terça-feira, fevereiro 28, 2023

UMA VIAGEM PARA VER O PASSADO NO PRESENTE.

UMA VIAGEM PARA VER O PASSADO NO PRESENTE. Prof. Severino Vicente da Silva, Professor Associado UFPE; sócio correspondente do IHAGGO, sócio da CEHILA, sócio do IHO. Após as delícias do carnaval, este mês terminou com uma experiência desejada, faz tempo: conhecer alguns engenhos da antiga Capitania de Itamaracá no município de Goiana. Quando conversamos sobre o Goiana, quase sempre nos voltamos ao seu passado e, mais explicitamente, sobre os seus aspectos externos, o material artístico, arquitetônico construído na parte central da cidade, os lugares para onde se dirigiam os que iam cultuar a sua religião, seus santos e seu Deus. Esses lugares importantes testemunhas da longa, e ainda curta, história dos brasileiros, refletem a riqueza que era produzida nos canaviais e engenhos desde o tempo que os portugueses tomaram para si as terras dos tabajara, dos caeté tantos outros povos que viviam na região. Mas ainda hoje esses canaviais são importantes fonte de riqueza para a município. Sempre quis saber onde estão, com estão, qual o segredo que hoje escondem esses canaviais que vemos da janelas dos ônibus ou dos automóveis particulares, ao cruzarmos essa BR 101. O que há além dessa paisagem? O Instituto Histórico Arqueológico Geográfico de Goiana – IHAGGO, promoveu a realização desse desejo. No dia 25 de fevereiro, saímos em 20 pessoas para conhecer três engenhos: Miranda, Itapirema do Meio e Itapirema de Cima. Miranda é um engenho está localizado próximo à rodovia PE &@, na direção de Condado que, antigamente, era Goianinha. A Casa Grande que visitamos não é a original, e recentemente foi vitalizada, e apresenta mobiliário do século XIX e XX. Fomos recebidos com atenção pelos proprietário que, à medida que falavam da família, nos indicavam os pontos que eles organizaram para mostra, desde a sala de entrada até à cozinha. Observamos o cuidado na restauração do imóvel, ainda que não tenha sido recuperada com a assistência de restauradores profissionais. Há uma segunda casa senhorial, não recuperada, que apresenta melhor como se vivia no início do século XX em casa anterior à chegada do ferro e vidros. Esses apetrechos chegaram com os acenos da Revolução Industrial. Mais abaixo está situada a Moita, ou que resta dela, pois foi reordenada para ser uma cocheira, um recolhimento para os bois. Com a morte do fogo, o engenho passou a fornecer cana para as usinas, e fez o trajeto de mudança do carro de boi para o caminhão, como atesta a pequena oficina de manutenção próxima à casa do administrador. O Engenho Miranda também está mais conhecido pela particularidade de que, em sua capela, dedicada à Senhora Santana, encontra-se os restos mortais da família, especialmente de uma adolescente que tem sido cultuada como santa, a Xaninha, morta na epidemia ocorrida nos anos sessenta e setenta do século XIX. Dela é dito que tinha grande preocupação pelos escravos trabalhadores do engenho. Na segunda metade do século XX seu culto foi ativado e pequenas romarias eram realizadas duas vezes por mês, com missa, até o período da epidemia de COVID. Pelo que ouvimos, os proprietários estão interessados em tornar mais comum as missas, pois a presença de público ajudaria a preservação do espaço. Em seguida voltamos ao canavial e seguimos em direção ao Engenho Itapirema do Meio, onde chegamos já um pouco depois das 11 horas. As estradas de cana estavam molhadas da chuva recente, vimos que houve queimada recente, mas não encontramos nenhum caminhão de transporte. É dito que Dom Pedro II ficou hospedado nesse engenho, quando se dirigia à Goiana. Mas a casa grande que encontramos não reflete a antiguidade, esperada, mas parecendo ser uma construção do início do século XX, como pode ser observada pela data da capela, 1913, e pela chaminé da usina, que ostenta a data de 1937. Vimos que foi construída pequena vila para os trabalhadores no local onde pode ter existido a construção a que se refere a tradição, mas apenas escavações arqueológicas poderão sanar essa dúvida. A casa grande, não colonial, está sendo bem cuidada e não tivemos a permissão de nela entrar. Foi Itapirema de Cima o nosso terceiro destino, o que nos levou a atravessar o povoado de Sapé, onde pudemos observar, de passagem, a feira semanal, restos do posto de televisão comunitária que era comum nos anos de 1970, que hoje serve de praça. Notamos que o povoado é bem surtido em serviços como mercados, escola, manicure, barbearia, mercado municipal. Esse povoado, como outros da região da Mata Norte, é formado pelos descendentes dos escravos. Mutatis mutantes, essas periferias são as antigas senzalas, distantes dos olhos dos senhores que não desejam ver o que a cana produz com o açúcar, o melaço, a cachaça e o vinagre. Após Sapé, seguimos pelo canavial até o Engenho, com sua majestática Casa Grande, construída acima de todos. Passamos pelo rio que fazia girara a roda da moenda do engenho, encontramos gado solto pastando e, chegamos à Casa Grande que só não está completamente abandonada porque seus proprietários contratam pessoas para lá viverem e evitar a sua destruição. Atualmente é um casal que cuida da casa que está quase em ruínas. Com andar térreo, local da oficina e onde teria sido posto um depósito de açúcar. Para ter acesso à parte superior, seja dizer, a residência, com mais de uma dezena de cômodos, subimos um escada com vinte degraus, de cada lado; abaixo do encontro dos degraus há espaço para um nicho onde, nos tempos de ouro, deveria ter sido a morada de algum santo protetor. Na parte posterior da casa grande está um pomar e a capela do engenho, completamente dominada por caca de morcegos, e parece ter sido transformada em local para guarda de fertilizante. Comi deliciosa goiaba, arrancada do pé por Josué. Um brinde especial nos foi ofertado por Basílio Augusto que nos levou a um local que a tradição aponta como sendo o início de um túnel que teria sido construído pelos holandeses, ligando o Itapirema de Cima ao Engenho Ubu. São muitas as questões a serem levantadas em torno dessa tradição, baseada em escrito de Pereira da Costa que quase sempre oculta os sujeitos das ações e os documentos de onde tira as informações. Fala-se de minas de ouro, existência de vulcões, etc, mas tudo dito em frase de sujeitos ocultos, quais fantasmas. O buraco que vimos é capaz de passar o corpo de um jovem adolescente e tem a profundidade de cera de 1.70cm. Agradeço aos amigos do IHAGGO pela oportunidade de conhecer o mundo que se esconde nos canaviais. Em cada um desses locais visitados foram lidos textos alusivos, ora pelo professor Bartolomeu e Victor Romanelli, tudo registrado pelas múltiplas câmeras de nossos fotógrafos.