domingo, novembro 29, 2009

Mérito Cultural para o Estrela de Ouro de Aliança

Dois dias no Rio de Janeiro acompanhando o Maracatu Estrela de Ouro de Aliança, um dos agraciados pelo Ministério da Cultura com a ORDEM DO MÉRITO CULTURAL 2009. Criada em 1994, essa comenda vem reconhecendo os criadores culturais brasileiros, premiando “ações, obras e testemunhos que resumem inspirações coletivas, momentos históricos, marcas narrativas e períodos estéticos”, como diz o ministro Juca Ferreira. Foram entregues 49 comendas, sendo que além do Maracatu criado pelo Mestre Batista, nos idos de 1966, o Mamulengo Só-Riso, Balé Popular do Recife, Paulo Brusky, Samico, Mestre Vitalino foram os pernambucanos agraciados neste ano. Creio que a imprensa pernambucana ainda encontrará espaço para comentar a entrega dessas comendas.

Do barro, do movimento, das cores, das madeiras, das tintas, das tristezas, angústias e projetos esses criadores, isoladamente, mas na maior parte do tempo em coletividade, recriaram e continuam recriando o universo, o imaginário e as esperanças pernambucanas e brasileiras, vivendo as contradições próprias de seu tempo, de seu lugar. Tive a alegria de dizer a Tereza Costa Rego que, ali, eu estava ajudando a carregar as malas do Maracatu, ao que ela retrucou que fazia o mesmo com o Mamulengo Só-Riso e Fernando Augusto, o seu idealizador. Também com o Mamulengo estava a Madre Escobar, uma das mais criativas mulheres que conheci e que seduziu uma juventude nos difíceis anos sessenta. Madre Escobar continua, agora aos noventa anos, criando. E conversamos um pouco sobre o seu sonho de uma Universidade Popular Dom Hélder Câmara. Madre Escobar continua sua admirável trajetória educacional que passa pela invenção do CECOSNE e a da Escola de Circo. Foi uma alegria, de novo, olhar o gigante Paulo Brusky e lembrar que ele pôs sua imaginação na capa de um livro de poesias escritas por Natanael Sarmento, Fernando Magalhães e, alguns atentados meus, em meados dos anos oitenta.

Gosto muito de carregar as malas do Mestre Zé Duda e Luiz Caboclo. Fiquei muito feliz vendo o antigo “arrelerquin” José Lourenço receber a comenda que o seu pai, Mestre Batista começou a tecer quando, em 1966, no terreiro de sua casa em Chã de Camará, apoiado por cambiteiros, cortadores de cana e lavradores, deu continuidade a um maracatu que seu avô teria iniciado no começo da República.

Essa história eu contei no livro "Estrela de Ouro de Aliança: a saga de uma tradição", que foi entregue, por José Lourenço ao presidente da República.

segunda-feira, novembro 23, 2009

Festival Canavial

21/11/2009
Festival Canavial homenageia colaboradores


Este ano o Festival Canavial optou por homenagear algumas pessoas que vêm sendo parte da construção de uma nova maneira de ver e acompanhar a produção cultural e a produção da cultura na Zona da Mata Norte de Pernambuco. Logo na primeira noite foram homenageados Joana D’Arc, da Associação dos Filhos e Amigos de Vicência, que recebeu o troféu Luiz Gonzaga e o professor Severino Vicente da Silva, homenageado como o troféu Mateus Danado. Essas homenagens referem-se aos trabalhos educacionais por eles realizados na Zona da Mata Norte.


Ederlan Fábio

domingo, novembro 15, 2009

Viva a República!

Nesta semana de comemoração cívica do aniversário da República do Brasil, podemos chegar ao entendimento de que ela não é uma data muito importante, afinal, o Brasil pode não ter se tornado ainda um res publica. Assistimos constantemente um grupo de pessoas apropriar-se de coisas e instituições públicas como se coisas suas fossem. Ademais, a legislação que tem sido criada, apesar de um discurso de garantias universais de direitos, quase sempre beneficia alguns, os mesmos de sempre, os que sempre se apropriaram das coisas do Estado Brasileiro.

Todos nós sabemos que ao longo do século XIX, proprietários de terras criaram o Estado Brasileiro, as suas leis básicas: a Constituição de 1824, o Ato Adicional de 1834, a Lei de Terras de 1850, as Leis que controlaram o fim do trabalho escravo no Brasil. A República começou com um golpe, governos violentos e o retorno das oligarquias que governavam antes e estão até hoje no poder. Aqui em Pernambuco, os primeiros presidentes do Estado haviam sido conselheiros do Império, como ocorreu em quase todos os recantos. O início da República foi uma repressão terrível sobre as iniciativas populares, desde Canudos, Contestado, Congaço, Revolta da Vacina, Revolta do Vintém, Revolta da Chibata. Era a criação da Nação, era o povo se mostrando e sendo recusado pelos setores de dominação. Contudo foi sendo formada a alma da nação, a sua cultura, como coisa pública, nas ruas. Dessa época é que vem a explosão da alegria dos carnavais, no Sul (Rio de Janeiro), no Norte (Recife); com o Samba, o Frevo, a Dança da Capoeira (em todo o Brasil), as diversas danças dos Bois, as Cambindas, as Negas Malucas, os Caboclos, os Caboclinhos, Cavalo Marinho, que são as novas tradições republicanas que superam, ocupam os espaços das tradições portuguesas e africanas.

As grandes tradições do povo brasileiro são criadas na República, e não na Colônia ou no Império, embora tenham bebido daquelas. As festas do século XIX, essas que se orgulham de tanta antiguidade, deveriam verificar a quem interessava os reis de Congo, delegados do Estado e da Igreja. Talvez interessasse aos mesmos que, no carnaval do Recife, tentam impor reis e rainhas e roupas do guarda-roupa da aristocracia francesa aos caboclos de lança nascidos da criatividade republicana dos cortadores de cana. Eles preferem cultivar essas antiguidades, e eles ficam em camarotes distante do povo, divertindo-se com a diversão do povo e não com o povo brasileiro. Algo parecido com a famosa frase bragantina de 7 de abril de 1831.

Os festejos em torno da República são pequenos e quase inexistentes, como observou Karine Morgana, uma das minhas sobrinhas, o que me forçou a fazer essa reflexão. Talvez porque o povo, sub-repticiamente, esteja sempre recriando a República, tomando para si o que alguns bacharéis teimam em guardar para seus parentes, é que eles não gostam de discutir essa idéia: o Estado Brasileiro, diz a Nação Brasileira, é um Res Publica, uma coisa que é de todos e não pode continuar na mão de alguns, herdeiros e continuadores dos impérios bragantinos, embora eles se apresentem em trajes burgueses.

Viva a República!

sábado, novembro 07, 2009

De Sergipe del Rey ao Engenho de Maracatus

Tarde do sábado após pequeno período em Aracaju onde fui falar um pouco sobre a minha pesquisa a respeito do Pretinhas do Congo, considerando os espaços religiosos que são criados ao longo da história. E a Pretinha do Congo está geograficamente na parte marginal da cidade de Goiana, pois embora tendo nascido em região industrial, tudo indica que seus fundadores não eram da elite do operariado local, como hoje, nesse novo surto industrial da cidade eles não possam beneficiar-se diretamente. Religiosamente, as Pretinhas do Congo não freqüentam os grupos mais aceitos na sociedade e, o lugar onde hoje vivem, o Baldo do Rio, pequena é a presença dos grupos religiosos que fundaram Goiana. Foram essas e outras reflexões que levamos ao II Colóquio Nacional do Grupo de Pesquisa Culturas, Identidades e Religiosidades da Universidade Federal de Sergipe. Além de participar de uma Mesa Redonda, tive a felicidade de participar, como ouvinte, de uma sessão de comunicação das pesquisas que estão sendo realizadas por membros desse grupo de pesquisa, quase todas voltadas para a religiosidade popular. Aliás, o povo tem religiosidade, quem não é povo tem religião, parece.

Mas neste sábado, mais uma vez participo da inauguração de um Ponto de Cultura na Zona da Mata Norte, mais especificamente na cidade de Nazaré da Mata. Trata-se do Ponto de Cultura ENGENHO DOS MARACATUS, formado pela ação conjunta do Maracatu Coração Nazareno, do Maracatu Leão Misterioso, do Maracatu Leão Cultural e do Maracatu Águia Misteriosa. Quem apresentou o projeto à FUNDARPE para a criação desse ponto de cultura foi a Associação das Mulheres de Nazaré da Mata - AMUNAM, entidade com duas décadas de lutas e conquistas de espaços e cidadania para as mulheres e os homens da Mata Norte.

Como parte dos festejos da inauguração do Ponto de Cultura Engenho dos Canaviais foi realizada uma “roda de mestres”, uma conversa de mestres, ao vivo, pela Rádio Alternativa, que pertence a AMUNAM, o primeiro programa Engenho dos Maracatus. Como em notou Afonso Oliveira, foi necessário que na terra dos maracatus, surgisse uma associação feminina, com um maracatu formado só por mulheres – Maracatu Coração Nazareno – para que viesse a ser criado um programa radiofônico dedicado apenas aos maracatus. Mas, além disso, tivemos a notícia de que agora a Rádio da AMUNAM tem concessão permanente, com portaria ministerial.

Todas essas razões de alegrias foram completadas com a inauguração de dois espaços para a realização de oficinas pelos maracatuzeiros dos quatro maracatus: um no prédio da AMUNAM, será dedicado à discussão e produção de projetos comuns e individuais para cada maracatu e, o outro, no Engenho Santa Fé (onde o Mestre Baracho foi Mestre de Cachaça), será o lugar da produção de golas, surrões e das demais indumentárias próprias dos caboclos. Um festa simples, com a participação dos maracatuzeiros, dos Mestres João Paulo(Leão Misterioso), Mané da Silva(Leão Cultural), Edilmo e Valdemar Belarmino (Águia Misteriosa) e a Mestre Gil(Coração Nazareno), e a Eliane, presidente da AMUNAM.

E o que mais deixava os mestres nervosos, é que nesta semana, eles iniciarão, em doze escolas da cidade, aulas-espetáculo para disseminar os valores e a história do Maracatu de Baque.

Como diriam Darcy Ribeiro e João Ubaldo, e nós com eles: Viva o povo brasileiro!

quarta-feira, novembro 04, 2009

Estou atônito, isto não é um comentário politico

Nos últimos dias o país está vivendo uma situação interessante: o Senado da República recusa-se a cumprir uma decisão do Supremo Tribunal Federal, a mais alta corte de justiça do país, e não retirou o mandato de um senador que, segundo o STF, cometeu o crime de abuso de poder econômico para ser eleito por seu estado. O Senado, presidido por José Sarney, o mesmo que preside uma fundação do mesmo nome, que, tudo indica, andou usando irregularmente verba federal, não vê nada de errado na conduta daquele senador. Apesar do lamento do presidente do STF, esse acontecimento deve ser visto como uma das conseqüências das suas noites mal dormidas, quando deu plantão no STF. Naquela ocasião, ele quase não ia para casa com o objetivo de assegurar que o banqueiro Daniel Dantas não dormiria na prisão nem usaria algemas, mesmo que essa decisão “corajosa”, gilmariana, viesse a diminuir as decisões dos juízes de Primeira Instância, quase sempre ainda jovens e sem as experiências dos expedientes. O desconforto do STF hoje deve ser menor do que o sentiu quando ocorreu o bate boca e todos ficaram ao lado do ilustre presidente. Sarney também tem sido presidente e sabe que as decisões do STF devem ser cumpridas. Com tanta seriedade quanto as decisões tomadas pelo Diretor Administrativo do Congresso que, sem o conhecimento do presidente do Congresso deu emprego a parentes do presidente do Congresso.

Bem, Sarney que, vez por outra, quando é de seu interesse, repete que “decisão judicial não se discute, se cumpre”, resolveu colocar senadores subalternos para verificar se a mais alta corte de justiça pode solicitar que sejam respeitadas as leis eleitorais. É que todo esse confuso quadro é decorrente da não aceitação da decisão do Superior Tribunal Eleitoral que havia determinado a tomada do mandato senatorial conquistado irregularmente. Mas quem se importa para uma legislação eleitoral que muda a cada quatro anos com dois objetivos básicos: confundir o eleitor e induzí-lo ao erro e, muito importante, garantir que os que fazem as leis que os beneficiam, continuem sendo eleitos para criarem leis que garantam maiores imunidades aos que se habituaram a não cumprir a lei básica de ser honesto nos relacionamentos sociais.

Enquanto isso, Zelaya continua tirando foto no principal gabinete da embaixada (?) brasileira em Honduras e nosso presidente continua cumprindo a legislação e não está fazendo campanha eleitoral. Assim me diz um cientista político. Já Marina da Silva deve parar a sua campanha para a presidência da República, pois a legislação eleitoral é clara a esse respeito.

domingo, novembro 01, 2009

Festa do povo

Estou em Pesqueira, início do Sertão ou final do Agreste. Vim para a inauguração do Ponto de Cultura Ororubá, formado pela união de quatro grupos criativos e criadores de ritmos, sons e movimentos: O COCO CANCÃO PIÔ, um tradição quase centenária surgida nos espaços da Serra do Ororubá, pela Família Dotô, e reanimada sob a liderança do Mestre Timóteo; a ESCOLA DE SAMBA LABARIRI, criada por Daniel que após um período de alguns anos vividos no Rio de Janeiro, retornando em 1962 e resolveu por essa escola na rua, lembrando graciosa música carnavalesca, sucesso na voz de Jorge Veiga, e a Labariri hoje mantêm-se sob a liderança do Mestre Ulisses, co-fundador; as CAMBINDAS VELHAS, criadas em 1907 e mantidas até os dias de hoje, sempre saindo nos carnavais sob a coordenação de do Mestre Rosendo; e AS CAIPORAS, nascidas a 48 anos, fruto de uma brincadeira inventada para assustar as crianças no carnaval, surgidas em uma conversa de bar de JoãoJustino, o Gilete, com um amigo, e teve em Dona Helena a artista para a criação da fantasia que encanta um maior número de pessoas a cada ano. Fico feliz em participar desta festa inaugural, de entrar na casa Ponto de Cultura Ororubá, localizado na Farroupilha, onde no passado havia um parreiral e local de nascimento da Escola de Samba Labariri e do grupo Caiporas.

Nos anos posteriores à guerra que expulsou os holandeses de Pernambuco, os mestiços do litoral, iniciaram a conquista dos sertões pernambucanos. Padres da Congregação do Oratório estabeleceram uma missão na Serra do Ororubá e dessa ocupação veio a formação da Vila de Cimbres, que veio a ser a mais antiga paróquia desses sertões pernambucanos e o local do primeiro Senado do Sertão. Os padres introduziram a devoção de Nossa Senhora das Montanhas, pretendendo superar a Mãe Tamain. No alto da serra, ao longo dos séculos as tradições indígenas, africanas, portuguesas e mestiças fertilizaram-se mutuamente, criam-se e recriam-se ainda nos dias de hoje, ao tempo em que as profundas raízes Xucuru retomam o culto a Timaim. Nesse local de criatividade e sofrimento, o povo recria sua história, cria novas histórias, com as Caiporas que saíram das matas para brincar na ruas de Pesqueira, filha da Vila de Cimbres; o povo conta sua história na batida das mãos e dos pés ao canto do Cancão, na dança mestiça do coco do Cancão Pio; ou nas fantasias das Cambindas Velhas, a brincadeira dos trabalhadores da estrada de ferro que chegava em 1907, com os homens negros e mestiços cambindando, vestido-se com roupas femininas, quase recriando o maracatu de Baque Virado, mas sem as marcas da escravidão, pois que essa é um brincadeira criada na liberdade republicana, como as mais brasileiras tradições. E, se as Cambindas Velhas são filhas da movimentação dos trens entre o Recife e Pesqueira, a Escola de Samba Labariri é cria da migração gerada pela industrialização dos anos cinqüenta e das rodovias que favoreceram o vai e vem da população entre o Sudeste e o Nordeste.

Fico feliz em ser participante desses gloriosos momentos do Ponto de Cultura Ororubá, local de confluência das tradições que formam o Brasil, sem as bobagens, cultivadas por certos grupos sociais, de ficarem semelhantes aos “civilizados europeus” por utilizarem alguns dos instrumentos criados por eles. Gosto de viver com os brasileiros, como esses grupos que se uniram para formar o Ponto de Cultura Orarobá, pois têm em comum o fato de continuarem a ser a riqueza cultural de Pesqueira após a debandada dos “capitalistas” industriais. As mudanças políticas e sociais não mais permitiam acordos abusivos na contratação da mão de obra e as “indústrias” faliram. A chegada da revolução rodoviária superou o tempo dos trens. A destruição das matas tornou mais seco o tempo agreste e as goiabas e tomates não eram mais suficientes para garantir lucros exorbitantes, as leis tornaram mais difícil a exploração da população local e a rodovia federal os levou para a capital, de onde choram saudades por tempos passados, enquanto isso o povo mestiço de Pesqueira continuou a produzir a riqueza que é mais forte que o ouro, mais resistente que o diamante: a cultura.