domingo, novembro 19, 2023

Preconceitos

Fui educado, como todos os brasileiros que já viveram mais de que seis décadas, a aceitar e repetir que o Brasil era o país que não havia preconceitos. Passei parte de minha vida acreditando nessa afirmação, de maneira tal que, sendo prejudicado (prejulgado) a cada movimento realizado, não o percebia. Foram e são muitos os preconceitos que os seres humanos criaram para defender-se dos outros grupos sociais com os quais esbarravam e esbarram. Expressões simples, constantemente repetidas aos nosso ouvidos e que corríamos a replicar, sem pensar sobre elas. Éramos, somos, ensinados a não pensar. Os que escapavam e escapam das armadilhas, amorosas ou maldosas, logo recebiam algum rótulo, mais um dado para que fosse afastado. Entretanto começamos a descobrir e ver além das nuvens. Uma amiga dizia uma palavra que me forçou ao dicionário e algumas horas de meditação: desnublar. Descobrir conceitos escondidos na falas. Observei, mas não compreendi no início da minha adolescência, que os colegas mais ricos, parentes ou amigos dos diretores, jamais eram culpados por algum desastre ocorrido, a responsabilidade sempre cabia aos que não tinham padrinhos. Aliás esta é a frase “quem tem padrinho não morre pagão”. Alguns sociólogos começaram a mostrar que o “você sabe com quem está falando” era dita por pessoas sem razão mas com padrinho ou boa conta bancária. Durante a ditadura militar zombava-se, em uma anedota, de um militar que fazia tal pergunta juntando-a à patente, fazendo-o a ouvir: “sinto muito por você ter conseguido apenas ser um militar”. Mas havia outras manifestações de preconceitos e diminuição do outro, especialmente voltadas para as etnias. Aprendi, aprendemos, que o índio era preguiçoso, que era dissimulado. Hoje sabemos que a razão dessa “preguiça” era o trabalho mal pago, que a dissimulação era uma tentativa de ludibriar quem dele queria se aproveitar. Quanto aos negros que tudo ouviam calados, expressões as mais depreciadoras da sua humanidade e, se em algum momento reclamavam, logo ouviam dizer que devia “procurar o seu lugar”, que “esse povo é assim, a gente dá os pés e eles querem logo a mão”, e “esses negrinhos pensam que é gente”. Quanto aos pardos, eram ditos “desbotados”, “sarará”, e isso ouvíamos de todos os lados, pois que não eram índios, negros ou brancos, eram uma gente “sem eira nem beira” que nem sabe quem são seus avós. Ouvíamos tudo isso, e diziam-nos, que não havia preconceito no Brasil, que era tudo uma questão de “classe social” e que os não preguiçosos iriam subir na vida. Afinal de contas, na Carta de ABC que educou tantos brasileiros tem um verso decorado por gerações: "A preguiça é a chave da pobreza", definindo o pobre como preguiçoso; o que impediu a muitas gerações entender que a pobreza, a miséria, resulta da apropriação da riqueza produzida pelos pobres, pelos que não herdaram as terras nas quais seus avós trabalharam durante séculos, terras que foram tomadas dos indígenas originários. Ideias como essas é que tem provocado o preconceito em relação ao trabalho, atividade humana – pois trabalho é uma ação livre, realizada com um objetivo, o de assegurar a sobrevivência do indivíduo e da comunidade a que pertence. Contudo, a exploração que tem ocorrido ao longo de nossa história, tem sido de tal monta que ele é apontado como um castigo, o pagamento permanente de uma dívida impagável desde escreveram o capítulo 3 do livro do Gênesis. Esse mito fundador, impediu a nossa compreensão do valor do trabalho, de sua função humanizante, transformando aquece que trabalha em um animal, uma besta. Não é o trabalho que torna o homem uma besta que age sem sentido, realizando o projeto de outrem, mas é a apropriação, a negação da produção da ação dos homens, que gera e reforça os preconceitos que definem negativamente os seres humanos. Nesta semana que lembramos a permanente luta pela liberdade, inclusive a liberdade dos preconceitos que nos prendem ao passado e podem comprometer nosso futuro, nesta semana que dedicamos a cultivar nossa consciência negra, não nos esqueçamos que, o que sofreram nossos pais e sofremos nós ainda agora, que somos humanos e, temos que vencer todos os preconceitos. Pro. Severino Vicenre da Silva

quarta-feira, novembro 15, 2023

A República e o povo brasileiro

Vivenciamos neste dia o último feriado cívico do ano. Com o declínio das religiões como justificativa e organização das sociedades no espaço da dita Civilização Ocidental, cada Estado cuidou de aglutinar seus súditos em torno de alguns símbolos e heróis, personagens e expressões artísticas, capazes de os manter unidos. Criou-se a religião civil, com suas normas, suas leis, e até mesmo com alguns dogmas, certas CLÁUSULAS PÉTREAS que não podem ser removidas das constituições, as sagradas escrituras das religiões nacionais. Os Estados escolhem alguns dias do ano para celebrar e fortalecer os laços dos cidadãos, são feriados, que devem ser, como eram os dias santos das religiões, momentos para reflexão sobre as virtudes exigidas para a manutenção das nações que se uniram em um Estado. Não é incomum que essas datas sejam de louvação aos símbolos, com a Bandeira Nacional, reverenciada, no Brasil, no dia 19 de novembro. Tem o dia dedicado ao Exército, à Marinha, a Aeronáutica que, embora não sejam feriado são mencionados nos calendários e nos espaços específicos. Entre os brasileiros, o Dia do Exército é mais lembrado, pois é a parte das forças armadas formada por cidadãos provenientes das camadas mais populares e pobres, portanto, da maioria da população. Data muito festejada é a da Independência do Brasil do Brasil, no Sete de Setembro, convencionado para ser símbolo da unidade nacional, procurando superar as datas locais de outros movimentos que separaram parte do Brasil de seu antigo colonizador, o Reino de Portugal, como é o caso da Revolução de 1817 e da Confederação do Equador, lideradas por Pernambuco. a Revolução de 1817 e da Confederação do Equador, lideradas por Pernambuco. Se as elites pernambucanas cumprem rigorosamente o acordo para esquecer o Gervásio Pires, Frei Caneca e outros, a Bahia festeja gostosamente a sua tardia (1823) adesão ao Império brasileiro que se formou em torno da família Bragança e dos líderes paulistas. O 15 de novembro é feriado, um dia cívico, no qual os brasileiros devem, ou deveriam, celebrar que vivemos em um Estado que superou os governo pessoais e personalistas, pois que vivemos em uma República, uma sociedade voltada e dirigida para o bem-estar do público, por suposto. Mas esses feriados quase nunca são celebrados desse modo, normalmente são vistos como oportunidades de encontro de amigos para a dança, a bebida, a celebração da vida comum. Além dos feriados e dias de celebração nacional, há os feriados estaduais e municipais, quase sempre tratados de igual modo, pois as tradições são preservadas á medida que elas apresentem importância para a vida da comunidade. Se não há uma relação de afetividade, esses feriados serão momentos para fazer nada, ou fazer qualquer coisa que o cotidiano não permite fazer. Na manhã do 15 de novembro de 1889, o Marechal Deodoro da Fonseca, saiu de seu leito (estava adoentado), para acalmar a tropa que, alimentada pelo boato de sua prisão (o que não havia ocorrido) e, ouviu gritos de Viva a República. Houve apenas um tiro, o governo do Barão de Ouro Preto foi deposto. O Imperador tomou o trem em Petrópolis e desceu ao Rio de Janeiro disposto a formar um novo ministério. Soube que já não imperava e, em poucos dias, ele e sua família estavam expulsos do Brasil. No dizer de um dos articuladores do Golpe de 15 de Novembro, “o povo assistiu bestificado” o movimento da tropa. Depois cuidou de fazer sua república paralela, como vive até hoje, com alguns momentos de intersecções. Até os dias de hoje, o povo luta para deixar de bestializado. Como o Império e a República brasileiras. Prof. Severino Vicente da Silva

sábado, novembro 11, 2023

Dez de novembro em Olinda

• Olinda, 11 de novembro de 2023 Resolvi escrever um pouco sobre duas ações realizadas pelo Instituto Histórico de Olinda com o objetivo de fazer com que todos acompanhem nossos movimentos como instituição comprometida com a manutenção de nossa memória, nossa cultura, o que significa dizer com a nossa manutenção como cidade, mais especificamente, Cidade Patrimônio da Cultura da Humanidade, conforme reconhecimento da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura – UNESCO, criado em 1972 e recebido por Olinda em 1982. Mas se o título conferido pela UNESCO reconhece a obra arquitetônica, urbanista e natural da cidade iniciada pela ação de Duarte Coelho, tais obras do patrimônio físico veem acompanhadas de ideias, sonhos, realizações não materiais que, ao longo de três séculos mantiveram as característica básicas de um processo civilizacional. Uma dessas ideias e projetos é a República que, ao longo da invenção de civilização vem sendo buscada e cultivada em diferentes momentos históricos. Um desses, ocorreu a 10 de novembro de 1710, quando a insatisfação da aristocracia do açúcar que dominava Olinda veio à tona por conta da decisão da coroa portuguesa de elevar a povoação do Recife à categoria de Vila independente de Olinda. Então, o Senado da Câmara de Olinda, em reunião na data acima mencionada, ouviu que alguns de seu membros pretendiam dispensar o rei, tornar-se um governo separado de Portugal. Essa apreciação foi apresentada por nosso confrade o Prof. Doutor George Cabral, em sua alocução no Mercado da Ribeira, próximo às ruínas do Senado da Câmara, onde reuniram-se alguns associados do IHO, Secretários da Cidade de Olinda. Uma pequena cerimônia para nos alertar que sem o cultivo de nossa herança imaterial, pouco sentido têm os prédios, os espaços; é que são as memórias, as tradições cultivadas que sustentam as cidades a humanidade. À tarde, o Instituto Histórico de Olinda recebeu a palestra de clausura, professores e estudantes da Universidade Federal de Pernambuco para ouvir palestra do Professor Eduardo França Paiva da Universidade Federal de Minas Gerais E foi dessa maneira que celebramos a memória do Primeiro Grito de República da história da América. Lembramos que no primeiro domingo de Dezembro, teremos nossa reunião mensal. Severino Vicente da Silva, presidente do IHO

domingo, novembro 05, 2023

Pensar a possibilidade de seer civilizado

Pensar a possibilidade de ser civilizado Prof. Severino Vicente Está a completar trinta dias a guerra na faixa de Gaza, entre o grupo terrorista Hamas e o Estado de Israel. O comportamento típico das guerras incivilizadas, (expressão terrível, essa) desnudam a pequena crosta de civilização que permeia as relações entre os seres humanos, esses que se se dizem sapiens sapiens. Acostumamo-nos com as ações violentas que, dizemos, eram praticadas antes que Cesare Baccaria nos ensinasse que as penas não devem ser maior que os delitos; a violência que os reis faziam aos povos usando a religião como álibi, começou a ser superada pelo temor que o Período do Terror gerou. Ao longo do século XIX. o mundo que o Iluminismo criou, parecia civilizar-se, embora isso tenha ocorrido com a colonização da África e da Ásia. Tranquilos entre o Estreito de Gibraltar e os Montes Urais, europeus entregavam-se a matanças nos continentes para alimentar os fornos e as máquinas de sua industrialização. Os mais sensíveis perceberam que a ‘civilização’ lhe enfastiava, alguns intelectuais expressão que estaria ocorrendo a Decadência do Ocidente, um Mal-estar da Civilização. Veio a Guerra, vieram a guerras, o banho de sangue tão bem-posto em memorável cena do Lawrence da Arábia, o militar e escritor inglês, T. E. Lawrence, após auxiliar a destruição do Império Otomano e criar as atuais Estados árabes. Desde então continuamos a viver um mundo em guerra, enquanto nos convencem que estamos em um grande período de paz. A Paz dos Cemitérios, dos Pântanos das diversas marcas de Cola, das viagens -são tantas as maneiras de viajar em veículos com vidros fechados com películas protetoras. Parece que não há guerras, exceto essa que está 24 horas por dia nos rádios e nos televisores, entre as campanhas publicitárias. Li hoje que Zelensky, até então o principal astro da “luta pela paz”, está a reclamar que ninguém mais lembra do que está acontecendo na Ucrânia. Mas a guerra de Zelensky, a do Hamas, do Estado de Israel, importam e estamos a acompanhá-las porque envolvem as economias industrializadas. As demais guerras, envolvendo quem não faz parte desse grupo não existem. Vivia eu meu décimo sétimo de vida quando a guerra entrou na sala de jantar. Até então a guerra era vista apenas no cinema e, até então os ‘bandidos’ eram os alemães. E o Vietnan, onde os franceses mataram tantas pessoas quanto na Argélia, começou a matar uma geração de estadunidenses, começa a fazer parte das refeições, como se Coca-Cola ou Pepsi-Cola fosse. Um escândalo pois o cinema começou a mostrar que os ‘mocinhos’ eram bandidos, também. Que grande sala de aula era o cinema que apresentava a guerra e as angústias que ela carrega. Aos poucos os sapiens sapiens foram voltando à sua condição de guerreiros e festeiros, e como a burguesia industrial do século XIX dedica-se a buscar essas bebidas espirituosas para continuarem a pensar que não há guerras. Parece que desistiu-se da ideia e do projeto civilizacional, que não deve ser confundido com os projetos que fracassaram, mas apontam que é possível viver sem guerras e sem esconder o mal-estar. Se os escondemos, não o superaremos. Ouro Preto, Olinda, 2023/11/05