terça-feira, janeiro 29, 2008

Pílulas, bispos: questões de éticas amazônicas

Estamos chegando no final da semana pré-carnavalesca e, ao que tudo indica, a crise entre a Arquidiocese de Olinda e Recife e a Prefeitura do Recife está chegando a um entendimento.

Infelizmente o bispo não entende que a sua autoridade é religiosa e tem validade apenas para os da sua Igreja. Como militante de sua religião ele pode recorrer ao Ministério Público para chamar atenção às suas idéias e influenciar a sociedade. O mesmo pode ser feito por outras igrejas e religiões, como as que pretendem acabar com o feriado de 12 de outubro e os que querem criar o dia da consciência evangélica, similiar à consciência negra. Os religiosos adoram a seu Deus e desejam impor as suas crenças a todos. Mas estamos em uma sociedade diferente daquela da Idade Média e do início dos tempos modernos.

O prefeito, por outro lado resolveu colocar as palavras devidas, dizer com clareza o que realmente ele pode fazer com as pílulas compradas com o dinheiro público. Agora ele já sabe, aprendeu a diferença entre “distribuir” e “colocar à disposição” ou “disponibilizar”, como desejam aqueles que já estão quase esquecendo o idioma, com a criação de tantos verbos e neologismo. A pílula estará disponível, como sempre esteve nos postos de saúde, desde o início do século, para aquelas mulheres que forem atendidas por um médico que reconhecerá a necessidade de utilização da pílula. Assim, fica garantido o direito da mulher e não se propaga a idéia populista de distribuição indiscriminada de um medicamento que pode causar distúrbios por seu uso freqüente. Como se vê, o debate esclarece a todos, inclusive aos já iluminados.

No mais, a floreta amazônica está sendo destruída sob os olhos da ministra Marina, para que aumente o plantio de soja, cana de açúcar e a criação de gado. Como sempre os responsáveis disseram que não sabiam e mentiram na ONU, jurando que estava diminuindo a área devastada. O Brasil pagará caro por essa mentira. Uma coisa é mentir aos brasileiros que se enganam com pequenas bolsas, outra coisa é não respeitar a comunidade internacional. Não foi essa a primeira mentira do atual governo nem será a última.

Ainda no governo federal está sendo rasgado o Código de Ética para a alta administração federal, criado em 1999 para inibir comportamentos como o da ministra da (des)Igualdade Racial. Dona Matilde é especialista no uso de cartão de crédito do governo enquanto poupa o seu ordenado; o comportamento do ministro do trabalho que, no horário do expediente participa de reuniões do seu partido – o que é proibido pelo Código de Ética. Só quem pode punir esses casos, e outros, é o presidente Lula, aquele que, no papel de Ali Babá, assumiu o cargo de chefe de quatro dezenas, ou quase isso.

sexta-feira, janeiro 25, 2008

O Céu ou as Urnas

Nos tempos de carnaval há sempre a recordação da quaresma, como em famoso quadro de Bosch. A festa da carne, o momento em que o mundo fica de ponta cabeça, é um instante em que a normalidade da vida social cede espaço para as desinibições, para a reinvenção da vida, a crítica dos valores e costumes. O processo de cristianização europeu sempre conviveu com o carnaval. Os cristãos puseram-se contra os prazeres da carne. Conta-se que Santo Agostinho passou os dias de carnaval pregando para a sua congregação, procurando evitar que algum dos membros caísse na tentação da folia, da loucura, se tornasse um folião. Ou seja, para Santo Agostinho carnaval não era coisa para os cristãos. Assim era antes que se formasse a grande cristandade e tivesse início a grande confusão entre poder político e poder religioso.

Neste carnaval o arcebispo de Olinda e Recife, Dom José Cardoso resolveu excomungar as pessoas que estejam favorecendo o festival da carne, distribuindo a pílula do dia seguinte, entre eles o atual prefeito do Recife, João Paulo. O Prefeito iniciou a sua vida política como militante católico. Excomungar significa colocar fora da comunhão eclesiástica aquele cristão católico que não se coadunar às normas da Igreja. Caso o Prefeito ainda seja católico, não poderá mais participar dos atos sacramentais da Igreja, exceto após o arrependimento, o que pode ser obtido mediante uma confissão sincera. Mas se o Prefeito não mais for católico, de nada adiantará a ameaça de excomunhão, pois não se pode expulsar quem já não mais está na comunidade. Seria mais prudente o arcebispo apenas ter lembrado aos católicos, melhor dizendo às católicas, que elas não devem tomar a pílula do dia seguinte, ou melhor, que não façam nada que produza a necessidade de utilizar a pílula que o prefeito está pondo à disposição das mulheres que fizerem as libações à Baco e Vênus. Por outro lado, a Igreja Católica sempre conviveu com o carnaval, permitindo que os que pecaram possam se arrepender, lembrando-lhes a sua origem e o seu futuro na Quarta Feira de Cinza, quando se inicia a Quaresma. A quaresma existe tanto para os foliões quanto para os que ficaram ouvindo Santo Agostinho de Hipona. Os que pecaram têm a possibilidade do arrependimento, no sacramento da confissão. Parece cinismo, mas é resultado do amor de Deus para coom suas criaturas. A misericórdia é parte da justiça divina.

Mas o Prefeito que cuida de todos resolveu comprar muitas pílulas de algum laboratório. Vai ver que algum laboratório ainda não conseguiu convencer as mulheres que essas tais pílulas do dia seguinte são mais seguras que as dos dias anteriores. A impressão que se tem é que algum laboratório convenceu o Prefeito.

A distribuição de pílulas do dia seguinte faz um imenso rombo na campanha de prevenção de Aids e outras doenças sexualmente transmissíveis. Com a pílula na mão muita gente vai esquecer o preservativo plástico. O preservativo conhecido como camisinha, é aquele que, além de prevenir gravidez indesejada, previne as doenças do amor, mas também são indesejáveis. Parece que Secretaria de Saúde da Prefeitura da Cidade do Recife não tem muita ligação com o Ministério da Saúde do Brasil. Pensando apenas na gravidez indesejada, o Prefeito que cuida de todos (inclusive dos laboratórios produtores dessas pílulas para os desatentos ou apressados) está pondo em risco um programa dos mais bem sucedidos em todo o mundo.

Entendo que esta é a questão maior que deve ser posta pelos cidadãos, e não a excomunhão prometida por Dom José Cardoso. Durante a ditadura, alguns bispos tentaram excomungar torturadores, mas alguns deles já não eram católicos, como explicitou um dos delegados envolvidos no caso da morte do padre João Bosco Burnier. Com a oferta religiosa que está posta no mercado, com o fim das cristandades, os bispos, de qualquer igreja, influenciam apenas as suas igrejas, ou uma parte de seus seguidores, nem sempre tão fiéis. A excomunhão que o Prefeito teme é a das urnas.

quinta-feira, janeiro 24, 2008

em torno de 1968

Estamos neste ano de celebrações as mais diversas. São muitas as efemérides que servem para nos atualizar da caminhada da humanidade, especialmente dessa humanidade que se entende a partir da experiência européia. Enquanto os cariocas e baianos se enlevam por terem sido regiões pisadas pelos augustos pés de sua majestade portuguesa e entourage, os pernambucanos estão à espreita de 1817, para então festejar os seus heróis traídos, mas que questionaram tantos favores devotados às províncias do sul da colônia portuguesa.

A mais celebrada lembrança é a de maio de 1968, ou mesmo todo o ano de 1968. Parece que ainda precisamos entender o que ocorreu nas ruas de Paris, de Praga, da cidade do México, dos Estados Unidos e até mesmo do Rio de Janeiro. Os acontecimentos de 1968 geraram perplexidade em muitas camadas sociais.

Em um dos locais sociais estavam aqueles felizes por terem superado os limites da atmosfera desde outubro de 1957, quando Yuri Gagarin ficou em órbita terrestre no Sputinik, uma nave espacial com o belo nome – Amigo, Companheiro. As proezas do astronauta russo não foram vistas como símbolo de amizade pelos estadunidenses que viram, no sideral passeio soviético, uma provocação. De imediato o presidente Kennedy promoveu uma revolução no sitema educacional americano objetivando passear na lua antes dos soviéticos para mostrar a superioridade do jeito americano de viver. A corrida espacial que se iniciou pode ter sido um dos motivos do esgotamento dos limites da sociedade moderna. A corrida espacial teria esgotado as possibilidades econômicas do modelo soviético, já bastante deformado pelas deformações morais do estalinismo, mas também teria esgotado as possibilidades humanistas da sociedade ocidental. Os acontecimentos espaciais de 1957 apontaram para a superação do “ocidente”.

De outro lado, em 1968, estavam aqueles que não entendiam as razões de continuarem a existir tantos sofrimentos na terras enquanto ocorria a corrida espacial. Entre 1957 e 1968 a Guerra de Independência do Vietnan se tornara uma guerra “dos mundos”, e uma geração não mais queria a guerra, pois outras possibilidades se apresentavam. O amor seduzia tanto quanto a morte. Os governantes, aliados a alguns cientistas, queriam saber se havia vida fora da terra, ao mesmo tempo em que as guerras indicavam a tendência de por fim à vida na terra. Uma geração não concordava com essa maneira de viver. O modelo moderno estava sendo posto em dúvida, embora não se desejasse abrir mão de suas vantagens materiais. Buscava-se um novo humanismo, uma nova maneira de ver os homens, ou melhor, novas maneiras de ver os homens e as mulheres. 1968 apontava para a compreensão de que não mais se queria vver comprimido entre dois modelos, desejava-se mais alternativas, mais escolhas. Quarenta anos depois desejamos saber se construímos um novo humanismo ou se estamos perdidos, ainda, após a constatação material de que a terra era azul e que Gagarim não havia encontrado Deus no azul do céu.

terça-feira, janeiro 22, 2008

Fim de semana cultural: do Recife à Mata Norte

O final de semana é sempre uma oportunidade de encontrar pessoas e experimentar novas emoções. Este que passou teve seu início com o prazer de assistir PEQUENA SUBVERSÃO, um estudo sobre os movimentos da dança do frevo; de como o corpo se movimenta ao movimento de uma de suas partes, de forma simples, mas definitivamente ampliada quando nos debruçamos para entender o pequeno movimento que, não percebido, leva aos mais largos. Entendo pouco de dança, ou nada entendo, mas a impressão que tenho é que o espetáculo que Valéria Vicente apresentou agora no Recife, (antes apenas São Paulo havia tido o prazer) é um importante passo na história da dança em Pernambuco. Após cinqüenta anos, como demonstra o RECORDANÇA, começa-se a teorizar sobre a dança que dançamos.

No sábado estive, desde cedo em Goiana. Fui assistir o I Encontro de Caboclinhos, que havia sido iniciado na noite da sexta feira. A intenção minha era ouvir o que as palestrantes iriam dizer a respeito dessa dança, desse folguedo bastante comum em Goiana, essa cidade que fica a 65 quilômetros ao norte do Recife. O Encontro foi promovido pela Associação dos Caboclinhos de Pernambuco, uma agremiação recentemente criada, associada à FUNDARPE, do governo do Estado. Ocorreu uma boa discussão a respeito de como manter esses brinquedos de tradição popular, na sua tradição e, ao mesmo tempo, tê-los como participantes de espetáculos. A possibilidade del manter a estrutura de folguedos provenientes de uma sociedade predominante agrária, como espetáculo em uma sociedade cada vez mais industrial, técnica e redutora de tudo e todos à mercadoria, pareceu-me ser o tema mais tocado pelos palestrantes. E, embora o tema central devesse ser o caboclinho, o mote para o debate foi AS PRETINHAS DO CONGO, do Baldo do Rio, ali presentes. Essa é uma tradição quem segundo seu Val, deve ter se formado ainda em 1888, mas que o grupo que ele preside é de 1932. Ele nega que AS PRETINHAS DA PRAIA, que tem sua atuação na praia de Carne de Vaca, seja de 1930, uma vez que o grupo praieiro é dissidente. Tive uma conversa com seu Val – Valdemar – e em outra oportunidade voltarei a conversar sobre essa interessante tradição goianense e pernambucana.

Outro ponto interessante nesse Encontro de Caboclinhos foi a homenagem feita a seu Antônio, o falecido dono do Caboclinhos Canidé de Goiana. Foi ele que, no início de 2007 protestou em praça pública contra a ausência de apoio da Prefeitura de Goiana às manifestações populares da cultura goianense, ao mesmo tempo que promove o desfile de blocos de Axé Music, transplantados da Bahia, para a alegria da pequena classe média dominada pelos meios de comunicação de massa. Seu Antonio morreu sem saber que foram proibidos os trios elétricos em Goiana, proibição do IPHAN, defendendo o casario colonial da cidade contra os decibéis dos imbecis.

Não fiquei para o desfile dos caboclinhos à noite. Segui viagem para Chã de Camará, a sede do Maracatu Estrela de Ouro de Aliança. Fui participar de uma Sambada, um ensaio preparatório para os desfiles que o maracatu fundado pelo Mestre Batista irá realizar ao logo dos três dias de carnaval. Como sempre foi uma alegria ouvir os versos improvisados do Mestre Zé Duda, o Peito de Aço de Aliança, um verdadeiro patrimônio cultural, pois a sua história se confunde com a história dos Maracatus de Orquestra, das Cirandas.

Zé Duda é um dos remanescentes dos carnavais que ocorriam na Zona da Mata Norte, desde os anos cinqüenta. Ele também é um dos maiores conhecedores da arte do Cavalo Marinho, tocando pandeiro e cantador de todas as loas. Um dia a FUNDARPE deve reconhecê-lo, já devia tê-lo feito, pois o conhece e sabe que não há Mestre de Maracatu melhor que ele. Recentemente uma das suas belas cirandas foi gravada por uma cantora pesquisadora sem mencionar o autor - diz que é tradição popular, como se o artista popular não tivesse nome e se ela não o conhecesse. Não farei publicidade de seu nome.

Lamentavelmente ainda estamos a viver esses tempos de apropriação da arte de nossos mestres sem dedicar-lhes o devido respeito ou cultivar-lhe a memória.

Foi um belo final de semana, bebendo das mais genuínas tradições culturais pernambucanas e mundiais.

sexta-feira, janeiro 18, 2008

SOCIEDADE DE CORTE

Entre os diversos painéis apresentados e debatids em nossa classe de História Moderna II, no 5º período noturno, tivemos a leitura da obra de Norbert Elias e esse texto.


SOCIEDADE DE CORTE

por

Débora Claro, Bruna Iglesias, Otávio Augusto e Gabriela Lucena

Introdução

A dita Sociedade de Corte que dá nome ao livro de Norbert Elias, é considerada por ele como “a última grande formação social do Ocidente” e encerra em sua significação todo um conjunto de normas, valores e moral, que se tornaram obsoletos após os sucessos experimentados pelas revoluções burguesas, porém, que influíram em postulados posteriores para a vida da sociedade em formação.

Will e Ariel Durant, em a Era de Luís XIV, afirmam que “[1]a Corte e o Rei auxiliaram a civilizar a França”, à medida que a vida na Corte carecia de um conhecimento considerável a cerca de boas maneiras e uma noção de hierarquia social, prestígio e de manutenção dessa condição. Habitat da aristocracia francesa, e lugar almejado por boa parte da população dita comum, Versalhes e a vida cortesã por ele revestida, compreendiam luxo e requinte que a todos fascinavam. O privilégio de participar da Corte de Versalhes era alcançado também por alguns burgueses os quais alçavam vôos políticos ou eram detentores de grandes fortunas, entretanto, esse digníssimo status de cortesão, só era cedido a aqueles que melhor se adequassem ao jogo de interesses que prevalecia.

Pertencer a Corte significava a manutenção de prestígio e possibilitava a ascensão na hierarquia social. Todo um conjunto de normas comportamentais regia as ações desses viventes. O rei, no seio dessa sociedade cortesã simbolizava o poder máximo e originava em torno de si um Universo de intrigas e competição por seus favores e preferências; uma atmosfera carregada de maledicências. Compunha ainda as querelas palacianas, um intenso embate por nomeações lucrativas ou por um lugar de honra no leito real.

A representação da cidade, da urbe propriamente dita, teve início com a representatividade que a corte tinha nesse mundo agora extremamente urbano. Toda a significação que a cidade tem para a sociedade contemporânea como centro de efervescência cultural e os citadinos como mais notáveis, foram inaugurados ainda no século XVII, quando a monarquia francesa decidiu aglutinar ao seu redor todos os nobres e aristocratas, além do aparelho estatal organizado, agora numa corte urbana e fixa.

A Corte da França encontrou seu ápice de esplendor no Palácio de Versalhes, palco maior de toda uma série de encenações cortesãs, e que representava, mesmo na disposição espacial de sua construção, a rígida estratificação da hierarquia social da época de Luis XIV. Versalhes foi a concretização de um sonho sonhado pela monarquia francesa, ainda na vigência do reinado do monarca Luís XIII, que somente teve suas obras concluídas na regência de Ana da Áustria e do cardeal Mazzarino. Lá todo o desenrolar da vida cortesã foi experimentado, e a partir do fausto e da opulência da imagem construída por Versalhes. A corte francesa se tornou exemplo de requinte e luxo para todas as outras cortes palacianas da Europa dos séculos XVII e XVIII, além de imprimir uma influência francesa para o mundo todo, que perdurou de fato até o início do século XIX, em noções de costumes, comportamento e cultura.

Estrutura e significação do Habitat.


A construção do palácio de Versalhes representava muito mais do que a pompa e o luxo de uma sociedade, continham nos seus traçados e na disposição dos cômodos construídos, a simbologia de uma rígida estratificação social hierarquizada.

Dentro da magnitude de sua construção, todos os setores do palácio seguiam uma organização ao redor do pátio central, de acordo com a relevância social de sua função. Os apartamentos reais tinham uma posição mais central e próxima dos grandes salões do palácio, local de festas, banquetes e recepções de altas autoridades políticas. Os apartamentos dos cortesãos seguiam posicionamentos, circundando os salões e os apartamentos reais de acordo com o prestígio social de seus ocupantes. De acordo com os interesses e pretensões políticas ou pessoais do rei, mudavam-se os cortesãos de quarto sem qualquer sobreaviso. A mudança da favorita do rei, ou a chegada de um amigo próximo da realeza, traria para perto do apartamento real a pessoa designada.

Os outros tipos de residências, rurais ou urbanas na França do século XVII e XVIII, refletiam internamente todo o caráter cerimonioso e hierárquico do Universo cortesão da sociedade. Como espécies de miniaturas das reproduções da sociedade, todos os cômodos e suas respectivas funcionalidades se repetiam também nas residências não reais, como os chamados hotéis, moradas dos cortesãos, que deixam de ter uma significação de moradia, passando ao significado atual, a partir do fim do século XVIII.

A funcionalidade dos cômodos refletia também essa hierarquia social e o caráter público da vida na corte. O apartamento de sociedade seria um cômodo reservado para os amigos mais íntimos dos donos da casa, lugar de convivência e de recepção de visitas, refletia o conforto e o acolhimento da casa, sendo destinado à reprodução da chamada “vida de salão” e do caráter privado da mundana ou quase toda publica vida cortesã. Já o quarto de cama de aparato, era destinado a recepção formal de convidados. Nele seriam desenroladas as honrarias dedicadas a ocasiões burocráticas e que visam o acolhimento de atos públicos dessa sociedade cortesã.

A grande maioria das ações vivenciadas na sociedade de corte tinha um caráter profundamente público, onde a exibição do status garantia a manutenção da condição social do individuo. Vivendo em uma sociedade na qual todas as atitudes tinham uma representação social de sua posição, as despesas com manutenção de prestígio se tornavam necessidades inadiáveis e instrumentos de afirmação social.


Etiqueta e cerimonial: comportamento e mentalidade dos homens como funções da estrutura de poder de sua sociedade

O presente capítulo busca analisar o comportamento da aristocracia da sociedade francesa nos períodos de reinado de Luis XIV, Luis XV e Luis XVI. Durante estes reinados devemos ficar atentos às formalidades exigidas por Luis XIV, já que para ele a vida social no século XVII deveria se concentrar na corte. Certamente não devemos a criação das etiquetas a Luis XIV, no entanto foi o mesmo quem as aperfeiçoou e colocou em prática durante seu reinado na França.

Com a morte de Luis XIV esse comportamento cerimonial rígido foi se desagregando, deslocando-se da corte de Versailles para os palácios. Durante o reinado de Luis XV o convívio social se dava também nos palácios, como o Palais Royal, onde o regente morava, no Palais du Temple, local onde o Grão-prior de Vendome residia, ou então na Casa dos Conde, residência do Duque Maine, filho bastardo de Luis XIV.

Durante o reinado de Luis XIV a corte era para o rei e a aristocracia fonte de cultura e centro de convívio. Aos poucos, inevitavelmente, essa cultura vai se espalhando para os financistas. Com o frágil reinado de Luis XVI, e o aumento da riqueza nas mãos dos burgueses, a corte foi perdendo sua importância como centro social. Até que as revoluções detonaram toda a estrutura.

Sobre essa gradual abertura das formalidades aristocráticas diante do rei Luis XVI o Duque Richelieu disse: “sob o reinado de Luis XIV as pessoas se calavam, sob o reinado de Luis XV ousavam cochichar, sob o vosso elas falam bem alto”. Fazendo assim uma critica a perda de valores dos privilégios.

É no século XVII, no Palácio de Versailles, como já foi dito anteriormente, que efetivamente se forma e constitui a nova sociedade de corte de Luis XIV. Era de bom grado o rei ver seus nobres morando com ele no palácio. Logo Versailles habitou milhares de pessoas, sendo o abrigo temporário da sociedade de corte. Para se ter um exemplo em 1744 cerca de 10.000 pessoas incluindo os criados foram acomodados no castelo.

Tais etiquetas eram utilizadas pela aristocracia como uma forma de prestígio social. Para se ter uma idéia, podemos analisar um ritual peculiar ao despertar do rei Luis XIV em seu quarto:

“De manhã, geralmente à 8 horas, e em todo caso no horário por ele determina­do, o rei é acordado pelo primeiro criado de quarto, que dormia aos pés de sua cama. As portas são abertas para os pajens. Nesse momento, um deles acaba de dar a notícia ao "grand chambellan" e ao primeiro fidalgo de quarto, um segundo dirigiu-se à cozinha da corte para providenciar o café da manhã e um terceiro ocupa seu posto diante da porta, deixando entrar apenas os senhores que têm o privilégio do acesso.
Esse privilégio seguia uma hierarquia muito precisa. Havia seis grupos dife­rentes de pessoas com permissão para entrar, um após outro. Falava-se então das diversas "entrées". Primeiro vinha a "entrée familiere". Faziam parte dela sobretudo os filhos legítimos e os netos do rei (enfants de France), príncipes e princesas de sangue, o primeiro médico, o primeiro cirurgião, o primeiro criado de quarto e o primeiro pajem.
Depois vinha a "grande entrée'; reservada aos grands officiers de Ia chambre et de Ia garderobe” e aos senhores da nobreza a quem o rei concedera essa honra. Seguia-se então a "premiere entrée", para os leitores do rei, os intendentes para divertimentos e festividades, entre outros. Em seguida havia uma quarta, a "entrée de Ia chambre'; que compreendia todos os restantes "officiers de Ia chambre", além do "grand-aumônier (o grande capelão), os ministros e secretários oficiais, os "conseilleurs d'État", os oficiais da guarda pessoal, os marechais de França e assim por diante. A admissão para a quinta entrée dependia em grande medida da boa vontade do fidalgo de quarto, e naturalmente do favorecimento do rei. Incluíam ­se nela senhores e senhoras da nobreza que recebiam tal favorecimento, a quem o fidalgo de quarto deixava entrar. Assim, eles tinham o privilégio de se aproximar do rei antes de todos os outros. Finalmente, havia ainda um sexto tipo de entrada, que era o mais disputado. Nesse caso, não se entrava pela porta principal do quarto, mas por uma porta traseira. Era uma entrée aberta para os filhos do rei, incluindo também os ilegítimos, e mais suas famílias e os genros. Pertencer a esse grupo signi­ficava um grande privilégio, pois os envolvidos tinham permissão de entrar a qualquer hora nos gabinetes do rei - a não ser que ele estivesse em conselho ou tivesse começado um trabalho especial com seus ministros - podendo permane­cer no quarto até que o rei saísse para a missa, mesmo quando ele estivesse doente.

Como vemos, tudo seguia regras bem precisas. Os dois primeiros grupos eram admitidos quando o rei ainda estava na cama. Ele usava então uma pequena peruca; nunca aparecia sem peruca, mesmo deitado em sua cama. Quando estava de pé e o grand chambellan com o primeiro criado de quarto acabavam de vestir o seu robe, chamavam o grupo seguinte, a premiere entrée.

Quando o rei havia calçado os sapatos, ordenava aos officiers de Ia chambre que as portas se abrissem para a entrée seguinte. O rei tirava o robe. O maître de Ia garderobe puxava a camisa noturna pela manga direita, o primeiro criado de garderobe pela manga esquerda; a camisa do dia era trazida pelo grand chambellan ou por um dos filhos do rei que estivesse presente. O primeiro criado de quarto segurava a manga direita, o pri­meiro criado de garderobe, a esquerda.
Assim o rei vestia sua camisa. Então ele se levantava de seu fauteuil e o maître de Ia garderobe o ajudava a afivelar os sapatos, prendia a espada, vestia os seus trajes e assim por diante. Já vestido, o rei rezava brevemente, enquanto o primeiro capelão, ou um outro religioso que estivesse presente, recitava uma oração. Toda a corte ficava de prontidão, esperando na grande galeria, próxima ao jardim, a qual ocupava toda a extensão da parte central atrás do quarto de dormir do rei, no primeiro andar do castelo. Era assim que discorria o "Lever" do rei.” [2]
O que nos chama a atenção nesta citação é a meticulosa exatidão em que cada atitude revela um sinal de prestigio, simbolizando a divisão de poder da época. A etiqueta tinha uma função simbólica de grande importância na estrutura dessa sociedade aristocrática e dessa forma de governo real.

O fato de o rei despir sua camisa noturna e vestir sua camisa diurna era, sem duvida, uma atividade necessária, mas ela ganha um novo sentido no contexto social. O rei fazia disso um privilégio para os nobres presentes, que os distinguia diante dos outros. Ou então, participar das entrées servia como indicador da posição do individuo no frágil equilíbrio de poder entre os diversos cortesãos, equilíbrio controlado pelo rei.

As formalidades continuavam porque uma vez que a hierarquia dos privilégios foi criada segundo os parâmetros da etiqueta, esta passou a ser mantida apenas pela competição dos indivíduos envolvidos em tal dinâmica, privilegiados por ela e compreensivamente preocupados em preservar cada um dos seus pequenos privilégios e o poder que eles conferiam.
Embora fosse algo que reproduzia aspectos sem conteúdo e que muitas vezes se tornava enfadonho, as etiquetas foram preservadas até a Revolução Francesa de 1789, pois desistir dela teria significado tanto para rei quanto para a aristocracia um abandono dos privilégios, uma perda de poder e prestigio.

O cerimonial de despertar da rainha era vazio de conteúdo assim como o do rei. E por muitas vezes cansativo como, por exemplo, certa vez em que a criada de quarto estava ajudando a rainha a se vestir e mulheres de privilégios diversos entravam no quarto para ajudar a rainha. Logo, se uma pessoa que possuísse maior prestígio estivesse presente esta teria a honra de vestir a rainha.
Então assim que a rainha estava pronta para receber a blusa das mãos da criada de quarto chegou a dama de honra, a criada de quarto estava segurando a blusa da rainha e ia entrega-la para a dama de honra no momento em que chega a duquesa de Orléans. No entanto, quando a duquesa ia vestir a rainha chega a Condesa de Provance, que naquele momento era quem possuía maior prestigio. Por fim, a Condesa é quem coloca a blusa na rainha que durante todo este tempo estava despida e provavelmente orando para que ninguém mais entrasse no quarto.
Essa coerção da luta por poder, status e prestigio era continuamente ameaçado. Já que o fator determinante que obrigava todos os participantes dessa estrutura articulada em sua escala hierárquica, a continuar realizando um cerimonial que se tornara um fardo.
E, sem dúvida, a menor tentativa de reforma teria provocado a oposição de amplas camadas privilegiadas, que temiam, talvez com razão, que tocar qualquer detalhe da ordem estabelecida pudesse resultar na ameaça ou destruição da estrutura de dominação que lhes concedia privilégios.

Assim como Maria Antonieta que certa vez tentou alterar a etiqueta, e a própria nobreza protestou. Já que uma duquesa que antes tinha o privilégio de sentar-se a mesa somente com a rainha, se ofendeu quando viu pessoas de um nível inferior tendo o mesmo privilegio.
Ora, tudo o que desempenhava um papel na relação entre os homens convertia-se em chance de prestígio nessa sociedade: o nível social, o cargo herdado e a antiguidade da casa. O favorecimento do rei, a influência sobre os ministros, a participação em uma determinada “panelinha”, a liderança no exército, as boas maneiras, a beleza do rosto, tudo isso convertiam-se em chance de prestigio, combinando-se em um homem singular e determinando seu lugar na hierarquia inerente à sociedade de corte.
“Aquele que não é visto, não é lembrado”, o ditado popular atual cabe muito bem nestas circunstâncias, pois não importa seu título: ele só faz parte da “boa sociedade” enquanto os outros acham que faz, ou seja, enquanto o consideram um membro. A opinião social tem, em outras palavras uma importância e funções bem diferentes das que desempenham numa sociedade burguesa mais ampla.

Vale mencionar que na sociedade de corte de Luis XIV na Fraca do século XVII a exigência de prestigio não deve ser esclarecida a partir de uma vontade de assegurar chances econômicas, embora ela resulte de uma determinada situação econômica. A etiqueta e o cerimonial dos cortesãos não é nenhum ethos econômico disfarçado, mas algo distinto. Existir sob a aura do prestigio, ou seja, existir como membro da corte, é o objetivo final dessas pessoas.

Os Postos Femininos

A colocação “postos” pode ser inicialmente estranha, mas é disto que se trata quando viermos a observar a posição, de destaque, das mulheres no mundo da Corte. Deve-se, para tanto, ir além do caráter teórico que se dá quanto à função deste meio - administração, defesa territorial, poder público, governo do país. O que fariam então as mulheres, privadas, também teoricamente, da vida pública, e do poder a ela relacionada, neste ambiente? A condição feminina dentro deste universo masculino não fugiria à funcionalidade que estava cotada às damas de respeito e de família? É este caráter híbrido que nos possibilita conceituar como sociedade este ambiente das cortes na Europa, a partir do século XVI-XVII. Misturava-se o convívio familiar com o exercício do poder; regras de conduta próprias e isoladas, quase que alheias ao controle da Igreja e das normas sociais. Lá as mulheres eram mães, amantes e princesas. Famílias inteiras de nobres e de serviçais lá estavam alojadas, assim como o governo do Reino. Assim estas mulheres se viram, diferentemente da maioria das demais mulheres que não gozavam desta convivência nos palácios, esbarrando nos pilares da governabilidade, envoltas pelo poder e pela exposição pública – tão inconveniente ao seu sexo.
Eleanor Hermam avalia que a França passa a reavaliar seus conceitos acerca da mulher. Os teólogos ainda a atacavam, e sua fama de voluptuosa já estava arraigada no imaginário desta sociedade, sendo mesmo propagada pelos supostos combatentes da moral da Igreja, os humanistas. Ainda imbuído da visão cristã, porém se recolocando perante uma avalanche de novas concepções, Erasmo de Roterdã descreve as mulheres em seu Elogio da Loucura, como sendo mais susceptíveis à dita loucura, sendo a mulher a seguidora mais incontrolável desta. A volúpia, a dissimulação, a beleza, a futilidade e a vicissitude, entre outras “qualidades” às quais a mulher poderia se dar ao luxo de se entregar, conectam-se ao seu papel pouco exigente da tal Razão. Um ser tolo era o que se via na mulher. Dada às destemperanças de seu corpo pecaminoso ela era a tentadora cega, pouco racional. Para tal perigo à sociedade só restaria o controle rígido e incessante. A tutela da mulher pelo homem fez parte de uma ordem social calcada no temor a ela. E o principal controle se dava no âmbito sexual, da sua fonte demoníaca donde saíam as rédeas com as quais elas aprisionavam os homens e os cegava, tal como Eva fez a Adão no paraíso, o impelindo a comer do fruto proibido (o ato sexual?). Mas apesar disto a Sociedade de Corte, observada (mas não vigiada) de perto pelo povo, que a tinha em seus comentários, viu-se diante de mulheres que se interpunham, de maneira sensual (como Madame de Pompadour, Du Barry ou Montespan) ou pudica (como Madame de Mantenon e, tardiamnete, Louise de La Vallière), a tal concepsão. Ainda que corroborando com o mito da Devoradora ou da Virgem, algumas mulheres conseguiram demonstrar que a beleza feminina não é inimiga da inteligência. Ainda assim, o mundo fabuloso e ardil, da Corte utilizava as mulheres como peças de joguetes individuais, e estas fizeram jus a sua fama de imprevisíveis e ardilosas, por vezes conseguindo roubar para si os louros e a glória – ainda que temporariamente.

Dentro deste meio, as mulheres serviam para muitos propósitos além dos que se devem a sua posição ideal na comunidade. Neste mundo, onde o exemplo maior é Versalhes, todos os movimentos e relações tinham uma etiqueta, um ritual de conduta e uma definição de função, e as mulheres estavam bem organizadas e divididas por funções, postos. Cargos funcionais, como Dama de Honra e de Companhia, e títulos de nobreza, que interferiam diretamente nessas funções. É preciso, pois, diferenciar privilégio de prestígio. O privilégio por vezes provém do prestígio, mas este não é o único meio de conseguir tais privilégios. Os títulos são os principais fornecedores de privilégios. Mas o prestígio, que era a moeda corrente na Sociedade de Corte, também poderia vir antes do privilégio, e comprava os títulos de nobreza, vindo junto com uma comitiva de aduladores, ávidos por sugar um pouco do brilho que este alguém no momento emanava. Destes jogos de conquista as mulheres não estavam excluídas, na verdade quase sempre, ou sempre, estavam envolvidas. Chegando para a Corte, elas deveriam impor suas qualidades, suas virtudes, e suas garras. Se soubesse como conquistar alguém importante, homem (principalmente o Rei) ou mulher (a Rainha ou a mãe do Rei), ela conseguiria escalar vários degraus. Mas esta posição poderia oscilar tão rapidamente que sua cabeça jamais se reerguiria.

Tornar-se uma Demoiselle d'Honnor; era de fato uma honra, e uma oportunidade de ouro. Madame de Montespan – Amante Oficial de Luis XV por mais de uma década – foi Dama de Honra de Maria Lezsczinska, assim sucedeu com as suas predecessoras, as três irmãs Mailly, que se seguiram nas diversões da cama real, e que também eram Damas de Honra, ou da Rainha ou da própria Amante Oficial (no caso uma de suas irmãs).
As Damas de Honra serviam assim como uma rede de informações, tanto para a Rainha ou para a amante, quanto para o Rei, como também para outrem interessado em informações. Mas eram relações de risco, dadas a trapaças e escândalos.

Rainha e Amantes

Obviamente que as atenções estavam sempre voltadas para círculo Real, que com tempo ia tornando-se imenso, com filhos legítimos e ilegítimos do Rei, Amantes Oficiais e favoritas (o)s.
Contudo a Rainha e a Amante Oficial (que era um cargo distinto dentro das normas da Corte) eram os melhores alvos para o veneno e a risada, a adulação e o ódio.
A situação da Rainha era mais sólida que a da amante, as a última tinha mais conforto que a pobre e vigiada Mãe do Reino. Havia diferença bastante sensível. Primeiramente a escolha. O casamento era combinado, a esposa nem sempre era desejada, era um acordo político. No caso da amante era o oposto. Dentre todas as mulheres que desfilavam pela corte, uma chamara a atenção do Rei, por sua beleza, sim, mas principalmente por sua postura, seus modos, sua inteligência, ou seja, sua agradável companhia. Não se tratava apenas de sexo. A Amante Real por excelência, Madame de Pompadour ganhava mais influência com o passar dos anos, ainda que frígida e acabando por ter menos contato sexual com o seu Rei, Luis XV. Enquanto Maria Lezsczinska dava-lhe tantos filhos, entretanto não tinha metade da glória de Pompadour. Esta distinção de afetos estava clara nos próprios aposentos das mulheres do Rei. As amantes costumavam ter quartos suntuosos, e os das rainhas, ainda que belos não ram tão ornamentados. Presentes e títulos também faziam parte do mundo das amantes reais.
É obvio que tamanha disparidade viria acarretar a mesma medida de desavenças. Muitas vezes as rainhas não queriam passar pelo que consideravam uma humilhação e enfrentavam seus esposos, quase sempre a amante saia ganhando desta disputa. A decisão do Rei – o “cargo” mais sólido da Corte – era sempre seguida pela maioria de seus cortesãos, e muitas vezes uma Rainha teimosa podia sofrer as conseqüências com o desprezo de seus cortesãos. As amantes também esperneavam contra a sua condição de Amante e brigavam pelo casamento com o Rei, humilhavam a Rainha em público e armavam escândalos. Mas também acontecia de ambas viverem sob uma trégua, evitando constrangimentos. Como Maria Lezsczinska e Madame de Pompadour.

É importante salientar a importância das amantes na vida política do reino. Era um cargo oficial, como o de primeiro ministro, e deveriam se apresentar perante a Corte num cerimonial. As Amantes Oficiais serviam como embaixatrizes, como símbolo do Estado – já que as Rainhas eram quase sempre estrangeiras. As demais amantes que o Rei viesse a ter não tinham tamanha influência. Nell Gwen, amante de Carlos II da Inglaterra não se interpunha nos assuntos políticos nem ninguem lhe procurava. Já a sua Amante Oficial era regada de adulações e atenção. Eram elas poderiam ser portas de entrada para as negociações, como Diane de poitiers e Pompadour. É certo que nem todas elas se interessavam por assuntos de estado, como Madame du Barry, Louise de La Vallière. Mas com raras exceções estas se dedicavam a serem mecenas das artes e/ou musas, e todos que queriam adentrar em tal meio deveriam primeiro, convencer a Amante Oficial do Reino. Não era raro ver um movimento mais incomum em frente a porta da Amante do que a da Rainha. Mas tudo não eram flores para as tão apreciadas “Rainhas” do rei. A qualquer momento seu Senhor poderia se engraçar com outra cortesã e desinteressar-se por ela. Além de tal possibilidade.

O brilho de ser uma rainha era constantemente ofuscado pelo fulgor de um Rei absolutista. Quando este morria a situação se invertia. As mulheres Médicis – Catarina e Maria – são exemplos de pulso e fome de poder que só puderam se expandir com a morte de seu marido. As amantes também sofriam mudanças drásticas em seu status. Muitas vezes eram ameaçadas de viver o resto de seus dias na pobreza, no ostracismo. Outras se viam na dependência de um marido humilhado, mas todas se viram restringidas de todo o poder que conquistaram.
Com os filhos não havia possibilidade de disputas políticas quanto a sucessão do trono, já que os ilegítimos estavam fora da escolha. E as filhas arranjavam casamentos mais que satisfatórios. Para a amante muitas vezes eram um meio de estender ainda mais o seu domínio sobre o Rei. Quando Gabrielle d’Étrees engravidou de Henrique de Navarra, ela o tentou a casar-se com ela, oficializando-a e dando direitos aos seus próximos filhos – o que ela esperava já era considerado ilegítimo dado que Henrique encontrava-se casado com Margarida de Valois, que se negava a dar-lhe o divórcio. Já os filhos da Rainha estavam todos garantidos em seu futuro, ter um filho consoliva sua posição e sua respeitabilidade. Mas era inevitável que se cobrasse a atenção do rei, pois que esta era mais uma prova do amor de seu pai pela sua mãe ou do desprezo que este tinha por ela.


Fofocas e as Imagens dos Cortesãos

Há outro fator importante a se expor. As mulheres foram as mais fervorosas coletoras e divulgadoras de informações advindas do ambiente dos palácios e seus cortesãos. Os diários e as cartas que elas escreviam – por vezes incessantemente – são fontes primorosas para o estudo deste assunto aqui tratado. Obviamente que é preciso ter cautela ao se analisar tais fontes, já que muitas delas eram feitas para serem lidas pelos seus contemporâneos – ainda que por “acidente” como os diários. A difamação e as artimanhas estão contidas nestes escritos. Mentiras, verdades e meios termos são artífices utilizados por aquelas que se tornaram as pequenas, ou gigantes, “jornalistas” de seu tempo. Adentrando neste assunto, entra o que Norbert Elias chama de fardo de um cortesão. Pode-se ilustrar a convivência na corte dos palácios dos Séculos XVI e XVII como equivalente à pompa e à ostentação destes palácios, cujas cortinas, paredes e pilastras tão ricas e deslumbrantes escondiam as maquiagens, as tramas e os dejetos humanos deixados em pinicos no corredor para serem escondidos. Assim também era o dia a dia de um cortesão e de uma cortesã, que se enchia de ornamentos e de doces palavras, de belos modos, para esconder seus sentimentos reais. Mesmo aqueles que não desejavam se tornar como os típicos cortesãos fúteis e traidores dos romances acabavam precisando se misturar e se impor como tais para defender-se de possíveis armações e para impor algum respeito. Então muitos dos romances se passavam nas propriedades rurais de nobres, uma nobreza da terra que era mais pura, mais rodeada por amor, o amor cortês da Idade Media, ou uma nova idealização de amor que fosse mais sincero que o fugaz furor sexual vivenciado nas Sociedades de Corte. Maria Antonieta tentou se refugiar num desses paraísos rurais em seu Petit Trianon com este mesmo propósito, libertar-se das regras de etiqueta, dos janares com presenças inconvenientes Às quais precisava tratar amavelmente, e de todos os estafantes jogos de azar e de amor que a consumiam. Mas em sua maioria estes romances não eram levados à sperio, eram um refúgio literário apenas, não real. Sem o apoio do Rei, conseguido em freqüentes visitas a Versailles, no caso extremo da França, era difícil manter-se influente ou rico.


AS DESPESAS DE MANUTENSÃO DO STATUS SOCIAL DA CORTE E A IMPORTANCIA DA FIGURA DO REI NESSA SOCIEDADE


Num meio social tão diferenciado desse modelo industrial moderno em que vivemos onde acumular riquezas, e acumula-las sempre e mais, para manter ou elevar o nível social nos é estranho observar a forma como essa sociedade de corte se apresentava. Uma sociedade onde acumular riquezas era um estágio para se alcançar um título (comprado) de nobreza e passar a pertencer à esfera mais elevada da pirâmide social. Aos nobres era proibido, tanto legal quanto moralmente, de praticar alguma atividade comercial, pois isso, segundo Montesquieu (in Elias), tiraria aos comerciantes o estímulo maior que os incitava a juntar dinheiro, quando acumulassem o suficiente poderiam comprar um título de nobreza e começariam a gastar seus rendimentos imediatamente com as despesas de sua nova situação social.

As despesas de manutenção e representação desse status era a principal causa da ruína das grandes famílias, pois como não podiam negociar com o comércio, essas famílias gastavam com o único meio de que proviam: as terras e as heranças. Algumas famílias também recorriam aos empréstimos e venda de jóias para manterem seu nível de vida, em ambos os casos a ruína era apenas retardada e assim, quando uma família caía no fracasso, outra imediatamente a substituía sendo a sociedade de corte um rodízio constante de ascensões e quedas de famílias. Esse sistema do ponto de vista do monarca era uma forma de manter o poder da monarquia absoluta, pois as duas classes principais, nobreza e burguesia, concorriam para se manterem junto ao rei e fazer parte do seu meio respectivamente. Mas algumas famílias poderiam ser salvas ou adiadas da ruína de acordo com a vontade do rei, que poderia conceder-lhes algum cargo, prêmio ou missão militar para aquelas famílias mais consideradas pelo monarca.
Mesmo aqueles nobres que possuíam cargos e magistraturas tinham que dispor altas somas para manter a liturgia do cargo, fazendo com que a nobreza ficasse completamente dependente da benevolência do rei para não caírem es desgraça. As intrigas e invejas entre as casas nobres era constante, e uma das formas de se saber se alguma casa tinha realmente como manter seu status era obrigá-la a promover grandes banquetes e a distribuir prendas altas, de preferência a uma família rival. Para entender o porquê essa sociedade se comportava dessa forma, gastando o que tinha para se manter em uma esfera social, é preciso ter em mente que para aquelas pessoas fazer parte do convívio com o rei era o sentido de sua vida, esses indivíduos só se entendiam e se reconheciam como pertencentes a esse convívio. O trabalho era algo degradante e próprio dos que não faziam parte desse meio. Não adiantava possuir riquezas, era necessário mostrar, exageradamente que as possuía.

Esse sistema de sociedade de corte era o sustentáculo da monarquia, da qual falaremos do exemplo clássico de França. Manter um sistema, como já foi mencionado, onde os que acumulam dinheiro o faz para pertencer a uma camada próxima ao monarca e os que fazem parte dessa camada estarem o tempo inteiro buscando a confiança do rei propiciou um controle absoluto do poder, principalmente no longo reinado de Luis XIV. O rei tinha a inveja e as intrigas entre os nobres como aliados eficazes, pois os mesmos faziam de todo o possível para adquirir honras e prestígios face ao rei, seja delatando ou espionando outrem.

Luis XIV havia sofrido a experiência da Fronda durante sua infância, por isso em seu reinado procurou criar um sistema social onde as duas classes que mais o ameaçavam ficassem dependentes da sua figura. A etiqueta e a transferência da nobreza para Paris tinham suas funções estratégicas, a primeira fazia com que o rei estivesse o tempo inteiro cercado de pessoas, o que diminuía os riscos de um atentado à sua vida, a segunda mantinha os nobres sob sua dependência e fiscalização, contando sempre com o fator de disputas entre as partes. A etiqueta era um instrumento de dominação, com ela ele transformava interesses antagônicos em interesses do rei. A figura pessoal de Luis XIV não era importante, mas foi um dos maiores monarcas da História do ocidente, pois soube articular bem esse jogo de consolidação do poder, utilizando na maioria das vezes a capacidade alheia para tomar suas decisões. O Rei vigiava e mantinha sempre constantes as divergências entre as camadas, com isso elas nunca se aliariam e viam na sua figura a única fonte onde podiam recorrer.

A vigilância constante era um meio de defesa indispensável para o monarca, assim como a observação psicologia de seus súditos. “o desejo do rei de saber tudo quanto se passava à sua volta nunca abrandava;” (Saint Simon in Elias). As ambições de uns serviam de freio para as de outros. Por isso a corte e a etiqueta aliadas as intrigas e rivalidades fizeram do reinado de Luis XIV o mais absoluto de França.







[1] DURANT, Will e Ariel, A História da Civilização. A Era de Luís XIV, livro VII, 2ªed.Rio de Janeiro, Ed. Record.
[2] ELIAS, Norbert. A sociedade de corte: investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de corte. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. Págs. 101 e 102.

Conjuntura do nascimento da Ciência Econômica

Este é mais um texto produzido pro alunos do 5º período de História da UFPE, (noturno)
CONJUNTURA DO NASCIMENTO DA CIÊNCIA ECONÔMICA
por

FELIPE AZEVEDO , AGENOR FACUNDES e GABRIEL VIEGAS

O nascimento da ciência econômica se insere no percurso das veredas de alguns dos mais evidentes traços da modernidade. Sendo o arcabouço teórico que se sublima no desenvolvimento científico, para dar cerne aos clamores de uma burguesia ascendente e de parte de uma nobreza que reclamavam seus direitos na participação dos lucros do comércio, um conflito que se insere no processo de ampliação dos direitos individuais ante a opressão do estado absolutista.
Com a formação dos estados nacionais, deixou-se de se pensar apenas localmente e os governos absolutistas passaram a ter de governar nacionalmente, com a necessidade de acumular riquezas para tornar-se uma nação soberana. Assim sendo as práticas mercantilistas supriram estas necessidades iniciais de acumulação, onde o estado absolutista regulava incisivamente a cadência econômica, sob uma regulamentação abusiva subsidiava ou sobre taxava os produtos que achava necessários para o desenvolvimento econômico, além do que restringia o direito de produzir e comerciar aos monopólios indicados ou vendidos pelo rei, que na maior parte das vezes atendia a interesses pessoais ou de classe em detrimento dos interesses da nação. Em nenhuma época foi tão evidente a ligação entre os interesses econômicos e a política nacional e os que mais se prejudicavam eram os produtores agrícolas, colocados em segundo plano pelo governo que incentivava apenas a produção manufatureira.
Nas críticas dos intelectuais a estas práticas mercantilistas surgia o esboço das razões que iriam congregar a primeira escola econômica da história, os Fisiocratas. Críticas fundadas na crença da auto-regulamentação do mercado, contra a intervenção direta do estado por meio das regulamentações que controlavam rigidamente o fluxo de riquezas.
Essas críticas sócio-econômicas ganharam esteio no desenvolvimento científico, principalmente depois das postulações de René Descartes, quando os pensadores da economia ganharam um amparo que moldasse suas críticas sistematicamente e sob o pensamento mecanicista desenvolveram teorias econômicas que visavam enriquecer a nação e distribuir as riquezas para uma maior parte de súditos.
Vários filósofos criaram as bases para a idéia de livre comércio, Thomas Hobbes, John Locke e William Petty foram críticos das práticas mercantilistas. Locke já acreditava que a riqueza de uma nação não estava simplesmente na acumulação de riquezas, mas no afluxo dessa, e como a nação conseguiria transformar essa riqueza em capital produtivo. Os silogismos eram exemplos de como o pensamento mecanicista era vigente, Senhor de Boisguillebert criticando os impostos excessivos na França utiliza este silogismo: Consumo é fonte de riqueza – Impostos inibem o consumo – Impostos inibem a riqueza.
Assim o é também com David Hume, cujas idéias influenciaram frontalmente seu amigo Adam Smith, ele criou este raciocínio: Um reino com importações / exportações abundantes possuí mais indústrias, logo possuí mais homens trabalhando, consequentemente mais dinheiro circulando e uma maior variedade de produtos, gerando assim um mercado aquecido e a maior felicidade de seus súditos.
Portanto a ciência econômica se desenvolve inserida no desenrolar das teorias cartesianas e atendendo as necessidades dos comerciantes ansiosos por alcançar os logros do livre mercado, se apropriando do discurso dos direitos individuais, no qual o direito a propriedade, podendo produzir sua propriedade e vendê-la a quem quiser.

Os Fisiocratas

Os fisiocratas franceses do século XVIII foram os primeiros a sistematizar a existência de uma ordem natural reguladora do mercado. Por motivos diferentes daqueles que os economistas clássicos ingleses usaram para fundar as ciências econômicas, os franceses declararam de maneira original que essa ordem organiza e reorganiza automaticamente a economia. Uma espécie de “mão invisível” funciona e dispensa a regulação externa do mercado, independente da vontade humana. Porém, essa concepção de mercado auto-regulado se constitui, décadas depois, na base dos argumentos liberais sobre o livre comércio e na consagração científica do “laissez-faire; laissez-passer”, destruindo as bases metafísicas do pensamento fisiocrata. Um conjunto de teorias que, entre os anos de 1750 e 1780, constituíram-se na expressão do Iluminismo em matéria de economia política, providenciando a descoberta de que leis econômicas atuam na produção e circulação da riqueza, rompendo-se com o empirismo mercantilista da época e suas explicações que concebiam a riqueza como o excedente monetário e o Estado como a fonte geral dos interesses econômicos da sociedade.
O fato de ser uma escola de economistas restrita à França e intimamente ligada aos acontecimentos econômicos do antigo regime, em meio ao conturbado processo que antecedeu os anos mais radicais da Revolução de 1789, faz da fisiocracia a legitimadora dos interesses econômicos das classes sociais que dependiam das rendas obtidas a partir da agricultura, atividade ainda formalmente vinculada às relações extra-econômicas herdadas do feudalismo.
Na Inglaterra, país mercantilista mais adiantado, a economia política caminhou para a identificação do conceito de trabalho em geral como fator gerador da riqueza, enquanto a fisiocracia converteu-se à formulação da agricultura como responsável pela criação do valor físico da riqueza, ou melhor, da própria riqueza.
O valor físico, portanto, revela-nos a preferência dos fisiocratas pela produtividade física, ao contrário dos liberais ingleses, interessados pela produtividade do valor, onde se encaixa a teoria do valor trabalho, formulada por Adams Smith e aprimorada por David Ricardo, no limiar da primeira sociedade industrial em formação na Europa. A fisiocracia não podia compreender que a agricultura, como forma particular, tivesse de estar incluída na forma universal da indústria (isto é, da atividade produtiva em geral) e da sua manifestação ampla numa determinada fase histórica, o trabalho assalariado. É por isso que a fisiocracia, ao contrario da economia política liberal, não pôde desligar-se totalmente do velho fetichismo, a riqueza que existe apenas como objeto. Evidentemente, o fato de que os principais representantes da fisiocracia se encontram na França, e não na Inglaterra, é inseparável do estado geral da economia francesa do século XVIII, caracterizado como economia de uma nação monetária ainda não desenvolvida plenamente.

Trata-se, portanto, de uma explicação que demonstra a inter-relação da teoria fisiocrata com o status social da burguesia francesa do século XVIII, desejosa do laissez-faire, porém, olhando pelo retrovisor mercantilista que teima em “observar a riqueza apenas como um objeto exterior, e não como uma manifestação específica das relações humanas”, o que legitima, na prática, o perfil econômico do burguês da França: uma classe social maciçamente agrária, ainda que urbana, mas envolvida com a produção realizada nas grandes propriedades do interior, cujos senhores continuavam interessados na melhor maneira de transformar grãos em lingotes de ouro, ao velho sabor do metal nobre idolatrado desde as cercanias das cidadelas mercantilistas da Renascença.
Um perfil burguês que foge bastante aquele ideal de classe empreendedora e produtora da origem do capitalismo. Na verdade, uma burguesia funcionária pública e intelectual, com poucos segmentos mercantis, que aparecia aos olhos fisiocratas a detentora da iluminação e transmutação da riqueza agrária em produto líquido para movimentar as rendas do mercado interno. Nesse aspecto, a fisiocracia é extremamente nacionalista e, ao mesmo tempo, capaz de pensar categorias econômicas abstratas e supostamente universais, que elevaram a economia política além do discurso pragmático de seus antecessores.
Na França do século XVIII, por exemplo, onde os camponeses ainda constituíam a vasta maioria da população e a nobreza continuava a deter a posse da maior partes da terra, os cargos no Estado central serviam de recurso econômico para muitos membros das classes dominantes, como meio de extrair o trabalho excedente dos produtores camponeses sob a forma de impostos. Até os grandes proprietários que se apropriavam da renda da terra dependiam, tipicamente, de vários poderes e privilégios extra-econômicos para aumentar sua riqueza.
A presença e o peso dessas relações extra-econômicas no tecido social francês fez da burguesia iluminista a formuladora de explicações capazes de questionar o Absolutismo e ao mesmo tempo rogar categorias universais, protegendo assim sua posição social e a fonte de suas rendas. A defesa do “laissez-faire” é explicada como parte integrante do governo da natureza, responsável pelos ciclos econômicos de fluxo e refluxo, independente da vontade dos homens, mas assimilável pela análise e discernimento de sua “física” em benefício da sociedade. Assim, a presença do Estado na economia é criticada sob uma ótica moral e filosófica, enquanto a realidade econômica da época é explicada numa perspectiva puramente mercantilista: a riqueza “física” é obtida a partir da agricultura, a única atividade capaz de exercer uma função multiplicadora, mas, também, reprodutora daquele status das classes dominantes, esmagadoramente dependentes do Estado e seus tributos.
Formulou-se, então, uma espécie de motivo iluminista sobre a crença de que essa ordem natural condena os abusos do Estado contra a iniciativa de quem almeja fazer circular a riqueza e mobilizar a prosperidade da nação. No estado de “laissez-faire” o produto líquido nacional, o excedente da riqueza criada sobre a riqueza consumida, se manifesta mais dinâmica na livre concorrência, resultando em preços melhores e lucros maximizados para circular a “corrente sanguínea” da economia e o “quadro econômico” da França. O “tableau économique” de Quesnay (1758) vislumbra esse produto líquido gerado na agricultura, como a “lei” responsável pelo equilíbrio entre os interesses de “agricultores, terratenentes e artesãos”, moldando a economia do país com a suposta “mão invisível”. Contudo, o produto líquido circula com prosperidade entre aqueles que vivem das rendas da propriedade fundiária ou dos cargos públicos, restando à realeza e seus ministros do tesouro, o papel de garantir o benefício das rendas organizadas secularmente em seus diversos graus de usufruto extra-econômico, sem nenhum simulacro ou mascaramento.
O Absolutismo e suas regras de intervenção comercial, tal como a lei do trigo barato, estaria indo de encontro à natureza, que segundo os fisiocratas, orienta o fluxo da circulação dos valores monetários, distribuindo a riqueza entre os setores sociais respeitando a ação engenhosa dos indivíduos e sua capacidade de atuar e concorrer livremente no mercado. A lei da oferta e da procura, livre das intenções de seus agentes, é assim transmutada em ganhos mais vantajosos e rentáveis, na medida que o Estado não pode conspirar contra as leis que regem a economia. Diga o monsieur Turgot, fisiocrata que tentou colocar em prática tais idéias no Ministério das Finanças de Luis XVI, exonerado do cargo em poucos meses.
Observamos, claramente, que “a idéia de que apenas o trabalho produz valor foi desviada pelos fisiocratas do século XVIII, em um sentido específico: só o trabalho agrícola seria produtivo . Ou seja, enfatizando mais, a lógica fisiocrata opera nos limites do mercantilismo, e pode muito bem ser considerada sua economia política. A fisiocracia não é, certamente, a economia política do feudalismo, nem a do capitalismo.
Obviamente, os proprietários rurais estariam na base do impulso desse equilíbrio perseguido pelos fisiocratas, numa espécie de idílio camponês, onde não aparece definida a propriedade privada da terra na forma de capital, mas na exterioridade da riqueza vista como valor não-econômico, na forma de obrigações consuetudinárias (obrigações baseadas no costume), o que era próprio das economias pré-capitalistas. Aliás, essa “harmonia camponesa” tem um desdobramento político e tributário que recebe na fisiocracia o nome de imposto único cobrado sobre a terra, uma vez que lá está a economia na sua forma geradora, garantindo a apropriação pelas classes proprietárias e dirigentes, incluindo ai, certamente, a burguesia.
O interessante é que essa idéia “ilumina” o peso dos impostos sobre a população maciçamente camponesa, que na época ficava com o pagamento de pesados tributos, enquanto que os nobres proprietários, com as isenções concedidas pelo Estado absolutista, usavam de toda sorte de artifícios para não ver a tributação de suas propriedades, mantendo a tensão política permanente entre sua autonomia e a centralização do Estado, caracterizando sua disputa com a burguesia, em torno de questões econômicas e políticas, frisadas pelo por Francisco Falcon (1989) na “Formação do Mundo Contemporâneo”:
“Na França temos o país do absolutismo monárquico por excelência, em sua forma clássica. As condições que caracterizam esse absolutismo são agora agravadas pelo antagonismo crescente entre a nobreza e os setores burgueses ligados diretamente ao Estado absolutista, pois voltados para a perspectiva de enobrecimento para as funções públicas em geral, os burgueses sofreram durante o século XVIII uma verdadeira reação nobiliárquica, que buscou cercear sua influência política e administrativa e as possibilidades de ascensão à aristocracia. Esse endurecimento das posições aristocráticas tornou-se ainda mais violento porque todo o desenvolvimento econômico que se operava tendia, pelo contrário, a assegurar o predomínio crescente da burguesia na vida econômica e financeira do país”.
A fisiocracia se insere, portanto, nesse contexto e faz o olhar em busca de respostas econômicas para iluminar a sociedade contra o obscurantismo nobiliárquico e seus monopólios estatais: os fisiocratas encontram no velho discurso consuetudinário feudal, que segundo Karl Marx, transmutam em discurso meramente econômico as razões para explicar sua preferência pela agricultura, em detrimento do comércio e da indústria, considerando que não vislumbram nada muito além do mercantilismo e seu amor febril pelo valor físico da riqueza. Sem olhar para frente, os fisiocratas não puderam enxergar a propriedade privada e o trabalho assalariado como responsáveis pela dissolução das bases da antiga economia agrária e sua articulação com o mercantilismo.
As comparações entre o processo de transição feudo-capitalista na Inglaterra e na França contribuem bastante para enfocar a origem da economia política científica e o contexto histórico em que se deu a percepção da existência de leis econômicas, criando-se assim os primeiros fundamentos científicos dos estudos econômicos. Sob a contextualização dos acontecimentos econômicos vividos pelos primeiros paises europeus na passagem de suas sociedades ao capitalismo, Inglaterra e França partiram da agricultura e caminharam veredas bastante opostas, que se refletem inclusive nas diferenças entre a economia política fisiocrata e a economia política liberal, porém, contribuindo decisivamente para a formulação do liberalismo econômico, a mais importante de todas as ideologias burguesas, desde o século das luzes e quem sabe sua utopia mais distribuída pela sociedade globalizada dos dias atuais.
Na agricultura francesa do século XVIII encontra-se o motivo das escolhas fisiocratas. A idéia de uma sociedade juridicamente igualitária, política e economicamente livre conquistada pela razão contra os dogmas aristocráticos e católicos que dominavam a vida do país, ergue-se no governo da natureza, capaz de reconstruir a propriedade privada ainda concebida exclusivamente como propriedade fundiária. Marx (1844) afirma nos “Manuscritos Econômicos - Filosóficos” acerca dessa percepção:
“A doutrina fisiocrata do Doutor Quesnay representa a passagem do mercantilismo a Adam Smith. A fisiocracia é, diretamente, a dissolução econômico-política da propriedade feudal, mas por isso, de maneira igualmente direta, a transformação econômico-política, a reposição mesma, com a ressalva de que sua linguagem já não é feudal, mais econômica... Nela a terra não é ainda capital.
Marx, contudo, não desqualifica a contribuição fisiocrata, considerando a capacidade subjetiva na formulação de conceitos que, se não atingem o trabalho em geral, reconhecem na riqueza particular, de forma objetiva, que sua essência é o trabalho, limitando-se a observar a propriedade fundiária como dada até então nos marcos da sociedade francesa, que desaparecerá tão logo as formas de propriedade industrial fiquem mais socialmente nítidas, além do fato de fornecer o arsenal de conceitos-chave dos quais se valeram os economistas clássicos a partir de Adams Smith.

O LIBERALISMO - ADAM SMITH

A influência de Adam Smith na Economia política é marcante. A sua “Riqueza das Nações”, publicada em 1776, constitui um marco neste campo, chegando ao ponto do economista alemão, Roscher, ter dito: “tornou inútil tudo que a precedera e inspirou tudo quanto se lhe seguiu”. Mesmo que exagerada, a afirmação reflete o sucesso que a obra-prima de Smith teve em sua época e que continua tendo.
Smith concebe ser o problema central da economia a questão do trabalho. Este sim é fonte de riqueza. Nega a noção dos fisiocratas de que a mesma viria exclusivamente da terra. Ele argumenta que se fosse verdade ser a terra o determinador da potência de uma nação, como conceber a existência de nações riquíssimas em recursos naturais e pobres economicamente falando?
O trabalho produtivo gera a opulência ou pobreza de uma nação. E é com a divisão do trabalho que o homem consegue aumentar consideravelmente sua produção. A especialização torna o trabalhador mais apto à desempenhar sua função; estimula as invenções, já que o operário terá muito tempo para observar apenas um etapa da produção.
O exemplo célebre de Smith é o da indústria de pregos, ele observa que dez operários, divididos, cada um em uma ou mais etapas da produção, poderão fazer 48.000 pregos por dia. Já um trabalhador que desempenhasse todas as etapas produtivas faria talvez um prego, em todo o dia.
Smith nos mostra que a extensão da divisão do trabalho depende da dimensão do mercado. È a força das trocas que determina a divisão do trabalho. Diz Smith: “quando o mercado é muito pequeno, ninguém terá incentivos para se dedicar a uma só função, pela incerteza que terá, relativamente à troca da parte excedente de seu trabalho pelas partes excedentes doas trabalhos das outras pessoas”.
Somente em uma cidade onde as atividades alcançaram um determinado grau de diversificação, é que o trabalhador terá incentivo à especialização. Da mesma forma, uma nação se especializará na produção de determinado item de consumo quando o excedente de sua produção pelos diversos excedentes de outros produtos concebidos em outras nações.
Smith explica que é a relação entre o produto do trabalho e o número de consumidores que determina a riqueza de uma nação. O que nos faz voltar a questão das trocas. Não adianta a maior produtividade sem haver quem queira adquirir o excedente do produzido.
Outro ponto crucial da obra de Smith é o caráter confluente do interesse particular e coletivo. Para o precursor da teoria clássica, o estado não deveria se preocupar com a ambição dos indivíduos, já que estes se convergem para o bem-estar geral. A liberdade de ação é o melhor caminho, como diziam os fisiocratas, posto que é o indivíduo o único apto a discernir e buscar a satisfação de seu próprio interesse.
O economista Paul Hugon classifica Smith como “um liberal prudente”. Para o primeiro, isso se deveu principalmente a grande influência que sua obra exercia, direta e indiretamente, sobre a evolução dos acontecimentos. Essa afirmação tenta explicar o fato de Smith, por exemplo, ter defendido o monopólio da navegação por seu país, a Grã-Bretanha.
Por fim é importante ressaltar o caráter pacífico da obra de Smith. Ele concebe o mundo com uma grande indústria, onde os interesses dos países estão interligados. Destrói a noção mercantilista de que o sucesso de uma nação se funda na bancarrota de seus adversários. Pelo contrário, para Smith, todas as nações, principalmente as desenvolvidas, tendem a enriquecer com o aumenta da divisão do trabalho e da diversificação do mercado.
Smith foi um grande teórico que baseou a riqueza no trabalho e nas possíveis trocas que podem ser feitas com o fruto desse trabalho.Superou a noção de acumulação, pregando a circulação da riqueza. Desmotivou a Guerra, considerando-a nociva aos negócios.Esteve muito à frente de seu tempo.

quarta-feira, janeiro 16, 2008

que história é essa?

Recebi hoje no programa QUE HISTÓRIA É ESSA?, que mantenho na Rádio Universitária AM, da Universidade Federal de Pernambuco, os professores José da Mata e Marcos Carvalho. O primeiro é um velho conhecido desde 1974, quando ele começou a ensinar no Curso ESUDA.

Tivemos, da Mata e eu, uma vida profissional paralela, nos encontrando em alguns colégios e, quase sempre, ensinando em colégios “concorrentes”. Nunca concorremos, mas sempre trocamos informações e experiências. Estivemos juntos no processo de deflagração da primeira greve que ocorreu no final da ditadura, ainda em março de 1979, no mesmo dia em que eclodia a greve dos motoristas. Embora isso não tenha muita importância, não é correto afirmar que foram os canavieiros que iniciaram as greves (ocorreu no segundo semestre) que levaram ao fim da ditadura, e nem mesmo a greve de São Bernardo dos Campos foi a primeira, embora tenha sido a mais importante por conta da importância daquele setor na economia do país. Mas esse último comentário é apenas para resgatar algum conhecimento de nossa história recente. E foi esse um ponto que da Mata chamou atenção: os alunos estão interessados mais na história recente que nos acontecimentos mais passados, embora o conhecimento daqueles seja importante para a compreensão desse presente que vivemos. O professor da Mata alegrou muito o meu dia de hoje.

O professor Marcos Carvalho revelou aos ouvintes do programa, com palavras simples e seu jeito boa praça, a beleza que é estudar a vida social, a vida comum, a vida dos homens comuns e, a partir dessas vidas, compreender as muitas vidas, o processo das vidas que formam a história. Marcos Carvalho é um dos melhores historiadores que temos em Pernambuco atualmente; um homem dedicado à pesquisa e que escreve com uma leveza e elegância cativantes.

A cada quarta feira, no programa QUE HISTÓRIA É ESSA? Sinto a lufada de vida que vem com as conversas mantidas com meus colegas professores e historiadores.

segunda-feira, janeiro 14, 2008

José Vicente da Silva Neto, o meu irmão Doutor

No dia de ontem, 13 de janeiro, nossa família sepultou o corpo de José Vicente da Silva Neto, meu irmão de 60 anos, a quem eu chamava de Doutor. Esse apelido, pelo que eu ouvi dos familiares mais velhos, foi decorrência do fato de meu pai ter comprado uma roupa tipo passeio formal, quando Zezinho ainda muito menino. Os moradores disseram que ele ficou parecido com um “doutor”, e aí lhe coube esse apelido ao longo da vida. Naquela época ainda morávamos no Eixo Grande, na propriedade Boa Esperança, que papai havia comprado às margens do rio Capibaribe, em Carpina. Uma terra de 40 hecatares que quase matou meu pai de trabalho, ao ponto de sua urina se tornar sangue. Por isso viemos para o Recife, Casa Amarela, no lugar que hoje é o bairro Nova Descoberta. Isso foi em 1955. Foi em Nova Descoberta que Doutor cresceu estudou com “seu João Batista”, depois no Colégio Bandeirante, no Colégio Técnico Professor Agamenon Magalhães. Mas não fez curso universitário.

Doutor ajudava muito na mercearia que papai possuía. Mas também sempre foi um grande farrista. Como papai nunca estabeleceu mesada, tudo dependia do nosso discernimento, na hora de “fazer um pinto” no final do dia. Papai sempre fazia vista grossa, mesmo sabendo que parte do apurado do dia, ficava com os filhos que ajudavam na venda. Hoje isso não seria possível, pois esse trabalho poderia ser visto como exploração infantil e não uma parte do processo educacional e aprendizagem da responsabilidade que cada um deve assumir na família. Vez por outra Doutor exagerava no “pinto”, mas não só ele. Às vezes nós brigávamos, mas sempre havia reconciliação voluntária, ou assistida pelos olhares e atitudes de papai e mamãe.

No seu tempo de serviço militar Doutor entrou na Marinha de Guerra: ganhou o mundo, conheceu países diversos, cruzou a Linha do Equador várias vezes. A cada viagem trazia presentes para cada um dos irmãos e para os seus amigos de farra mais próximos. Graças às suas viagens, aprendi a gostar de bons uísques produzidos e engarrafados na Escócia. Em casa tínhamos os mais modernos toca-fitas, brinquedos modernos para o caçula Jorge Cláudio e muitas outras coisas. Saindo da Marinha de Guerra, Doutor embarcou na marinha mercante brasileira, até a sua aposentadoria.

Nas idas e vindas, conheceu Terezinha Nascimento, uma professora que trabalhava com Zefinha, minha irmã professora da Fundação Guararapes, e deu casamento e nele nasceram Alexsander e Tatiana Nascimento. Tatiana é jornalista premiada nacionalmente, mas trabalhando em jornal pernambucano; Sander está em São Paulo, já casado e dando continuidade à profissão no campo de publicidade.

Ontem, no sepultamento de Doutor, a sua mãe comprovou o que já sabia: o seu filho, aquele que passou parte de sua aposentadoria cuidando dos interesses da família, ajudando Dona Maria com a tesouraria da Paróquia de Nossa Senhora de Lourdes de Nova Descoberta, que se vestiu de Papai Noel para alegrar as missas dos enfermos, na mesma paróquia, ela pode comprovar como foi bonita e cheia de glórias a vida de seu filho José Vicente da Silva Neto, meu irmão.

Algumas idéias de Kant - na visão de Manassés Honório

Este é mais um artigo realizado por um dos alunos do 5º período de História da UFPE, e é também dos textos que os colegas de Manassés Antonio Honório devem ler como base para o segundo exercício escolar.



Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita


A história em Kant é apreendida como a narração da manifestação da liberdade humana determinada por leis de caráter universal.
O filósofo na impossibilidade de pressupor um específico propósito racional nos homens ou nos seus atos em geral , não tem outra solução senão tentar descobrir um desígnio da natureza, nesta marcha absurda das coisas humanas, a partir da qual seja possível uma história que obedeça a um determinado plano da natureza.

Diante da sucessões de fatos que aparentemente não tem sentido o filósofo procura um fundamento racional para o processo histórico.

Kant sugere que, se pretendemos que o curso da história humana tenha sentido , temos que pressupor a ação de um “plano secreto “, ou de um princípio teleológico, segundo o qual os moles imediatos da história são justificados.

O fundamento ou principio para Kant é a natureza, que incutiu nos seres humanos determinados capacidades a fim de que elas possam se desenvolver. E é exatamente na história humana que os mecanismo de tal desenvolvimento são assegurados e as capacidades racional ampliada.

A mola deste mecanismo se encontra nas tendências anti-sociais dos homens, tendências essas que em virtude das misérias, tem por finalidade conduzir o humanidade a construção de uma forma de sociedade, que garanta através do rigor da lei a cada um dos seus membros o máximo de liberdade que seja compatível com a liberdade dos representantes.

1º Proposição

A natureza segue princípios com uma finalidade objetiva.
Se os movimentos históricos não possuirem uma finalidade, então nos sobra apenas o acaso e a razão não pode se guiar pelo mero acaso.

2º Proposição

Aqui na segunda proposição, Kant, por ser um idealista, da ênfase a razão que é a capacidade de ampliar as regras e os desígnios do uso de toda as suas forças muito para além do instinto natural.
Porem, diante da brevidade da vida humana o pleno desenvolvimento da razão não se dá no plano individual, e sim, na espécie.
Para Kant se não existir uma finalidade, ou seja , um fio condutor racional dado pela natureza para o processo histórico, a Natureza passa a ser suspeita de brincar infantilmente com a humanidade.

3º Proposição

A natureza foi generosa com o homem, pois proporcionou o fenômeno da racionalidade diferenciado-o enormemente dos demais animais que são guiados por meros instinto.
E através da sua própria razão os homens vão se aperfeiçoando gradativamente no sentido universal. O homem é mortal, mas é imortal na sua espécie, desse modo, há de atingir o pleno desenvolvimento das suas disposições através do aperfeiçoamento racional de sucessivas gerações.

4º Proposição

Esta é a mais importante proposição, pois nela contém o principal conceito da teoria da história Kantiana, ou seja, a “ sociabilidade insociável “ do homem, isto é, a tendência natural que o homem possui para se associar em comunidade, mas que se liga a uma resistência geral, que ameaça constantemente cindir essa sociedade.

O homem inclina-se a socialização, porque ele, desse modo desenvolve suas disposições naturais, por outro lado, quer romper com a sociedade , porque ele quer fazer tudo segundo sua própria vontade, contudo, encontra resistência dos outros membros da sociedade.
Apesar deste conflito imante do processo histórico, Kant, aponta para um interesse fundamental dos homens na instituição de relações de direito racionais, comprovadas pelo eventos históricos.

Apesar das múltiplas resistências, a humanidade aspira formas de estado justas e esta aspiração é o sentido da história.

5º Proposição

O mais elevado propósito da natureza , segundo kant, é proporcionar a maior liberdade possível ao homem, logo um antagonismo geral dos membros da sociedade, mas a liberdade deve ser submetida a mais rigorosa determinação e garantia dos limites dessa liberdade.
Os homens, cujas tendência tornam impassível viverem muito tempo em harmonia com os outros. Por causa disso, devem necessariamente ser submetido a este princípios universais que garantem a igualdade e liberdade mutua dos membros da sociedade.( Liberdade de oportunidade e igualdade perante a lei.)

Kant retira todo conteúdo matéria da sua perspectiva da historia, reduzindo todas as relações humanas a forma da lei ( formalismo Kantiano )

6º Proposição

O homem precisa de um senhor pois ele faz mau uso da sua liberdade em relação ao seu semelhante.
Uma tendência animal e egoísta de tentar constantemente infligir a lei. Por causa disso, precisa de um senhor que lhe abrigue a cumprir a lei.
Esta tarefa é a mais difícil de solucionar, de acordo com Kant, "perfeitamente impossível".
Uma aproximação da idéia no máximo. Por isso, deve ficar por ultimo.

7º Proposição

Os mesmos organismo que fazem os homens de uma determinada sociedade elaborar uma constituição civil regular entre seus membros, conduzem os Estados constituídos à criação de uma constituição universal.
Esta "sociedade das nações" só será realizada após as terríveis experiências das sucessivas guerras.
Nesta “ sociedade das nações “ cada estado mesmo o mais pequeno, terá sua segurança assegurada, não através do seu próprio poder ou do seu próprio corpo jurídico, mas de uma força unida e da decisão da vontade comum, fundamentada em leis universais.
Para Kant, é a única forma de se estabelecer a paz e sair do estado de selvageria, promovida pelas guerras.

Não dá para espera o cego acaso. "Será razoável admitir a finalidade da organização da natureza nas partes e no entanto a falta de finalidade no todo?"
As guerras obriga a nossa espécie a descobrir uma lei de equilíbrio para o antagonismo entre muitos Estados vizinhos que provém da liberdade de cada um, no sentido de introduzir uma força comum que vem dar ênfase a essa lei, e com ela uma situação cosmopolita de segurança pública entre os Estados.
Segundo Kant, já somos civilizados o suficiente, mas falta muito para que nos considerar moralizados.( A idéia de moralidade ligada a cultura constitui apenas civilização, e não moralidade no sentido da moral kantiana.)
É necessário um esforço longo de cada comunidade no intuito da melhor formação dos seus cidadãos.
(Preocupação com a educação )

8º Proposição

As relações entre os Estados atingiram um ponto tão elevado que o prejuizo jurídico de um influência negativamente os outros.

Crítica a guerra, que passará a ser não só um empreendimento complicada e duvidoso de resultados incertos para ambos as partes, mas também discutível devido as suas conseqüências para o Estado, traduzido sempre em crescentes dividas.

Cada um Estado estará interessado na manutenção do todo.

A " Sociedade das nações" como finalidade da natureza com relação a espécie humana. Uma situação cosmopolita geral, no seio da qual se venham a desenvolver todas as disposições originais da espécie humana.

9º Proposição

Uma história segundo uma idéia de como deveria ser o curso do mundo, contanto que esse curso se adaptasse a certos fins racionais.

Existe um secreto mecanismo na natureza para fundamentar tal idéia.

Sem o fio condutor racional a história seria apenas um agregado das ações humana sem finalidade objetivas.

As influências dos povos antigos mostram uma marcha regular de melhoramento da constituição política.
A idéia de uma história universal, cujo fio condutor é, de certo modo, um a priori. Para Kant, não interessa o estudo da história única e propriamente empírica.

quinta-feira, janeiro 10, 2008

Sexo: repressão, comportamento e desvio na Europa Ocidental do período Moderno.

Trabalho realizado pelos discentes Heverton Heverti, Hugo Emmanuel, José Claudomiro e José Luis Lima Cruz, requerido pelo Professor Severino Vicente, da disciplina História Moderna II, como requisito parcial para obtenção de nota
Sexo: repressão, comportamento e desvio na Europa Ocidental do período Moderno.
Introdução


Este trabalho foi construído na intenção de expor certas características acerca da visão sobre o comportamento das atividades sexuais humanas da ocidentalidade, mais precisamente na Europa Ocidental no período da Modernidade.
Para tal, fez necessário expor, no primeiro momento, a forma como a instituição mais poderosa, a Igreja Católica, e por isso, determinante, tratava, teórica e praticamente, as relações que o homem tinha com a sexualidade.
Em segundo lugar, pelo papel primordial que o homem tem na história do sexo, será abordado a mulher. Essa que por muito tempo ficou relegada a papel secundário e que na modernidade, viu, por razões diretas e indiretas, sua imagem modificar-se e passou a influir com mais avidez, ainda que tímida, na sociedade e a maneira qual esta a tratava sexualmente.
Na busca de uma abordagem mais ampla, trabalhamos no terceiro momento, como foi visto o Novo Mundo, no âmbito sexual, pelo europeu colonizador. Uma oportunidade impar que tivemos para entende melhor, porque não, o próprio comportamento do homem europeu a temas como homossexualismo e a prostituição.
Em seguida e finalizando este trabalho, um personagem ícone de como a relação social do homem com a sexualidade pode, ao mesmo tempo conduzir o homem ao maior recato, diante repressão, até a forma o quanto esse pudicícia se transforma em libertinagem, perversão quando a oportunidade lhe permite. Donatien Alphonse François foi tal importante na história da sexualidade ocidental que passou a ser símbolo do que mais depravado e desviado pode ser o homem ( e a mulher) dos padrões comportamentais, quando estes, segundo ele, são fundamentados em idéias contraditórias e por isso, maléficas a verdadeira condição do homem diante a virtude e o vício.





A influência da Igreja na vida sexual do cristão

Ao fazermos uma pesquisa sobre a vida sexual, mais especificamente da civilização ocidental, nos defrontamos com dois vieses desse processo de formação, a saber, os costumes dos povos “Bárbaros” e a tradição do Império Romano. Nesse último viés, a direção do processo de controle da vida sexual dos cidadãos ficou a cargo da Igreja Apostólica Romana que tinha como interesses materiais imediatos: manter a paz e a estabilidade social, auferir os lucros necessários tanto para a construção de suntuosos templos como para sustentar o luxo do sacerdócio e ainda mais notadamente assegurar que a moralidade cristã não somente fosse garantida, mas sim disseminada nos confins do Império Romano. E como forma de controle social e artifício para que se pudesse valer a lei moral pregada pela igreja, tomava-se como base a Bíblia (muitas vezes interpretada ao modo do seu examinador) e o fogo do inferno que no caso seria o “preço” pago por uma pessoa que vivesse pecaminosamente, entregue aos prazeres da carne como luxúria, prostituição, adultério etc. O autor nos traz uma informação pertinente ao assunto aqui tratado, nos diz o seguinte: “... Deliberada ou não, a censura estava bastante próxima de ser total. Em resultado, as palavras e conclusões dos padres da Igreja permaneceram inatacadas e, com o tempo, se tornaram inatacáveis”.[1]
O autor ainda nos informa que a vida promíscua que alguns clérigos haviam tido quando jovens influenciava diretamente na lei moral instituída pela Igreja. Muitas vezes o significado do que realmente constituía pecado se sobrepunham aos ensinamentos da Bíblia, dos ensinamentos de Jesus etc.
O celibato sacerdotal foi instituído com o intuito de manter o homem vivendo única e exclusivamente a Deus. “... o celibato era uma condição mais cristã, uma vez que não acarretava obrigações mundanas que pudessem interferir com a devoção do Senhor.”[2]
O sexo não era visto com “bons olhos” pelos religiosos católicos, uma vez que ele é fruto direto da desobediência da mulher à ordem de Deus de não comerem do fruto proibido, que comendo abriram seus olhos à sexualidade até então não observados devido ao estado de pureza que se encontravam antes da desobediência. Por esse motivo, a mulher era criação do demônio.
Mas Deus abençoou o casamento e Cristo o santificou. Crescei e multiplicai foram algumas das ordens divinas após a “queda” do homem, então como justificar tanto repúdio ao ato sexual? Um longo conflito começava a ser travado. Para os clérigos só com o celibato seria possível alcançar o estado de pureza do Édem, ainda para eles o corpo não passava de um receptáculo da mente e espírito, logo o que deveria prevalecer seria este último que teria que voltar puro e imaculado ao Pai celestial e acima de tudo o celibato era o símbolo de autoridade moral. Para os cristãos o ato sexual era prazeroso, perpetuava a linhagem, possibilitava formação de famílias.
Mesmo contra a vontade de muitos padres que como nos diz o autor “...case-se se for necessário, diziam ao leigo os mal-humorados padres da igreja, prosseguindo na descrição das alegrias do matrimônio...”[3] a igreja católica legitimou o casamento.
A Igreja chegou a afirmar que sexo com prostitutas seria mais “sadio” do que aquele praticado com as esposas devido ao fato de estarem livres de paixões, sendo praticado o sexo com as primeiras somente com o intuito de desfrutar de prazeres, enquanto o praticado com as esposas estava susceptível às paixões da carne. Algumas ressalvas à vida conjugal foram feitas aos cônjuges. O sexo entre o casal não deveria ser feito com a obtenção do prazer (diferentemente dos conceitos acima citados, ou seja, os sacerdotes finalmente pararam de “legislar” por suas próprias vontades sobre o assunto e passaram a usar a Bíblia como parâmetro de suas reflexões), mas sim com a intenção de procriar. O intercurso deveria ser o natural. O que se diferenciasse da junção de pênis e vagina e homem na posição superior e mulher na inferior era classificado como antinatural e, dizia-se, nos assemelhava a animais irracionais. Qualquer tipo de métodos anticonceptivos era condenado e, por conseguinte contrário às leis do casamento. Como podemos verificar nos “aconselhamentos” que a Igreja proferia aos seus seguidores eram bastante rígidos e caso fossem descumpridos não poderiam passar em vão, ou seja, a punição era aplicada severamente, a saber: um beijo entre homossexuais que possuíssem menos de vinte anos de idade seria punido com oito jejuns especiais, caso houvesse ejaculação a punição subiria para dez jejuns especiais; no caso de homens acima de vinte anos de idade a punição era viver em continência, comer separadamente e somente pão e água, além de ser excluído da igreja, e a duração da exclusão, certamente ficava a critério do confessor; a masturbação seria punida com vinte ou quarenta dias de penitências, caso o transgressor não fosse reincidente; a sodomia teria como punição sete anos de penitências, entre outras.
Quanto ao homossexualismo, observamos que um dos grandes combatente dessas práticas foi Santo Tomás de Aquino com suas, diga-se de passagem, brilhantes reflexões sobre o assunto. Finalmente um clérigo buscava na Bíblia as explicações para não se cometer tais atos como nos mostra o autor: “ ... que isso era antinatural, tanto aos olhos de Deus, como aos do homem. ... os órgãos sexuais forram destinados pelo Criador especificamente para a reprodução, podendo ser apenas legitimamente usados sob formas que não excluíssem a possibilidade reprodutora. Portanto, por definição a homossexualidade constituía um desvio da ordem natural ditada por Deus, e o desvio seria não somente antinatural, mas pelos mesmos padrões agostinianos, seria lúbrico e herético.”[4]
Para sintetizar esse pequeno esboço sobre a forma às vezes “ditatorial”, quando tomamos como parâmetro nossa liberdade sexual e religiosa atual, como a Igreja Católica “ditava” as regras e normas sexuais dos cristãos a fim de manter a ordem social, podemos achar um absurdo, um desrespeito à individualidade e direitos humanos (o que não existia à época, pois como visto em sala de aula a noção de direitos humanos veio com a modernidade), mas se nos reportarmos ao período aqui tratado não fazendo juízo de valor e não cometermos anacronismos verificamos, como o próprio autor nos diz, que tais práticas eram perfeitamente aceitáveis e concluímos que apesar da aparente “censura”, a Igreja serviu como ponderadora das concupiscência carnais, bem como possibilitou não só o surgimento, mas também a permanência de uma consciência cristã.


O Novo Mundo: sodomia e prostituição ao ver dos colonizadores

Desde sua chagada o europeu procurou impor seu julgamento racional sobre as civilizações americanas, condenando veementemente práticas culturais que para a civilização ocidental são moralmente condenáveis, como o “canibalismo, sacrifício humano, incesto, abuso de drogas, embriaguez, sodomia, adultério, roubo, assassinato...”, o que constitui uma forma de sobrepor seus valores culturais.
No início da colonização do continente americano muito se discutiu sobre a racionalidade dos habitantes nativos do Novo Mundo. Isto quer dizer que se esses habitantes fossem criaturas irracionais, como tais não teriam direitos, muito menos a propriedade, o que significa serem passíveis de qualquer usurpação à qual os colonizadores quisessem se lançar.
Dessa maneira prevaleceu essa visão obscurecida do colonizador em relação ao ameríndio, numa verdadeira transposição de valores com “mais de dois anos de sofisticação técnica, desenvolvimento político e filosofia judaico-cristã”[5].
Não obstante, segundo TANNAHILL, mesmo com dificuldades de acesso a fontes ficou demonstrado que essas práticas moralmente abominadas pelo invasor europeu, também se faziam rejeitadas por grande parte desses povos ameríndios, notadamente Astecas e Incas, e que mesmo o sacrifício humano e o canibalismo eram raros ou quase desconhecidos por esses povos.[6]
Quando os espanhóis chegaram à América encontraram três importantes sociedades: Astecas, Incas e Maias, sendo as duas primeiras em período de transição do tribalismo e a última já em decadência.
Os Maias embora sejam os que menos nos apresentem documentação, parecem ter sido os que tiveram sua cultura mais disseminada no norte do continente americano. As práticas homossexuais entre os adolescentes eram comuns e até encorajadas em detrimento as práticas heterossexuais antes do casamento; geralmente seus pais lhe arrumavam um escravo com quem pudessem satisfazer suas necessidades para desencorajá-lo de outras maneiras. Dessa forma reprimiam-se repetidamente atos heterossexuais como mostra a passagem da obra aqui estudada: “Se ele tivesse um intercurso com uma mulher solteira, era passível de uma multa; se a jovem fosse virgem, seguia-se rapidamente um obrigatório casamento”[7]. Portanto pode-se perceber que os Maias viam o casamento como instituição tão importante a ponto de tolerarem as relações homossexuais fora dele e a terem como ameaça as heterossexuais. Deve ser ressaltado também o fato de Maias reconheceram e tolerarem a homossexualidade que segunda o autor é permanente e genética.
Não é difícil de supor que um ato considerado na Espanha como “um vício secreto, sub-reptício, privado...” provocasse grande escárnio e repulsa entre os invasores europeus sendo tido como “diabólico e nefano ato de Sodoma”[8] ou “mais abominável e antinatural devassidão”. Dessa forma encontramos registros de “infratores” ameríndios jogados aos cães dos invasores europeus.
Diferentemente dos Maias, os Astecas tinham uma tradição anti-homossexual, reprimindo tenazmente os que ousassem transgredir a tradição. Embora não tivessem um “inferno” conforme o tinham os seus colonizadores, as formas de castigo se davam aqui mesmo na terra, com forma de intimidação. Sobre isto vejamos a passagem que o autor nos mostra no livro a punição que os antecessores dos Astecas aplicavam a quem cometesse o ato homossexual:
“... aquele fizesse o papel da mulher, eles lhe removiam as entranhas pela parte de baixo, atavam a um tronco e os homens jovens da cidade o cobriam de cinza, até que ficasse enterrado. Aquele que fizesse o papel do homem era coberto de cinzas e pendurado a um tronco, até que morresse.”[9]
Ao contrário do que podemos, supostamente, julgar para os pré-colombianos era considerado um castigo mais duro aquele cuja morte fosse mais lenta. O que nos faz presumir que o castigo dado àquele que exerceu o papel de mulher embora mais violento promovesse uma morte mais rápida, em contrapartida aquele que exerceu o papel de homem na relação homossexual tivera uma morte menos violenta, porém com maior tempo de duração.
Concomitantemente aos Astecas, os Incas reprimiam com castigos igualmente severos aqueles que cometessem a sodomia, sendo estes arrastados, enforcados e depois queimados[10] . Penas semelhantes eram aplicadas a quem cometesse atos de zoofilia.
Por terem um caráter extremamente autoritário, os Incas sufocavam a todos que não quisessem seguir o padrão por eles determinado, o que ocasionou uma grande perseguição aos sodomitas afim de, segundo o autor “extirpar o pecado abominável”[11]. Até mesmo a palavra que se referia a sodomia era proibida de ser proferida entre eles.
“... qualquer índio... que em raiva ou disputa com outro o usasse como termo de ofensa, era encarado como desgraçado e, por muitos dias, visto pelos índios restantes como algo vil e imoral, por haver usado semelhante palavra.”[12]
Sendo assim não é de se estranhar a reação de surpresa do Imperador Asteca Montezuma em relação ao pedido de Cortés para que entre outras práticas a sodomia fosse combatida, uma vez que a lei Asteca era severamente punitiva em relação a essa prática.
Os espanhóis referiam-se quase sempre à sodomia como um ato homossexual. Mas a sodomia com um sentido heterossexual, embora pouco estudada devido a limitações de fontes, vem sendo tida com um ato poligâmico, como o relato a seguir dos espanhóis:
“... O chefe Behechio tem trinta esposas e não apenas para o tipo de copulação que os homens casados têm geralmente com suas mulheres, mas para outros bestiais e nefanos pecados... O chefe Goacanagari tinha certas mulheres com quem copulava à maneira das víboras. Vejam que inaudita abominação, a qual ele só poderia ter aprendido com tais animais...”[13]
Sendo assim a igreja assumi um papel de fiscalizadora dos atos considerados por ela como pervertidos e indecentes à época da conquista e colonização do Novo Mundo, fazendo com que seus padres usassem uma metralhadora de perguntas sobre a vida sexual nos confessionários. Geralmente as perguntas se dirigiam, a saber, se atividade sexual se dera no intercurso anal, sendo esta prática totalmente reprovada e tida como ato de abominável perversão como fica claro no texto a seguir:
“... quando sua esposa (teve seu período menstrual) você teve intercurso com ela? E, na hora em que se juntaram, foi isto com incidência e não no recipiente adequado? E, por acaso, praticou quaisquer outras coisas imorais, de prazer pervertido, que não foram mencionadas aqui? Lembre-se de todas elas, confesse-as e declare-as todas.”[14]
Dessa forma a igreja desejaria por em prática os preceitos religiosos de crescimento e multiplicação conforme reza a bíblia, e ao que parece os Incas e Astecas estavam dispostos a colaborar com estes preceitos, uma vez que em pouco mais de 60 anos, principalmente os Incas, estenderam seus domínios tanto para o norte quanto para o sul. Sendo assim, havia, portanto uma demanda populacional a ser preenchida, sendo a sodomia um obstáculo a reprodução.
Havia um rigoroso patrulhamento aos “ociosos e vadios”, a poligamia era uma situação quase comum e o casamento era uma obrigação permanente a qual a nenhum era permitido se furtar.
Outra questão a ser levada em conta é que homens violassem uma virgem a força deveriam morrer apedrejados, entretanto, se elas demonstrassem interesse em casar-se imediatamente com eles essa punição não deveria ser aplicada, e o casal poderia seguir sua vontade. Geralmente, no entanto, o casal que desejasse se casar poderia ter sua vida sexual iniciada antes do casamento, fato este que causava repulsa aos espanhóis, pois eram contrários ao conceito de virgindade dos habitantes locais, e seguiam exclamando que os índios não se casavam “a menos que tenham tido intercurso pecaminoso durante vários meses com aquela que será a sua esposa, para saberem, por experiência, se ela será adequada.”[15]
Os Astecas, por sua vez, se mostravam bastante tolerantes quanto ao divórcio e estimulavam o casamento precoce e puniam com pena de morte o aborto, embora fossem apologistas do sacrifício humano. A poligamia era bastante estimulada e oferecia as mulheres uma forma de proteger-se da grande mortandade existente nos rituais de sacrifícios.
A prostituição não era vista como um ato a ser combatido, mas até as encaravam de forma a tê-las com papel secundário em rituais. Mas parece que aos espanhóis as prostitutas ameríndias, muito embora criticadas, merecessem menções detalhadas de suas práticas públicas:

“ela se arruma com muito cuidado, tão cuidadosamente, que parece uma rosa, ao terminar de aprontar-se. Ao preparar-se, primeiro se olha em um espelho, depois toma um banho, lavando-se muito bem e refrescando-se, para ficar agradável. Então usa um creme amarelo chamado axin, para adquirir uma compleição pálida e brilhante, ao mesmo tempo em que tinge a face com ruge, por que é dissoluta e mundana. Também colore os dentes com cochonilha e deixa os cabelos soltos, para fazê-los parecer mais bonitos... Ela se perfuma com essências agradáveis e sai mascando tzictli (chiclete, a matéria prima da goma de mascar), batendo os dentes como castanholas. Ela gosta de passear pelas ruas e praças, à procura de pessoas imorais; fica rindo – nunca pára de rir – ma seu coração está sempre inquieto. ... Ela tem o hábito de chamar as pessoas, olhar para os homens, piscar, acenar com a mão, olhar de lado, sorrir para todos, até escolher aquele que mais lhe apraz.”[16]

Os espanhóis que se lançaram para a conquista do Novo Mundo inevitavelmente se relacionavam com as ameríndias, uma vez que eram proibidos de levar suas esposas, e ao que nos parece se lançavam aos prazeres tropicais.
Sendo assim, cabe-nos salientar que o processo de aculturação sofrido pelos nativos habitantes do Novo Mundo também ocorreu no caminho contrário, pois grande parte dos costumes encontrados pelos colonizadores foi assimilada. Outrossim, a imagem dos habitantes do Novo Mundo fora formulada por aqueles que usaram seus paradigmas para julgar à sua maneira os hábitos e costumes desses povos, muitas vezes deturpando. Fica-nos também clara a impressão de que a vida sexual desses povos vem forjar o modo de como se comportavam particular e socialmente, e a influência que as práticas sexuais tem em suas vidas.


O Marquês de Sade

Donatien Alphonse François, o Marquês de Sade, ou ainda para muitos de seus entusiastas, O Divino Marquês, é um ícone, entre outros, que simboliza a maneira qual a Europa Ocidental, mas precisamente no período moderno tratava o sexo: a repressão em nome de valores religiosos e sociais, que aconselhava ao homem afastar-se ao máximo da atividade sexual e pondo a mulher numa torre quase indestrutível de honra e castidade, cuja queda estava à revelia da ação sexual e sua prática, em muito ocultada, mas jamais silenciada em todas as camadas da sociedade.
A própria vida de Sade pode ser um exemplo de como eram tratados os assuntos sexuais e os que percorriam caminhos sexuais controversos aos ditados pelas instituições moralistas modernas. Passou a maior parte de sua vida de prisão em prisão, tendo pouco espaço e tempo pra se manifestar, e quando o fazia tamanho estrondo causava que logo retornava para um confinamento. Apesar de um pensamento muito mais fundamentado filosoficamente que apensas um apologista a comportamentos sexuais desviados, foi com suas obras nas quais a diversão, fornicação, perturbação, perversão, libertinagem, fetiches, em fim, toda uma gama de atitudes que acabou se confundido com o próprio autor, sendo muitos dos atos agora na atualidade conhecido como sadismo[17], que o Marques ganhou notoriedade e se pôs a criticar os valores da sociedade européias (francesa) do século XVIII: Deus, Poder, Razão, Sexo.
Vale lembrar que Sade foi contemporâneo a um dos maiores momentos de superficialidade teatral sobre moral e valores da Monarquia Moderna, a Sociedade de Corte na França era um imenso palco cuja encenação dominava, sendo era moda tramar um caso amoroso libertino com fortes matizes narcisistas[18]. A sociedade pode ser tratada como um jogo calculado, que inclusive continha regras e estágios para uma boa apresentação. Um affaire compreendia quatro momentos: seleção, sedução, sujeição e separação, e os atores tinham como o momento crucial da peça o ponto final, onde se era mostrado a cruel verdade, contudo não faltavam admiradores do terceiro momento.
Essa sociedade a parte era inspirada por novelas e textos escritos em sua maioria por homens que não tinha vida palaciana, no entanto o contato com ela era inevitável tendo assim conhecimento suficiente para fundamentar e acalentar com ricos detalhes suas obras. Este gênero tem início na Inglaterra como Samuel Richardson com a Obra Clarissa ou a história de uma jovem dama cuja trama se baseia numa inocente perseguida por um homem pervertido e trata, em sete volumes, de sua sedução até o leito de morte, tendo nesses caminhos, diversos infortúnios causados pela sua inocência ( o que lembra muitos as obras do Marquês). Na obra, há a descrição de um sonho da jovem dama cujo amante a “carrega para o cemitério e lá apunhala no coração, para em seguida atirá-la em uma funda sepultura já aberta, entre duas ou três carcaças meio dissolvidas e depois joga pó e terra sobre ela com as mãos”.
Estas novelas eram obras de extrema sensualidade, e continham elementos de tortura, física ou mental, de jovens cuja inocência destruída e a virtude tornava-se a verdadeira culpada dos sofrimentos a que eram submetido por perseguidores carregados de perversão e libertinagem.
O Marquês de Sade possui uma singularidade: a que sua literatura e perversão não eram meros desvios comportamentais, era, sobretudo, fruto de seu próprio pensamento filosófico. Sade, como sabido, era ateu convicto, sua divindade era nada mais que a natureza, cuja essência estaria longe de ser a bondade, a virtude e a moralidade, a verdadeira essência da natureza sadeana era o mal, o vício cuja prática leva à harmonia natural enquanto a virtude, a inocência, o mal apenas levava ao sofrimento, a dor, a ruína e a miséria. Jus também lembrar que seu pensamento era de cisão com o modo metodológico, racional em voga na Europa do século XVIII. Ora, todo esse sistema de pensamento do Marquês de Sade era exemplificado em suas obras cujas jovens inocentes e virtuosas era submetidas aos maiores infortúnios para quem segue os padrões comportamentais, acabavam por tornar objetos sexuais para pervertidos, sofriam com os castigos e humilhações quando perdida a virtude e o final feliz de ascensão era substituído por mortes lentas e dolorosas a serviço do vício, do pervertido.


Obras de Sade

Nas obras de Sade tem-se um verdadeiro conteúdo cujo poderia quantificar quase todas as formas de desvio sexual comumente conhecidos (ao olhar do homem ocidental contemporâneo): homossexualismo, sodomia (hetero e homossexual), masoquismo, pedofilia sadismo além de sempre suscitar as contradições e hipocrisias contida nos valores padrões da sociedade.
Segue alguns trechos de contos e livros do Divino Marquês para melhor exemplificar tais características.


A Crueldade Fraternal

Nada é mais sagrado numa família do que a honra dos seus membros, mas este tesouro chega a desbotar-se, por precioso que possa ser, e os que estão interessados em preservá-lo deverão fazê-lo encarregando-se eles próprios do papel humilhante de perseguidores das infelizes criaturas que os ofendem? Não seria razoável pôr em equação os horrores com que atormentam a sua vítima e esta lesão tantas vezes quimérica que se queixam de ter recebido? Qual, enfim, é mais culpado aos olhos da razão, uma moça fraca e enganada ou um parente qualquer que, para se erigir em vingador duma família, se torna o carrasco desta infortunada?
O Marquês, nesse conto, elabora uma estória onde a põe aberto a contradição contida na extrema preocupação com a defesa da honra familiar. Uma jovem, muito querida pelo pai (o Presidente de Tourville) o que provocava ciúmes aos seus dois irmãos mais velhos, teve após um acidente um encontro com o Conde de Luxeuil, encontrada encharca em sangue onde lhes conta o sucessido: a jovem tinha a liberdade de passeios diários concedido pelo bem querer paterno, ao chocar-se com vários homens que pretendiam desflorar-lhe rogou ajuda para um jovem que o avistava sempre em seus rotineiros passeios. Este jovem a ajuda e defende dos demais e propões que não conte nada para seu pai, pois poderia impedir-lhe de sais outras vezes e a corteja, tendo assim se transformando em “amante” desta jovem. Após armadilha de uma senhora que encobria os secretos encontros dos dois jovens, essa moça submeteu-se a força á um senhor que pagou a senhora para se aproveitar da jovem inocente. Os irmãos descobrem todo o ocorrido, e às escondidas, raptam sua irmã e lhes impõe castigos severos por esta ter degradado a honra da família, não lhes permitindo explicação nem admitindo que esta não teve vontade própria e nem livre escolha em todo o fato.


O Estratagema do Amor

De todos os desvios da natureza, o que fez mais pensar, o que pareceu mais estranho a estes meio-filósofos que querem analisar tudo sem nada compreender, dizia um dia a uma das suas melhores amigas a Menina de Villebranche de quem vamos ter ocasião de nos ocuparmos em seguida, é este gosto estranho que mulheres duma certa construção, ou dum certo temperamento, conceberam por pessoas do seu sexo.
Embora muito antes da imortal Safo[19] e depois dela não tenha havido uma só região do universo nem uma única cidade sem nos oferecer mulheres com este capricho e embora, perante provas de tal força, parecesse mais razoável acusar a natureza de singularidade do que estas mulheres de crime contra a natureza, nunca todavia se deixou de vituperá-las, e sem o ascendente imperioso que sempre teve o nosso sexo, quem sabe se algum Cujas, algum Bartole, algum Luís IX não teriam imaginado fazer contra estas sensíveis e infelizes criaturas leis iníquas, como as que se lembraram de promulgar contra os homens que, construídos no mesmo gênero de singularidade, e por tão boas razões sem dúvida, julgaram poder bastar-se a si próprios, e imaginaram que a mistura dos sexos, muito útil à propagação, podia muito bem não revestir esta mesma importância para os prazeres.

Um outro conto, bem mais explicito, pode ser definido como uma verdadeira apologia ao homossexualismo. Uma menina que desprezava os homens, e um jovem que decide se fazer de homossexual para lhe conquistar.
Em uma festa de carnaval inicia o joguete, A Menina de Villebranche, Augustine, disfarçada de homem e Freville vestido de mulher se deixa entrar no flerte da Menina. Subindo às pressas para um local já reservado para tais brincadeiras, após toques mútuos, ambos se decepcionam, contudo Freville já sabido da situação da Menina apenas lhe finge não gostar de mulher e isso atraí a atenção da Menina, que acaba por cair em sua armadilha e casa-se com Freville.


O Marido Padre (conto provincial)

Neste conto, o Divino Marquês brinca de maneira irônica com valores sociais, principalmente os religiosos, ao ponto de afirmar praticamente, a insignificância que tinha Deus, Missa, Fé para os próprios clérigos. Um padre que de tudo faz para poder anular temporariamente um amigo, fazendo-o celebrar um missa, a fim de ocupar-se com sua esposa.

Entre a cidade de Menerbe, há um pequeno convento de carmelitas isolado, esse pequeno sítio é aproximadamente como a cloaca de todas as comunidades vizinhas aos carmelitas; ali, cada uma delas relega o que a desonra, de onde não é difícil inferir quão puro deve ser o grupo de pessoas que freqüenta essa casa. Bêbados, devassos, sodomitas, jogadores; são esses, mais ou menos, os nobres integrantes desse grupo, reclusos que, nesse asilo escandaloso, o quanto podem ofertam a Deus almas que o mundo rejeita. [...]Havia muito o padre Gabriel, um dos santos desse eremitério, cobiçava certa mulher de Menerbe, cujo marido, um rematado corno, chamava-se Rodin [...]No que tange ao sr. Rodin, este era homem bom, o que se poderia chamar um burguês honesto; contudo, não muito seguro das virtudes de sua cara-metade, era ele sagaz o bastante para saber que o verdadeiro modo de se opor às enormes protuberâncias que ornam a cabeça de um marido é dar mostras de não desconfiar de os estar usando; [...] Era um verdadeiro modelo dos filhos de Elias, esse padre Gabriel: dir-se-ia que toda a raça humana podia tranqüilamente contar com ele para multiplicar-se; um legítimo fazedor de filhos, espadaúdo, rosto perverso e trigueiro, sobrancelhas como as de Júpiter, tendo seis pés de altura e aquilo que é a característica principal de um carmelita, feito, conforme se diz, segundo os moldes dos mais belos jumentos da província. A que mulher um libertino assim não haveria de agradar soberbamente?
O Padre Gabriel elabora então um plano para despistar o corno Sr. Rodin e ter tempo suficiente para profanar com a senhora sua esposa. Diz que precisa visitar um devedor seu para poder cobrar-lhe dívida e não podendo deixar de realizar a missa, pede para seu amigo Rodin a celebrar em seu lugar. Temeroso com as leis e regras religiosas esse pergunta-lhes sobre o pecado que tal ato configurava e o Padre, retrucava dizendo que o que importava era sua fé, a fé no ato limparia qualquer erro e finaliza :
...-eu, por exemplo, se nas vezes em que realizo a cerimônia penso mais nas moças ou nas mulheres da assembléia do que no diabo dessa folha de pão que revolvo em meus dedos, acreditais que faço algo acontecer? Seria mais fácil eu crer no Alcorão que enfiar isso na minha cabeça. Vossa missa será, portanto, quase tão boa quanto a minha; assim, meu caro, agi sem escrúpulo, e, sobretudo, tende coragem.
- Pelos céus, - diz Rodin - é que tenho uma fome devoradora! Ainda faltam duas horas para o almoço!
- E o que vos impede de comer um pouco? Aqui tendes alguma coisa.
- E a tal missa que é preciso celebrar?
- Por Deus! O que há de mal nisso? Acreditais que Deus se há de macular mais caindo numa barriga cheia em vez de numa vazia? O diabo me carregue se não é a mesma coisa a comida estar em cima ou embaixo! Meu caro, se eu dissesse em Roma todas as vezes que almoço antes de celebrar minha missa, passaria minha vida na estrada. Além disso, não sois padre, nossas regras não vos podem constranger; ireis tão-somente dar certa imagem da missa, não ireis celebrá-Ia; conseqüentemente, podereis fazer tudo o que quiserdes antes ou depois, inclusive beijar vossa mulher, caso ela aqui estivesse; não se trata de agir como eu; não é celebrar, nem consumar o sacrifício.
- Prossigamos - diz Rodin - hei de fazê-lo, Podeis ficar tranqüilo.
Após tudo acertado
- Pelo sangue de Cristo, sim, mimosa - responde o carmelita, atirando a sra. Rodin ao leito - sim, alma pura, fiz de seu marido um padre, e, enquanto o farsante celebra um mistério divino, apressemo-nos em levar a cabo um profano...
O monge era vigoroso; a uma mulher, era difícil opor-se-lhe quando ele a agarrava: suas razões, por sinal, eram tão convincentes... ele se põe a persuadir a sra. Rodin, e, não se cansando de fazê-lo a uma jovem lasciva de vinte e oito anos, com um temperamento típico da gente de Provença, repete algumas vezes suas demonstrações.


O Marido que recebeu uma lição

Sade, no conto do marido que recebeu uma lição trabalha com a sodomia.

Um homem já na decadência pensou em se casar embora até aquele momento tivesse passado sem mulher, e é possível que a coisa mais tola que fez, de acordo com os seus sentimentos, tenha sido unir-se a uma jovem de dezoito anos, com o rosto mais atraente do mundo e com a cintura não menos proveitosa. Bernac - esse era o seu nome -, fazia tolice ainda maior desposando uma mulher, porquanto se exercitava o menos possível nos prazeres que concede o himeneu[20], e muito faltava para que as manias por que trocava os castos e delicados prazeres dos laços conjugais agradassem a uma jovem do porte da srta. Lurcie, pois assim se chamava a infeliz a quem Bernac acabava de participar seu destino.
Desde a primeira noite de núpcias, ele relatou suas preferências à jovem esposa, após tê-la feito jurar nada revelar aos pais dela; tratava-se assim diz o célebre Montesquieu - de procedimento ignominioso que leva de volta à infância: a jovem mulher, na postura de uma menina que merece um corretivo, se prestava então por quinze ou vinte minutos, mais ou menos, aos caprichos bestiais do velho esposo, e era à vista dessa cena que ele conseguia experimentar a deliciosa embriaguez do prazer que todo homem mais bem organizado que Bernac decerto teria desejado sentir apenas nos braços encantadores de Lurcie.
A Srt Lurcie, acaba por não mais agüentar a situação e reclama a seu primo que de um jeito de castigar o senhor Bernac.
...era o sinal: no mesmo instante, nossas quatro malandras saltam sobre Bernac, armadas cada uma de um punhado de varas; retiram-lhe as calças, duas delas o imobilizam, e as outras duas se alternam para fustigá-lo e enquanto o molestam vigorosamente:
- Meu caro primo - exclama d'Aldour -, não vos disse ontem que seríeis servido a contento? Não imaginei nada melhor para agradar-vos do que devolver-vos o que dais todos os dias a essa encantadora mulher; vós não sois bastante bárbaro para fazer-lhe uma coisa que não gostaríeis de receber; assim, orgulho-me de fazer-vos minha corte; falta ainda uma circunstância, portanto, à cerimônia; minha prima, segundo dizem, embora há muito esteja ao vosso lado, ainda é tão virgem como se vós tivésseis vos casado apenas ontem; tal abandono de vossa parte provém unicamente da ignorância, seguramente; garanto que é por que não sabeis como proceder... vou mostrar-vos, meu amigo.
Ao dizer isso, tendo ao fundo uma agradável música, o homem fogoso deita sua prima na cama e a torna mulher aos olhos de seu indigno esposo... Só nesse momento termina a cerimônia.


A pudica ou o encontro imprevisto

A história de Sernenval, senhor, casado com uma jovem, que de tamanha pudicícia e recato, com seu marido não permite nenhum contato corporal:

...e, mesmo nos momentos em que ela condescendia conceder-lhe esse favor, era sempre com excessiva reserva, - uma camisola que jamais despia. Uma abertura artisticamente acrescentada ao pórtico do templo do hímen só permitia a entrada com as cláusulas expressas de nenhuma apalpadela desonesta, e de nenhuma conjunção carnal.
Mas, tal comportamento apenas enfurecia o Senhor Sernenval, e diante da argumentação da mulher do recato provinha do fervor religioso, e sabido das peripécias nos interiores dos conventos e igrejas, seu Serneval a acusa de nada fazer contra os padres, e o choro da mulher de convém como um sim, um sim de uma mulher fraca incapaz de negar-se diante uma ordem vinda de um clérigo.
Um amigo de velhos tempos de Serneval, Desportes, vai a cidade de Sernenval e pede ajuda a seu antigo amigo para ter uma noite com uma boa prostituta da região. O Sr Sernenval o apresenta a uma senhora que intermédia o encontro, contudo diz ao amigo, Desportes que não participará, pois não lhes convinha tal ato com a esposa que tem. Desportes ri levemente de seu amigo e, após, combinar preço e da senhora assegurar que a mercadoria era de primeira ele marca hora fecha negócio. Na hora e no dia marcado:
...soa a hora; nossos dois amigos chegam à casa de sua encantadora alcoviteira; um boudoir, onde reina apenas uma luz tênue e luxuriosa, guarda a deusa, lugar onde Desportes vai oferecer em sacrifício.
- Felizardo filho do amor, - diz-lhe Sernenval, empurrando-o para o santuário - voa para os braços voluptuosos que a ti se estendem, e só depois me vem falar de teus prazeres; regozijar-me-ei por tua felicidade, e minha alegria será ainda mais pura porque não serei absolutamente invejoso.
Nossa catecúmena aparece; três horas inteiras mal bastam à sua homenagem; ele retorna, enfim, para assegurar a seu amigo que em sua vida nada viu de semelhante, e que a própria mãe dos amores não lhe teria proporcionado tantos prazeres.
- Ela é, portanto, deliciosa - diz Sernenval, meio inflamado.
- Deliciosa? Ah, não encontraria expressão que te pudesse reproduzir o que ela é, e mesmo agora que a visão deve esvanecer-se, sinto que não há pincel capaz de pintar as torrentes das delícias que me inundaram. Ela acrescenta às graças que recebeu da natureza essa arte tão sensual que lhes confere validade; conhece um certo tempero, possui no gozo tão real ardor que ainda me encontro inebriado... Oh! meu amigo, experimenta, rogo-te, por mais habituado que estejas às belezas de Paris, estou bem seguro de que me confessarás que nunca alguma outra valeu, a teus olhos, o preço desta aqui.
Sernenval, sempre firme, contudo emocionado por certa curiosidade, pede a S. J. para que faça passar essa moça diante dele, no momento em que sair do aposento... Ela consente, os dois amigos mantêm-se de pé para a poder observar mais, e a princesa passa com altivez...
- Pelos céus, - Sernenval transtorna-se quando reconhece sua mulher - é ela... é essa pudica que, não ousando descer dos seus aposentos por pudor diante de um amigo de seu esposo, tem a impudência de vir se prostituir em tal casa.
- Miserável! exclama, furioso...
Mas é em vão que tenta se lançar sobre essa pérfida criatura; ela o reconhecera bem no momento em que foi vista, e já ia longe da casa. Sernenval, num estado difícil de expressar, quer incriminar S. J.; esta se desculpa por sua ignorância, ela assegura Sernenval que há mais de dez anos, isto é, bem anteriormente ao casamento desse infortunado, essa jovem criatura participa de encontros em sua casa.


Há lugar para dois

A Senhora Dolmène, insatisfeita com a pouca virilidade com que seu marido cumpria seus compromissos, usualmente recorria a amantes para lhe acalmar. Conhecedora dos segredos do prazer, confidenciava a algumas de suas amigas que gostava muito que os momentos de prazer se sucedessem em curtos períodos, a depois de muito meditar concluira que dois deveriam dar mais prazer que um.

Dolmène tinha dois amantes corriqueiros, Des-Rouse e Dolbreuse.
Em geral, Des-Rouse comparecia primeiro e em segundo Dolbreuse, quis o destino que em uma ocasião, Des-Rouse atrasou-se e Dolbreuse chegou mais cedo:
...por obra de um capricho bastante bizarro - mas tão comum entre os homens - nosso jovem militar, cansado do papel de amante, quis, por uns momentos, representar o da amante; em lugar de ser amorosamente abraçado por sua divindade, quis, por sua vez, abraçá-la: em resumo, o que está embaixo, coloca-o em cima, e, por essa inversão de posição, inclinada sobre o altar onde normalmente se oferecia o sacrifício, era sra. Dolmène que, nua como a Vênus calipígia, e encontrando-se estendida sobre seu amante, apresentava, diante da porta do quarto onde se celebravam os mistérios, o que os gregos adoravam com devoção na estátua que acabamos de mencionar, essa parte mui bela que, em suma - sem sair à procura de exemplos tão remotos - encontra tantos adoradores em Paris. Tal era a atitude quando Dolbreuse, acostumado a entrar sem dificuldade, chega cantarolando, e vê por um ângulo o que uma mulher verdadeiramente honesta não deve, segundo dizem, jamais mostrar.
O que teria causado grande prazer a muitas pessoas fez com que Dolbreuse recuasse.
- O que vejo? - exclamou - ... traidora... é isso que me reservas?
A sra. Dolmène que, naquele momento, se encontrava numa dessas crises em que uma mulher age infinitamente melhor do que raciocina, resolve mostrar-se audaciosa:
- Que diabo tens tu, - diz ela ao segundo Adônis - sem deixar de se entregar ao outro - não vejo nisso nada que te cause muito pesar; não nos perturbes, meu amigo, e contenta-te com o que te resta; como bem podes notar, há lugar para dois.
Dolbreuse, não conseguindo deixar de rir-se do sangue-frio de sua amante, pensou que o mais simples era seguir o conselho dela, não se fez de rogado, e dizem que os três lucraram com isso.


Enganai-me sempre assim

Um curto conto contando um aventura de um cardeal que tem um acorde com uma madame cuja profissão é fornecer ao devassos objetos necessário as suas paixões. Era do gosto cotidiano do padre que se levasse uma jovem de no máximo treze ou catorze anos. Contudo uma vez, conscientemente a senhora travestiu um menino, impendida ao menos do que não pode retirar o tinha ente as pernas,contudo o cardeal não haveria de notar, pois era sabido dela que ele não utilizava do que poderia estragar a menina para negocia-la novamente, ou seja, o cardeal apenas a aproveitava em sodomia.

...a mãezinha se equivocara; decerto ignorava que um cardeal italiano era homem de tato muito delicado, e gosto apurado o bastante para se enganar em semelhantes coisas; chega a vítima, o grande padre a imola, mas ao estremecer pela terceira vez:
- Per Dio santo, - exclama o homem de Deus - sono ingannato, questo bambino è ragazzo, mai non fu putana!
E ele verifica... Contudo, nada acontecendo de muito embaraçoso para um habitante da santa cidade nesse lance aventuroso, sua eminência prossegue, dizendo, talvez, como esse camponês a quem se serviu trufas como batatas: Enganai-me sempre assim. Mas quando a operação terminou:
- Senhora, - diz ele à aia - não vos censuro por vossa confusão.
- Monsenhor, desculpai-me.
- Como vos disse, não vos censuro, mas quando isso acontecer-vos de novo, não deixai de advertir-me, porque... o que eu não vir no primeiro momento, verei neste aqui.
O esposo complacente
Também por um pequeno “infortúnio”, acaba um príncipe tendo seus gostos sodomitas realizados.
...toda a França sabia que o príncipe de Bauffremont tinha mais ou menos as mesmas preferências do cardeal de quem acabo de falar. Haviam dado a ele em matrimônio uma mocinha assaz inexperiente, e que, segundo era costume, só foi instruída às vésperas.
- Sem mais explicações, - diz a mãe - pois que a decência me impede de ocupar-me de certos pormenores, tenho uma única coisa a recomendar-vos, minha filha; desconfiai das primeiras propostas que vosso marido vos fizer, e dizei-lhe, veemente: Não, senhor, não é por aí que se aborda uma mulher honesta; em qualquer outro lugar que vos agrade, mas, certamente, aí não...
Vão ao leito e, por uma norma do decoro e da honestidade sem margem para dúvida, o príncipe, querendo fazer as coisas conforme com os costumes, ao menos pela primeira vez, oferece à sua mulher apenas os castos prazeres do himeneu: mas a jovem bem educada, lembrando de sua lição:
- Por quem me tomais, senhor? - diz-lhe - pensais que eu consentiria essas coisas? Em qualquer lugar que vos agrade, mas, certamente, aí não...
- Mas senhora...
- Não, senhor, inútil insistirdes, nunca me fareis mudar de opinião.
- Pois bem, senhora, devo contentar-vos, - diz o príncipe apropriando-se de seus altares preferidos - eu ficaria bem zangado se dissessem que alguma vez eu quis vos desagradar.
E venham nos dizer agora que não é necessário instruir as moças quanto às obrigações delas, um dia, para com seus maridos!


O talião

Mas um conto que Sade além de expor a hipocrisia da sociedade tira escárnio com valores religiosos.

Até o presente momento, a sra. Esclaponville ignorava que existisse um modo de se vingar de um esposo infiel; casta como sua mãe, que vivera oitenta e três anos com o mesmo homem sem o trair, ainda era bastante ingênua, muito cheia de candura para sequer suspeitar desse crime horrendo que os casuístas denominaram adultério, [...] percebeu, enfim, que seu caro esposo visitava muito amiúde a prima em terceiro grau: o demônio do ciúme apodera-se de sua alma, ela espreita, informa-se e acaba por descobrir e poucas coisas podem ser constatadas em Saint-Quentin como o romance de seu esposo com a irmã Petronille, e suplica-lhe que abandone seus erros.
Responde-lhe o marido:
- Meus erros - responde fleumático o esposo ignoras, portanto, que me salvo, minha cara amiga, ao dormir com minha prima religiosa? - Purifica-se a alma em tão santo romance; trata-se de uma identificação com o Ser supremo; é incorporar em si o Espírito Santo: não há nenhum pecado, minha cara, quando estão envolvidas pessoas consagradas a Deus; elas depuram tudo o que se faz com elas e visitá-las, em suma, é abrir caminho à beatitude celeste.
Diante de tal argumento e seguindo o exemplo do marido.
...a sra. Esclaponville fez contato com o vigário; insensivelmente, o vigário também fez contato com a sra. Esclaponville, e os dois acabaram por se conhecer enfim de modo tão completo que teriam podido pintar-se mutuamente dos pés à cabeça sem que fosse possível se equivocarem quanto ao corpo.
Esclaponville descobre o caso por intermédio de um de seus amigos, flagra sua esposa e o vigário, contudo não os atrapalha, volta pra casa em silencio:
...Esclaponville torna a casa todo confuso, e, pouco depois, sua benigna esposa vem se apresentar para jantar ao lado de tão casta pessoa.
- Um momento, queridinha - diz o burguês furioso - desde minha infância jurei a meu pai nunca jantar com putas.
- Com putas - responde complacentemente a sra. Esclaponville -, meu amigo, esse comentário me surpreende; que motivo tens para tal censura?
- Como, sem-vergonha, que motivo tenho para te censurar? Que foste fazer esta tarde no banho com o nosso vigário?
- Oh, meu Deus - responde a doce mulher -, é apenas isso, meu filho? É apenas isso que tens a me dizer?
- Como, por Deus, é apenas isso...
- Mas, meu amigo, eu segui teus conselhos; não me dissestes que nada se arrisca quando se dorme com pessoas da Igreja? Que depuramos nossa alma em tão santo romance? Que tal ato equivalia a identificar-se ao Ser supremo, fazer entrar o Espírito Santo em si, e abrir caminho, em resumo, à beatitude celeste... pois bem, meu filho, só fiz o que me disseste; sou, portanto, uma santa, não uma meretriz! Ah! Respondo-te que se a alguma dessas boas almas de Deus é dado um meio de abrir caminho, como disseste, à beatitude celeste, esse meio é certamente o sr. vigário, pois nunca vi uma chave tão grande!


O professor filósofo

Com ironia ainda maior que o conto anterior, o Divino Marquês é ainda mais contundente no escárnio dos mistérios religiosos do cristianismo. Demonstrando a dificuldade que é por na cabeça de um jovem a unidade de Pai e Filho, Sade conta a historia de um aluno que pede para seu professor lhe demonstrar de maneira que pudesse entender como dois pode ser um:

...o honesto abade, orgulhoso de obter êxito em sua educação, contente de poder proporcionar ao aluno tudo o que poderia fazer dele, um dia, uma pessoa de bem, imaginou um meio bastante agradável de dirimir as dificuldades que embaraçavam o conde, e esse meio, tomado à natureza, devia necessariamente surtir efeito. Mandou que buscassem em sua casa uma jovem de treze a catorze anos, e, tendo instruído bem a mimosa, fez com que se unisse a seu jovem aluno.
- Pois bem, - disse-lhe o abade - agora, meu amigo, concebas o mistério da consubstanciação: compreendes com menos dificuldade que é possível que duas pessoas constituam uma só?
- Oh! meu Deus, sim, senhor abade, - diz o encantador energúmeno - agora compreendo tudo com uma facilidade surpreendente; não me admira esse mistério constituir, segundo se diz, toda a alegria das pessoas celestiais, pois é bem agradável quando se é dois a divertir-se em fazer um só.
O aluno, agrado da explicação, e ainda se fazendo confuso para poder novamente ter a mesma explicação roga ao professor para repetir o exercício:
Dias depois, o pequeno conde pediu ao professor que lhe desse outra aula, porque, conforme afirmava, algo havia ainda “no mistério” que ele não compreendia muito bem, e que só poderia ser explicado celebrando-o uma vez mais, assim como já o fizera. O complacente abade, a quem tal cena diverte tanto quanto a seu aluno, manda trazer de volta a jovem, e a lição recomeça, mas desta vez, o abade particularmente emocionado com a deliciosa visão que lhe apresentava o belo pequeno de Nerceuil consubstanciando-se com sua companheira, não pôde evitar colocar-se como o terceiro na explicação da parábola evangélica, e as belezas por que suas mãos haviam de deslizar para tanto acabaram inflamando-o totalmente.
- Parece-me que vai demasiado rápido, - diz Du Parquet, agarrando os quadris do pequeno conde muita elasticidade nos movimentos, de onde resulta que a conjunção, não sendo mais tão íntima, apresenta bem menos a imagem do mistério que se procura aqui demonstrar... Se fixássemos, sim... dessa maneira, diz o velhaco, devolvendo a seu aluno o que este empresta à jovem.
- Ah! Oh! meu Deus, o senhor me faz mal - diz o jovem - mas essa cerimônia parece-me inútil; o que ela me acrescenta com relação ao mistério?
- Por Deus! - diz o abade, balbuciando de prazer - não vês, caro amigo, que te ensino tudo ao mesmo tempo? É a trindade, meu filho... é a trindade que hoje te explico; mais cinco ou seis lições iguais a esta e serás doutor na Sorbornne.
Justine e os Infortúnios da virtude
Essa é uma obra clássica de Sade, um livro escrito com as mesmas características de seus contos, contudo, nele se encontra mais claramente o porquê do termo sadismo. Justine, uma jovem religiosa e recatada, enchida da virtude, e por culpa dessa sua inocência, passa pelas inúmeras perversidades, muitas delas inclusive causadas por clérigos. Na passagem a seguir podemos ter noção de como se dá a estória de Justine:
[...] Este, llamado padre Severino, era un hombre alto y de una belleza áspera, cuyos rasgos juveniles y físico robusto desmentía su edad verdadera, cincuenta y cinco años. El acento musical que adornaba sus palabras sugería su origen italiano, y la gracia de sus movimientos tenía ese estilo que se suele achacar a esa raza de libertinos. [...] El pasillo carecía de luz, y el padre Severino, apoyándose en una pared para orientarse, empujó a Justine por delante. Pasándole un brazo por la cintura, deslizó la otra mano por entre sus piernas y exploró las partes púdicas hasta que localizó el altar de Venus. Allí aferró su mano hasta que llegaron a la escalera que conducía a una habitación que estaba dos pisos más abajo de la iglesia. El cuarto estaba espléndidamente iluminado, y amueblado con gran lujo. Pero Justine apenas observó lo que la rodeaba pues sentados alrededor de una mesa en el centro de la sala se encontraban otros tres frailes y cuatro muchachas... ¡los siete totalmente desnudos!
–Caballeros –anunció el padre Severino–, nuestra compañía se verá honrada esta noche por la presencia de una muchacha que lleva a la vez en el hombro la marca de la prostituta y en el corazón la candidez de un infante, y que encierra todo su ser en un templo cuya magnificencia es un deleite contemplar–. Y pasando por detrás de ella, encerró sus senos entre las manos.
[...] Entonces, una vez pasado aquel instante de brutalidad, volvió a sitiar la ciudadela, apretando, ensanchando y empujando a la fuerza una y otra vez hasta que, finalmente, el baluarte cayó. Un horrendo grito de agonía llenó la sala cuando el monstruo invasor desgarró los intestinos de la joven. Palpitante y agitado, el escurridizo reptil lanzó hacia adelante su veneno y después, privado de su rigidez, se rindió a los frenéticos esfuerzos de la joven para expulsarlo. El padre Severino, lívido de furor al verse imposibilitado para mantener el asedio, cayó al suelo inconsolable. [...] Levantándola por el aire con un solo brazo, el gigantesco sacerdote la tendió sobre sus rodillas; entonces, agitando airosamente un látigo, le cruzó tres veces las nalgas. Justine se retorció bajo el ardor de los golpes, pero sus penas sólo habían comenzado, pues el padre Clemente sólo estaba haciendo una prueba. Entonces, satisfecho con su postura y con la forma en que tenía asido el látigo, el odioso fraile alzó el arma de largas lenguas muy por encima de su cabeza y la dejó caer con fuerza sobre la joven. Los bordes cortantes del cuero rebanaron sin piedad toda su carne, dejando brillantes líneas de sangre a su paso; el dolor era tan fuerte que el grito de la pobre niña se ahogó en su garganta. Excitado por la visión de sangre, el bárbaro padre Clemente la azotó entonces con furia vesánica. Ninguna parte de su cuerpo quedó a salvo de su bestialidad. Brillantes, rojos arroyuelos le corrían por la espalda, desde los hombros hasta las nalgas, y rodeaban sus muslos como finas culebrillas de color carmesí. Más excitado aún por este espectáculo, el vicioso sacerdote la forzó a colocarse boca arriba, y pegó su odiosa boca a la de ella, como si tratara de arrebatarle de los pulmones los gritos que su látigo no había podido arrancarle. Alternativamente le chupaba la boca y le golpeaba el abdomen, y cuanto más se agitaba y se debatía Justine en su angustia, más satisfecho parecía él. A veces le mordía los labios, otras le pellizcaba las nalgas, después le golpeaba el pecho con la barbilla, seguidamente le rasguñaba el vientre, pero su furia no parecía aplacarse con nada. Estando los labios de Justine entumecidos ya por tanto mordisco, y su abdomen encarnado por los golpes y arañazos, el diabólico Clemente concentró sus ataques contra los pechos. Amasaba con los dedos los globos de maravillosa suavidad, los apretaba con las palmas de sus manos, los estrujaba el uno contra el otro y después tiraba de ellos para apartarlos; pellizcaba los pezones, metía la cara en el surco que los separaba y mordía su circunferencia. Finalmente, en un alarde de ferocidad, metió uno dentro de su boca y lo mordió con toda fuerza. Nuevamente llenaron el aire los alaridos de Justine y, mientras el padre Clemente levantaba el rostro, lleno de gozo, dos chorros de sangre le corrían por las comisuras hasta la barbilla.


Considerações Finais

Este trabalho, fundamentado no painel requerido pelo Professor Severino Vicente, diante sua visão abrangente da História Moderna, na qual nos possibilitou, entender e acrescentar nossos pontos de vistas nesse assunto que jamais, provavelmente, deixará de ser um determinante do homem e de suas próprias relações, consigo mesmo e com demais. O sexo, pelo que vimos em nossa pesquisa, é, foi e será um assunto vivo e pulsante na sociedade humana.
A ocidentalidade viu, no decorrer de séculos, as transformações comportamentais do homem e da mulher e suas variações (homossexualidade, lesbianismo, sodomia, prostituição,... ) Caracterizada por uma repressão milenar, a sexualidade do homem ocidental, modificou-se tão profundamente quanto as relações políticas, sociais, econômicas, religiosas, em fim, sendo parte intima da cultura humana a sexualidade não poderia deixar de transforma-se junto com o homem.
Referências Bibliográficas:
TANNAHILL, Reay.. O Sexo na Historia. Francisco Alves Editora: Rio de Janeiro, 1983.
Marques de Sade. Contos Libertinos (acervo pessoal).
[1] TANNAHILL, Realy .História do sexo pg. 149
[2] Ibdem pg. 150
[3] Op Cit . 156.
[4] Op. Cit pg. 173.
[5] TANNAHILL, Reay. O Sexo na Historia. Francisco Alves Editora: Rio de Janeiro, 1983. p. 314
[6]Idem. p. 316.
[7] Op. Cit. p. 317.
[8] Idem. p. 318.
[9] TANNAHILL, Reay. O Sexo na Historia. Francisco Alves Editora: Rio de Janeiro, 1983. p. 317.
[10] Idem. p. 319.
[11] Ibdem. P.319.
[12] Ibdem. P.319 – 320.
[13] Op. Cit. p.321.
[14] Idem. p.325.
[15] Op. Cit. p. 328.
[16] Op. Cit. p. 333.
[17] O sadismo adquiriu alguns significantes distintos mas em comum é uma parafília que se característica por obter prazer mediante humilhação, dor e sofrimento ao parceiro.
[18] TANNAHILL, Reay. O Sexo na História, pág 368.
[19] Referência a poetisa Safo que de tamanha personalidade acabou por ser temida pelo ditador Pitaco e se exilou na Ilha de Lesbos, fundando lá uma escola de ensino exclusivo às mulheres, lá aprendendo desde maneiras até conhecimentos sexuais. Daí vem o termo lesbianismo.
[20] Quando Sade utiliza o termo himeneu ele se refere ao tradicional ato do sexo convencional, o sexo vaginal. E termo é da antiguidade clássica , cujo no mito, se não houvesse a visita do Himeneu o casamento certamente seria desastroso.