domingo, agosto 18, 2024

PEQUENAS REFLEXÕES SOBRE REVOLUÇÕES NA AMÉRICA LATINA. Severino (Biu) Vicente da Silva Corria o ano de 1979, no Brasil nós estávamos a viver o que nos parecia ser os albores da democracia, embora estivéssemos em grande e profunda escuridão política. Mas, parecia que estávamos aprendendo a ver e ler os sinais de esperança em plena escuridão. Recriávamos que no fim do túnel havia uma luz pois, nos ensinava o morador da Rua das Fronteiras, a madrugada estava carregada da manhã que se aproximava. Afinal uma chuva de cravos havia brotado nas ruas de Lisboa, começamos a dançar o Vira. Uma tarde, um grupo de jovens estudantes de um curso de Estudos Sociais, uma disciplina que, nas universidades, simulava a disciplina Organização Social e Política procurou-me para que lhes dissesse "onde ficava o Consulado da América Central. Haviam passado em um vestibular e estudavam em uma das universidades federais da cidade do Recife. Eis um dos caminhos que as ditaduras indicam para os jovens, futuros assessores de ditadores: o desconhecimento do seu país, de sua vizinhança. A busca pelo "Consulado da América Central" por aqueles jovens, devia estar relacionada com a vitória da "Revolução Sandinista", com a qual nicaraguenses puseram termo a uma longeva ditadura mantida pela família Samoza, desde 1936. Uma das novidades desse movimento latino-americano foi a colaboração de cristãos - clérigos e leigos - com partidos marxistas. Padres formaram parte do primeiro governo revolucionário. A Teologia da Libertação, além da tradicional filosofia, ancorava-se nas Ciências Sociais, para compreender qual o papel que o cristão deve desempenhar na sociedade. Os católicos, que haviam dado alguns mártires, religiosos e leigos, foram surpreendidos com a chegada do cardeal Woytilla ao papado e, com João Paulo II, parte de um conservadorismo reservado, mas que contestava os caminhos da Alegria e Esperança do Concílio Vaticano II. no retorno de Santo Domingo, onde fora fazer o encerramento da Conferência do CELAM, de passagem pela Nicarágua o papa reprovou publicamente a participação dos cristãos, especialmente do clero, no governo revolucionário. Foi o início da ação contra a Teologia da Libertação, que nunca foi condenada, mas nunca foi aceita sem restrições pelo Discatério da Doutrina e da Fé, então dirigido pelo cardeal Ratzinger, futuro papa Bento XVI. Período difícil para os padres da TdL, especialmente quando os revolucionários começaram a assemelhar-se ao antigo ditador, e provocou o afastamento do padre e poeta Ernesto Cardenal do cargo que ocupava no governo revolucionário. A Revolução dos cristãos socialistas, ou dos cristãos e socialistas começava a seguir o curso de outras revoluções: esquecer de praticar os ideais que eram as bases de suas ações, ao tempo em que o discurso se mantinha e tornava-se amontoado de palavras ocas. Como sói ocorre, um dos líderes revolucionários assume o encargo de apontar o futuro para todos. Na Nicarágua, Daniel Ortega e sua esposa assumiram a revolução como negócio familiar e, agora, apenas os desconectados com a realidade e os que tiram vantagem da situação, apoiam Ortega e sua "revolução". Novos aliados assumiram o lugar dos sacerdotes católicos, os cristãos protestantes assumiram as funções que os jesuítas prepararam. A Igreja Católica está sendo expulsa da Nicarágua: escolas e universidades católicas são nacionalizadas, padres são expulsos, culto católico proibido, bispos presos e expulsos do país. A Nicarágua foi mais uma revolução que engoliu seus primeiros líderes e desembocou em mais uma ditadura. Um pouco mais abaixo, na América do Sul, a experiência iniciada pelo Coronel Chaves desandou após a sua morte, mantendo-se com eleições periódicas que estão sempre a eleger o mesmo candidato. Mata-se a democracia pela via eleitoral, enquanto um grupo social assume as vantagens que o petróleo, as armas e o discurso nacionalista concedem. Mas, aprendi com um colega: as ditaduras não são eternas. Na história das sociedades humanas, " tudo que é sólido desmancha no ar", tanto as democracias quanto as ditaduras. A liberdade que se conquista é muito frágil e exige um comprometimento constante e ativo. Os discursos cansam depois de algum tempo, se não forem acompanhados de ações que lhes respaldem, tornam-se ocos e, apesar de belos, servem apenas à geração que os criou. dependo da quantidade da perda de sua substância fundante, dificilmente alcançará duas gerações. Quanto maior for a distância entre a palavra e a ação, maior será a frustração, o desengano que atingirá os novos tempos, as novas gerações. O esquecimento será tão longo quanto o sono da Bela Adormecida que, diferentemente do conto, não acordará na mesma a mesma sociedade e com os mesmos desejos. Os que pensam que basta o beijo do príncipe para que tudo volte ao que era, são como os que continuam a ver o mundo com os óculos sociais do tempo que já passou. Algo de podre há nas revoluções mais recentes, algo que fez um dos líderes latino-americanos achar apenas "desagradável" um regime que não admite que o contesta. Enquanto isso vamos deixando de nos nortear, talvez voltemos a nos orientar. Ouro Preto, Olinda, no dia de Assunção de Nossa Senhora.

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