bolsas”: para alguns a eterna BM&F e para outros a que é dada nos bolsões, com os restos da BM&F. Todos os candidatos garantem que a bolsa vai continuar, a esperança é que a bolsa continue.

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