segunda-feira, agosto 26, 2024
Vinte e cinco anos da Ressureição de Dom Hélder Câmara
Vinte e cinco anos da ressurreição de Dom Hélder Câmara Escrito por Severino
Vicente da Silva Esperar contra toda a esperança, nos ensinava o Dom que a
Arquidiocese de Olinda e Recife recebeu no início de abril do ano 19641, poucos
dias após o golpe de estado que estabeleceu uma ditadura que perdurou por vinte
e cinco anos, cujos efeitos perduram nesses dias que vivemos e, parece que parte
da sociedade jamais ouviu falar que ela existiu. às vezes penso que ela terá o
mesmo destino da ditadura capitaneada por Getúlio Vargas2, esquecida nas vagas
do tempo e na condescendência dos livros de história compulsados nas escolas.
Nos salvou a literatura. Aqui e acolá vinham os literatos e nos punham em
contato com as maldades perpetradas pelo "pai dos pobres", por aquele que havia
"dado" os direitos trabalhistas. Os desmandos do Estado Novo começaram a
aparecer na obra de Graciliano Ramos3, na epopeia do cacau descrita por Jorge
Amado, em Capitães de Areia, ou nos Subterrâneos da Liberdade4. A leitura desses
e outros texto nos descobriram o que acontecera naqueles anos, posteriormente
visitado por historiadores que nos esclareceram os fatos à medida que nos
explicavam os seus sentidos. Essa visitação dos historiadores logo nos indicou
relações entre o acontecimentos de 1964 com fatos dos anos trinta e quarenta.
eram grandes as relações, seja pela presença de personagens atuantes nas esferas
decisórias de ambos períodos, seja pela direção que objetivavam por o Estado e a
nação brasileiras. Um desses personagens veio a tornar-se arcebispo de Olinda e
Recife, conforme acentuamos anteriormente, no início dessa ditadura. Quando
ocorreu o início da saga getuliana na direção da República, Hélder Câmara ainda
era seminarista, pois sua ordenação sacerdotal ocorreu em 1931 (Silva: 2014,
163). Mas então foi indicado para cuidar das ações diocesanas junto aos jovens
operários. Destacou-se, o jovem padre em sua ação social e, influenciado pelo
ambiente intelectual e político do tempo, viu-se alçado à condição de articular
os eleitores católicos do Ceará em torno dos candidatos apresentados pela Liga
Eleitoral Católica, conseguindo a eleição dos candidatos indicados pela igreja
local. Agindo como organizador das ações integralistas no setor educacional, o
padre Hélder participou do governo de Francisco de Menezes Pimental, do qual
posteriormente afastou-se. O padre Hélder e foi transferido para o Rio de
Janeiro, em 1936, assumindo cargos na direção nacional da Ação Integralista
Brasileira (AIB). Entretanto, o Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom
Sebastião Leme, que conseguira um largo espaço de influência no governo de
Getúlio Vargas, que havia alcançado a direção da República no golpe/revolução de
1930, percebeu que o Integralismo já não era possuidor de relações sólidas com o
Getúlio, especialmente após Plínio Salgado haver lançado a sua candidatura à
presidência para as eleições de 1937. Então o Cardeal ordenou que o padre Hélder
abandonasse os cargos na direção da AIB. Algumas semanas depois, a tentativa de
golpe da AIB contra o governo de Getúlio Vargas fracassou. Então começam os
preparativos para golpe que levou à ditadura do Estado Novo, com uma nova
constituição para o país, e tal ocorreu com o apoio da Igreja Católica que se
firmava como aliada da ditadura que se iniciava. Por influência de Alceu de
Amoroso Lima5, o padre Hélder entrou em contato com a filosofia de Jacques
Maritain, e compreendeu que as ideias conservadoras que dominavamo seu
pensamento eram de uma etapa histórica anterior. Piletti e Praxedes escrevem: As
mudanças políticas pelas quais passaram o Brasil e o resto do mundo durante a
Segunda Guerra Mundial e o surgimento de um pensamento católico democrático
foram fatores decisivos para que o pensamento e a ação do padre Hélder também
mudassem.(Piletti &Praxedes: 1997, 169). E então estamos a observar que o padre
Hélder está sempre em mudança, acompanhando os problemas humanos do seu tempo, e
isso revigora essencialmente a sua fé. Essas mudanças estiveram presentes em sua
ação junto à Ação Católica, no entendimento do que pode um leigo realizar na
Igreja em convênio com o clero, não apenas como fiel seguidor, mas como fiel
colaborador. Também compreendeu a necessidade de uma nova postura diante dos
problemas sociais que afligiam o país, não apenas os católicos. Preocupou-se com
a dignidade dos homens, apesar da incompreensão, até mesmo oposição de bispos e
leigos que entendiam a religião apenas como meio de alcançar a salvação após a
morte, pouco importando que seus irmãos, católicos ou não, estivessem vivendo em
necessidade. Em um mundo em mudanças, no qual alguns setores já entendiam que
era necessário uma resposta conjunta para problemas que afetavam a todos,
organizou a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, ainda como monsenhor
Hélder Câmara. Depois foi feito bispo com o apoio de Dom Jaime Câmara. Sua
amizade com Monsenhor Montini foi importante passo para a continuidade das
mudanças que o vento do tempo trazia. Dom Hélder e seu irmão, Dom José Távora,
deram o rumo do catolicismo nos anos sessenta em diante. Ambos sofreram muito,
mas a Esperança jamais deixou de encaminhá-los. O carddeal Montini, então bispo
de Milão, foi feito papa durante o Concílio Vaticano II e enviou Dom Hélder para
a Arquidiocese de Olinda e Recife, em crucial momento de refluxo histórico,
dentro e fora da Igreja. Dentro da Igreja sempre ocorreu um movimento contrário
ao Vaticano II, seja olhando para o Vaticano I (1870) e Trento (1560), seja
querendo um Vaticano III para desfazer a Lumem Gentium, a Gauden et Spes e
demais documentos conciliares. Fora da Igreja, começou a aparecer o cansaço das
sociedade com os ideais vencendores da Segunda Guerra Mundial. A descolonização
da África e Ásia fez surgir uma nova realidade política que punha em questão o
tipo de sociedade que o Primeiro Mundo, como então de dizia, criara. À medida
que os povos davam seus passos para a liberdade e autonomia, os poderes
dominantes reagiram e entraram em choque com uma geração cansada de ter o que
não havia produzido. Mutatis mutantis, ocorria fenômeno semelhante na América
Latina. O então chamado Terceiro mundo reagia, mas também reagiram os donos do
capital. Na França, estudantes e operários assistiram seus pais chamarem de
volta o General Charles de Gaulle para por ordem na sociedade; os povos
africanos viram seus líderes serem assassinados e a América Latina começou a
sofrer ditaduras militares financiadas pelos seus finacistas e nações ricas.
Assim é que Dom Hélder viu o mundo a partir da sua Arquidiocese e informa que é
bispo de todos, mas lembra que Jesus sempre esteve ao lado dos pobres. Suas
ações sociais têm início respondendo às necessidades dos mais pobres que tiveram
suas casas invadidas pela cheia do Rio Capibaribe, sendo que muitas, construídas
nos morros cederam com a força das chuvas. A Operação Esperança surgiu nesse
momento e os Conselhos de Moradores organizaram a recepção de materiais e sua
distribuição, muitas casas foram construídas em mutirão. Os que sofreram com a
enchente de 1975 também foram atendidos pela Operação Esperança, apesar da má
vontade das autoridades que então estavm à frente da cidade do Recife. Como a
ditadura criada pelo golpe de 1964 priorizava o crescimento econômico a qualquer
custo, os trabalhadores, do campo e das cidades, é quem pagavam a conta de um
Desenvolvimento Sem Justiça, que tornava o Homem Proibido. Dom Hélder e os
bispos do Nordeste alertaram, como Moisés no Êxodo: Ouvi os clamores do meu
povo. Em sua escolha pelos pobres, Dom Hélder colheu dos poderosos o desprezo e
a perseguição que prendia católicos comprometidos com a Justiça e a Paz. Mas não
eram apenas os católicos os perseguidos, jovens ligados a partidos políticos
viam, na Igreja de Olinda e Recife,o testemunho e o comprometidmento com a
construção de uma nova sociedade. Alguns dos sequestrados foram mortos. Em
determinado período, os que perseguiam Dom Hélder vieram a proibir que seu nome
fosse pronunciado em radios e televisões, e os jornais foram alertados que o
nome do Arcebispo não podia ser mencionado. No exterior do país Dom Hélder era
acolhido por muitos e, por quatro vezes foi indicado para receber o Prêmio Nobel
da Paz. Governo brasileiro e bispos conservadores uniram-se para que ele não
fosse agraciado, pois se o fosse seria a condenação do regime ditatorial e do
capital que o financiava. "Irmão dos pobres e meu irmão", disse um papa que não
lhe concedeu o cardinalato. Há muito a dizer sobre Dom Hélder Câmara, que foi
apresentado ao Discatério que cuida da Causa dos Santos. Mas o povo já o diz
santo; já o dizia enquanto ele caminhava nas ruas do Recife, quando subia os
morros, entrava nos córregos, nos barracos, conversava com todos. Quem o
conheceu, e com ele conviveu, sabe de sua vida dedicada a Deus, pois estava
dedicada em cuidar dos pobres, dos famintos, dos doentes, dos abandonados pela
sociedade do luxo, da riqueza, do orgulho. Possivelmente entre os que agora
louvam o Dom, sabem que o evitavam enquanto ele lutava pela dignidade dos seres
humanos, pela dignidade dos filhos de Deus. Mas, como o Pai, Dom Hélder tem
apenas Esperança, Fé e Amor. Ouro Preto, Olinda, 26 de agosto de 2024. Dia de
São Zeferino, papa e mártir. Bibliografia: PILETTI,Nelson; PRAXEDES, Walter. Dom
Hélder Câmara, entre o poder e a profecia. São Paulo: Editora Ática, 1997.
SILVA, Severino Vicente da. Entre o Tibre e o Capibaribe: Os limites do
progressismo católico na Arquidiocese de Olinda e Recife. 2ª edição. Recife:
Editora UFPE; Olinda: Associação REVIVA, 2014.
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