sábado, outubro 24, 2009

Luiz XIV no maracatu rural ou o samba do crioulo doido no patrimônio cultural

Neste sábado estive em dois espaços especiais, a sede de dois grupos de maracatu rural, ambos na cidade de Nazaré da Mata. Uma dessas sedes é a sede do Confiança Esporte Clube, fundado em 1973. Fiquei impressionado com a organização e a capacidade empreendedora dos seus dirigentes. O Confiança oferece aulas de reposição, oficina de artesanato, tem um centro de computação a serviço da comunidade do bairro Tancredo Neves. É dali que, no domingo de carnaval sai o Maracatu Leão Misterioso, sob a liderança do Mestre João Paulo. No outro lado da cidade, à beira do canavial, visitei a sede do Maracatu Águia Dourada, e tive alegre conversação com a sua diretoria. Nos dois casos o tema foi sobre como fazer o maracatu chegar nas escolas de Nazaré da Mata.

Nessa conversa a gente fica sabendo de assuntos, de como os poderes utilizam a sedução de uma verba para inocular certos vírus que tornam incompreensíveis as manifestações culturais populares.

Fico intrigado com a fixação que certos “intelectuais” têm com a escravidão e senzala. Querem convencer o mundo todo que o maracatu rural veio das senzalas, mas ao mesmo tempo escrevem que os mais antigos maracatus de orquestra são o Cambindinha de Aroçoiaba e o Cambinda Brasileira do engenho Cumbe, ambos datados da segunda década do século XX, quando já não mais existia escravidão no Brasil, embora os avós de certos historiadores continuassem a tratar os moradores de seus engenhos como se fossem escravos.

O Maracatu de Baque Solto é uma invenção de homens livres, trabalhadores rurais, cortadores de cana, mal pagos, mas homens livres e que contam a sua história, a história do povo brasileiro, especialmente a dos índios, que foram tornados caboclos e forçados ao silêncio.

E no processo de criação de sua manifestação cultural, a manifestação de uma parte da cultura brasileira, a dos índios e caboclos, eles não tinham rei, rainha ou corte ou qualquer coisa que lembrasse a monarquia portuguesa ou francesa. Todo mundo já sabe que a presença de rei e rainha no Maracatu Rural foi uma exigência da Comissão Organizadora do Carnaval que, usando e abusando do poder autoritário e do dinheiro, obrigou os índios e caboclos a saírem com um rei e uma rainha. Se assim não o fizessem não poderiam participar do carnaval no Recife nem receber prêmio ou dinheiro de incentivo. Os índios foram obrigados a colocarem um rei, como o “rei do congo” do Maracatu criado no terreiro da senzala e no pátio dos rosários. Hoje, depois de mais de sessenta anos desse atentado contra a criatividade dos homens da bagaceira dos engenhos, já não se pode mais tirar esse rei e rainha, incorporados que já estão à tradição.

Mas não dá para assistir sem reagir a esse negócio de exigir que o bandeirista do maracatu rural use uma cabeleira à la Luiz XIV, como se faz nas escolas de samba do Rio de Janeiro. Tudo bem que é tradição do carnaval do Rio de Janeiro imitar a corte do Dom João I, mas não é necessário essa subserviência absoluta em querer ficar parecido e igual aos outros e destruir as nossas invenções.

Soube que um desses senhores, que se julgam senhores da cultura por estarem em posto de mando, querendo convencer os donos de maracatu de que eles teriam que ter um “pálio” assim e assado, para poder receber pontos da Comissão Julgadora, percebeu que seus ouvintes não estavam entendendo o seu palavreado e perguntou se o pessoal sabia o que era pálio. A resposta: “moço, o pálio que conheço é um carro”. Pois esse pessoal que “conhece” por ouvir dizer que tem um povo em Pernambuco, está impondo a cabeleira dos franceses do século XVIII aos caboclos do Maracatu de Baque Solto.

E ainda dizem que estão guardando o nosso Patrimônio Cultural.

segunda-feira, outubro 19, 2009

Um final de semana com as Estrelas do Amanhã

Foi este mais um final de semana na Mata Norte de Pernambuco, participando de atividades no Ponto de Cultura Estrela de Ouro – Aliança, na cidade do Carpina e também em Goiana. Em Carpina participei do Programa Canavial e em Aliança de uma atividade no projeto Leitura no Ponto (Wanessa, Bárbara, Amélia), que então recebia os Mestres Griôs que procuraram passar para jovens e crianças um pouco da história da Ciranda. Mestre Zé Duda mostrou diversas maneiras de cantar ciranda ao mesmo tempo em que dançávamos ao som de sua voz e dos instrumentos tocados por Mestre Biu do Coco, Mestre Luiz Caboclo, Mestre Nercino, que é o figureiro do Cavalo Marinho e o aprendiz Ederlan. No domingo acompanhei a atuação do Alafiá, o grupo que cultiva e incentiva as manifestações culturais de identidade negra e popular.

Creio que foi essa a primeira vez, em seis anos, que estive presente no Alafiá desde o começo até o fim das apresentações. O Alafiá está se preparando para a festa de celebração inicial de sua atuação como Ponto de Cultura, e o faz de maneira itinerante. Quando do início de suas atividades o Alafiá realizava suas atividades sempre em frente à Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Como a matriz da Paróquia de Goiana está em reparos físicos, as suas atividades foram transferidas para a Igreja, o que impossibilitou o Alafiá continuar suas ações ali. Para superar o problema, a imaginação pensou em realizar o ato em diferentes espaços na cidade. A cada mês um bairro receberá uma festa. Será uma experiência interessante levar grupos de artistas populares aos bairros, e não tirar a população de seus bairros.

Mas o que assisti na Rua Direita – esse é o nome dos períodos colonial e imperial – ou Avenida Marechal Deodoro da Fonseca, ao lado da Casa da Marinha (sucursal da Capitania dos Portos de Pernambuco) foi uma presença animada de muitos goianenses. Não eram muitos, não eram milhares, mas quase três centenas de pessoas animadas – isso no horário de pico – para assistir a apresentação da Nação Pretinha do Congo de Goiana, grupo que está organizado no Baldo do Rio e que está sendo re-estruturado este ano com apoio da FUNDARPE. O Baldo do Rio fica às margens do Canal do Rio Goiana, antigo porto, aos fundos da antiga fábrica de tecidos, que foi uma das glórias de Goiana no início da República.

Logo depois tive o prazer de assistir um outro processo de transferência cultural. Foi a apresentação do Cavalo Marinho Infantil Estrela do Amanhã, da cidade do Condado. Nessa apresentação atuou, durante algum tempo, como Capitão Marinho, o Rabequeiro Antonio Teles, que é o pai de Nice, organizadora do Cavalo Marinho enquanto que seu filho estava no Banco, cantando e tocando o pandeiro. Três gerações presentes e atuantes em um local, em uma festa. Claro que com exceção de Nisa e seu Antonio Teles nenhum dos dançarinos ou tocador ultrapassava a idade de 15 anos. Foi uma apresentação rápida – uma hora – que nos ofereceu a possibilidade de ver a criatividade do Mateus, do Bastião e do Soldado. Tudo confirmado pela segurança dos músicos do Banco e pela beleza da Dança dos Arcos em homenagem a São Gonçalo do Amarante. Os jovens poetas Goianenses, ativos de um coletivo do Silêncio Interrompido, aproveitaram o intervalo para declamar poesias de Solano Trindade e outras de sua própria criação. Surpreendentemente o público silenciou para escutar os poetas. A noite terminou com o Coco de Sinhá, liderado por José Mário, um dos mais novos mestres da região, artista múltiplo e criativo.

Enquanto isso, tem gente de olho no passado, incentivando uma guerra civil – nós contra eles – na próxima vez que os brasileiros forem decidir seu futuro. Antonio Teles, Nisa, Wanessa, Bárbara, Amélia, cuidam de animar as “estrelas do amanhã”, e tem gente que não consegue tirar os olhos do retrovisor.

PS. Três anos escrevo este blog, mas só comecei a contar as visitas nno dia 29 de abril deste ano. Hoje recebi relatório que aponta em uma dezena de milhar os leitores. Obrigado a todos e a cada pessoa que me faz uma visita.

quinta-feira, outubro 15, 2009

Professores, sem eles somos nada

Amigos, publico aqui este texto que escrevi para outro veículo.Ele foi escrito para ser lido nas edições do Programa Canavial, nas cidades de Goiana, Vicência, Nazaré da Mata e Carpina. O Programa Canavial é construído coletivamente por pessoas que vivem nessas cidades e tem como objetivo conversar sobre a cultura que produzimos. Cada semana um tema, esta semana é este que compartilho com outras pessoas além dos ouvintes das rádios comunitárias daquelas cidades.

PROFESSORES, SEM ELES SOMOS NADA.



Caros ouvintes do Programa Canavial,

Ao longo deste ano nós temos conversado sobre muitos assuntos e, em quase todos eles sempre aparecia algum comentário sobre os mestres, especialmente os mestres da nossa cultura, esses mestres que foram se formando observando o que faziam os mais velhos, e se tornaram mestres porque aprenderam e, principalmente porque não guardaram dentro deles a riqueza que aprenderam dos seus pais, dos seus avós, dos nossos antepassados. Eles aprenderam a poesia, aprenderam histórias que vieram sendo contadas desde muito tempo.

A maioria dos mestres da nossa cultura, não pôde ir à escola. Desde muito cedo tiveram que ir para o trabalho no roçado ou no canavial. Uma boa parte dos mestres Caboclos, dos mestres de Cavalo Marinho, dos mestres de Ciranda, costuma dizer que não tiveram professores porque não foram para a escola. Eles costumam dizer que freqüentaram a Escola da Vida e que o seu professor foi mundo. Na verdade, todos nós aprendemos no mundo e na escola da vida. E todos nós tivemos professores e todos nós também somos professores.

Mas meus amigos do Programa Canavial os professores e as professores que trabalham nas escolas, ensinando os segredos das letras, a relação entre as palavras que são ditas e as letras que estão escritas, essas pessoas são muito importantes na vida da gente e na vida dos nossos filhos. É certo que nós ensinamos os nossos filhos a sonhar, mas esses professores, essas professoras que ensinam as letras e os números, eles e elas ensinam as maneiras que os nossos filhos podem seguir para alcançar o sonho de ter uma casa, o sonho de criar os filhos, o sonho de ver a nossa cidade melhor.

Mas o resultado do trabalho dos professores não depende só deles, não depende só do esforço deles. Depende do esforço do estudante e depende que o pai e a mãe ajudem em casa. E como ajudar o professor se o pai e a mãe às vezes não sabem ler? Uma maneira é estar sempre interessado sobre o que o filho, o que a filha está fazendo na escola; é perguntar o que foi que o filho aprendeu naquele dia. É visitar a escola, ao menos uma vez a cada seis meses e ir agradecer ao professor ou à professora o esforço que eles estão fazendo para seu filho ou sua filha aprenda a ler e a viver na sociedade.

Os professores são os profissionais formados mais mal pagos do Brasil e eles estão se sentindo desprestigiados pelos governos e pelos pais de seus alunos. É tempo da gente que manda seus filhos para a escola irem à escola e agradecer o trabalho dos professores. Assim eles vão se sentir mais motivados para continuar a cuidar dos filhos da gente, mesmo sendo mal pagos, e muitas vezes ganhando menos que um gari que nunca fez nenhum curso.

O Programa Canavial vem, nesta semana, agradecer a todos os professores e professoras que trabalham na Zona da Mata Norte, pelo esforço que eles fazem para que nossas crianças e os nossos jovens aprendam e se tornem cidadãos honestos e construtores do Brasil; nesta semana o Programa Canavial que louvar o trabalho honesto e bonito de nossos professores e professoras das escolas dos nossos municípios: as municipais, as estaduais e as federais. Sem os professores o Brasil não vai crescer, sem os professores e as professoras nada mudará.

Obrigado, Professores e Professoras, por abrirem os caminhos do futuro para o seu povo, o povo da Zona da Mata Norte. Que todos os anjos, santos, orixás, espíritos protejam a cada um de vocês.

domingo, outubro 11, 2009

o nobel

Logo após os primeiros dias da atribuição do prêmio Nobel da Paz a Barak Obama, nós pudemos ouvir muitas expressões de surpresas e contentamento. Afinal, não foram completados ainda os primeiros doze meses do seu governo à frente dos Estados Unidos da América do Norte, e apenas sabemos de suas intenções e esforços diplomáticos em fazer diminuir as tensões mundiais, algumas geradas pelo país que governa, uma vez que ele está promovendo oficialmente, ao menos, duas guerras. Aparentemente ele teria sido escolhido para a recepção do premio pelo que pode fazer e não apenas pelo que já fez. O Nobel da Paz, assim conferido, seria mais um desejo de que se realize a paz, de que sejam diminuídas as pressões que podem levar a um conflito atordoante.

O ex-operário Lech Valessa foi um dos que se surpreendeu, e disse “já?”. Desmond Tutu salientou que a concessão da honraria foi um estímulo à esperança. Pode ser um pouco mais do que o louvor à esperança, embora esse já seja um belo motivo. Pode ser a celebração de termos um mestiço como fonte de inspiração, em momento cultural de avivamento de conceitos raciais, conceitos separadores, destruidores do que vem sendo comprovado por pesquisas: todos somos um e as tradições, podem ser cultivadas por historiadores, antropólogos, etnógrafos, políticos, religiosos da mesma maneira que um jardineiro pode gerar uma árvore bonzai.

domingo, outubro 04, 2009

A olimpíada de 2016

Na manhã da sexta feira, dia primeiro de outubro, fui questionado sobre a olimpíada, pois naquela tarde seria anunciado qual a que cidade sediaria os jogos em 2016. Respondi que estava torcendo pela escolha do Rio de Janeiro, porque acredito que tais jogos que envolvem emoções coletivas podem fortalecer sentimentos positivos comuns e necessários para a vida social e nacional.

Bem, agora já sabemos que o Comitê Olímpico aceitou as promessas empenhadas por políticos, empresários, desportistas brasileiros e, agora é tempo de fazer cumprir as promessas.

Lembro de quando João do Pulo ganhou uma medalha de ouro foi uma surpresa naqueles longínquos anos passados e, também quando João da Cruz correu como um saci-mercúrio para apanhar a medalha de ouro. Interessante lembrar como os primeiros medalhistas no atletismo eram negros. E eram poucos os medalhistas. Os esportes, como a educação eram vistas pelos governantes e pelas perdulárias elites brasileiras como uma atividade secundária, algo para ser realizado nos finais de semana. Os bons hábitos demoram ser assimilados. Por isso, sempre que um brasileiro termina um curso, por mais simples que seja, há que se realizar uma festa, tirar um retrato, capturar uma imagem, um momento, para ser guardado. As famílias trazem guardados esses objetos nos baús ou caixas de sapatos. Ter um diploma de conclusão do curso de datilografia nos anos quarenta a oitenta era ter uma medalha olímpica dentro de casa. Vi muitas lágrimas em conclusões de cursos de Arte Culinária, pois esse era um caminho para um emprego em alguma “casa de família” ou restaurante.
A educação formal, sempre foi vista como um tesouro, algo que só alguns podem ter: era uma espécie de botija, algo escondido que se sabia valioso, mas distante e protegido por segredos enormes. Por isso, a maior parte dos “da Silva” entenderam o choro de Luiz Inácio da Silva, porque, apesar das muitas dificuldades que são postas ao povo brasileiro, a olimpíada de 2016 pode ativar com maior sustança o acesso à educação, à saúde, à segurança de vida, do que políticas de cotas do neo-racismo pós-moderno.
A preparação para a olimpíada de 2016 levará, creio e desejo, a melhorias nas escolas, e surgirão mais campos e estádios de esportes, investimentos sociais serão realizados, cidades serão obrigadas a repensar os seus sistemas de coleta e aproveitamento de lixo, nos sistemas de recolha e tratamento dos esgotos. A conquista de um pódio é sempre carregada de sacrifícios e investimentos de horas de estudos e treinamentos, não apenas físicos. Esse evento que começa a ser preparado é mais uma oportunidade para que as elites entendam que elas não podem mais viver se dedicando aos esportes enquanto lazer, ao mesmo tempo em que força o povo brasileiro a uma luta de Sísifo pela sobrevivência. A olimpíada de 2016 pode ser uma oportunidade de mostrar que ideais coletivos e abrangentes, capazes de fazer florescer lágrimas de alegrias, são melhores que políticas de formação de ghetos, geradoras de sobrancelhas de preocupação, que foi a política social praticada nesse país até o momento da democratização das salas de aulas.

sexta-feira, outubro 02, 2009

Programa que História é essa

PROGRAMA
QUE HISTÓRIA É ESSA


A Rádio Universitária AM 820 apresenta o programa Que História é essa, todas as quartas feiras, das nove às dez da manhã, com produção do professor Severino Vicente da Silva, do Departamento de História da UFPE.
O programa realiza entrevistas e conversas com professores que atuam nas áreas de nas áreas de pesquisa e ensino de História e Ciências Humanas, conversando sobre suas experiências e produção científica.
Apresentado pelo professor Biu Vicente. Para o mês de setembro conta com a participação dos seguintes convidados:

 07 de outubro – Profº Inácio Strieder - UFPE
14 de 0utubro – Profº Marcos Guedes – UFPE
21 de outubro – Profº Marcos Costa – UNICAP
28 de outubro – Flávio Sá Neto e Clarissa Nunes, organizadores do livro História das Prisões no Brasil

A produção do programa está recebendo textos de opinião sobre as histórias das ruas da cidade e região metropolitana, contendo a história dos nomes das ruas ou comentários sobre seu desenvolvimento ao longo dos anos. Também recebemos comentários sobre livros que você leu. Os textos podem ser enviados para o nosso e-mail historia820am@yahoo.com.br , assim como sua opinião ou comentário.
Contamos com a sua colaboração para a promoção e divulgação desse veículo de comunicação que o acesso aos meios radiofônicos possibilita.

Ouça a Rádio Universitária Am 820 KLH na internet – Acesse www.tvu.ufpe.br e em seguida clique em AM ao Vivo.