terça-feira, dezembro 30, 2008

MONUMENTO AOS MIGRANTES - Parque Dona Lindu

Assim, neste final de ano, sem maiores cerimônias, pois isso já é um hábito dos nossos políticos, sempre serelepes em deixar seus nomes em obras construídas, com o dinheiro do povo, este quase nunca mencionado, o prefeito que deixa o cargo amanhã, inaugura uma pequena parte de uma obra monumental, dedicada à genitora do atual presidente da República. Esta foi uma obra polêmica. Parte da população que desejava ver o bairro da Boa Viagem com mais espaço verde, viu levantar-se um obra de concreto, pensada pelo arquiteto Oscar Niemayer. Saiu caro, pois o arquiteto fez gratuitamente projetos para algumas capitais de estados vizinhos. Mas o terreno, que era da aeronáutica, foi doado pelo governo federal com o objetivo explícito de homenagear a mãe do Presidente Lula. Tinha que ser construído e, hoje, ao menos uma parte dele, está sendo inaugurado pelos filhos da homenageada. Sabemos que isso não tem nada a ver com interesse de agradar a quem está no poder.

Uma das razões para a realização desse monumento é que ele é uma homenagem aos migrantes. Recife é uma cidade de mascates e de migrantes. Boa parte da atual população do Recife é filha de migrantes que, escorraçados pelas secas do século XX, desceram principalmente desde o Agreste Setentrional e Zona da Mata Norte, para formar a capital do Estado. A maior parte desses migrantes forma a população da periferia da Cidade. Onde não há grandes parques!!!

Os migrantes das periferias e das cidades da região metropolitana constroem, no dia a dia, transportando-se em péssimo sistema de transporte coletivo, a vida e a riqueza da cidade do Recife, recebendo salários aviltantes, como ocorreu com o pai do atual prefeito.

Ontem foi inaugurado, em ao frente do Aeroporto dos Guararapes, hoje dito Gilberto Freyre, um monumento a outro migrante, este vindo de Ceará e com grande participação na história da cidade e do estado de Pernambuco, Miguel Arraes de Alencar. Em que pese ter tomado o lugar de um outro monumento, uma alegoria ao frevo, do escultor Abelardo da Hora, esta é uma justa homenagem a um dos construtores do Recife e Pernambuco modernos. Em tempo, a alegoria ao frevo foi, ou vai, para a Rua da Aurora.

O Recife tem vários monumentos a migrantes que saíram de Pernambuco para construir o Brasil em outras plagas, como é o caso do poeta Manuel Bandeira, perto do lugar de sua infância. Esses monumentos a migrantes que saem de Pernambuco devem ser visto como uma condenação ao sistema (ou aos responsáveis pelo sistema) que expulsa seus filhos que não têm terra para seus filhos plantarem, escolas onde seus filhos possam ser matriculados e receberem os ensinamentos necessários para serem empregados em fábricas. Mas o sistema não permitiu a criação de fábricas, não promoveu a Reforma Agrária e, por isso, entre outras razões, não teve emprego para a família do atual presidente, obrigando Dona Lindu a deixar o Agreste Meridional, não em direção do Recife, pois aqui nem estava o seu marido. Também, como negar?, os políticos responsáveis por Pernambuco jamais pensaram em criarem meios e condições capazes de estancar a migração de braços e cérebros pernambucanos especialmente para São Paulo. Conheço muitos que cansaram de procurar empregos no Recife e foram para o Sudeste e o Sul. Lá estão muitos que, como meus pais vieram da Mata Norte, e levantaram casas em Nova Descoberta, pagando foros a falsos proprietários. Muito desses migrantes não conseguiram reter seus filhos, pois não havia ocupação para eles. Foi assim que no final dos anos setenta, a família de “seu Mane da frente” foi toda para a periferia de São Paulo. Eu o encontrei em 1987, numa tarde de domingo no Parque São Pedro e fomos para a sua casa próximo ao Tieté.

O monumento ao migrante ficaria melhor em lugares freqüentados pelos descendentes dos migrantes que fizeram e fazem a cidade do Recife.

Embora Dona Lindu jamais tenha posto os pés nesta cidade, como a maior parte dos seus filhos, ela e eles sabem que esta cidade nem sempre reúne condições para atender as suas crianças, forçando-as a seguir o caminho seguido por ela, quando não ficam vivendo em favelas e sobrevivendo com a miséria e o bolsa família, ela e os migrants pobres que foram expulsos de Pernambuco merecem a homenagem e o mea culpa da elite que ganhou o munumento em umdos seus bairros.

Penso que esse monumento terá mais sentido se for pensado dessa maneira. Assim, quem sabe, quando for inaugurado “pra valer”, a gente possa ter como primeira peça teatral ali montada, o auto escrito pelo migrante João Cabral de Melo. Ele migrou do Recife para o Sudeste e escreveu Morte e Vida Severina para refletir a vida de quem desceu desde o Agreste Setentrional, com muitos outros que desceram os caminhos do Rio Capibaribe, para fazer nascer o Recife dos dias atuais.

domingo, dezembro 28, 2008

Reveillon: Uma festa mestiça

Recebo uma ligação telefônica e, de súbito sou levado ao século XVI, à corte francesa. A pergunta é sobre a diferença entre os alimentos que são servidos nos sertões daquela alimentação servida nas mesas litorâneas na noite do ano novo. E foi esta questão me levou à corte francesa, ainda renascentista, em luta para não sucumbir à tristeza das Reformas e Contra-Reformas que religião cristã estava a realizar e sofrer no período. Interessante é que foi nesse período que a gastronomia francesa começa a se impor como modelo. Mas e os sertões do Brasil, o que poderiam ter em comum com essas brincadeiras dos Valois e dos Bourbons? Os sertões estão tão distantes dos que vivem à beira do mar que, não poucas vezes, achamos seus habitantes e seus hábitos mais estranhos que os franceses.

Ora, no século XVII, quando a corte francesa começou celebrar uma festa que chamaram de reveillon, nos sertões de Rodelas, que envolvia parte de territórios da Bahia e Pernambuco, o alimento mais comum era a carne de veado, hoje, é mais comum a carne de bode, carneiro ou boi, uma vez que os veados, animais que carecem de selva para a sua vida, foram sendo extintos na região, assim como o foram as tribos de índios, primeiros habitantes, cujo nome virou toponomia. Mas o que isso tem a ver com a questão que me veio pelo telefone?

A festa de reveillon não está no calendário religioso dos europeus. O ano novo dos europeus, o ano religioso tem início na festa da natividade, ou natal, como a conhecemos com mais facilidade. Mas a festa de Natal, ou do nascimento de Jesus veio sendo, desde o século XIII, animada pelo presépio que, segundo a tradição, foi iniciado por Francisco, o santo da cidade de Assis. A simulação da cena do nascimento do filho de Maria, com a montagem de um cenário em que aparecem animais, pessoas, foi uma inovação na catequese cristã em uma época em que as pessoas não tinham acesso a textos escritos, especialmente por não saberem ler. A catequese cênica era acompanhada dos sermões explicativos ou rememorativos da cena do nascimento. Também havia a dança Pastoril, com pastoras cantando o nascimento do Menino Deus. Mas, o sentimento de reforma do monge Lutero, no radicalismo próprio dos momentos iniciais de qualquer reforma, retomou a idéia de que todas as imagens são ídolos e um cristão não pode aceitar nada além da palavra como caminho, como pedagogia, como meio para se chegar á compreensão do Mistério. Em reação ao impulso dos reformadores, que também se apresentaram como iconoclastas, os católicos e não católicos passaram a suspeitar das manifestações tradicionais e, as festas religiosas da transição de um ano litúrgico para outro foi perdendo a alegria. O estabelecimento, indicado pelo Concílio de Trento, mas tornado oficial pelo Papa Gregório XIII, em 1582, não foi imediatamente aceito nas regiões que assumiram o protestantismo. A festa de um início de ano não religioso, primeiro de janeiro, embora estabelecida no Império Romano, o nome francês denuncia a sua moderna origem. As festas realizadas pela corte do Valois e Bourbons, com fogos de artifícios e outras especiarias, além das frutas locais, terminaram por serem aceitas em outras cortes. O enriquecimento burguês da Revolução Industrial veio a tornar essa festa um momento cada vez mais popular, saindo de Paris e tomando Nova Iorque, a cidade símbolo dos novos tempos. Embora Paris continuasse sendo uma festa, a cultura americana impôs um novo formato ao reveillon através do cinema. Após a segunda grande guerra do século XX, as destas do Primeiro de Janeiro, o “acordar” do ano veio sendo cada vez mais celebrado e, como não podia deixar de ser, foi agregando as mais diversas tradições.

Embora seja um festa civil, o reveillon agregou crendices das religiões populares, dos cultos da fertilidade que foram massacrados pelos reformadores dos séculos XVI a XVIII. Assim vieram as crenças de usar tal cor atrairá sorte, que roupa de tal cor trará riqueza, que comer uvas (eram especiarias para muita gente no Brasil), castanhas do Pará (eram exportadas para as cortes européias e consumidas nesta festa), avelãs (especiaria no Brasil) e, evidentemente o vinho branco e borbulhante da região de champagne. No Brasil, além da influência européia, o reveillon acolheu as homenagens aos Orixás, especialmente a Iemanjá. As feéricas luzes que iluminam as noites das cidades, litorâneas ou não, unem as fadas européias aos orixás brasileiros.

Nessa época de espetáculo permanente, as televisões mostram os mais diferentes, e iguais, modos de celebrar o início de um novo ano. Esta é uma festa cívica em que se encontram as mais diversas religiões e alimentos do mundo. É uma festa mestiça, como o mundo está sendo chamado a se assumir.

terça-feira, dezembro 23, 2008

Um natal de uma quase potência

Dezembro chegando ao seu término, completando-se o tempo da espera do Natal de Jesus, hoje, como a muito tempo, simbolizando milhares de crianças que nascem sem casa, apenas com o carinho de uma mulher, o silêncio de um homem e a imensa incógnita do seu futuro. As lojas continuam cheias e os reportes de economia saltitam de alegria, pois a crise não nos chega. Sim, nos assegura o presidente, essa crise não nos incomodará, especialmente se todos continuarem a passear nos campos e templos do consumo.

Pequenos problemas surgem, mas eles são decorrentes da ação da natureza, há quem diga. A natureza física, com precipitações pluviais que, em contato com o resultado das ações daqueles que possuem a natureza humana nas encostas de morros, produzem alagamentos, derrubadas de casas. Nas semanas de dezembro, no final da primavera, os estados de Santa Catarina, Rio de Janeiro, Minas Gerais, receberam muitas chuvas, e as águas puderam desnudar os efeitos da busca ensandecida por lucros, pela riqueza a qualer custo. As encostas dos morros desmatados para construção de casas em Santa Catarina, para a retirada de minérios em Minas Gerais, mostraram como está sendo construído o status de potência a que chegamos. Ser uma potência, não estar na rota da crise, não quebrar financeiramente, pois os nossos bancos estão bem, diferentemente dos bancos dos Estados Unidos da América do Norte, é o que importa. Por isso, na mensagem de Natal do presidente da nossa nação na houve uma palavra de consolo para os brasileiros que, nesta primavera, viram seus pertences serem destruídos pelas águas, como o sistema de busca de lucro incessante já destruiu as encostas dos morros, já assoreou os leitos dos rios.

Quando eu era menino, uma brincadeira dos mais velhos nos mostrava os limites da beleza, ironizava com quem se gaba. “Tirando a cara e o bucho, fica um rapazinho de luxo”. Assim estamos nós nesse natal. Se não notarmos os defeitos e malfeitos do sistema, se não nos preocuparmos com jovens sem esperança de empregos e de futuro, se não nos preocuparmos com o fato de haver mais mortes violentas no Brasil que em países em guerra, se não percebermos que o aumento de bolsas de ajuda às famílias carentes é decorrente de políticas que as inserem na sociedade apenas como recebedoras e não produtoras, se continuarmos a achar normal que bandidos pobres sejam presos e bandidos ricos sejam protegidos por leis criadas para beneficiar quem pode pagar um advogado, se não levarmos em conta que escritórios de juízes nos palácios das diversas justiças poderiam receber três ou quatro salas de aulas, se não considerarmos nada disso, estamos todos muito bem. Estamos bem porque melhoraram os nossos indicadores financeiros, nosso mercado interno está mais forte, nossa economia está indo cada vez melhor.

Como dizia Garraztazu Médici, “a economia vai bem, mas o povo vai mal”. E quando ele dizia essas coisas ele não se escondia de assistir jogos no Maracanã; sua popularidade era muito boa, pois a sua face de avô acalmava os que não pensavam muito e os pensavam como ele.

terça-feira, dezembro 09, 2008

Arte sem ética en-cena corruta

Na semana que o mundo comemora a Declaração Universal dos Direitos Humanos, tem gente que prefere lembrar a sua destruição celebrando o arbítrio e destruindo a credibilidade da UFPE.

A ciência é uma das muitas realizações humanas e, as relações humanas devem ser construídas honestamente. Infelizmente nem sempre as pessoas são honestas em seus relacionamentos pessoais e sociais. Entretanto, o que permite a vida cotidiana social é a expectativa da honestidade e das ações, o que gera confiança nas instituições. Mas como sabemos essa é uma construção diária. Das pessoas e das instituições.

Nos tempos passados, tempos da aristocracia absolutista, a verdade estava na vontade do rei (nas colônias era a vontade dos senhores “homens bons” [homens de bens]) que determinava o que era a verdade. O processo de mudanças que vem ocorrendo desde o século XVI vem criando e fortalecendo, na prática, a idéia de que a verdade é filha do tempo. Mas como nem sempre temos o tempo necessário para esperar a proclamação da verdade pelo tempo; nesse nosso tempo, que é um período de construção de relações democrática, exigimos transparência nas relações ocorridas no poder público. Houve um tempo em que essas exigências não eram feitas e os cargos públicos eram ocupados por indicações. Mas nesses nossos dias o poder público não pertence mais a um rei ou a um chefe de departamento de uma universidade. Sabemos que não foram poucos os que ocuparam cadeiras de professores mais por suas relações sociais que por suas habilidades em aprender e ensinar. Talvez essa seja uma das razões que levam a nossa produção científica vem a ser mais adjetiva que substantiva.

Por isso a exigência para que a ocupação de cargos seja feita através de concursos públicos. Nos concursos públicos há a possibilidade evitar a corrupção, ou ao menos diminuir a sua possibilidade; precisamos evitar que haja o aproveitamento do poder pelos que ainda não perceberam que o tempo da aristocracia passou.

Quando o Conselho Nacional de Pesquisa pede a todos os pesquisadores que tenham o seu currículo a plataforma Lattes, é com o objetivo de ampliar os espaços de informação e impedir que aproveitadores digam o que não podem provar. Todos os pesquisadores, desde o início de suas atividades, devem ter o currículo lattes atualizado. Assim todos os pesquisadores e cidadãos podem acompanhar o que eles, os pesquisadores, os cientistas estão fazendo em suas áreas de pesquisas e estudos. Isso diminui muito o espaço para que, descendentes espúrios da aristocracia continuem leiloando vagas no serviço público. Especialmente nas universidades federais que são bens e entes públicos.

Isto está sendo escrito porque, neste mês de dezembro, no concurso para provimento do primeiro cargo para professor no recém criado curso de Dança, uma comissão responsável por de concurso público aceitou a inscrição de um candidato que não tinha o seu currículo lattes atualizado, pois ainda não pode dizer que tem o título de mestre, um título necessário para que pudesse realizar a inscrição naquele concurso. E mais, essa comissão, talvez atendendo a solicitação do Chefe do Departamento, aprovou quem não poderia fazer o concurso. Aliás, a princípio, do chefe do Departamento nem estava pensando em não fazer a leitura pública da prova. Alertado da obrigatoriedade, as leituras foram feitas. Mas é impressionante e lamentável que, no primeiro concurso para provimento de cargo de professor no curso de dança da UFPE, a ética, a moralidade está dançando.

Já sabemos que a lisura do concurso foi argüida junto à pró-reitoria. Lamenta-se que professores que deveriam cuidar para que a universidade seja respeitada, esteja colaborando para que se diminua a sua respeitabilidade. Lamenta-se também que essa tentativa de negar o princípio da competência, favorecendo protegido, tenha sido corroborada pelos demais professores daquele Departamento.

Fizeram Mal às Artes, uma péssima coreografia, uma lamentável Arte Cênica.

segunda-feira, dezembro 08, 2008

como tratar sábios e não sábios

Os jornais, com freqüência cada vez maior, trazem notícias de que professores sentem-se violentados em salas de aulas; informam que jovens estudantes vão à salas de aulas portando consigo, além dos cadernos e canetas – algumas vezes em lugar delas -, canivetes, facas, revolveres. Vez por outra aparecem notícias que professores foram agredidos fisicamente em sala de aula, algumas vezes no trajeto casa – escola – casa.

Mas, parece, a maior parte das agressões sofridas pelos professores é de ordem moral e psicológica: atos de insubordinação, recusa histérica em seguir as orientações recebidas, desrespeito explícito como sentar-se de costas ao professor, gritos lembrando que ele é professor apenas em sala de aula, etc. Situações como essas têm levado um razoável número de professores a serem afastados das salas de aulas por conselhos médicos, como maneira de curarem depressões geradas pelos constantes e repetidos atos de desrespeito. Professores, não poucos, sofrem de baixa estima. Professores vivem o drama de serem agentes de um processo civilizador, mal pagos pelo Estado e por ele abandonados, como ele faz com a parte pobre da população, que não se sente parte real da sociedade, recebendo como migalhas aquilo que lhe é de direito.

Essas reflexos me vieram neste final de semana, em um curso de especialização lato sensu, promovido pela Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco, a professores da rede de ensino estadual. Conversávamos sobre os efeitos do processo de mundialização, que atualmente estamos vivendo, tem sobre nossos costumes, nossas raízes, nossas tradições, nossa identidade. Nessa conversa, um dos professores participantes lembrou que em sua comunidade de origem, Conceição das Creoulas, no município de Salgueiro, há o costume de as crianças saudarem os mais velhos pedindo que eles as abençoem. O professor nos ensinava que esse costume, um costume de raiz, fortalece o sentimento de respeito aos mais velhos, àqueles que guardam a tradição, protegem e transmitem as tradições da comunidade. E fazem essa atividade, que é uma atividade de ensino, pela palavra, pelo exemplo, pela participação nas danças, nas conversas, etc. Os mais velhos são os professores e são respeitados.

Em nossa sociedade em que o tempo de velhice é mais comum para muitos, uma sociedade que fez multiplicar o acervo de conhecimentos produzidos e somados dos muitos grupos, uma sociedade que, por conta da enormidade de conhecimentos produzidos, vê-se obrigada a cultivar a especialização, e nem sempre os detentores do conhecimento são os mais velhos; ou melhor, os mais velhos, etáriamente, não conseguem acompanhar todas as produções culturais. Assim, o papel de cuidador da tradição, de transmissor dos saberes, agora é o professor. E então, o respeito aos mais velhos, um respeito que se lhe deve duplamente, pela idade e pela sabedoria, também devia vir para os professores. E não se quer que se peça a bênção aos professores, mas que se lhe respeite o trabalho, a dignidade, etc. que se deve a ele não apenas por ser professor, mas por ser um ser humano. As palavras do professor a esse respeito me tocaram profundamente pois sei que ele sempre fez assim com os seus professores e, ao menos por essa razão, é merecedor do mesmo tratamento.
E dos professores deve-se pedir que tenha conhecimento e cultivem a sabedoria. A sabedoria dos mais velhos, ou ao menos a sabedoria dos mais jovens, em ouvir os que os mais velhos e os mais jovens têm a dizer. É que assim agem os mais velhos,os velhos que são sábios, não aqueles que são apenas idosos. Assim como há professores que são sábios, e aqueles que são apenas professores. Entretanto, sábios ou não, velhos e professores merecem respeito.

Gostei muito de aquele professor me lembrar que eu devo respeitar os mais velhos que eu, ainda que eles não sejam sábios.

terça-feira, dezembro 02, 2008

Uma cidade histórica põe fim a um curso de História?

Os acontecimentos surpreendem a cada dia. Algum tempo passado, algumas pessoas que foram criadas e vivem na Zona da Mata Sul de Pernambuco andaram a perguntar-me sobre a cultura da região. É que estava pesquisando o mundo cultural da Mata Norte, esse mundo cultural que vem invadindo as ruas do Recife desde os anos quarenta, e que foi responsável pelo crescimento populacional da zona norte da capital, por conta disso veio a pergunta.

Comecei a visitar algumas cidades da região, uma região que cresce com construções de hotéis para turistas e, mais recentemente, com o porto de Suape, e sua promessa de riqueza para os muitos de sempre. Assim, aos poucos vou descobrindo pequenas maravilhas escondidas na poeira do tempo e das memórias. Aqui e acolá sempre aparece algo surpreendente, como saber que havia um grupo de caboclinho no Cabo de Santo Agostinho, até recentemente. Penso que o peso dos pães de açúcar e dos bolos de dúzias de ovos tem sido muito pesado para a memória dos mais pobres.

Esse hábito de ser homem livre em sociedade escravocrata não é fácil.

Ora, a cada dia estou mais convencido que um dos caminhos para a liberdade do homem é o conhecimento de sua história. Creio mesmo que o estudo, a reflexão da história sobre a história é uma quase uma psicanálise de um povo. Por isso é muito importante que conheçamos as mais diferentes versões dos acontecimentos, pois elas podem nos aproximar da verdade possível.

No Brasil temos estudado unicamente a história dos senhores dos escravos e, quando estudamos a história dos escravos temos a tendência de vê-los como heróis ou como coitadinhos. Ora nossos avós africanos, que ficaram algum tempo aqui como escravos, não eram semi-deuses nem eram o opróbrio da humanidade. Também não o eram os que os tinham como coisas. Todos eram e são humanos, com chicote nas mãos, com lombo lanhado, com os assassinatos, com os envenenamentos, com a morte nas fornalhas, com as tocaias no caminho dos quilombos, com a luta com os bois para vencer o massapê molhado, seja no transporte das canas seja no transporte das sinhazinhas que saíam para visitar os parentes dos outros engenhos. Todos: escravos e senhores, escravas e senhoras, homens livres e homens alforriados, mulheres livres e mulheres alforriadas. todos eram e são humanos e criadores de suas histórias. Ocorre que nos contam as histórias dos nossos antepassados de um jeito só.

Ainda bem que agora, desde a segunda metade do século XX, está havendo escolas públicas para os mestiços descendentes dos escravos e das escravas, dos homens e mulheres pobres, livres e libertas; ainda bem que a atual sociedade carece, cada vez mais, de gente que saiba ler escrever e contar e fazer de novo a sua história.

E é tão bom saber que a Zona da Mata Sul tem ensino superior formando historiadores e professores de História nas cidades de Palmares e Cabo de Santo Agostinho. Essas escolas, ainda que alguns pernosticos digam que são fracas, são fundamentais na construção da identidade do povo da Mata Sul. Pois é o povo da Mata Sul que está aprendendo a organizar os documentos de sua história, aprendendo a questionar esses documentos e, lenta, mas permanentemente, reconstruindo os seus passados e construindo novos futuros. Sim, pois há futuros que as varandas das casas grande não conseguem perceber.

Pois, nesse espírito, tenho dificuldade em acreditar que tenha passado pela cabeça dos educadores responsáveis pela Faculdade de Ciências Humanas do Cabo de Santo Agostinho em por termo à formação de professores de história, acabando o curso de história. Eu tenho dificuldade em aceitar a idéia de que as autoridades municipais da cidade histórica do Cabo de Santo Agostinho permitam a continuidade dessa idéia histérica. Afinal, parece-me que a FACHUCA é uma autarquia e, como tal, está ligada à Prefeitura ou à Câmara Municipal. Em um tempo em que cada região do mundo está assumindo a sua história, fator crucial para a assumpção de sua identidade e, dessa maneira não se perder neste mundo globalizado, os cidadãos cabenses não devem admitir o encerramento do curso de história na sua cidade histórica. Não apenas os cabenses, mas todos os pernambucanos, todos os brasileiros, estão interessados em manter todos os caminhos de acesso ao conhecimento abertos para o povo brasileiro.

Então cabe perguntar:
1. A quem interessa manter o povo distante do conhecimento de sua História?
2. Quem pretende negar o futuro ao Cabo de Santo Agostinho?

segunda-feira, dezembro 01, 2008

A água não erra na queda

Esta foi uma semana de chuvas e sol ardente em lugares diversos do globo. Lembro que Aldir Blanco fez uma canção que dizia: “reclamam no sul chuva tanta, errou de lugar na caída.” Penso que isso esta relacionado com a seca no Nordeste, nos anos setenta, ao mesmo tempo em que ocorriam chuvas excessivas no Sul, penso que no mesmo Vale do Itajaí. Agora as cenas se repetem e, o novo é que as redes de televisão mostram para o mundo os morros e os habitantes pobres pendurados nos morros de Santa Catarina, nos dizendo que a miséria também existe em um dos estados mais ricos da federação brasileira. As imagens também os mostram que, de maneira semelhante aos pobres do Nordeste que não podem comprar terrenos, os pobres do Sul vivem em barracos pendurados nos morros, como cantavam os poetas da Mangueira em canções na voz de Cartola ou de Elizete Cardoso. As canções diziam que não havia água nos morros, e, como seqüência, podemos entender que não havia serviço de saneamento, saúde e tantas outras necessidades para quais são retirados mais de seis meses de impostos dos brasileiros. Vez por outra esses desastres anunciados ocorrem e nos fazem lembrar versos de Bob Dylon sobre as lágrimas que teremos que verter até que a humanidade se torne humana. São versos da época das outras chuvas, das outras enchentes. Quem se se importa com isso?


As imagens mostram que há um descaso pela vida, que as administrações públicas preocupam-se pouco com a ocupação dos morros, com a derrubada das árvores, com a destruição da natureza. Depois o cinismo dirá, sem vergonha: “também, esse povo vai morar ali, e sabendo que pode cair?”

Quantas mortes teremos que ver, quantas lágrimas serão necessárias antes que as administrações compreendam que cuidar da natureza e preservá-la é mais importante do que promover campanhas contando as “realizações” que a gente não consegue perceber. Os rios são oprimidos por pessoas que se acomodam, forçadamente às suas margens e, quando uma chuva mais forte chega, as casas são levadas pelo rio que voltou ao seu lugar. Matamos, com a miséria da exploração imobiliária, os nossos rios. As cidades nasceram perto dos rios, dos riachos; ao mesmo tempo derrubaram-se as árvores que cuidavam dos rios e dos seus ritmos; alguns rios estão morrendo nas nascentes e outros estão morrendo ao longo do curso. Não há preocupação de salvar a vegetação dos morros, não há a preocupação de salvar a vegetação ao longo dos rios; não há a preocupação de salvar os mangues nos encontros dos rios com os mares. Há apenas a grande ocupação de saber o quanto eu posso ganhar com mais alguns hectares de árvores tombadas. Afinal algumas delas servirão nas salas de refeição dos mais ricos. E, para que o ciclo seja fechado, algumas das tábuas podem vir a servir de parede para algum casebre construído na proximidade do leito de um rio, ou na encosta de algum morro, pouco importa o nome, se do Baú, Mangueira, Refúgio, Conceição, ou qualquer outro.

Não, as águas não erram de lugar na caída, nossas sociedades, nossas culturas ainda não acertaram com o caminho para conviver com toda a natureza, inclusive com os outros homens e mulheres de culturas e sociedades diferentes da nossa. Não é uma questão de tolerância, como dizem os conservadores e reacionários, é uma questão de aceitação, de conviver e entender que conviver significa mais que tolerar quem fuma, quem bebe, quem fala, quem pensa diferente da gente, quem tem cor da pele diferente da cor da pele da gente, etc.

Esses eventos climáticos não são tragédias, são eventos que nossa ciência já é capaz de prever. Tragédia é confundir fortalecer a miséria enquanto imprudentemente continua a se louvar o egoísmo econômico e social como virtude.