sábado, dezembro 08, 2007

A importância que se tem é a que se dá

Tivesse eu conhecimento do Canavial, o festival que ocorreu no Sítio Chã de Camará, apenas pelo que disseram os jornais do Recife, eu pensaria que ele foi realizado com o objetivo de trazer a Velha Guarda da Mangueira, escola de samba do Rio de Janeiro que este ano pretende emocionar a Avenida Sapucaí homenageando o Frevo. Mas como eu estive na Chã de Camará, sei que além dos sambistas e das sambistas cariocas, apresentaram-se, naqueles palcos, armados no meio do canavial, vários artistas pernambucanos, alagoanos. Ali esteve o sanfoneiro Mestre Pagode, vindo de Piaçabuçu, localizada na foz do Rio São Francisco; também um grupo que veio apresentar os Guerreiros, uma dança popular, ou folclórica, que encantou tanto quanto os choros, frevos e jazz do Maestro Spock. Spock começou dizendo que havia pouca gente, mas que ficou o fez sorrir e desculpar-se porque os caboclos da palha da cana aplaudiam e pediam mais, enquanto ele dizia que o contrato não permitia que ele tocasse mais.. Se ele e outros fossem mais vezes tocar para o seu povo, mais gente acorreria para o ouvir e dançar a sua música.

Creio que, algum dia, iremos superar essa mania de achar que o que de mais importante acontece vem da província carioca.

O mais importante do Festival Canavial foram, ao lado das oficinas de dança, arte, percussão, os seminários. Momentos de estudo, de reflexão que envolveu educadores, gestores municipais, professores, mestres da cultura popular. O primeiro deles foi sobre a gestão do turismo na região, que contou com a presença de goianenses, vicencianos, nazarenos e aliancenses, além de convidados da Bahia, Rio de Janeiro e professores da Universidade Federal de Pernambuco, além de participantes de vários Pontos de Cultura. Como não havia ministros presentes, a imprensa não chegou, pois não havia espetáculo, apenas reflexão e, por certa tradição, reflexão não ocorre longe das areis de Boa Viagem ou dos carpetes dos hotéis e aeroportos. O segundo momento de estudo foi um debate que envolveu os mestres da cultura popular e os mestres da cultura acadêmica. Este foi o ápice, o encontro dos saberes, da diversidade, das tradições, que se respeitaram e aprenderam um do outro. Como disse uma das participantes: foi a primeira vez que participei de um debate em que ninguém pediu desculpas para falar e todos falaram livremente. Falar livremente, dizer o que se pensa, sem medo de ferir suscetibilidades, pois não havia interesses escusos, interesse de prejudicar, apenas a sede de conhecer e deixar-se conhecer: não havia nada à venda, apenas a troca de conhecimento naquela Roda de Mestres. É claro que houve discordância, mas houve respeito à dignidade de cada um; é claro que houve discordância, mas ninguém tomou como pessoal as questões teóricas e essenciais suscitadas. Como sói acontece, houve momentos que algumas vozes se alteraram, mas todos saíram amigos e sabedores que buscam os mesmo ideais de cidadania. O Festival Canavial não foi feito para exibir a Velha Guarda da Mangueira, ela veio representar uma tradição entre as muitas tradições cultivadas no Brasil.

Um dia, continuo sonhando, os mais simples serão considerados mais que os que pagam para serem ouvidos.

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