terça-feira, fevereiro 26, 2008

na Fronteira contra o ridículo sem fronteiras

Estive em Sergipe neste final de semana, um momento para encontrar pessoas conhecidas quando estive em Estância, mas a oportunidade de encontrar professores e estudantes de várias instituições de ensino superior, como a Universidade Federal de Sergipe, a Universidade Tiradentes, tudo sob o patrocínio da Faculdade São Luiz de França. O núcleo de pós-graduação promoveu o Primeiro Encontro de Professores de História, e fui convidado para discutir questões relativas à pesquisa no campo de História das Religiões e, ministrar um mini-curso que recebeu o simpático e quase enigmático título de Conversas sobre três Nordestes.

O encontro com Sergipe começou ao sair de minha casa, quando o correio entregou-me um livro, enviado desde Estância, que conta das passagens de Jorge Amado naquela cidade na década de 1930. Bem escrito por Rui Nascimento, um bom contador de “causos” , que nos deixa ficar sabendo de um pedaço mais desconhecido da vida do escritor criador de personagens que se tornaram emblemáticos, pois nos auxiliam a ver como o Brasil é. Talvez, como é o Brasil vivido e inventado por Jorge Amado. Assim, quando cheguei à Aracajú já estava tão sergipano quando pernambucano, ou seja sentia-me em casa, ao ponto de sorrir bem mais do que tenho sorrido recentemente nas ruas de Olinda e Recife.

Os riso ficam difíceis especialmente quando temos vereadores com vocação para exterminadores do futuro, pois que se dedicam a querer destruir a história vivida pela cidade do Recife. Pouco versado na história da cidade que diz querer defender, limitado homem que se diz público, pretende mudar nome de ruas como muda as suas meias: apenas pelo seu desejo pessoal. Um dia, creio, esses “homens públicos” irão deixar de pensar apenas nos jardins dos seus protetores e cuidarão que cada rua de uma cidade é um pedaço de uma história coletiva, de uma sociedade.

Nomes de ruas têm sentido e não tem sentido ficar modificando-os apenas para agradar a “tios”, “tias”, “avôs” ou qualquer outro tipo de “parente”. Em determinado momento, a cidade nomeou uma rua, uma praça com o objetivo de cultivar uma memória, um marco da sua formação. Aceita a nomeação, os que vivem na rua tomam para si e para as suas vidas aquele nome. Ele servirá para dizer o passado da cidade e o presente dos habitantes da rua ou da praça. Para modificar a nomeação que foi duplamente aceita, não basta a vontade de uma cabeça cheia de empáfia e vazia de respeito ao povo. Sorri um pouco hoje quando soube que, após a discussão posta por instituições e cidadãos através do Diário de Pernambuco, a Câmara dos vereadores resolveu adiar a sua decisão. É nossa convicção que, informados agora por entidades, historiadores e moradores, os vereadores e, mesmo as comissões por onde tramitou silenciosamente o projeto, pensarão que: uma rua como a Rua das Fronteiras, que lembra o herói Henrique Dias, a Rua das Fronteiras, na qual está uma igreja que recebeu marcas da força ditatorial; a Rua das Fronteiras onde viveu A Voz dos que não tinham Voz, essa rua não será transformada em rua do zerinho.

quarta-feira, fevereiro 20, 2008

Morte de mulheres, arquivos e sonhos

Faz cinqüenta e um dias que começou ano 2008 e, nesse curto espaço de tempo já foram assassinadas 43 mulheres em Pernambuco. Esse é um dado impressionante e dá continuidade aos números do ano passado. A violência em nosso meio parece que crescer, parece dizer que nos afastamos de uma convivência civilizada, talvez por sermos uma sociedade que não procura, firmemente, punir os destruidores sociais. Como não há punições para os criminosos das camadas que seriam a” elite”, aqueles que deveriam indicar os caminhos a serem seguidos pelos demais participantes da sociedade, torna-se indefensável a punição apenas para os mais pobres. Temos essa dificuldade em criar a nossa democracia por que não temos, não tivemos, uma elite cônscia de sua responsabilidade social. O que temos é um simulacro de lideranças que vive a pensar formas de “se dar bem”. “Se dar bem” quer significar safar-se, não se deixar pegar. Aquele que se safa de certas situações é um safado, aquele que se safou. Parece que somos uma sociedade de pessoas que se querem safadas, pois se safam de serem punidas por seus atos ilícitos. Esses atos podem ter sido mensais – daí os mensalões – podem ter sido de cartões, podem ter sido de viveram debochando dos códigos de ética, como é o caso de um ministro que também é presidente de um partido político, sob a proteção de seu chefe. Todos se safam, inclusive os matadores de mulheres, os assassinos. Quem não consegue se safar é o povo, sempre submetido às indissiocracias dos poderosos, até mesmo daqueles que eram povo e agora estão solicitando privilégios próprios das sociedades não democráticas. Não desejam ser sofrer nenhuma vigilância e procuram confundir a sua impunidade pessoal com a segurança nacional.

Nesse início de ano não morrem apenas as mulheres que são assassinadas, esses comportamentos assassinam as esperanças, algumas que os que estão no poder, auxiliaram a construir. Mas, ao chegar no poder desejaram ser seduzidos pela Mosca Azul, como diz bem o livro depoimento de Frei Beto, desiludido com o que assistiu no primeiro governo do ex-metalúrgico, ainda desatento.


Continuam a se matar as esperanças, e também o passado, como aconteceu no dia 15 de fevereiro, em uma das dependências do Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano. Nós sabemos que a tradição do Brasil é não guardar documentos, não cuidar dos arquivos. Dizem que isso é uma das heranças portuguesas. Não sei até que ponto isso é uma verdade, pois temos muitos pesquisadores que atravessam o Atlântico para se beneficiar dos arquivos portugueses. Creio que é mais uma mazela das “elites” brasileiras, inclusive “aselites” que atualmente governam Pernambuco, no fundo, as mesmas que sempre o governaram. Nosso arquivo, nossos documentos são sempre colocados em prédios velhos, caindo aos pedaços. Até parece que os governantes querem o sumiço dos documentos, pois os documentos falam do que os antigos governantes fizeram ou deixaram de fazer.

Sempre há verba para construir algum prédio para que eles possam exercer os seus poderes e, confortavelmente, continuarem a tarefa de espoliação, de exploração e de concentração de renda e poder. Contudo, nunca há verba para a construção escolas, para a formação de cidadãos. Essa corrida louca para formar motoristas de tratores para trabalhar em Suape é sinal da competente política de exclusão levada a termo nos últimos cem anos. E nesse período Pernambuco não era governado pelos portugueses e quem tomava decisões sobre escolas e arquivos eram pernambucanos. Foram os governos de pernambucanos que decidiram não ter uma política de arquivo que preserve a nossa memória e história. Já é tempo de abandonar o bloco da saudade holandesa, o festival de queima de Judas português e admitir: quem tomou a decisão de manter os documentos da história pernambucana em um pardieiro foi um pernambucano, como também é pernambucano aquele que hoje permite que lá fiquem esses documentos para serem destruídos, debalde o esforço de técnicos, estudantes e historiadores que, sem verba, procuram salvar o que lhes permitem as condições.

sexta-feira, fevereiro 15, 2008

O carnaval na Nunes Machado

Estou postando um artigo que foi publicado no Jornal A PROVÍNCIA, da cidade de Goiana, PE, de número 177m referente ao mês de Janeiro de 2008. O texto está na página 10 dessa edição, que tem o seguinte endereço eletrônico: jornalaprovincia@yahoo.com.br



O CARNAVAL NA NUNES MACHADO[1]

Severino Vicente da Silva


Nem sempre tomamos consciência da importância em vivermos em uma cidade que tem sua história confundida, não apenas com a vida dos seus habitantes, mas com a história do estado e do país e, mais especialmente, com a construção da nação. Sabemos que são poucas as cidades que gostariam de serem reconhecidas como históricas embora históricas todas já o sejam. É que, o reconhecimento de cidade histórica, as tornaria visíveis para os demais membros da grande sociedade que forma o estado e país, uma vez que todos passariam a olhar essa cidade com maior carinho; assim como em uma família se olha o avó e a avó, como membros mais velhos, mais experientes, ordenadores primeiros da família. Ora, essa situação, para além do prestígio, traz consigo responsabilidade que cidades surgidas mais recentemente, muitas vezes como resultado do crescimento da mais velha, não carecem de ter. Ser uma cidade histórica é ser referência, é ser responsável para garantir a continuidade de uma tradição.
Esta é a situação acima descrita é a de Goiana, uma cidade com patrimônio cultural que deve ser elevada, como a sua colega Olinda, a Patrimônio Nacional. Nascida na Capitania de Itamaracá, a vila de Goiana teve que disputar o lugar de sede da capitania com a Vila da Conceição, hoje pertencente ao município de Itamaracá. Nazaré teve uma importância excepcional por conta de seu porto, mas foi a vila de Goiana, crescida na várzea dos rios Tracunhaém e Capibaribe Mirim, assumiu importância maior por conta do porto interno, recebedor das mercadorias descidas desde o Vale do Siriji e mesmo das terras mais próximas da Paraíba. Era a riqueza da produção e comércio da farinha, do açúcar, do algodão que, durante anos, navegou os rios goianenses, que trouxe a visita de Pedro II às suas terras. Mesmo a ferrovia que fez diminuir a importância do porto, não destruiu de imediato a sociedade surgida pelo cultivo da cana, mas também da produção têxtil. Foi com a vitória da monocultura canavieira, não só em Goiana, mas em toda a Mata Norte de Pernambuco que a cidade perdeu o brilho dos tempos de Manuel Borba. Andar em Goiana, fazendo o olhar girar, subir, descer as paredes de seus casarões antigos, não apenas das igrejas e conventos, nos faz perceber o quanto foi criado pelos homens e mulheres que viveram e construíram a cidade. Cabe a quem vive nela hoje preservar, o que não significa estabelecer o passado como modelo, pois os avós, enquanto viveram adaptaram as suas vidas e os seus valores para que sobrevivessem, para que continuassem a criar a vida.
A vida de uma planta começa a acabar quando ela não busca nas próprias raízes e no solo onde se está os nutrientes necessários à sua vida, quando ela é retirada do seu solo ou quando lhe retiram o solo. Uma sociedade é capaz de se manter na medida em que acolhe outras influências sem negar a sua essência. Vez por outra nos esquecemos disso e destruímos, às vezes sem consciência, aquilo que fez de nós o que nós somos. E, quando somos uma cidade que é símbolo da formação do nosso país, as instituições que protegem o patrimônio que é comum de todos vêm nos auxiliar e lembrar de nossa responsabilidade na manutenção do patrimônio cultural comum, seja o patrimônio material, seja o patrimônio imaterial. Este ano Goiana viu-se na contingência de reorganizar a sua maneira de manter uma das tradições brasileiras, o carnaval com poucas restrições. O que hoje é o nosso carnaval vem sendo construído desde o final do século XIX, mas explicitamente após 1888. O carnaval brasileiro tomou as características que tem hoje ao longo da República, um regime de homens e mulheres livres para exercer a liberdade e a criatividade. O fim das cadeias que impunham limites aos espaços geográficos aos escravos, o fim do Império, que impunha limites sociais aos “súditos”, fizeram nascer quase duzentos anos as características brasileiras que, como sói esperar, tem as suas especificidades locais. O espírito é de liberdade, mas ela toma forma em cada situação histórica e geográfica. Goiana tem as suas próprias, desde as Pretinhas do Congo, o Coco, as Orquestras, os clubes como Os Lenhadores, os Maracatús, os Caboclinhos, os bailes de clube, as procissões religiosas, os quitutes Culinários, tudo isso e muito mais, além das belezas naturais.
Um sistema cultural garante a preservação de todas as suas partes, quando a utilização de um novo artefato cultural põe em risco as demais partes do sistema cultural é necessário que se tome medidas para evitar a destruição daquela parte mais frágil, quase sempre aqueles bens materiais já desgastados pelo tempo, mas que são a testemunha cultural dos nossos ancestrais modos de viver. Assim, foi muito interessante ver o carnaval de Goiana desfilar na rua Nunes Machado, um a rua que lembra um dos heróis pernambucanos, herói de nossa história, um dos grandes goianenses que pagou com a vida o seu compromisso com a sua gente e com uma pátria livre, autônoma e consciente da grandeza de suas tradições. Nunes Machado não se deixou por novidades passageiras, mas se ateve às raízes de seu povo e sua cultura.
[1] Escrito especialmente para o jornal A PROVÍNCIA, Goiana.
[2] Historiador, professor adjunto do Departamento de História da UFPE. Nascido em Carpina, na Zona da Mata Norte, sócio do Instituto Histórico de Olinda, tem ministrado cursos no programa de Pós-Graduação Latu Senso da FFPG, atua como assessor pedagógico no Ponto de Cultura Maracatu Estrela de Ouro de Aliança. Publicou A IGREJA E A QUESTÃO AGRÁRIA NO NORDESTE(Edições Paulinas, 1986) IGREJA E O CONTROLE SOCIAL NOS SERTÕES NOORDESTINOS (Paulinas, 1988), ZUMBI DOS PALMARES (Paulinas, 1992), FESTA DE CABOCLO (Edições REVIVA,2005). ENTRE O TIBRE E CAPIBARIBE: OS LIMITES DA IGEJA PROGRESSISTA NA ARQUIDIOCESE DE OLINDA E RECIFE (Editora da UFPE, Edições REVIVA, 2006), além de artigos publicados em revistas científicas.

terça-feira, fevereiro 12, 2008

o dinheiro de plástico no absoluto e a fumaça de um charuto na democracia

A cada dia, que nos é dado viver, nos deparamos com a capacidade da vida nos surpreender. É que cada dia é uma surpresa, um conjunto de momentos únicos, com algo que lhe é específico, embora faça parte de uma continuidade que nos permite reconhecer o mundo, com suas formas, pessoas, luzes e cores.. O específico do cotidiano é a surpresa, a novidade permanente e que fará desse dia, tão parecido fisicamente com os já vividos, ser o único em toda a nossa existência. Guardar o que é específico de cada dia é o que nos enche a memória que, misturada com as ocorrências corriqueiras complementam a nossa existência e nos auxilia a dar significado a ela. Quando pensamos a história, pensamos sempre nesses momentos únicos, irrepetíveis, que mudam significativamente a perspectiva que se possuía do mundo. Em nossa vida os atos são irrepetíveis, mas nem todos modificam o curso de nossas vidas.

Quando ocorreu a eleição de Luiz Inácio da Silva muitos disseram que estávamos vivendo um momento histórico, o que tem se comprovado. A presença de Luiz Inácio da Silva criou possibilidades novas para os que formam o Brasil. Passaríamos a ser governados por segmentos da sociedade que sempre foram governados. Um migrante, um metalúrgico desatento, aposentado precocemente por acidente de trabalho no qual perdeu o mais importante dos dedos de uma mão, o mínimo, chegava ao poder, conduzido pelas esperanças de muitas gerações.

Esperava-se muito daquele líder sindical, forjado em muitas lutas, cursos de lideranças, construtor de muitas amizades e garantidor de uma nova moralidade na vida pública. Os grandes problemas daqueles que cultivam a áurea da santidade em vida é que, mais cedo ou mais tarde os fariseus começam a encontrar ações que o tornam tão fariseu quanto aos que ele criticava. Vez por outra isso acontece, não somente porque os fariseus procuram, mas porque encontram o procuram.

A maioria das pessoas vive com o seu salário. Se quiserem um pouco mais têm que mudar de emprego ou fazer um bico por fora, nas horas que deviam dedicar ao lazer. No Brasil instituiu-se, não de hoje, a “sinecura”. É aquele emprego que não exige trabalho.

Os tempos mudam e as coisas se aperfeiçoam, especialmente para os que se dedicam à difícil tarefa de “fazer política”. Foi instituído um salário para os políticos com o objetivo de abrir possibilidade para os não ricos poderem também participar da criação das leis que regem a sociedade. Uma República não pode ser apenas dos patrícios, como a de Roma antiga, considerando "patrício" apenas os que são donos das terras da pátria. Mas nossos políticos têm muita imaginação. Primeiro conseguiram um salário maior do que o da população; segundo estabeleceram que precisavam de uma roupa melhor e o salário não dava para comprar, estabeleceram um “auxílio paletó”; depois pensaram que precisavam de funcionários para os auxiliar a pensar, e foi-lhe concedidos funcionários públicos concursados; mas eles começaram a dizer que tinham que ter gente de confiança e criou-se uma “verba de gabinete” e a permissão de trazer para o serviço público quem fosse de sua confiança pessoal; depois criou-se uma verba “idenizatória” que é para pagar despesas com viagens. Evidentemente todos os demais trabalhadores têm que arcar com essas despesas utilizando o seu salário. Mais recentemente, desde 2001, criou-se um cartão de crédito “corporativo” (o Estado é uma corporação?) a ser usado para fazer frente a pequenas despesas do governo.

A novo moralizador parece que andou utilizando esse cartão “corporativo” para despesas que deveriam ser pagas com o cartão de crédito pessoal. Parece que o chefe tem mantido os mesmos hábitos de alguns dos seus ministros. Quando isso começou a ser discutido, foi celebrado um acordo para salvar o chefe, como se salvou Renan Calheiros. E, mais uma vez, nós ficaremos sem saber o que realmente tem sido feito com o nosso dinheiro. Tudo isso é porque, como nós sabemos, nas monarquias absolutas o que ocorre com a família real não é de interesse dos súditos.

Pelo menos parece que Bill Cliton pagou o charuto, embora tenha perdido a estagiária. Coisas da Democracia!!!

quinta-feira, fevereiro 07, 2008

um aniversário e três mestres

Quinta Feira das Cinzas, o caminho da Quaresma está aberto após os dias das folias momescas, das alegrias e dos risos, abraços e beijos trocados com quem nunca vimos e, pode ser, que jamais vejamos novamnete. Foi a celebração outonal do nosso hemisfério, mas com a alegria primaveril dos trópicos, sempre nessa verdura, como ouvi o padre Nércio Rodrigues dizer várias vezes.

O padre Nércio sempre vestia branco. As vestes sempre brancas de meu professor de Sagrada Escritura eram como uma lembrança de sua promessa batismal e sacerdotal. O mesmo eu posso dizer do abraço e do riso largo de Dom Hélder Câmara, cujo data de aniversário, vez por outra, vinha um pouco depois do carnaval, como aconteceu neste ano do centenário do seu nascimento. O riso e os braços abertos do Dom sempre lembram o abraço do Pai, a certeza de que todos os dias são dias de alegria, pois que cada dia traz a alegria da vida, a pureza do dom.

Conheci Dom Hélder no dia em que ele tomou posse como arcebispo da Igreja de Olinda e Recife. Era um período de incerteza que, na ingenuidade de meus catorze anos, só mais tarde, porém não muito, vim a compreender. Dom Hélder chegava na nossa Igreja após o pequeno governo de Dom Carlos Gouveia Coelho, co-fundador da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Esses dois bispos, juntamente com Dom José Távora, eram os nordestinos que vinham desenvolvendo uma consciência social entre os prelados brasileiros. Dom Eugênio Sales, na arquidiocese de Natal também apontava para as responsabilidades sociais dos católicos. Foi de dom Eugênio a idéia da Campanha da Fraternidade, que era uma semana mas que tomou toda a Quaresma quando a CNBB a assumiu como sua.

Na co-catedral de São Pedro dos Clérigos, a 12 de abril de 1964, todos ouvimos Dom Hélder dizer que “no Nordeste Jesus tem o nome de Biu, Zé, ....” Mesmo depois dos anos de Dom Carlos, que jamais abriu mão da púrpura episcopal, mas que tinha uma relação de brandura com o seu povo, ouvir as palavras de Dom Hélder, era como receber, pela primeira vez, o entendimento do que é o mistério da encarnação. E foi assim por muitos anos na convivência com Dom Hélder.

A Dom Carlos Coelho eu conheci quando estudante no Seminário Menor da Várzea, que ele sempre visitava, especialmente na preparação da Primeira Sessão do Concílio Vaticano II, pois ele sempre levava os bispos que vinham tomar o avião no então muito internacional Aeroporto dos Guararapes. Sendo seminarista menor, minha relação com Dom Carlos Coelho foi bastante filial. Com Dom Hélder o relacionamento, além de filial, caminhou para a amizade, a companhia em almoços, ora na casa de papai e mamãe, ali em Nova Descoberta, ora em um pequeno restaurante próximo ao Palácio dos Manguinhos. Foram muitas as oportunidades de proximidade com o Dom, embora não fosse mais seminarista, mas um católico militante na minha paróquia e no setor de Casa Amarela.

Neste aniversário de Dom Hélder, no início da Quaresma, parece que escuto-lhe dizer ser este um período especial para “nos aproximarmo-nos do Pai”, quase me lembrando as aulas do padre Nércio Rodrigues sobre a sabedoria de Deus parecer loucura para os homens.

á faz algum tempo que esses três mestres estão vivendo a realidade da Ressurreição, e é necessário que os que os conhecemos e com eles tivemos o privilégio de viver, sempre falemos de sua importância para a sociedade humana. Nenhum deles era paroquial ou provinciano. Suas cidadanias eram universais, como o amor que dispensaram àqueles que com eles conviveram.

segunda-feira, fevereiro 04, 2008

Os carnavais do passado presentes

Nesta segunda feira de carnaval, em casa, dois pensamentos me assaltaram e, no final vejo que os dois confluem. Um deles é como nos metemos no carnaval de maneira diversas e, depois nos aproximamos dos mementos que a ele e nele chegamos, Leio as crônicas sobre os carnavais de antigamente e elas são repletas de melancolia e saudade. Estou escrevendo sobre o carnaval hoje porque brinco de maneira diversa da forma que o vivia no passado. No carnaval de 1977 eu estava com Tereza fazendo cordão de isolamento, um cordão humano, feito com os nossos corpos, protegendo a orquestra de Elefantes, caminhando aos passos do frevo em direção dos Quatro Cantos. Tereza estava grávida de cinco meses de nosso filho Ângelo. Mas sempre fomos amantes das duas grandes agremiações, por isso íamos com a orquestra da Pitombeira, que sempre teve uma população de foliões mais atrevidos e mais “tradicionais”. Sempre queríamos fazer parte daquele cordão de isolamento: poderíamos ouvir a música e ficar protegido com a proteção que dávamos. Foi um belo carnaval todos estávamos felizes, inclusive o nosso filho que ainda não sabíamos qual o sexo que teria. Em vários outros carnavais foi da mesma alegria. Sempre saí fantasiado de mim mesmo: sapato conga, meias, bermuda e camisa. Às vezes punha uma peruca. Anonimamente fazíamos nosso carnaval em Olinda. Na terça feira era o desfile na Avenida Getúlio Vargas e, nosso estacionamento de descanso era a casa de seu Paulo e Dona France, os pais de Tereza, ali na Cândido Pessoa.

Essas lembranças que chegaram enquanto me preparo para sair em direção à Guadalupe e Amparo é que me levaram ao pensamento do protagonismo dos anônimos. Em um dos recentes programas QUE HISTÓRIA É ESSA, na entrevista com o professor Marcus Carvalho eu ouvi dele uma expressão assim: “gosto de escrever a história dessas pessoas que não mudaram a história, como Lampião, pois o que ocorreu ocorreria independente de sua existência”. É assim o carnaval: ele existe independente de participação de um folião especificamente, mas só existe porque muitos anônimos assumem o papel de protagonista do carnaval e fazem a história do carnaval.

É verdade que quase ao há registro dos nomes dos músicos que tocaram nas orquestras de Elefantes e de Pitombeira naquele ano de 1977 (com quase certeza podemos dizer que não os há), mas sabemos que elas existiram, que produziram música; também não há registro de quantos foliões puseram seus corpos para proteger aquelas orquestras (como aliás ainda se faz nos dias de hoje), mas sabemos que esses cordões surgem “naturalmente” e são respeitados pelos foliões. O carnaval é isso, é a personalização coletiva dos anônimos, com as suas alegrias, seus desejos, seus sofrimentos, suas lembranças, suas saudades, como a minha, que agora vou para as ruas de Guadalupe e Amparo carregando a saudade do carnaval de 1977 e tudo que nele vivi.

sexta-feira, fevereiro 01, 2008

os tempos do carnaval

Finalmente o carnaval vai ter início amanhã, caso o tempo fosse o mesmo que fez surgir um frevo canção de Nelson Ferreira que dizia: Carnaval só tem três dias, foi um anjo que criou! Era o tempo em que o Carnaval começava no Sábado do Zé Pereira e terminava na Quarta Feira de Cinzas, o que fez aparecer uma outra canção chamando aquele dia Quarta Feira Ingrata que sempre chegava com muita pressa fazendo sofrer o verdadeiro pernambucano que esperava um ano para cair no frevo. Esses carnavais são passados, são do passado. Antes eram três dias e o ano, agora parece ser um ano e três dias.

Em todos os lugares o carnaval já começou, faz tempo. Antes mesmo da Queima da Lapinha, os ensaios de blocos já estavam ocorrendo, não em espaços fechados, mas em plena rua, quase todas as noites. O Carnaval não mais é apenas um momento em que o mundo fica de “ponta cabeça” mas, quem sabe, esteja se tornando o momento da normalidade. Todos querem iniciar o carnaval antes de todos. O governo de Pernambuco iniciou o carnaval uma semana antes do Zé Pereira, e em Olinda já é carnaval desde então. Por outro lado a prefeitura do Recife inicia carnaval hoje, sexta feira, na praça do Marco Zero, com o toque dos maracatus comandados por Nana Vasconcelos e a orquestra de frevo comandada pelo Maestro Formiga. Mas, todos sabemos, que já ocorreram desfiles de “virgens, catraias, touros” nos dois últimos domingos. Já há loucura suficiente para todos, pois até o Galo da Madrugada, que saía na Madrugada do Sábado, tem desfile ensaio oficial na noite da quinta-feira, ao contrário, bem carnavalescamente.

O meu carnaval tem início, ou tinha, no encontro do Nóis Sofre Mas Nóis Goza, na rua Sete de Setembro, desde 1976, o mais antigo dos blocos anárquicos, que anunciaram o final da ditadura militar. O famoso Galo foi a organização que dominou os demais: Língua Ferina, Eu Acho é Pouco, Siri na Lata. O Galo papou a todos com o seu jeito de carnaval veneziano, com os mais ricos desfilando enquanto a “rafa meia” fica ajuntada numa imensa lata de sardinha, nas ruas centenárias do Recife. O Galo modificou o sábado de Zé Pereira, esse ultrapassado folião dos tempos dos carnavais românticos, forçando a madrugada chegar cada vez mais tarde, este ano marcada para as nove e meia da manhã, quando os carros alegóricos começarão a sair da Padre Floriano. Sou um dos dinausauros do Nóis Sofre mas Nóis Goza.

Nesta sexta feira já farei figura no Pólo dos Pontos de Cultura, ali no Largo do Guadalupe, em Olinda, e andarei nas ruas de Olinda até assistir a apresentação de Alceu Valença. Amanhã depois do Nóis Sofre, o caminho será o de Goiana para, na madrugada do Domingo fazer a caçada do bode, o ritual inicial dos caboclinhos, com a Tribo Canidé de Goiana.

Bom Carnaval para Todos. E todos sabem que, desde os tempos gloriosos dos anos oitenta, o carnaval não pára quando chega a Quarta Feira Ingrata, pois ainda tem Segura a Coisa, Encontro dos Bois na Rua da Hora e, uma semna depoistem o pessoal da polícia. O baile dos Garçons ainda existe e é depois da folia.