segunda-feira, abril 28, 2008

Debate antigo e possibilidades novas

Entre os ricos acontecimentos da semana que passou a eleição de Fernando Lugo, para a presidência do Paraguai, chama tanta atenção quanto a querela sobre o desaparecimento do arroz para atender a volúpia da concentração de riquezas e distribuição da fome.

Alguns meses são passados desde que Fidel Castro alertava que haveria um confronto entre a necessidade de produzir combustível e a necessidade de produzir alimentos. Esse debate vem ocorrendo desde muito tempo como resultado da opção pelo tipo de sociedade que se quis construir. Embora todos saibamos que a sobrevivência dos humanos tem se devido basicamente por conta da sua capacidade de cooperação, sempre houve grupos que, ao tomar lugares de direção, optaram por modos de exclusão e cuidaram de concentrar para si e para os seus, o que melhor todos haviam produzido. Assim, fomos construindo sociedades que, embora farta, como a nossa – a América Latina produz mais do que pode consumir – a fome seja o apanágio principal desse continente. As fomes endêmicas que destroem as vidas dos africanos contemporâneos só se tornaram possível quando foram destruídas as formas de solidariedades tribais e as substituíram pelas disputas tribais a serviço de interesses estranhos às necessidades dos africanos. Não há muito segredo para a solução desses problemas que enfrentamos, a questão é que para fazê-lo deve-se mudar o projeto societário vigente e os seus valores individualistas, não cooperativos, bélicos, etc. A questão da fome é uma questão de humanidade e não de burocracia. Enquanto a sociedade estiver organizada para entender como normal conceder esmolas para uma parte com o resto que sobra de outra parte, a questão se manterá. Enquanto for cultivada a idéia de que um pente, uma propriedade tem mais valor que as pessoas, a fome continuará acontecendo. Enquanto se valorizar mais as relações de vantagem sobre os demais em detrimento da cooperação e do respeito, a disputa entre o combustível para o tanque do automóvel e o alimento necessário para as pessoas, o agro-negócio continuará a promover a riqueza do negócio da morte.

A eleição de Fernando Lugo servirá, entre outros aspectos, para re-visitar a história dos paraguaios e a trajetória de cristãos católicos na América. Cada acontecimento nos proporciona novas questões. O que significa que os paraguaios tenham eleito um homem que os desafiou a serem reconhecidos pela honestidade e não pelo contrabando, é uma das questões. Que tipo de sociedade propõe um homem que abandona o poder simbólico do episcopado católico para servir ao seu povo, é um outro tema que é posto. O Paraguai deverá ser, para os homens e mulheres brasileiras, mais que uma seleção pebolista azucrinadora do selecionado brasileiro. Fatos como a eleição de Fernando Lugo, mais que as bravatas de Hugo Chavez, são indicadores de novidades e novas possibilidades.

domingo, abril 20, 2008

Das raízes à rosa do caboclo

Tenho observado certas manias que se perpetuam, em novas maneiras, como camaleões. Entre essas está aquela que costumava dizer que tudo que é tecnologicamente bom, moralmente bom, além de engordar, vem de fora. Carros, bebidas, roupas, músicas, sapatos, isqueiros, tudo, tudo, tudo de bom vinha de fora. O produto nacional brasileiro era intrínseca e essencialmente ruim Afinal foi isso que nos ensinaram os manuais de história do século XIX e XX, a literatura que nos ofereceram, nos pondo um terrível complexo de inferioridade, tanto no parte da população mais pobre, quanto e principalmente na chamada “elite” de café-com-leite-açucarada”, sempre envergonhada de não ser italiana, alemã, francesa, inglesa, holandesa ou qualquer coisa que tenha tido sua origem na Europa que criou a civilização judaico-cristã,com conhecimento criados na África, na Ásia.

Pois bem, esse complexo de inferioridade, essa impossibilidade de aceitar que no Brasil há um povo capaz de criar belezas está assumindo outras características. Nesses tempo atuais, tudo que de bom tem sido gerado pela população pobre, pelas ditas camadas populares, começa a ser apresentado com sendo africana. Estamos trocando seis por cinco mais um.. Ou será sete menos um?

E vamos cultivar raízes. Mas as plantas não possuem apenas raízes e nem mesmo são apenas raízes. As raízes precisam ser preservadas para que as árvores possam crescer saudáveis, mas não se deve pensar raízes sem árvores. As raízes seguram as árvores nos solo, do solo tiram nutrientes, mas as árvores não se alimentam apenas pelas raízes. O ambiente acima do solo. além do solo, faz parte da construção da árvore, que se compõe de tronco exposto aos ventos, às chuvas, aos animais. Assim a árvore recebe influência de um meio que ultrapassa os limites das raízes, embora sem elas árvores não existam.

Ah! Sim, temos raízes nas áfricas, mas não crescemos nas áfricas e, fora delas somos resultados de ventos, de elementos que se juntaram, alimentaram, alimentam e recebem alimento das raízes. Raízes que são provenientes das áfricas, das europas e, vejam só, ate mesmo das raízes culturais dos povos que ocuparam fisicamente e espiritualmente os espaços onde raízes transplantadas foram fincadas. E foram fincadas nas terras e nas mentes, e nas almas dos que aqui já estavam.

Origens! Coisa bela e perigosa. Bela porque nos diz que temos um principio, e perigosa quando pensamos que somos a origem. Raízes, quando elas são tratadas sem considerar sua relação com o solo, os galhos, as flores, folhas e frutos que dela vêem e as mantêm, as raízes morrem. Belo sabermos, estudarmos, orgulharmos de todas as nossas origens. Porém, é tempo , também, de nos alegrarmos com as árvores que cresceram dessas raízes, com as folhagens das árvores, com os frutos que colhemos delas. Ao saboreá-los entramos em contato ´ntimo com as raízes.

As rosas que colho no meu jardim e coloco em um jarro e perfuma a minha sala só é possível com o cuidado que tenho com as raízes. Mas se ponho as raízes na minha sala, se as tiro do solo onde cresceram para admirá-la, mato a roseira na adoração da raiz.

quinta-feira, abril 17, 2008

aniversários

A gente é capaz de se esconder no dia do aniversário da gente. Papai dizia não gostar de festejar aniversário porque, como ele temia morrer, estaria celebrando a aproximação da morte, julgava.

Às vezes a gente faz uma festa, chama pessoas próximas, alguns que consideramos amigos e com que temos a disposição de tomar uma refeição, dividir uma garrafa de vinho, cerveja, cachaça ou uísque. Penso que alguns doa melhores aniversários que vivi bebi cachaça, lá em Nova Descoberta. Aqueles rapazes quase todos já morreram, como disse Caetano – de susto de bala ou vício. Depois ocorreram dois com bebida mais ao gosto dos novos conhecidos, especialmente quando estive em cargos de direção. Comemorava-se mais o cargo, aprendi depois. Mas o melhor nos aniversários são algumas vozes do passado, de alunos que já estavam esquecidos e, não se sabe como, reconhecem a gente em um site de relacionamento, ou mesmo encontram o telefone da gente em uma agenda antiga. Essas são as mensagem mais gostosas, as inesperadas lembranças de antigo alunos que continuam nos chamando de professor. Tem aquelas de outros lugares geograficamente distantes, mas que carregam o coração da gente com sua poeira ou zoada. Ora é uma cidade perdida nos sertões de Pernambuco ou da Bahia, ora é um telefonema vindo do Rio de Janeiro. Coisa boa é fazer aniversário, essa data que marca sempre um novo começo, uma magia inexplicável, mas que nos diz o quanto a vida é prenhe de beleza, e que as lembranças são a vida que tivemos.

Este aniversário tem um sabor especial. Minha filha Valéria conquistou, com distinção, o título de mestre em dança na Universidade Federal da Bahia; além disso, Tamisa, a caçula, estará defendendo o título de mestre em turismo na Universidade de Caxias do Sul. Sem comentário, por ser de explodir o coração, ver Rafael Aimberê, filho de Ângelo, caminhar na minha casa e brincar comigo em uma piscina plástica. Essas conquistas ao derredor de mi cumple años faz essa festa bem melhor, mais completa. Alegria continua porque elas são responsáveis pela edição de meu novo livro MARACATU ESTRELA DE OURO DE ALIANÇA – A SAGA DE UMA TRADIÇÃO, que será oficialmente lançado no dia 10 de maio, na sede do Maracatu, ali na chã de Camará, na cidade de Aliança. Dessa maneira estou comemorando o completar cinqüenta e oito anos. Divido com vocês essa alegria.

terça-feira, abril 15, 2008

A Construção cotidiana de uma cidade

A CONSTRUÇÃO COTIDIANA DE UMA CIDADE[1]

Severino Vicente da Silva



As ruas de uma cidade, se a olharmos com atenção, nos contam sobre os costumes antigos e os novos que se vão estabelecendo. A cidade se cria pelo seu cotidiano, no ir e vir das pessoas e dos pequenos e grandes objetivos. Ruas demonstram atividades econômicas, atividades sociais, religiosas e ideais que se cultivam. Os prédios nos falam de como as pessoas viviam no passado e como elas organizavam as suas vidas. Se tomarmos Goiana como exemplo nós veremos que os prédios mais duradouros são os prédios que demonstram a dedicação religiosa que os seus habitantes cultivavam nos séculos XVII e XVIII. Esses edifícios, onde os moradores iam louvar o divino, indicavam o lugar das residências e os espaços da sociabilidade. No final do século XIX e ao longo do século XX outras ruas e novos edifícios indicam novas atividades e novas espiritualidades.

Nos dois primeiros séculos da sua história, toda a cidade a cidade de Goiana parecia girar em torno desses espaços dedicados ao sagrado. “Vá pela rua Direita”, dizia um; “tome a rua do Meio”, se dizia tomando como epicentro a matriz; outro falava, enquanto um terceiro podia dizer que o lugar que se procura está “depois do Rosário”, enquanto a casa de fulano fica ao “lado da Conceição”. A geografia e a movimentação das pessoas eram orientadas pelas torres, assim como tempo era marcado pelos sinos, a sonoridade do sagrado.

Os sinos das igrejas e dos conventos diziam aos habitantes o que se esperava que eles fizessem, Alguns sons acordavam para dizer que em algum tempo, daqui a duas batidas, começaria a missa. Diziam: “acordem, é tempo de rezar”, Mas eles também podiam anunciar a chegada de uma autoridade, a ocorrência de um infausto, tal como um incêndio, um viático ou a passagem de algum féretro. Nesses tempos, os tempos eram contados pelos eventos religiosos. Assim todos sabiam quando era o tempo das novenas: a de Santo Antonio, a de São José, a de N. S. do Ó e de todos e cada santo de devoção, pessoal ou coletiva.

O tempo em que se cultivava o sagrado era, também, o tempo de socialização. As procissões das Irmandades, uma visitando a outra, uma visita que era apresentada como sendo os Passos, os Encontros, os Encerros. Enquanto os andores eram transportados, as pessoas e as classes sociais se viam, trocavam informações. A vida girava em torno desses momentos de religiosidade, que não eram periféricos, como hoje se apresentam. Assim eram as festas realizadas nos engenhos, quase sempre no onomástico do seu proprietário, em louvor do santo cujo nome carrega. E são tantos joãos, franciscos, antonios, marias, terezas, os nomes que se repetem nas famílias, socorrendo-se sempre do calendário e das tradições que mostram a influência do cristianismo católico. Mas parte da vida era dita de outras maneiras, utilizando-se ora a geografia – da Praia, a do Rio – ora a atividade que ali se realiza, de comércio ou de arte ou de prazer.

O passar do tempo aponta outras prioridades na vida social e os espaços de sociabilidade mudam, assim as ruas apresentam outras formas e outros nomes. Aparecem agora com nomes de pessoas, aquelas que, de alguma maneira representam os novos tempos e os novos anseios. Agora as ruas podem ser Nova, como podem ser Nunes Machado; as praças não mais chamadas do Cruzeiro, ostentam nomes como o de João Pessoa, ou outra personalidade que deixam entrever novos ideais. Efetivamente sempre existe alguma resistência em aderir aos novos nomes, assim, poucos sabem que a Direita tem o nome de Deodoro e tantas outras. Isso nos indica uma tendência laica da sociedade, mas não significa a ausência ou a perda da religiosidade, como nos dizem a construção de diversos templos de outros cristianismos que não o católico. As atividades diárias já não esperam pela sonoridade dos sinos, mas ocorrem apesar deles, pois o tempo é matemático e o sistema bancário é que nos diz o momento de iniciar e encerrar as atividades produtivas; também é ele estabelece os momentos de lazer, ainda que os espaços fronteiriços aos templos sejam procurados para a realização das festas e as principais continuem ligadas a eventos religiosos. Hoje seguidos mais por questões culturais que espirituais.

O Olhar sobre a cidade nos educa sobre ela, e o nosso olhar educado, conduzido pelo amor à cidade, seja ela qual for, e, especialmente se for a nossa, há de nos mostrar o que já foi feito por nossos antecessores, mas nos indica o que nós estamos fazendo dela. A cidade pode ser construída conscientemente por cada um de seus habitantes de forma consciente, mas pode vir a ser construída de maneira aleatória, sem a nossa participação consciente, O desenho que a cidade tomar, as tradições que nela construirmos, dirá aos nossos pósteros, o quanto nós amamos a nossa cidade. Mais do que palavras ditas em palanques, a cidade que vemos é que testemunha a nossa dedicação por ela.

[1] Especial para o jornal A PROVÍNCIA – Goiana, PE. Escrito em 20 de março de 2008. publicado em abril de 2008

domingo, abril 13, 2008

Caboclinhos Moradores de Engenhos

Esta será uma semana bem interessante, com motivações para alegrarmo-nos com o mundo, com as possibilidades de o conhecer e verificar que é possível o melhorar. Quase nos surpreendemo-nos em saber o que ocorre ao nosso redor, de bom ou de ruim. Mas o bom e o ruim estão próximos, mas tão próximos que, às vezes, por medo do ruim deixamos de perceber, de saborear o bom.

Observemos como é bom o livro MORADORES DE ENGEHOS escrito por Christine Dabat, lançado nesta segunda feira, dia 14, no auditório do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFPE. Como é bom, bem escrito, cheio de informações e conhecimentos da realidade de uma parte de Pernambuco. É bom ter um livro como esse, um livro que nos leva aos terreiros de homens e mulheres simples, honestas, sensíveis e sonhadoras. Pessoas que sonham poderem criar suas galinhas, porcos e cabritos, em um pedaço de terra que seja seu, no meio de um enorme latifúndio. Pois o conhecimento dessa beleza de sonhos, essa grandeza de saber que há pessoas que não perdem a capacidade de sonhar, nos é possível pela coragem de Christine em meter-se nesse mundo terrível da exploração que ocorre nas regiões de plantio de cana de açúcar, a coragem de vencer pilhas de documentação, e apaciência de oouvir o que já havia sidomdito e não escutado. É ruim que ainda não são dadas as condições necessárias para que os homens, mulheres, crianças, jovens possam desenvolver todas as potencialidades que nós sabemos que todos os seres humanos possuem. E como prova de que é possível ver o que é bom nesta semana, é que haverá o lançamento de um disco compacto – cd – da tribo CABOCLINOS UNIÃO 7 FLEXAS de Goiana – PE. No dia 19 de abril, que é dito Dia do Índio.

Guerra Peixe, maestro carioca que viveu em Pernambuco nas décadas de quarenta e cinqüenta do século passado disse que os caboclinhos são “das mais simpáticas manifestações culturais do carnaval pernambucano”. É verdade, é Muito simpática essa manifestação cultural, esta invenção dos povos da Zona da Mata, dos povos trabalhadores dos engenhos, como Seu Nelson, fundador e mantenedor, do Caboclinho 7 Flexas. Como o Maracatu, a Ciranda, o Cavalo Marinho, é uma expressão da criatividade dos explorados trabalhadores dos canaviais. Esses brinquedos, essas danças, essas artes são a afirmação da vida da esperança dos homens e mulheres da Zona da Mata, são os cantos de nossos antepassados, são os nossos cantos, nossas esperanças que acompanham as nossas dores.

Todos estão convidados para os dois eventos, duas faces da mesma realidade: a reflexão racional, intelectual, acadêmica da vida no livro de Christine, cujo lançamento é nesta segunda feira; e a expressão artística, bailarina, visual, da tgribo dos Caboclinhos 7 flexas que ocorrerá na noite do dia 19 de abril, - sábado – na sede dos Caboclhinosm na rua Teixeirinha, no Bairro de Nova Goiana, Goiana PE.

Esta semana é a semana dos homens e mulheres, moradoras e ex-moradores dos engenhos.

quarta-feira, abril 09, 2008

Professora Sônia Medeiros

Enquanto estava apresentando o programa QUE HISTÓRIA É ESSA, na Rádio Universitária 820am, recebi a informação de que Sônia Medeiros havia falecido e que o seu sepultamento irá ocorrer às 16 horas deste dia. As palavras, veículos de comunicação, quando chegam ao nosso cérebro produzem as mais estranhas e inesperadas reações químicas e afetivas. Dizem os que estudam essa parte do corpo que sinapses elétricas ocorrem e ativam as lembranças, os sentimentos.

Não entendo dessa física, dessas reações materiais que ocorreram naquele instante no interior de minha cabeça, mas, de imediato vieram imagens daquela mulher que não foi, nem pretendia ser modelo de beleza física, símbolo sexual. Parecia que Sônia queria ser o oposto desses ideais que são vendidos pelos mercadores dos símbolos e consumos. Sônia quis ser a mulher feliz, a professora que encantava os alunos e colegas pela franqueza, pela disposição constante de conhecer e procurar novas maneiras de viver, de entregar-se ao amor.

Embora nunca tivesse certeza desse fato, creio que fui ensinar no Colégio e Curso Radier por indicação de Sônia Medeiros, professora de Geografia e de História. Aquele foi um período difícil, pois naquele janeiro de 1974 estava completando quatro meses que eu havia saído Doi-codi, onde fiquei 59 dias. Possivelmente Sônia sabia que estava difícil para mim encontrar trabalho. Ter sido preso pelo exército me fez perder empregos e falsos amigos. Era arriscado, em plena ditadura, acolher alguém que saíra da prisão, que estava sob observação do exército. Mas fui indicado e pude retomar a minha vida profissional naquele colégio, onde fiquei professor até que alguém soube de minha prisão e tentou reeditar a escuridão, me fazendo perder os empregos. O auxílio de Sônia Medeiros foi importante para mim, nas duas ocasiões, para que eu pudesse reconstruir a minha vida profissional. Lindo que Sônia jamais cobrou nada por isso.

Alguns anos depois, quando fui obrigado a sair de Pernambuco por não encontrar emprego, viajei após uma longa conversa com Sônia que não entendia como eu não conseguia mais emprego nos colégios do Recife. Alguns anos depois entendi que não eram apenas os seguidores de março de 64 que não queriam em sala de aula. Quando retornei do Rio de Janeiro para assumir, após concurso, a disciplina de Hisória Moderna na UFPE, Sônia Medeiros me convidou para fazer uma palestra na Universidade Maurício de Nassau sobre O Golpe de 1964. Ela me auxiliava a fazer catarse.

Apesar de termos tido pouco tempo juntos, sempre nos acompanhamos, seja na Fundação de Cultura da Cidade do Recife, seja na Secretaria de Cultura do Estado, locais onde sempre assessorou o professor Roberto Pereira. Foi de Sônia a idéia de colocar o Maluguinho no circuito do Festival de Inverno em Garanhuns, onde, estando como participante, vi-me convidado a participar daquele ato com algumas palavras.

Escrevo essas palavras em referência e reverência a uma mulher forte, atuante, corajosa, que jamais se escondeu em subterfúgios, sempre amiga e honesta, sempre pronta a acompanhar aqueles que tiveram a ventura de privar, por momentos e tempos, a sua privacidade.

A Sônia Medeiros, meus respeitos pela sua vida, meus agradecimentos pela sua prontidão em estar próximo nas nossas necessidades.

terça-feira, abril 08, 2008

Moradores de Engenho - o livro de Christine Dabat

Estamos nos aproximando do dia 14 de abril, dia que terá sua importância aumentada pelo lançamento do livro, resultado da tese doutoral da professora Christine Rufino Dabat. Uma vez Dom Hélder nos dizia que havia conhecido estrangeiros nascidos na rua da Aurora, uma das ruas mais recifenses, e, de igual modo, conhecera brasileiros nascidos na Bélgica, na Holanda, na França e em outros países.

Ainda que mantenha o sotaque original, coisa própria de quem se sabe universal sem perder a sua aldeia, Christine tem se tornado uma brasileira como poucas, inclusive assimilando certos humores e brincadeiras que lhe são feitas sobre o eurocentrismo, ou mesmo francocentrismo. Mas, observo como ela tem se tornado capaz de entender o que se passa por corações e mentes daqueles que desejam assumir, sem a sombra do colonizador, o seu espaço no mundo.

Por razões como essas citadas acima, mas também pela sua capacidade de estudo, pesquisa e reflexão sobre mundos, Chistine, que saindo do Languedoc, passa pela China camponesa e aterrisa nas terras molhadas do massapê pernambucano. O Nordeste molhado, esse do massapé, descrito por Gilberto Freyre, embora ele não percebesse que o que mais encharca os doces vindos do massapé, são os suores e as lágrimas daqueles que criam a vida cortando a cana. Esses sempre aparecem no livro de Christine.

E Christine se afirma como historiadora, não dos canaviais de Pernambuco, mas dos homens e das mulheres cultivadores de cana, moradores de engenhos, com os seus medos, seus anseios e com as cicatrizes: as do corpo, aquelas feitas pela palha da cana, pelo golpe da foice, pelo calor do sol, pela pouca água bebida e pelos dormires apequenados; e as da alma, surgidas pela violência do trabalho, das relações sociais, da falta de respeito, da negação de todos os direitos. Tudo isso pode ser visto no livro MORADORES DE ENGENHO: relações de trabalho e condições de vida dos trabalhadores rurais na zona canavieira de Pernambuco segundo a literatura, a academia e os próprios atores sociais, a ser lançado nesta próxima segunda-feira, no auditório Barbosa Lima sobrinho, no térreo do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFPE, a partir das 15 horas.

Christine é professora adjunta do Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco e o seu livro, resultado das suas pesquisas, está sendo editado ela Editora Universitária da UFPE, com apoio do Programa de Pós Graduação em História daquele Departamento. Aqueles que vierem participar deste lançamento terão oportunidade de ouvir a própria autora nos contando sobre a metodologia para a feitura de tão importante obra para nossos estudos pernambucanos.

quinta-feira, abril 03, 2008

Severino do Ribeirão - o santo do novo Alvorada

Na Zona da Mata Norte a população escolheu um santo para a sua proteção, além daqueles que os missionários sempre trouxeram para socorrer as necessidades dos pobres e desvalidos. Assim é que além da devoção a Santa Ana, uma senhora que está presente nas casas dos senhores de engenhos, tem a Senhora dos Aflitos, a da Boa Morte, a do Bom Parto, a da Misericórdia, a das Dores, sem contar com a grande devoção às Chagas do Senhor, ao Senhor Morto e tantas outras devoções que remetem para o dia a dia dos que laboram duramente pelo pão de cada dia, esperando a vitória celestial.

Após o período de dominação das famílias portuguesas, com a proclamação da República, começaram a chegar nessas terras devoções mais afrancesadas, como a Senhora do Loreto, a de Lourdes, as Notre Dame, as Marilac, e mesmo devoções de origem italiana, como a Frassinete, dom Bosco, Domingos Sávio, entre outros. Mas o povo da Zona da Mata Norte, entre tantas devoções oferecidas, escolheu um soldado que viveu no século IV, e tem o nome de Severino. Na verdade são muitos os santos com esse nome. A maioria era soldado. Não era capitão, mas soldado, esse ofício comum que é reservado aos comuns, àqueles que nada são além deles mesmo, que nada têm além de seus corpos. Parecem esses “soldados” da cana, como já existiram os “soldados da borracha” e do algodão. Pois bem, soldados e plantadores de cana são quase sinônimos. Verdade que há um Severino que ficou famoso por ter catolicizado a Áustria, mas esse não é muito conhecido por essas bandas ricas em plantação de açúcar. Esses santos com nome de Severino – são onze – não possuem dias específicos. Por conta disso, quando no início do século XX chegou no engenho dos Ra,os a imagem de um santo que fora soldado durante o império romano e que se recusara a obedecer em tudo o imperador, os cortadores de cana o acolheram como seu protetor, ele que fora colocado em um altar lateral na capela de engenho dedicada a Nossa Senhora da Luz. Assim o santo Severino passou a ser do Ramo, padroeiro dos cortadores de cana de Pernambuco, Alagoas, Paraíba. E o seu dia ficou sendo o Domingo de Ramos, quando se celebra a entrada de Jesus em Jerusalém, senado em um jumento ou burro. Esse animal também foi muito importante na vida dos cortadores de cana. Hoje, com esse processo de migração, São Severino do Ramo rompeu as fronteiras do Nordeste.

Pois, neste início do século XXI, a tradição de trazer novas devoções vem se mantendo. Novos sacerdotes de novas religiões são comuns nessa época pós-moderna, nesse período em que, “nunca como antes” as religiões se parecem com esses restaurantes de auto serviço, como se diz em Portugal, ou self-se4rvice, como se diz em terras de cultura inglesa. As novas religiões, como as mais antigas escolhem seus heróis de acordo com as virtudes que se espera serem seguidas pelos fiéis. Por isso que, em um esforço de atualizar a sua igreja aos tempos pós-modernos, Bento XVI apresentou uma nova relação de pecados, entre eles o desejo incontido de querer ficar cada vez mais ricos.

Durante a ditadura militar, houve um Severino que foi vassalo fiel dos generais de plantão: acusou o padre Vito Miracapilo e solicitou a sua expulsão do país, porque aquele padre se recusou a lançar incenso na pirra dos ditadores que se julgavam deuses; em decorrência desse fato, o mesmo Severino, contrário daquele que morreu para não servir aos deuses da riqueza, provocou a prisão do Padre Reginaldo Veloso, pois este fez uma música em homenagem a Miracapilo – VITO, VITÓRIA. Ações como essas levaram o Severino de Ribeirão, na Mata Sul à Câmara dos Deputados, onde sempre cuidou de aumentar os salários dos deputas, ou seja, o seu salário. Chegou mesmo a alcançar a situação de ficar como a terceira opção na sucessão presidencial. Assim ele chegou a ser chamado de “rei do baixo clero”, o que significa dizer que ele era o chefe dos deputados mais abaixo da mediocridade. Um dia ele foi pego recebendo propina do dono do restaurante da Câmara, o que revoltou deputados acima da mediocridade, como Fernando Gabeira e, contra a vontade de seu principal devoto, ele se viu obrigado a renunciar para não perder os seus direitos políticos cassados. Tentou voltar mas os eleitores de Pernambuco não o elegeram.

Entretanto, os devotos de um santo nunca desistem, especialmente se eles são parte do sacerdócio. O principal devoto de Severino “miracapilo” Cavalcante, em um momento especial, quando encontrou o objeto de sua admiração, aclamou Severino como exemplo a ser seguido por todos os crentes dessa religião que entende que o poder vale tudo. Luiz Inácio da Silva, não se conteve diante do seu ídolo e pediu desculpas, acusou os algozes de Severino Cavalcante, o padroeiros dos ricos da Mata Sul, Norte, Leste e Oeste.

O gesto do presidente da República do Brasil parece dizer aos brasileiros: sejam como Severino, que foi subserviente aos desmandos da ditadura militar, que perseguiu os justos, que fez acordos para garantir vantagens para si, que enlameou a Câmara dos Deputados, sejam como Severino Cavalcante, a nova devoção dessa nova Alvorada.

houve um beato que disse que disse: "o sertão vai virar mar, o mar vai virar sertão". Pode ser que a Alvorada vire escuridão