sexta-feira, março 31, 2023

QUE VEIO COM MARÇO Prof. Severino Vicente da Silva Último dia de março de 2023, término de uma expectativa a respeito de um passado que parece jamais ser passado, o 31 de março de 1964 e madrugada do 1º de abril, quando os militares mais uma vez, à serviço dos interesses de uma pequena parte da população brasileira e de interesses de grupos de fora do país, deram início à uma ditadura que durou até 1985. Entretanto, derrotada pelo movimento que levou à anistia de presos políticos e pelas eleições diretas em todos os níveis, essa ditadura, continuadora de outras que vieram antes, parece ser invencível. A política de Conciliação que tem marcado a história do Brasil, evitou revoluções e, os mesmos grupos continuam a se suceder no poder, estabelecendo os caminhos que a nação brasileira tem trilhado desde que deixou de ser portuguesa. Os que sucederam Dom João e Dom Pedro I encontraram meios de mudarem sem permitir que as mudanças ocorressem ou ocorram. Cada época os grande proprietários de terra encontram o seu Bernardo Vasconcelos, esse “grande político” que se dispõe a “fazer a revolução antes que o povo a faça”, o que vem acontecendo desde a “maioridade de Pedro II”. Por esse caminho trilharam Prudente de Moraes, Getúlio Vargas, Castelo Branco (na ausência de um civil), Collor de Mello, o falso civil Bolsonaro e agora Artur Lira. Talvez eu esteja exagerando, mas vivemos em tempos de absurdos, mas a união de Lira, Bolsonaro e Campos IV me põe a ter pesadelos. Mas sempre tem aparecido algo que não estava nos planos, como um leve pneumonia. E Lira e está sendo obrigado a tocar outra música e o candidato a ditador percebeu que pode ir para a prisão, como seu amado Trump que está cada vez mais próximo de uma condenação por pagar mal os serviços de uma atriz pornô. Às vezes os grandes bandidos são condenados por pequenos delitos, assim como Al Capone não foi condenado pelas mortes que fez e mandou fazer, mas por mentir ao Imposto de Renda. As elites econômica, latifundiária e financeira que governa o Brasil sempre encontram meios para agraciar os frequentadores dos alpendres de suas residências, o que antigamente chamava-se “clientes”, sempre convidados para servirem de moldura para o retrato “atual”. Para calar alguns clientes insatisfeitos com os caminhos tomados pela ditadura do Estado Novo, Getúlio definiu que portador de diploma de curso universitário teria direito a cela especial, como eram poucos os portadores de diplomas, e todos relacionados, de alguma maneira, com as famílias de poder, essa “regalia”, algo que dado por algum rei, se manteve ao longo do século XX, quando poucos brasileiros entendiam que havia Direitos Humanos e que a Constituição define que todos os cidadãos são iguais perante a lei. Agora, com o fracasso da tentativa de retomar, com feições piores, a ditadura de 1964, finalmente o STF pôs fim a esta excrecência, a este excremento ditatorial. Foi a luta contra a Ditadura que levou os brasileiros a tomar consciência da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e o paladino primeiro desse caminho foi o então Arcebispo de Olinda e Recife, Dom Hélder Câmara, com o movimento Pressão Moral Libertadora e o seu sucedâneo, Justiça e Paz, nos anos iniciais do período mais terrível do poder militar aliado a civis, os anos de 1968 e 1969. A “elite” brasileira sempre resolveu os impasses que viveu com a violência. Ela se fez pela violência sistemática contra os povos que habitaram primeiramente o Brasil, e quando digo isso não me refiro ao massacre que os portugueses realizaram entre 1500 e 1810. Precisamos estudar ainda como ocorreu a ocupação do Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Santa Catarina, Acre, depois de 1822. A matança dos indígenas brasileiros não pode ser creditada apenas ao período português na América, os brasileiros fizeram sua parte neste genocídio. Uma leitura na revista O Cruzeiro, especialmente nos anos cinquenta nos lembraria algumas barbaridades próximas. A violência é a marca da conquista do Pantanal. Aliás era cantada nos carnavais: “lá no bananal mulher de branco, levou Prá índio colar esquisito...” , a violência que continua sendo aplicada a todos que não se adequam ao modelo vigente, seja o modelo dominante, seja o subsidiário, que parece contrapor-se, mas que como se dizia no império: nada mais parecido com o conservador como um liberal no poder. Hoje é o Dia do Livro Infantil, aquele escrito para que as crianças, com seus cérebros em crescimento recebam informações sobre o mundo; o livro, além de ter um perfume característico, desenvolve o tato, o prazer de tocar, senti-lo áspero e suave enquanto atiça a imaginação, levando a criança, depois o adolescente, a imaginar coisas que o autor imaginou, mas o leitor sempre põe mais uma cor na imaginação, uma curva no caminho. É na infância e adolescência que o cérebro cresce, guarda informações que nos chegam pelos sentidos. Neste mês de março soubemos que pessoas e instituições que criaram, usam e ensinam a usar a Inteligência Artificial, mostraram-se preocupados com a evolução dessa AI e o risco que a sociedade humana está vivendo. Desde o final do século XX que a arte mostrava a possibilidade de as máquinas tomarem decisões pelos humanos que as criaram e, mesmo contra os seus criadores. 2001, uma Odisseia no espaço e O Exterminador do Futuro são exemplos desses alertas que agora nos vem de cientistas e mesmo dos chefes das grandes empresas, com Google e Twiter. Eles sabem que um bom número de pessoas dessas novas gerações cresceram sem os desafios que a leitura de um livro traz, pessoas que já encontram tudo pronto e que vivem ao toque do teclado. A nossa cultura humana criou a crença em uma possibilidade de viver sem dor, sem esforço e que já não precisa nada além de uma máquina que faça o que ela deseja. Agora já temos máquinas que são capazes de dizer aos humanos o que eles devem desejar e, como a maioria da população humana do planeta tem sido educada para crer em tudo que vem da máquina, percebem que as máquinas podem, sim, dominar os humanos. Os guindastes foram benvindos, passaram a fazer o trabalho dos estivadores, e os engenheiros sorriam pois não precisariam cuidar de tantas pessoas. Os estivadores foram desempregados, tornaram-se inúteis. Agora as máquinas estão começando a fazer os trabalhos dos engenheiros, que ficaram preocupados e não mais sorriem, pedem que se dê uma pausa na programação, nos estudos, no aperfeiçoamento da Inteligência Artificial. Talvez tenham percebido tarde que a evolução não se está dando mais no homem, e sim nas máquinas. O ser humano evoluiu para as máquinas que fazem café, que movimentam a produção de uma fábrica. Os engenheiros inventaram máquinas que dispensaram o homem e a mulher, tiraram dos homens e das mulheres aquilo que as faz humanas: o trabalho. Trabalho é uma ação com objetivo e, também uma ação que gera novos objetivos. Mas só percebe os novos objetivos quem educou o cérebro para pensar, e essa seria a evolução humana; contudo, os engenheiros resolveram que os cérebros deveriam ser treinados para fazer ações que completassem as atividades das máquinas. Aos poucos os humanos forma perdendo a capacidade de pensar, e de sentir, e de ter compaixão, e de sofrer com o outro humano. Agora a principal ocupação dos homens é cuidar de algumas máquinas para que elas não apresentem defeitos. A grande preocupação não é mais entender o paciente, mas verificar o que a máquina disse a respeito do sangue que foi levado a máquina. Lembro de um livro, lá nos anos oitenta do século passado, que instava que os médicos dedicassem “cinco minutos” aos seus pacientes. Mas se as máquinas são capazes de oferecer o diagnóstico, para que os médicos? Não sem razão aos poucos tiraram da formação do médico a reflexão ética e moral, afinal essas coisas só se aplicam aos humanos e, preocupar-se com isso pode impedir a lucratividade da atividade médica que deixou de ser a cura, mas a organização do grande placebo que é o consultório cheio de máquinas. Afinal é necessário cuidar da saúde financeira. Quanto ao economistas, lembro de um que estabeleceu um pequeno apiário; quando recolheu os primeiros litros, mostrou aos amigos e um deles perguntou: trouxe para nos presentear? E ele respondeu: ninguém dar aquilo que vende. No decorrer da conversa, um professor disse que estava com livro novo sobre suas pesquisas, seus novos conhecimentos e, com naturalidade, o economista disse, “não esqueça de trazer o meu, terei prazer de ler o presente que você me dará.” O professor continuará “dando aulas” e livros, desde que não conteste as orientações dos engenheiros, médicos, economistas que estão sendo substituídos pelas máquinas e, pedem: diminuam o ritmo das pesquisas, pois nos perdemos. Já faz algum tempo que as escolas estão sendo atacadas, estudantes mortos enquanto recebem a possibilidade do conhecimento, professores são mortos em plena atividade de ensinar, e morrem enquanto procuram meios para educar os cérebros e os sentimentos daqueles que chegam até a sua sala de trabalho. A grande sociedade não quer conversar sobre esses acontecimentos que mostram os primeiros resultados de uma sociedade que parou de evoluir moralmente, amorosamente. Debater tal assunto por mais que cinco minutos usando as máquinas que comandam os horários das famílias, que decidem que os programas mais cerebrais devem ser apresentados após as 23 horas, pois os operadores das máquinas já foram dormir, após terem sido imbecilizados enquanto estavam acordados ou em movimento. Os operários precisam descansar um pouco para sentirem as máquinas quando estiverem operando-as. A boa administração da sociedade ensina que não se deve distrair os operadores de máquinas com assuntos que possam trazer ansiedades humanas; isso diminuirá a sua taxa de produtividade. Aliás essa palavra está cada vez mais usada nos espaços dedicados à formação dos cérebros que já estão formados, os cérebros dos universitários. Para crescer saudáveis os cérebros carecem de receber carinhos e os grandes “inimigos” das máquinas são aqueles criadores, transmissores de carinho e conhecimento. Com tempo, assim como os cachorros aprenderam a amar, as máquinas poderão vir a ser grandes amantes. E então, vitória total: não teremos mais professores, pois o antropoceno terá sido ultrapassado.

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