sexta-feira, abril 26, 2024

João Felisberto Cândido

Em agosto de 2008, escrevi sobre O Almirante Negro. Esta semana uma autoridade da Marinha do Brasil desmereceu a ação do marineiro João Cândido por ter lutado pelo fim do castigo da chibata, que os oficiais costumavam usar contra os marinheiros, em sua maioria negros. João Cândido foi indicado pela deputada Benedita da Silva para fazer parte do Panteão dos Herois. Agora republico aqui o que disse antes. Boa leitura. JOÃO CÂNDIDO FELISBERTO – O ALMIRANTE NEGRO Severino Vicente da Silva Leio nos jornais notícia da reparação histórica ao marinheiro João Cândido Felisberto que, no início do século XX participou da luta pelo fim do castigo físico que oficiais da Marinha Brasileira estavam autorizados a aplicar aos marinheiros comuns. Enquanto os oficiais da marinha eram provenientes das camadas mais abastadas da sociedade, os marinheiros eram negros, mulatos, outros mestiços, pobres. João Cândido foi um dos que se insurgiram após assistir a aplicação de mais de duzentas chibatadas em um dos colegas. A capital federal assistiu, mais uma vez, canhonaços e temeu por uma guerra civil. Após alguns dias e muitos mortos, ficou proibido o uso das chibatas. Algum tempo depois, João Cândido foi expulso da marinha. A medicina auxiliou a estigmatizar ainda mais o Almirante Negro, afirmando que ele era um débil mental ( a mesma coisa andaram dizendo de Antonio Conselheiro) internaram-no em um hospício. Posteriormente foi visto que houve um “erro de diagnóstico”. Antonio Cândido veio a falecer em 1950. Por iniciativa da senadora Marinha da Silva, João Cândido foi reintegrado às Forças Armadas Brasileiras. Suas famílias não tiveram direito à indenização monetária, pois teria que ser contada desde 1911, e esta verba não indenizatória não estava prevista no orçamento. Nos comentários dos jornais, leio que vários líderes de diversos movimentos que apontam para uma maior integração da população negra e mestiça (embora os mais radicais não costumam achar interessante brasileiros mestiços; para esses líderes, tem que ser negro e assumir sua africanidade quase negando alguma brasilidade) e vejo que, nos depoimentos ditos e publicados no Jornal do Commércio deste domingo (3/08/2008) há um esquecimento, proposital ou não, de lideranças e personalidades brasileiras de origem africana que viveram no século XIX. Sendo João Cândido marinheiro, é possível que ele nos faça lembrar a Marcílio Dias, um negro que se destacou na defesa do Brasil na Guerra da Tríplice Aliança (talvez se pretenda negar o grande número de negros que morreram naquela guerra apenas porque revisões históricas a apontam como parte da expansão inglesa); bem que se poderia lembrar, nessa lista de brasileiros negros ou mestiços, Castro Alves (eu sei que grande parte dos brasileiros jura, de pés juntos. que Castro Alves era branco e louro como grande parte dos jovens de nossas periferias), e José do Patrocínio, e Cruz de Rebouças, e Borges da Fonseca, Antonio Pedro de Figueiredo, Negro Balaio, Machado de Assis, entre outros. Quando os jovens brasileiros, que, como eu, têm uma de suas origens na África puderem apreciar a participação dos afrodescendentes na construção do Brasil, eles sentir-se-iam melhor e mais dispostos a assumir a sua negritude ao invés de auxiliar o enriquecimento dos vendedores de corantes para cabelos. É melhor política cultural fazer afirmações do que esquecimentos. Após alguns anos os esquecimentos serão lembrados, como agora o fez, uma mestiça de todas as etnias, a senadora Marina da Silva. Não mencionar as participações dos negros e mestiços brasileiros no século XIX, o século que “cria” o Estado Brasileiro, é colocar no lixo pérolas, diamantes, julgando serem pedras comuns. E ainda que fossem comuns, os cascalhos triturados e tornados cimentos é que fazem as construções se manterem firmes e vigorosas. As medalhas - de ouro, prata, ou bronze – são presas por simples fitas para serem vistas e admiradas. Não adianta negar a história, ela sempre volta, nas pesquisas das novas gerações, para nos lembrar que sempre a querem manipular. Se as comunidades, associações, organizações não governamentais lutam para preservar tradições como maracatu de baque virado, capoeira, acarajé, pano da costa, e outras coisas e danças nascidas no século XIX como parte da cultura brasileira, há que se cultivar também os homens e as mulheres que viveram e lutaram neste território cultural. Talvez quando fizeram o que fizeram não estavam pensando nos atuais movimentos sociais (aliás, estão tão parados que daqui a pouco não vai dar para chamar de movimento) e seus dirigentes; nossos antepassados estavam vivendo os seus presentes e superando o seu passado, mas os atuais dirigentes desses movimentos têm a obrigação de lembrá-los e explicitar a sua participação na formação do DNA cultural brasileiro. Quem sempre quis esquecê-los foi a classe social que não os reconheciam e só nos reconhece em último caso. Escrito em agosto de 2008 Severino.vicente@gmail.com www.biuvicente.blogspot.com

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