domingo, dezembro 30, 2007

A Casa de Xambá continua inventando o Brasil

Restando poucos dias para o final do ano 2007, a Secretaria de Cultura da Prefeitura de Olinda reconheceu e delimitou um Quilombo Urbano, em um espaço geográfico, no bairro de Beberibe, em um logradouro conhecido como Portão do Gelo. Essa ação é um reconhecimento à saga de um espaço religioso como local de resistência cultural. A Casa de Xambá, hoje liderada pelo Pai Ivo, é a saga de Dona Biu, brava mulher que manteve a tradição de seus ancestrais, transmitindo-a para as novas gerações. A Casa de Xambá, sob a proteção de Santa Bárbara, é um referencial para as tradições que atravessaram o oceano Atlântico nos tumbeiros e formaram, juntamente com os ditos índios, com os europeus e mamelucos, esse mundo cultural que é o Brasil.

A Casa de Xambá, além da relação com a formação grande nação brasileira, tem uma ligação mais estreita com a história de Olinda, em um momento mais recente. Quando, no início do século XX, as várzeas do Rio Beberibe ainda não estavam totalmente tomadas pela expansão das moradias, Dona Biu estabeleceu-se com seus familiares, atraindo, durante o Estado Novo, a repressão policial contra as manifestações religiosas de matrizes africana e indígena. A política centralizadora, de cunho fascista, não admitia dissensões, entre elas a religiosa. A bravura de Dona Biu, a sua capacidade de resistência, como a de outras mulheres em outros locais da cidade de Olinda, mas também no Recife - como é o caso de Badia, no Pátio do Terço, foram fundamentais para o aperfeiçoamento da construção cultural olindense, pernambucana e brasileira, afirmando, com a existência da Casa de Xambé, a presença fundadora dos cultos de origem africana para o povo brasileiro.

O primeiro Quilombo Urbano do Brasil é uma afirmação do povo brasileiro. Um povo que agrega, na bela tradição ibérica, uma tradição mais includente que excludente. Como todas as tradições, ela é gerada na dor, mas dores geradoras de novas maneiras de viver.

sexta-feira, dezembro 28, 2007

13 de dezembro

O dia 13 de dezembro de 1968 ficou inesquecível para toda uma geração e trouxe conseqüências nem sempre agradáveis nos anos seguintes para todos nós. Naquela tarde, o Congresso Nacional foi fechado porque se recusou a permitir que o poder executivo o dominasse, o controlasse e estipulasse o que poderia ser limites mínimos para o exercício democrático. Todos nós sabemos que, por causa da atitude honrada daqueles congressistas, o executivo de plantão levou o Brasil a um dos momentos mais cruéis de nossa vida democrática. Foram muitos os jovens que sentiram as terríveis conseqüências do Ato Institucional de número 5, editado pelos ditadores.

39 anos depois, alguns desses jovens, agora à frente do poder executivo nacional, pressionaram o congresso para que ele se curvasse aos seus interesses. No dia 13 de dezembro deste ano de 2007, depois de quase um ano de subserviência aos desejos do executivo, absolvendo um senador para que os interesses do executivo não fossem prejudicados por alguma chantagem, ou talvez porque alguns senadores estivessem sob chantagem, o Senado promoveu o fim de uma contribuição provisória que estava se tornando permanente. É verdade que o fim da CPMF pode vir a prejudicar o Sistema Único de Saúde, mas, o mais importante é que o executivo foi proibido de impor um novo silêncio ao parlamento.

Lamentável que aqueles que lutaram contra a ditadura imposta pelo AI 5 estivessem sendo aconselhados por aqueles que escreveram o AI, nesta pendenga da CPMF. Mas o 13 de dezembro de 2007 terminou com o fortalecimento do Senado, diferentemente do 13 de dezembro de 1967.

Talvez a batalha da CPMF venha a ter conseqüências negativa para o SUS, mas será retaliação dos que acham que podem conseguir tudo com a utilização do bens do Estado como moeda de compra de consciência. Essa data vai se tornando símbolo da resistência do parlamento aos desmandos do executivo.

Sobre Aluísio Lorscheider

Estive pensando em escrever um texto sobre dom Aluísio, um dos mais importantes servidores da Igreja Católica e dos homens e mulheres que conoheci. Foram poucos os meus contatos com ele, mas sei da sua importância para cada um de nós. A sua ação foi enorme no mundo dos poderosos, embroa ele jamais tenha deixado de ser um humilde servo da humanidade. Recebi, por intermédio de Guilheermo, um amigo comum a mim a a Eduardo, este texto de Eduardo que o conheceu melhor e que conviveu mais aproximado de domAluísio. Assim, apenas ratificando o anoda morte de padre Henrique para 1969, o texto segue como foi escrito por meu amigo Edaurdo Hoornaert.


Dom Aloísio, um franciscano cardeal.

Eduardo Hoornaert.

Não é fácil ser ao mesmo tempo franciscano e cardeal. Desde cedo, Aloísio Lorscheider abraçou um ideal feito de emoção e fascínio por um caminho de vida diferente do padrão comum. O ideal é viver a vida como ‘irmão menor’ no meio dos homens e acreditar na utopia de uma fraternidade universal para além da humanidade, abraçando os animais ‘nossos irmãos’, as pedras e as estrelas. Ficar feliz na companhia de um Jesus que nasce num presépio, anda no meio do povo, sofre perseguição e morre na cruz, mas ressuscita e irradia uma luz que atravessa os séculos. Usufruir das coisas sem possuí-las e assim alcançar a liberdade, realizar a ‘perfeita alegria’ e tornar-se artista de Deus.
Eis o ideal franciscano que Aloísio Lorscheider viveu desde seus nove anos de vida. Mas suas potencialidades intelectuais e humanas o guindaram cedo ao posto de bispo, o que não deixa de ser estranho para um franciscano, pois a inspiração fundamental do episcopado não combina bem com o sonho franciscano. O bispo é o herdeiro do fiscal da sinagoga judaica. Ele não pode mostrar-se ‘menor’, tem de impor autoridade. Seu Jesus não anda no meio do povo, entra em procissão na catedral. Fica igualmente difícil a um bispo seguir o ideal de ‘usufruir sem possuir’, pois ele tem de administrar as propriedades da igreja.
Só relato brevemente uns episódios. Fiquei impressionado com a simplicidade com que ele se apresentou no Encontro Intereclesial das Comunidades de Base em Itaici (1981): ‘Eu sou da diocese de Dona Maria (coordenadora das Comunidades de Base de Fortaleza)’. Lembro-me de suas viagens à diocese-irmã de Rio Branco (Acre). Ele ficou um dia inteiro no meio de líderes das comunidades estudando o evangelho. Sabendo que eu estudava a história de Padre Ibiapina, manifestou vivo interesse pelo método inovador com que Ibiapina trabalhava com o povo. No longínquo ano de 1968, viajou a Recife para confortar Dom Helder Câmara depois do assassinato de padre Henrique pelas forças de repressão.
No meu entender, Aloísio Lorscheider foi antes de tudo um franciscano. O princípio franciscano do ‘usufruir sem possuir’ fez com que ele assumisse a função de cardeal sem propriamente ‘tomar posse’ do cardinalato. Dom Aloísio não era ‘cardinalício’, ele não ‘possuia’ o cardinalato como quem possui uma propriedade. Ele usufruía franciscanamente do cardinalato para espalhar idéias, fortalecer experiências na base da sociedade, soprar vida em brasas quase apagadas. Isso fez o charme de sua personalidade. As pessoas se sentiam bem na presença do franciscano cardeal que escolheu sentar-se lado a lado com animadores(as) de comunidade, desprovido de qualquer pretensão.

sábado, dezembro 22, 2007

Ética do natal brasileiro: entre a manjedoura e o saco de papai noel

Estamos em pleno período natalino, caminhando na direção do final do ano, momento que, para muito, é de reflexão, de avaliação das ações ocorridas ao longo do ano, na expectativa de encontrar aspectos positivos e negativos vivenciados. Embora as festividades natalinas devessem lembrar mais especificamente o nascimento de uma criança que, em sua vida provocou mudanças substanciais na vida de uma parte da humanidade, a cada ano este aspecto tem sido posto em local mais reservado, menos evidente. Ocorrem trocas de presentes, doações são feitas, não mais como resultado de um sentimento religioso. A cada ano parece sumir na memória a idéia da divindade da criança que deveria ser lembrada. O saco com presentes, carregados por um velhinho, é faz a alegria das pessoas, sonhadoras e consumidoras de delícias. Todos sonham com os presentes, com os objetos carregados pelo velhinho.

Entre os presentes deste ano, os brasileiros recebemos a informação que somos 184 milhões de pessoas, um número menor do que o esperado. Agora o crescimento populacional do Brasil é de 1,2% ao ano e as famílias são, em média, formadas por cerca de três pessoas. Dois dias antes soubemos que agora somos a sexta economia consumidora do mundo. Parte da população do Brasil tem mais aparelhos de telefonia celular, tem mais automóveis, tem mais televisores, enquanto parte da sociedade terá esgoto a céu aberto até meados do século e, o país ainda pode demorar mais de cem anos para garantir a educação média a todos os seus habitantes. Temos consumo de país rico e os eternos problemas de país pobre. Tem aumentado o consumo de bens industriais, mas temos um dos piores índices de escolaridade do continente, os nossos jovens estudam pouco, mas são mortos com a prontidão de um país em guerra. Entretanto cabe afirmar que temos feito alguns avanços na direção de escapar da mediocridade a que, alguns de nossos antepassados não muito distantes, quiseram nos condenar.

O grande sofrimento do ano foi a exposição absoluta da falta de vergonha dos políticos na tarefa de se autoabsolverem, absolvendo a tresloucada ética de um presidente do senado. Da mesma forma que em ano anterior o presidente da república absolveu seus colaboradores do crime de Caixa Dois partidário, com a desculpa de que todos fazem assim, este ano os senadores não se fizeram de rogado e continuaram na trilha apontada pelo honestíssimo presidente Luiz Inácio da Silva. A ética, como a religião, está se tornando um prato desses que se fazem em restaurante de auto serviço, ou self service. Mas o sofrimento ético, se depender do presidente da república e do presidente do PDT a falta de bom comportamento ético na administração pública de alto nível continuará. Interessante é que o Ministro do Trabalho ameaça processar a comissão de ética porque esta está exigindo que ele cumpra o Código de Conduta da Alta Administração Federal. Luppi é, ao mesmo tempo ministro e presidente de partido, o que é vedado pelo código de ética. O presidente da República deu posse ao ministro sabendo da irregularidade. É difícil acreditar que ele venha a demitir o ministro. Tudo é uma questão de ética. Uma ética para o consumo; de preferência consumo interno. Essa ética vem no saco do Papai Noel, mas não é encontrada entre as palhas de uma manjedoura na zona rural de Belém.

O menino que aniversaria no dia 25 de dezembro – segundo a tradição – nasceu na periferia e manteve tal comportamento que não mereceu estar entre os reis, embora hoje os reis o citem facilmente. Nascido em área rural, há quem festeje e consuma o aniversário daquele menino. É tudo uma questão de ética sob medida para a ocasião.

quarta-feira, dezembro 19, 2007

A importância do contraditório e não da briga pessoal

Escrevi, esta semana, considerações sobre a maneira das autoridades reagirem à análises que não lhe são favoráveis. Normalmente dizem que a crítica não deve ser considerada por que ela é proveniente da oposição. Ou seja, a oposição não pode criticar e os aliados devem sempre elogiar. Quando alguém que não é do ramo, oposição político partidária emite opinião, logo vem a acusação de que o crítico se vendeu.

Alguns dias antes, neste mesmo espaço, eu comentei a maneira de como a imprensa tratou e noticiou um festival, pondo toda a relevância na presença da Velha Guarda da Mangueira, em pleno canavial de Aliança. O que chamei atenção foi que a imprensa resolveu noticiar e colocar em realce a presença dos cantores, cantoras e passistas vindo do Rio de Janeiro, obnubilando as demais presenças naquele Festival.

Creio, que após os sucessos da revolução Francesa, da conquista do direito de opinião, da relativização de todas os locais sagrados das verdades e de seus fazedores, uma pessoa pode reagir ao que foi dito e escrito e publicado. Sempre que se publica deve-se esperar reações. Apenas os ditadores, os que se julgam senhores da verdade, ainda entendem que as reações sempre devam ser de apoio. Pois bem, o texto "a importância que se dá é a importância que se tem" após ser publicado no blog “passo do carnaval” , recebeu uma crítica que, creio foi escrita por uma jornalista. Transcrevo:

O texto do senhor Biu Vicente seria muito verdadeiro se o próprio não tivesse nenhum envolvimento com a organização do evento. Sabemos que ele é parente próximo de Valéria Vicente, uma das principais organizadoras do Festival. Portanto, ele é parte interessada, seu desabafo não é o de um mero espectador... é de parte envolvida, está comprometido. É a reclamação de quem não se sentiu prestigiado pela imprensa. No Recife isto acontece o tempo todo. Todos acham que suas criações e projetos são os melhores do mundo. Só Freud!

Assim respondi a Sra. Ou senhorita Paloma Granjeiro:

Não há porque negar que sou eu parte do festival, não por ser parente de Valéria Vicente, mas por ter sido coordenador dos debates. É desalentador procurar desautorizar, via parentesco, a opinião de alguém. Aliás, são tantos os parentescos nos espaços públicos de Pernambuco em certas áreas, que este argumento não deveria ser mencionado. Não é uma questão de desabafo, é uma questão de por em debate uma opinião, como os jornalistas podem colocar a sua opinião. Da mesma maneira que a minha opiniãopode ser dita com o a de um interessado, creio que os jornalistas também possuem os seus interesses; os jornalistas têm interesses, os blogs e blogeiros também o possuem. Não disse que sou mero espectador, pois ninguém é mero espectador de sua vida; entretanto sei que alguns querem achar que podem definir-se apenas como espectadores ou construtores da história. Somos todos, inclusive eu ePaloma, construtores, criadores e espectadores das nossas histórias pessoal e coletiva. E todos temos o direito de expressar a nossa opinião e não apenas aqueles que são pagos para isso.

Pois é, a minha opinião é que o foco que a imprensa deu foi errado, mas foi a opção realizada pela jornalista. Mas o seu foco não tem que ser necessariamente o meu, nem o meu ser o dela. Agora, querer debater idéias com acusações familiares, e em uma cidade em que muito é realizado em torno de piscinas familiares, é desatino de quem não tem argumento. E ainda por cima vem com essa de Freud! Argumento ainda mais típico da ausência de argumento, pois quem o usa quase nunca leu mais que as orelhas de livros que comentam a obra do criador da psicanálise. Mas como diz Paloma, “No Recife isto acontece o tempo todo” Quando não se tem argumento procura-se desqualificar a crítica. E nem se percebe que com isso se desqualifica.

O crescimento de nossa cidadania ocorrerá quando pudermos discutir idéias sem a necessidade de incorrer em argumentos infantis que tocam na família do oponente. Espero que Paloma Granjeiro apresente argumentos mais consistentes e inteligentes para a negligência das matérias jornalísticas. O jornalismo é uma profissão séria e uma das vias importantíssimas para a construção do mundo livre, do mundo livre pensar; sem a crítica, sem o contraditório, a imprensa pode vir a tornar-se apenas um “press-release” feito por um e assinado por outros.

Quem já leu Aníbal Fernandes, Paulo Craveiro, Nestor de Holanda e outros grandes jornalistas pernambucanos tem outras necessidades intelectuais e saudades de bons textos nos jornais que pagamos.

domingo, dezembro 16, 2007

O deputado narciso e pesamento livre

Esta semana ocorreu interessante encontro entre projetos políticos que utilizam as mazelas da população para glorificar-se e a crítica série e pertinente realizada por setores do pensamento acadêmico.

Alguns costumam dizer que a universidade não se relaciona com a sociedade, o que é verdade em muitos casos, contudo, não se pode negar que alguns acadêmicos estão, em suas pesquisas, intimamente ligadas com as encruzilhadas que atormentam os cidadãos por conta de políticas públicas anunciadas às pressas e apontadas como resultados quando ainda estão no papel. Um desses acadêmicos é o professor Jorge Zaverucha. Quando acadêmicos participam, com seriedade de debates, apontando soluções que surgem de suas pesquisas, e quando essas sugestões não coincidem com os desejos dos governantes, é comum que essas autoridades tratem de afastar o pensamento acadêmico e livre. Alguns políticos querem sempre a confirmação de seus projetos e esperam que os cientistas confirmem os seus planos. Esse ranço autoritário, comum em certas repúblicas que se diziam socialistas, também é encontrado nas terras dominadas pelo cultivo da monocultura da cana de açúcar. Monocultores agrícolas também desejam a monocultura do pensamento. É dessa maneira que oligarquias têm se perpetuado, muitas vezes com o serviço subserviente de acadêmicos que não possuem a envergadura do professor Jorge Zaverucha.

Recordo-me ter sido chamado para assessorar um encontro de educadores, no governo anterior ao atual. Quando, em um grupo de estudo, tive a oportunidade de dizer que havia um erro naquele projeto de educação desenvolvido naquele momento, fui afastado dos trabalhos apara atender ao pedido de um gerente de um dos DERES. Hoje nós estamos vendo o resultado da política educacional desenvolvida nos últimos dez ou vinte anos. Os jornais informam que não há trabalhadores educados o suficiente para atender às demandas dos projetos industriais de Suape. Agora todos sabemos que a grande política educacional das últimas décadas gerou os mais vergonhosos números e a a mais triste realidade educacional do Brasil e de Pernambuco. Entretanto, o interesse político se sobrepôs à análise científica. O mesmo tem ocorrido noutros debates, como esse sobre a segurança pública. Políticos encarregados de defender a qualquer custo projetos governamentais ou partidários, terminam por afrontar a realidade.

Todos nós sabemos e observamos, a cada eleição, como os políticos aceitam as pesquisas e análises, apenas quando essas coincidem com os seus desejos. Não é sem motivo que não são alcançadas as metas que, efetivamente, poderiam trazer melhores condições para a população.

Um deputado acusa o professor Zaverucha de ter sido comprado pela oposição. Depois do que temos assistido nos recentes debates nos diversos parlamentos, municipais, estaduais e nacional, até entendemos esse deputado: ele está querendo diminuir a atividade de um intelectual sério, julgando-o como julga os seus companheiros de trabalho. Como diz um poeta: Narciso acha feio o que não é espelho.

quarta-feira, dezembro 12, 2007

Um secretário Armorial em Belém do São Francisco

Após quase um ano, um pouco mais de seis meses, voltei a ver Belém do São Francisco, cidade da qual me tornei cidadão por deferência e atenção de seus vereadores e moradores.Vim,mais uma vez para contribuir com as ações do Centro de Ensino Superior do Vale do São Francisco – CESVASF -, um dos mais antigos institutos de ensino superior do sertão pernambucano. Desta vez vim conversar um pouco sobre a questão da diversidade cultural do Brasil, da própria região, do Médio São Francisco. Para mim é sempre uma alegria olhar o casario dos anos vinte do século XX, e a evolução da arquitetura da cidade que acompanha o século.

Belém do São Francisco foi uma das cidades escolhidas pelo Secretário de Educação do Estado, Ariano Suassuna, para a sua exibição na “aula espetáculo”. Poucos professores podem ter a ousadia de Ariano em fazer de sua aula um espetáculo, embora todas as aulas, de qualquer professor, seja um espetáculo, sem o apoio da cenografia, da música, de uma trupe teatral.

Soube que mais de três mil pessoas ficaram sentadas, ao ar livre, em silêncio, aplauso, risos e respeito, ouvindo o meu professor, ouvindo as músicas armoriais, vendo o balet armorial. Pernambuco via Pernambuco; melhor, parte de Pernambuco via e ouvia parte Pernambuco. Ocorreu um respeito mútuo. Jamais o mestre Ariano havia realizado a sua aula ao ar livre, sob o estrelado céu do sertão, ainda que não tenha sido o sertão que ele conheceu nos limites de Pernambuco com a Paraíba. Mas eu soube que o Mestre ficou emocionado ao assistir a apresentação de um grupo teatral local: Núcleo Teatral Núbia Amando Granja, formado por jovens locais. Esses jovens apresentaram um texto, escrito por Núbia Granja, a quem chamamos de Nubinha, uma mulher maravilhosa, professora que dedica a sua vida à arte e à educação. Soube que o mestre Ariano pediu o texto. Todos os que estiveram presentes emocionaram o grande escritor e viram o grande dramaturgo emocionado com a arte que brota das áreas secas, sem apoio de secretários de educação ou de cultura, uma arte que nasce no meio do mato, longe do litoral, mas que é fruto de horas de dedicação de Núbia e de seus jovens. Mas esse empreendimento educativo pode deixar de existir porque nem sempre os administradores conseguem ver além de seus narizes ou de suas obras.Espero que o Mestre Suassuna, que cuida tão bem da obra Armorial, não esqueça que, em Belém do São Francisco há um grupo de jovens que luta para ser e viver a arte. Também é uma boa oportunidade para que os comerciantes, os industriais belemitas se emocionem com o secretário de cultura e , num gesto simples e necessário (ajudem economicamente o grupo), necessário porque belo, ajudem as moças e os rapazes que, sob a liderança da professora Núbia Amando Granja, tornam mais agradável a bela secura e mais terna a brisa do São Francisco.

segunda-feira, dezembro 10, 2007

Nossa Senhora da Saúde ou cpmf

Tendo passado o dia 8 de dezembro, após as festas dedicadas à Maria, mãe de Jesus – nas mais diversas denominações -, ou à Iemanjá, a mãe das Águas, é tempo de pensar que este dia, o 10 e dezembro é dedicado aos palhaços. Uma profissão que carrega um monte de significados, uma porção de imagens e milhares de desejos. Entretanto, esse personagem que nos faz rir enquanto chora, tem sido utilizado para significar o povo brasileiro. Talvez porque ele faça rir os seus governantes enquanto chora. É verdade que nem todos choram e que alguns choram menos. Neste último caso estão os milhões que vivem, não do seu trabalho, mas das bolsas distribuídas pelos governos e, agora, tornadas política de Estado, uma vez que essas bolsas fizeram aumentar o número de consumidores e consumidoras, para alegria dos primeiros, os que não choram. Não choram os banqueiros que jamais pensaram que teriam tanto lucro com um ex-operário à frente do governo distribuindo migalhas aos pobres enquanto eles conseguem os maiores lucros do mundo bancário.

Talvez precisemos de muito tempo para que parte da população venha a começar a compreender o que está se passando no Brasil. Não é de hoje que vem se apostando em pequenas ações na área de educação, o que provoca esta situação vexatória: as pessoas não conseguem entender o que lêem e nem conseguem ver o que enxergam: as luzes e os sons impedem que a realidade seja conhecida. Tudo parece que é, embora nada ainda tenha acontecido. Acontece o grande engodo. A CPMF foi criada para que fosse integralmente aplicada na saúde, e os governos a tem utilizado para distribuir migalhas em todas as direções; e ainda diz que pode aumentar o percentual da CPMF para a saúde, caso ela seja prorrogada. Ninguém percebe que o governo está dizendo: nunca cumprimos a obrigação de aplicar a CPMF na saúde e precisamos que vocês nos permitam a continuar iludindo os que desejam se iludir.

Que Nossa Senhora da Saúde nos livre dos descaminhos da CPMF; que Nossa Senhora da Ajuda mantenha todas as bolsas cheias, não apenas as dos banqueiros; que São Luiz do Caetés diminua aa imprecações contra aqueles que não são seus devotos.

No mais, a primeira dama do Brasil, por via das dúvidas, pediu cidadania italiana para seus filhos. Nunca se sabe o que pode acontecer depois. Veja-se a situação da ex-primeira dama Collor de Mello.

sábado, dezembro 08, 2007

A importância que se tem é a que se dá

Tivesse eu conhecimento do Canavial, o festival que ocorreu no Sítio Chã de Camará, apenas pelo que disseram os jornais do Recife, eu pensaria que ele foi realizado com o objetivo de trazer a Velha Guarda da Mangueira, escola de samba do Rio de Janeiro que este ano pretende emocionar a Avenida Sapucaí homenageando o Frevo. Mas como eu estive na Chã de Camará, sei que além dos sambistas e das sambistas cariocas, apresentaram-se, naqueles palcos, armados no meio do canavial, vários artistas pernambucanos, alagoanos. Ali esteve o sanfoneiro Mestre Pagode, vindo de Piaçabuçu, localizada na foz do Rio São Francisco; também um grupo que veio apresentar os Guerreiros, uma dança popular, ou folclórica, que encantou tanto quanto os choros, frevos e jazz do Maestro Spock. Spock começou dizendo que havia pouca gente, mas que ficou o fez sorrir e desculpar-se porque os caboclos da palha da cana aplaudiam e pediam mais, enquanto ele dizia que o contrato não permitia que ele tocasse mais.. Se ele e outros fossem mais vezes tocar para o seu povo, mais gente acorreria para o ouvir e dançar a sua música.

Creio que, algum dia, iremos superar essa mania de achar que o que de mais importante acontece vem da província carioca.

O mais importante do Festival Canavial foram, ao lado das oficinas de dança, arte, percussão, os seminários. Momentos de estudo, de reflexão que envolveu educadores, gestores municipais, professores, mestres da cultura popular. O primeiro deles foi sobre a gestão do turismo na região, que contou com a presença de goianenses, vicencianos, nazarenos e aliancenses, além de convidados da Bahia, Rio de Janeiro e professores da Universidade Federal de Pernambuco, além de participantes de vários Pontos de Cultura. Como não havia ministros presentes, a imprensa não chegou, pois não havia espetáculo, apenas reflexão e, por certa tradição, reflexão não ocorre longe das areis de Boa Viagem ou dos carpetes dos hotéis e aeroportos. O segundo momento de estudo foi um debate que envolveu os mestres da cultura popular e os mestres da cultura acadêmica. Este foi o ápice, o encontro dos saberes, da diversidade, das tradições, que se respeitaram e aprenderam um do outro. Como disse uma das participantes: foi a primeira vez que participei de um debate em que ninguém pediu desculpas para falar e todos falaram livremente. Falar livremente, dizer o que se pensa, sem medo de ferir suscetibilidades, pois não havia interesses escusos, interesse de prejudicar, apenas a sede de conhecer e deixar-se conhecer: não havia nada à venda, apenas a troca de conhecimento naquela Roda de Mestres. É claro que houve discordância, mas houve respeito à dignidade de cada um; é claro que houve discordância, mas ninguém tomou como pessoal as questões teóricas e essenciais suscitadas. Como sói acontece, houve momentos que algumas vozes se alteraram, mas todos saíram amigos e sabedores que buscam os mesmo ideais de cidadania. O Festival Canavial não foi feito para exibir a Velha Guarda da Mangueira, ela veio representar uma tradição entre as muitas tradições cultivadas no Brasil.

Um dia, continuo sonhando, os mais simples serão considerados mais que os que pagam para serem ouvidos.

quarta-feira, dezembro 05, 2007

Derrubaram as árvores da avenida Historiador Pereira da Costa, no Cabo de Santo Agostinho

Em sala de aula escutei o pedido para escrever sobre um crime ocorrido na cidade do Cabo de Santo Agostinho. Todos estamos quase nos acostumando a conviver com vários tipos de crimes, desde os realizados pelos pés descalços até aqueles cometidos pelos de colarinho branco e sapatos que pisam nos tapetes coloridos do congresso nacional. Criminosos criam fama e obrigam a sociedade a conviver com os seus crimes, fazendo acordos às escondidas e se escondendo em tapumes levantados à última hora. Salvam-se mandatos, fazem-se fortunas e árvores são derrubadas, com os seus frutos atuais e com os que iriam germinar.

Entre as árvores derrubadas recentemente, pediram-me para falar das que viviam cinco décadas na Avenida Historiador Pereira da Costa, no centro do Cabo de Santo Agostinho. Evidentemente o prefeito e a secretaria de meio ambiente daquele município (será que existe?) poderão nos dizer que há um projeto de colocar novas plantas, que um arquiteto famoso já pensou nisso e, todos verão que o prefeito está fazendo o Cabo de Santo Agostinho mais bonito.

Não sou cabense, sou um ser humano nascido em Pernambuco que se entristece quando se ataca o patrimônio social sem consultar a sociedade; quando se decide refazer uma avenida para aumentar a conta bancária de algum arquiteto famoso. Os prefeitos são sempre muito próximos a arquitetos, engenheiros, construtores, etc. às vezes são parentes ou participantes do mesmo partido político, ou de algum partido aliado. Muitos levam a sério que o importante é cuidar bem das pessoas, especialmente daquelas podem auxiliar na próxima campanha política.

Essas últimas considerações não se devem aplicar ao burgomestre que está com o Cabo sob sua responsabilidade. Mas é preocupante que exista gente que se contenta tanto em derrubar árvores, como se elas fossem criadas e crescidas da mesma forma que crescem as plantas virtuais nos computadores dos arquitetos, esses seres que parece não se sentirem responsáveis pelos projetos pensados em seus cérebros privilegiados. E isso quando se fala em aquecimento global e alguns setores da sociedade nos quer estimular a plantar uma nova árvore. Os que pensaram, arquitetaram e construíram o Projeto Manhattan (o que fez as bombas de Hiroshima e Nagasaki); justificavam-se dizendo que eles não eram responsáveis pela decisão de utilizar a bomba. Depois disseram que não tinham idéia da potência que criavam.

É tempo de os prefeitos cuidarem das pessoas comuns, daqueles que andam a pé e necessitam de sombras para proteger-se do sol que nos aquece e nos queima, quando não temos árvores.

Sr. Prefeito, o senhor já pensou no que os espanhóis farão quando souberem dessa barbaridade? O sr. não deve esquecer queeles estão preocupados com a questão climática. Aliás todas as pessoas com alguma intelugência e sensibilidade estão preocupadas com essa questão. Especialmente os políticos. Talvez fosse interessante se algum cabense retirasse do baú as fotos da avenida com as árvores, juntasse com as fotos da situação atual e as pusesse na internet. Vai ver o órgão de cooperação do governo espanhol venha em defesa do patrimônio natural e social das terras descobertas por Vicente Pizzon. Será que é alguma mágua com o Historiador Pereira da Costa porque ele afirma que o Brasil foi "descoberto" por Cabral e não por Pizzon?

Sr. Prefeito, não se vingue nas árvores por não escrever seus despachos em castelhano!

CANAVIAL e violência de gênero

Entre as muitas coisas que aconteceram em Chã de Camará durante o Festival Canavial, chama atenção a realização de debates teóricos sobre a cultura do povo brasileiro. Às vezes essa cultura se expressa na forma de violência que atinge as mulheres no interior de suas casas. Esse dado que alguns gostariam de poder afirmar que é uma característica da Zona da Mata e entre os pobres, devemos afirmar que ele é encontrado em todas as camadas sociais e em todos os lugares onde haja grupos humanos. O diferencial é que os ricos pagam para que nada seja publicado, o que gera a impressão que ela só existe entre os pobres. Todos nós sabemos que as camadas da base da pirâmide social tendem a replicar os comportamentos das camadas mais próximas do pico da pirâmide. No festival CANAVIAL encontrou-se tempo para discutir com as mulheres e os homens, a questão da violência de gênero. Não foi fácil para os moradores do lugar assistir pequenas peças teatrais que tocavam na violência diária que atinge as mulheres e as crianças. Entretanto, é função dos que se aproximam, ou retornam para o seu povo, alertar para a necessidade de modificar certas maneiras de comportamento, especialmente aqueles que põem em risco a vida física das pessoas, mas também aqueles que provocam a diminuição da estima de si mesmo. Um homem que bate em mulher, que bate em uma criança, é um covarde; uma mulher que repete esse ato batendo em uma criança também está cometendo um ato covarde. Ambos estão ensinando as crianças a serem covardes, violentamente covardes no futuro.
Os que fazem o CANAVIAL sabem que temos que preservar alguns aspectos de nossa cultura, mas também sabemos ser nosso devers erradicar a cultura da violência nas relações humanas que ocorrem nos canaviais; uma violência que vem sendo estimulada desde a tomada das terras dos primeiros habitantes para que a cana fosse plantada, passando pela violência da utilização do trabalho de homens e mulheres que foram comprados a africanos na África, como também as relações de violência dos senhores de engenho contra os seus escravos, sobre seus filhos, suas filhas e suas mulheres.
O Festival CANAVIAL quis apontar novas relações no canavial de cultura que estamos cultivando. De certa maneira, estamos seguindo a decisão dos fundadores da Associação dos Maracatus de Baque Solto, que exigem que seus associados não usem de violência nas suas apresentações. Não nos importa apenas fazer apresentações musicais, teatrais. O Festival CANAVIAL quer, com os seus apoiadores, a mesma beleza dos caboclos, dos cavalo marinho, dos cocos, da ciranda e dos maracatus, sem assumir a violência que gerou a riqueza descomunal para alguns e a dor para muitos.

segunda-feira, dezembro 03, 2007

Primeira notícia do Festival Canavial

Desde a quinta feira, 29, que estive em Chã de Camará, no Festival CANAVIAL. Foi mais uma bela coleção de experiências sonoras, corporais, espirituais, racionais e cordiais. Muito bom ter participado de um evento em que as pessoas se divertem com o que elas mesmo fazem: a arte, o brinquedo, a dança, a canção, a poesia.. A sede do Maracatu Estrela de Ouro foi o centro de atração para muitas pessoas de Timbaúba, Goiana, Vicência, Carpina, Nazaré da Mata e outras cidades da Mata Norte. Mas também havia pessoas do Recife, Olinda, etc. Todos foram verificar o grande encontro de culturas diversas, de manifestações culturais variadas, produzidas em Pernambuco, mas também produzidas nas alagoas, no Rio de Janeiro. Os cortadores e cortadoras de cana puderam viver emoções antigas, como o pastoril dançado por grupos da chamada terceira idade; assistiram apresentação da Velha Guarda da Mangueira; ouviram o jazz do maestro Spock e também os novos sons criados por jovens de Goiana.
Amanhã escrevo mais.