segunda-feira, dezembro 28, 2009

Natal e Cavalo Marinho

Este foi um final de semana sem visitar um centro de compras, mas com duas visitas à Casa da Rabeca. Lugar sonhado e criado por Manuel Salustiano, tem sido movimentado agora por seus filhos. No momento em que escrevo, Pedrinho Salustiano está fazendo aula de Cavalo Marinho, em um projeto financiado pelo governo do estado, através da Fundarpe.

O sonho da Rabeca, a Casa da Rabeca é uma criação de um ex-cortador de cana, mas que, tangido pela expansão do canavial que está tornando a Zona da Mata um imenso canavial, pondo fim a sítios, cultivo de mandioca, criação de galinha, fruteiras, etc, soube articular-se na cidade. Poucos migrantes da cana foram tão bem sucedidos quanto ele. Para aqui vencer, ele negociou, resistiu e trabalhou com a criatividade que aquela região exige dos mais pobres. Os mais ricos da região quando migram não precisam da criatividade, eles estão ligados a outras redes, a redes bancárias e políticas.

Tendo aprendido as tradições, as danças, os brinquedos da região, como fazem os caboclos, ouvindo, testando e enfrentando situações difíceis, Salu pode oferecer ao Recife e à Olinda os ritmos e danças da Mata Norte. Semelhantemente a Luiz Gonzaga encontrou nortistas e “nordestinados” nas feiras do Rio de Janeiro e São Paulo que apreciaram suas canções, e alimentaram esperanças e saudades com os ritmos nordestinos que se tornaram brasileiros, Salu encontrou no final dos aos setenta um auditório natural com os muitos migrantes que desceram da Zona da Mata, desde os anos quarenta e se encantaram ao ver mais uma vez o Cacvalo Marinho, o Caboclo de Lança. Os morros da zona norte do Recife e a Olinda para além dos limites do Sítio Histórico foram lugares de reconhecimento e fornecimento de caboclos. Da feira foi para as escolas, passando pelo jardim de algum político e a simpatia de um secretário de cultura. Salustiano não foi o primeiro a criar um maracatu rural no Recife, mas com o Piaba de Ouro, ele trouxe a experiência mais administrativa para empolgar o carnaval do Recife, em uma época que a classe média já nem sabia que pastoril existia.

Neste final de semana natalino, fui, na Casa da Rabeca, rever meus amigos, minha tradição pernambucana. A verdadeira tradição cultural republicana de Pernambuco, a tradição criada pelos homens e pelas mulheres dos sítios da Zona da Mata Norte de Pernambuco. Lá encontrei Mestre Zé Duda, Mestre Biu Alexandre, Mestre Biu Roque, Mestre Mariano Teles, Mestre Araújo (Pedra de Fogo), Maciel Salu, Dinda, Manezinho Salustiano, e muitos jovens mestres dançando e se revezando com os mais velhos nos cantos das toadas, na marcação do ritmo, na sonoridade da rabeca. E ainda havia muitos olhos puxados, desse Brasil que vem sendo criado em São Paulo, gente que veio para aprender como se dança o Cavalo Marinho.

Foi um feliz natal regado a muito marguio, Valentões, brincadeiras de Mateus e Batiãos. Manés chorões, Véias do bambu e arcos de São Gonçalo do Amarante abençoando a “nossa nação brasileira”.

No próximo final de ano, no próximo natal, todo mundo para o 16º Encontro Nacional de Cavalo Marinho.

segunda-feira, dezembro 21, 2009

Feliz Natal

Esta é a semana que vem com um natal, uma festa de aniversário, o aniversário que foi escolhido como marcador do início de um era. O tempo do cristianismo que se consolidou na construção da Europa medieval e quis, ao longo dos últimos setecentos anos, impor-se aos povos dos demais continentes. Esse domínio não veio a ser total, não há como negar que a península européia conseguiu levar aos povos dos outros continentes alguns conceitos que ela criou; coisas como Direitos Humanos, Democracia, Fraternidade, e outros valores que parecem ter sido possível a partir da concepção de uma divindade que se quis humana. Homens foram chamados a serem deuses e o serão à medida que reconheçam a divindade dos outros, como os Reis Magos que reconheceram a realeza de um recém-nascido em uma estribaria. A questão é que esse processo na história tem sido doloroso e não é contínuo, mas segue nos contraditórios das esquinas do tempo e dos lugares – fiscos e sociais.

E, às vezes, dá um desânimo por conta dos desencantos, pois nem todos os reis reconheceram a criança. Foi assim com Herodes. Aliás, os reis só conseguem ver a criança como problema, como algo que deve ser afastado, ainda que a custo de muitas outras crianças. Herodes julgava que teria o trono permanentemente, e nada cedeu, nada quis compreender além dos projetos pessoais que carregava. Assim os novos herodes. Essa gente se julga eterna, e, pensam que todos devem fazer seguir as suas normas. O lixo da história é feito de gente como Herodes, gente que acha não ter existido nada antes dele e que nada virá após.

Os grandes reis foram mais silenciosos, quedaram-se diante do mistério de uma criança, uma criança que depois, quando adulta disse que grande é quem serve. Mas essa lição a Europa e seus descendentes não entenderam. As lições daquele Menino e de seus parentes, ou lições de Krishna não podem ser impostas, e perdem sentido quando são ditas em forma de falsete, para sedução de platéias.

A semana do Natal, a festa do nascimento do menino cuja vida e morte deram ensejo à divisão do tempo de um e de muitos povos, vem carregada do fracasso da Cop15, pois muitos que cantarão em lembrança daquele nascimento, não conseguiram ultrapassar os salões do palácio de Herodes. Ficaram com ele após despediram os reis que continuam a procurar o menino, rei da simplicidade, da amizade, da esperança. Os Reis Magos, contudo, saíram do palácio de Herodes e, podem ser vistos em alguns lugares, ao som música e dividindo presentes entre os pobres, ainda hoje. Eles sabem que nos palácios não encontrarão o Rei e o reinado que lhe foi anunciado.
Feliz Natal.

sábado, dezembro 12, 2009

Que coisa!

Primeira semana de dezembro chegando ao seu termo e, como costumam dizer os artistas antes da apresentação de um espetáculo teatral: merda para todos! Assim, nesta semana, após sete anos de governo, o nosso presidente quer saber se o povo está no meio da “obra” deixada pelo governo que saiu faz sete anos. Nesse período poucos foram os canos postos para acabar com os esgotos a céu aberto nas cidades grandes. Por isso é que se sente odores negativos tão fortes, cheiro de titica. Evidentemente o presidente sempre soube que o povo mais pobre não tem saneamento básico em suas casas e nos bairros periféricos, hoje chamados por alguns de “aglomerado urbano irregular”, mas que costumava ser chamado de favela e, mais recentemente de comunidade. Mas tudo é a mesma coisa, e coisa é o que se diz para não dizer o que normalmente sai pelo orifício inferior, mas que, nosso presidente prefere que saía pelo orifício superior, pois isso aumenta a insatisfação dos seus opositores que assistem a popularidade presidencial crescer a cada vez que ele esquece que, como presidente é o responsável pelas coisas boas e pelas coisas menos boas que ocorreram nos últimos sete anos. Se ele ainda não sabe se o povo ainda se encontra na situação em que ele estava nos anos cinqüenta, é que ele tem uma m**** de assessoria que lhe informa pouco.

Aliás, por falar em assessor especial, parece que o Frei Beto, que sempre esteve ao lado de Lula enquanto sindicalista e nos momentos iniciais e nos mais tensos de sua carreira, não teve espaço no filme do Filho do Brasil. Isso é uma caca. Afinal Beto não teve nada a ver com o mensalão do Valério nem com o caixa dois, assim ele não é mais da casa. Ruim para Beto, pois agora o nosso presidente é uma personalidade internacional e está definindo o destino do mundo. Só não está conseguindo acabar com excrementos a céu aberto. Mas, creio, que breve, breve, virá o PAC da M****, que era assim que se escrevia nos jornais, nos tempos da ditadura militar, a m**** dita e a m**** feita pelos governantes e pelos governados. Era no tempo em que não se podia dizer m**** em tão alto e bom som.

Mas, depois da “bosta na Geni” de Chico Buarque, dos “pentelhos” dominicais do Faustão, a Merda presidencial é palavrão, sinal franqueza ou pobreza vocabular?

sábado, dezembro 05, 2009

Estética dos poderosos

Em dos espaços do Engenho Poço Comprido, na tarde do 03 dezembro, mais um vez fiquei alumbrado vendo e sentindo a força e magia da cultura criativa do povo dos engenhos, dos antigos moradores dos engenhos da região de Nazaré da Mata. Fiquei deslumbrado, ou seja, sem a minha luz, ofuscado pela poesia do Mestre Deca Eulálio, o mestre do Bloco Andaluza. Andaluza de Abreu. Fui aos poucos compreendendo que Abreu era um engenho de fogo morto e que foi engolido pelas canas e ganâncias de uma das usinas. Por isso seus moradores foram tangidos para a periferia urbana, fazendo crescer a população urbana enquanto a cidade crescia e estagnava. Crescia em população e estagnava em produção de riqueza acessível aos trabalhadores. A riqueza era produzida, mas o processo de concentração não permitia a sua disseminação. Contudo, no Engenho Abreu havia a família Eulálio, da qual o Mestre Deca é representante, e essa família tinha um bloco que saía no carnaval. Isso desde 1963. O ritmo rápido da marcha era parado pelo apito do mestre que improvisava os versos em louvação da casa do morador, do senhor do engenho, do administrador, de todos, mas sempre afirmando que não há bloco melhor do que o Andaluza de Abreu. Foi assim que ele, Deca Eulálio, fez ao tomar o microfone e dizer que queria saber se tinha alguém que soubesse dançar com o seu bloco e, ao som do violão de Valdir Afonjá, o bombo de Zé Mário, a rabeca de Ederlan Fábio e o pandeiro de Luiz Caboclo, deitou a improvisar versos, contando a sua história e se alegrando por ter encontrado o Mestre Zé Duda, cujo sogro também tinha um bloco e conhecia o Andaluza desde o tempo em Biu Eulálio, também saia com o Andaluza.
O aparecimento de Deca Eulálio aconteceu durante o seminário que tinha como tema Interações Estéticas, a possibilidade de troca de experiências de expressões do belo. E o belo vinha sendo expressado nas palavras, depois nos sons e na dança coletiva que veio a ser criada com toadas de Cavalo Marinho e dançadas com os movimentos de caboclinhos, cocos, caboclos, cirandas e frevos.
Entre os muitos temas abordados pelos seminaristas foi a imposição, pelos que comandam o carnaval de Pernambuco, de uma estética aos grupos que desejam se apresentar no desfile da Avenida Dantas Barreto. Pelo que ouvi, está ocorrendo algo semelhante ao período fascista dos anos trinta, quando Mário Melo, na Comissão Organizadora do Carnaval, impôs cabeças coroadas aos caboclos de lança, para que a estética criada pelos cortadores de cana e moradores dos sítios ficasse mais parecida com os quadros mentais das salas dos sobrados, habitados pelos que sobraram das casas grandes. Atualmente, parece que um novo grupo, ou filhos do grupo de trinta, um grupo que parece formar um bloco com saudade dos carnavais do Estado Novo, está impondo antigos padrões estéticos como se novos fossem. Julgando que são cortesões da corte dos Luizes, (alguns passam férias nas praias do Rio Sena. Houve um tempo em que confundiram Recife com Amsterdan, depois com Veneza e agora, bem agora é o ano da França) querem que os bandeiristas dos maracatus vistam-se como criados de libré, ostentando uma peruca que os diferencie dos demais servos. Ah! Quando será que esses estetas da servidão irão desaparecer, ou ao menos desistir de ficar clamando que o povo brasileiro é para os servir! Talvez seja por isso que eles se apegam tanto aos anos dos Avis e Bragança. E eles ficam distribuindo prêmios de até R$ 12.000.00, aos maracatus e caboclinhos enquanto pagam (?) além de R$30.000.00 aos estetas dos ditos forrós estilizados nas diversas cores de calcinhas misturadas com outras cocadas, produzidas em oficinas eletrônicas.
Os que se armaram em donos dos folguedos, com apoios dos seus primos políticos possuem o direito de defender suas estéticas e colocá-las a serviço dos que lhes pagam salários ou propinas, mas deviam evitar de dar continuidade a perversa prática de utilizar a necessidade dos mais pobres para lhe impor vestuário francês. Isso é ridicularizar o cortador de cana após lhes pagar tão pouco por tonelada cortada.
Bergman tinha razão quando disse que o fascismo é uma hidra. E foi com promessas bobas que a feiticeira Sisi cegou Ulisses, cumulando-o de prazeres, impedindo que ele percebesse que sua tripulação estava transformada em animais para que ele ficasse feliz. Pena que Hermilo não esteja aqui para defender a estética de seu povo.

sexta-feira, dezembro 04, 2009

É preciso muito amor

Interessante e carregada de informações foi esta semana que começou em novembro e acabou em dezembro. Uma leitora escreveu a perguntar o que penso da atitude do papa Bento XVI em mostrar-se disposto a aceitar padres casados da Igreja Anglicana para virem a exercer o sacerdócio presbiteral na Igreja Romana. Será essa atitude um indício de que o líder católico estaria disposto a por um término à exigência do celibato para os católicos romanos que desejam ser presbíteros? Ora, nós sabemos que esta não é a primeira vez que o pontífice romano aumenta o número de seus padres com dissidentes anglicanos. Isso ocorreu após a guerra finda em 1945 e, como agora, essa recepção não significou mudança nessa disciplina para os católicos que desejarem ser clérigos. O Celibato continuará sendo uma exigência da Cúria Romana, ainda que isso venha a custar uma diminuição crescente do contingente dos separados para o serviço. Nem mesmo a eclosão pública dos escândalos causados por personalidades desfocadas, abusadoras de menores tem conseguido fazer os detentores do poder refletir sobre as suas fraquezas.

E isso acontece e outras esferas e em outros mundos, quando assistimos a defesa de corruptos da fé pública, pois sabem que dessa fé já foram causadores de perda. E pouco adianta que sejam mostradas imagens, pois como as palavras, as agendas, as gravações, os documentos, elas “não dizem nada” quando não queremos ouvir, ver ou perceber o que elas nos dizem. Poucas sociedades resistem tanto à incúria de seus gerentes como as igrejas e as religiões; de modo semelhante poucos países são tão tolerantes com dirigentes corruptos quanto o nosso. Talvez porque todos aprendemos ser corruptos e estejamos esperando a nossa chance de poder dizer, de preferência em algum jardim francês, que “isso sempre foi assim e todo mundo faz a mesma coisa” e, em tom de ameaça, diz um jovem político, aprendiz de feiticeiro: eu aceito que se faça uma cpi, desde que ela também faça pesquisa sobre o governo anterior. Como se aprende rápido a fazer ameaças veladas e, dessa maneira, calar o oponente lembrando-lhe que ele tem “o rabo preso”. Isso é coisa de pai para filho, coisa que sobrinho aprende ouvindo o tio conversando com o avô na borda da piscina.

Esta semana os católicos comemoram a concepção, sem pecado, de Maria. Mas o Brasil não foi concebido sem pecado, entretanto, tem gente criando uma geração que além de sentir-se sem culpa (tudo é conseqüência do processo de colonização) e agora sem responsabilidade pessoal (tudo está ligado e justificado pelo ambiente social). Mas, como Noca da Portela cantava esta semana, em homenagem à quem ele julga será presidente do Brasil, mas eu estou pensando em nesta vida: "é preciso muito amor para suportar essa mulher..."

terça-feira, dezembro 01, 2009

Ordem do Mérito Cultural, IDH, IML e um pacto pela vida

Estive recentemente degustando, uma vez mais, as maravilhas do conforto que a modernidade é capaz de oferecer. Neste mundo de divisões de classes, embora há quem diga que as classes não mais existam e por isso não há mais conflitos entre elas, nem todos podem usufruir diariamente aquelas bondades que a técnica vem produzindo ao longo dos séculos. Claro que essas separações entre os que têm acesso às benesses e os que a vêem longinquamente não foram criadas nos tempos de hoje, mas já se pode perceber a sua existência em épocas tão antigas quanto a formação das primeiras dinastias egípcias. E nosso tempo essas situações podem ser percebidas de maneira mais ampliada, mas é que somos cada vez mais exagerados. Assim alguns curtem o exagero do consumo e não o entendem como tal, outros, contudo, quase nenhum acesso ao consumo, mas também consideram esse não acesso como normal, algo dado, natural, vontade divina ou pagamento de alguma dívida de vidas passadas e não lembradas. Aliás, as explicações religiosas estão se tornando tanta que já se pode dizer que há um excesso de oferta, embora a demanda por esse produto pareça ser infinitamente elástica.

No retorno encontrei-me com a realidade dura da Zona da Mata Norte de Pernambuco, que pode ser semelhante, neste aspecto que vou mencionar e em muito outros, às demais regiões desse estado nordestinado, como escreveu um poeta da região. Chegava de acompanhar o Maracatu Estrela de Ouro de Aliança na recepção da comenda da Ordem do Mérito Cultural deste ano de 2009. A República, através de seu Ministério da Cultura reconhecia como meritória a existência e as ações desenvolvidas pelo Maracatu fundado em 1966 pelo Mestre Batista, ali, perto da atualmente falida Usina Aliança.

Algumas horas após a nossa chegada, um dos filhos do Mestre Batista morreu, ali perto do local onde foi fundado o Maracatu e hoje funciona o Ponto de Cultura Estrela de Ouro e o Ponto de Leitura. Tudo normal pois a vida tem esse negócio de morrer, mas essa morte me pos diante do fato de que se uma pessoa morrer fora de um hospital na Zona da Mata, o corpo deve ser removido para o Instituto Médico Legal do Recife. Em toda a região não há um serviço desse para os cidadãos da região. São mais de 14 municípios, além os da Região Metropolitana do Recife. Isso quer dizer que é grande a angústia da família, além da perda do ente familiar. Pouco serviço para os vivos enquanto vivos, como demonstra o Índice de Desenvolvimento Humano da região, e os mortos também não o recebem, aumentando a angústia dos vivos. Mas enquanto vivo não se tem médico, depois de morto não se tem perícia. Daí os mortos viajarem desde as cidades onde morreram até o Recife, depois retornam para serem “plantados” como ouvi de amigo do defunto.

Mas aí a gente se pergunta: será que não daria para criar um IML para aquela região, promover uma assistência maior aos sofrimentos dos que perderam um ente? Não se, mas talvez isso possa vir a ser parte de um programa governamental que já existe, um certo “Pacto pela Vida”. No mínimo diminuiriam as despesas das famílias ou suas dependência para com as politicagens locais. Auxiliaria a modernizar algumas relações sociais. Quem sabe uma ação dessa um venha a receber, do povo, alguma comenda?

domingo, novembro 29, 2009

Mérito Cultural para o Estrela de Ouro de Aliança

Dois dias no Rio de Janeiro acompanhando o Maracatu Estrela de Ouro de Aliança, um dos agraciados pelo Ministério da Cultura com a ORDEM DO MÉRITO CULTURAL 2009. Criada em 1994, essa comenda vem reconhecendo os criadores culturais brasileiros, premiando “ações, obras e testemunhos que resumem inspirações coletivas, momentos históricos, marcas narrativas e períodos estéticos”, como diz o ministro Juca Ferreira. Foram entregues 49 comendas, sendo que além do Maracatu criado pelo Mestre Batista, nos idos de 1966, o Mamulengo Só-Riso, Balé Popular do Recife, Paulo Brusky, Samico, Mestre Vitalino foram os pernambucanos agraciados neste ano. Creio que a imprensa pernambucana ainda encontrará espaço para comentar a entrega dessas comendas.

Do barro, do movimento, das cores, das madeiras, das tintas, das tristezas, angústias e projetos esses criadores, isoladamente, mas na maior parte do tempo em coletividade, recriaram e continuam recriando o universo, o imaginário e as esperanças pernambucanas e brasileiras, vivendo as contradições próprias de seu tempo, de seu lugar. Tive a alegria de dizer a Tereza Costa Rego que, ali, eu estava ajudando a carregar as malas do Maracatu, ao que ela retrucou que fazia o mesmo com o Mamulengo Só-Riso e Fernando Augusto, o seu idealizador. Também com o Mamulengo estava a Madre Escobar, uma das mais criativas mulheres que conheci e que seduziu uma juventude nos difíceis anos sessenta. Madre Escobar continua, agora aos noventa anos, criando. E conversamos um pouco sobre o seu sonho de uma Universidade Popular Dom Hélder Câmara. Madre Escobar continua sua admirável trajetória educacional que passa pela invenção do CECOSNE e a da Escola de Circo. Foi uma alegria, de novo, olhar o gigante Paulo Brusky e lembrar que ele pôs sua imaginação na capa de um livro de poesias escritas por Natanael Sarmento, Fernando Magalhães e, alguns atentados meus, em meados dos anos oitenta.

Gosto muito de carregar as malas do Mestre Zé Duda e Luiz Caboclo. Fiquei muito feliz vendo o antigo “arrelerquin” José Lourenço receber a comenda que o seu pai, Mestre Batista começou a tecer quando, em 1966, no terreiro de sua casa em Chã de Camará, apoiado por cambiteiros, cortadores de cana e lavradores, deu continuidade a um maracatu que seu avô teria iniciado no começo da República.

Essa história eu contei no livro "Estrela de Ouro de Aliança: a saga de uma tradição", que foi entregue, por José Lourenço ao presidente da República.

segunda-feira, novembro 23, 2009

Festival Canavial

21/11/2009
Festival Canavial homenageia colaboradores


Este ano o Festival Canavial optou por homenagear algumas pessoas que vêm sendo parte da construção de uma nova maneira de ver e acompanhar a produção cultural e a produção da cultura na Zona da Mata Norte de Pernambuco. Logo na primeira noite foram homenageados Joana D’Arc, da Associação dos Filhos e Amigos de Vicência, que recebeu o troféu Luiz Gonzaga e o professor Severino Vicente da Silva, homenageado como o troféu Mateus Danado. Essas homenagens referem-se aos trabalhos educacionais por eles realizados na Zona da Mata Norte.


Ederlan Fábio

domingo, novembro 15, 2009

Viva a República!

Nesta semana de comemoração cívica do aniversário da República do Brasil, podemos chegar ao entendimento de que ela não é uma data muito importante, afinal, o Brasil pode não ter se tornado ainda um res publica. Assistimos constantemente um grupo de pessoas apropriar-se de coisas e instituições públicas como se coisas suas fossem. Ademais, a legislação que tem sido criada, apesar de um discurso de garantias universais de direitos, quase sempre beneficia alguns, os mesmos de sempre, os que sempre se apropriaram das coisas do Estado Brasileiro.

Todos nós sabemos que ao longo do século XIX, proprietários de terras criaram o Estado Brasileiro, as suas leis básicas: a Constituição de 1824, o Ato Adicional de 1834, a Lei de Terras de 1850, as Leis que controlaram o fim do trabalho escravo no Brasil. A República começou com um golpe, governos violentos e o retorno das oligarquias que governavam antes e estão até hoje no poder. Aqui em Pernambuco, os primeiros presidentes do Estado haviam sido conselheiros do Império, como ocorreu em quase todos os recantos. O início da República foi uma repressão terrível sobre as iniciativas populares, desde Canudos, Contestado, Congaço, Revolta da Vacina, Revolta do Vintém, Revolta da Chibata. Era a criação da Nação, era o povo se mostrando e sendo recusado pelos setores de dominação. Contudo foi sendo formada a alma da nação, a sua cultura, como coisa pública, nas ruas. Dessa época é que vem a explosão da alegria dos carnavais, no Sul (Rio de Janeiro), no Norte (Recife); com o Samba, o Frevo, a Dança da Capoeira (em todo o Brasil), as diversas danças dos Bois, as Cambindas, as Negas Malucas, os Caboclos, os Caboclinhos, Cavalo Marinho, que são as novas tradições republicanas que superam, ocupam os espaços das tradições portuguesas e africanas.

As grandes tradições do povo brasileiro são criadas na República, e não na Colônia ou no Império, embora tenham bebido daquelas. As festas do século XIX, essas que se orgulham de tanta antiguidade, deveriam verificar a quem interessava os reis de Congo, delegados do Estado e da Igreja. Talvez interessasse aos mesmos que, no carnaval do Recife, tentam impor reis e rainhas e roupas do guarda-roupa da aristocracia francesa aos caboclos de lança nascidos da criatividade republicana dos cortadores de cana. Eles preferem cultivar essas antiguidades, e eles ficam em camarotes distante do povo, divertindo-se com a diversão do povo e não com o povo brasileiro. Algo parecido com a famosa frase bragantina de 7 de abril de 1831.

Os festejos em torno da República são pequenos e quase inexistentes, como observou Karine Morgana, uma das minhas sobrinhas, o que me forçou a fazer essa reflexão. Talvez porque o povo, sub-repticiamente, esteja sempre recriando a República, tomando para si o que alguns bacharéis teimam em guardar para seus parentes, é que eles não gostam de discutir essa idéia: o Estado Brasileiro, diz a Nação Brasileira, é um Res Publica, uma coisa que é de todos e não pode continuar na mão de alguns, herdeiros e continuadores dos impérios bragantinos, embora eles se apresentem em trajes burgueses.

Viva a República!

sábado, novembro 07, 2009

De Sergipe del Rey ao Engenho de Maracatus

Tarde do sábado após pequeno período em Aracaju onde fui falar um pouco sobre a minha pesquisa a respeito do Pretinhas do Congo, considerando os espaços religiosos que são criados ao longo da história. E a Pretinha do Congo está geograficamente na parte marginal da cidade de Goiana, pois embora tendo nascido em região industrial, tudo indica que seus fundadores não eram da elite do operariado local, como hoje, nesse novo surto industrial da cidade eles não possam beneficiar-se diretamente. Religiosamente, as Pretinhas do Congo não freqüentam os grupos mais aceitos na sociedade e, o lugar onde hoje vivem, o Baldo do Rio, pequena é a presença dos grupos religiosos que fundaram Goiana. Foram essas e outras reflexões que levamos ao II Colóquio Nacional do Grupo de Pesquisa Culturas, Identidades e Religiosidades da Universidade Federal de Sergipe. Além de participar de uma Mesa Redonda, tive a felicidade de participar, como ouvinte, de uma sessão de comunicação das pesquisas que estão sendo realizadas por membros desse grupo de pesquisa, quase todas voltadas para a religiosidade popular. Aliás, o povo tem religiosidade, quem não é povo tem religião, parece.

Mas neste sábado, mais uma vez participo da inauguração de um Ponto de Cultura na Zona da Mata Norte, mais especificamente na cidade de Nazaré da Mata. Trata-se do Ponto de Cultura ENGENHO DOS MARACATUS, formado pela ação conjunta do Maracatu Coração Nazareno, do Maracatu Leão Misterioso, do Maracatu Leão Cultural e do Maracatu Águia Misteriosa. Quem apresentou o projeto à FUNDARPE para a criação desse ponto de cultura foi a Associação das Mulheres de Nazaré da Mata - AMUNAM, entidade com duas décadas de lutas e conquistas de espaços e cidadania para as mulheres e os homens da Mata Norte.

Como parte dos festejos da inauguração do Ponto de Cultura Engenho dos Canaviais foi realizada uma “roda de mestres”, uma conversa de mestres, ao vivo, pela Rádio Alternativa, que pertence a AMUNAM, o primeiro programa Engenho dos Maracatus. Como em notou Afonso Oliveira, foi necessário que na terra dos maracatus, surgisse uma associação feminina, com um maracatu formado só por mulheres – Maracatu Coração Nazareno – para que viesse a ser criado um programa radiofônico dedicado apenas aos maracatus. Mas, além disso, tivemos a notícia de que agora a Rádio da AMUNAM tem concessão permanente, com portaria ministerial.

Todas essas razões de alegrias foram completadas com a inauguração de dois espaços para a realização de oficinas pelos maracatuzeiros dos quatro maracatus: um no prédio da AMUNAM, será dedicado à discussão e produção de projetos comuns e individuais para cada maracatu e, o outro, no Engenho Santa Fé (onde o Mestre Baracho foi Mestre de Cachaça), será o lugar da produção de golas, surrões e das demais indumentárias próprias dos caboclos. Um festa simples, com a participação dos maracatuzeiros, dos Mestres João Paulo(Leão Misterioso), Mané da Silva(Leão Cultural), Edilmo e Valdemar Belarmino (Águia Misteriosa) e a Mestre Gil(Coração Nazareno), e a Eliane, presidente da AMUNAM.

E o que mais deixava os mestres nervosos, é que nesta semana, eles iniciarão, em doze escolas da cidade, aulas-espetáculo para disseminar os valores e a história do Maracatu de Baque.

Como diriam Darcy Ribeiro e João Ubaldo, e nós com eles: Viva o povo brasileiro!

quarta-feira, novembro 04, 2009

Estou atônito, isto não é um comentário politico

Nos últimos dias o país está vivendo uma situação interessante: o Senado da República recusa-se a cumprir uma decisão do Supremo Tribunal Federal, a mais alta corte de justiça do país, e não retirou o mandato de um senador que, segundo o STF, cometeu o crime de abuso de poder econômico para ser eleito por seu estado. O Senado, presidido por José Sarney, o mesmo que preside uma fundação do mesmo nome, que, tudo indica, andou usando irregularmente verba federal, não vê nada de errado na conduta daquele senador. Apesar do lamento do presidente do STF, esse acontecimento deve ser visto como uma das conseqüências das suas noites mal dormidas, quando deu plantão no STF. Naquela ocasião, ele quase não ia para casa com o objetivo de assegurar que o banqueiro Daniel Dantas não dormiria na prisão nem usaria algemas, mesmo que essa decisão “corajosa”, gilmariana, viesse a diminuir as decisões dos juízes de Primeira Instância, quase sempre ainda jovens e sem as experiências dos expedientes. O desconforto do STF hoje deve ser menor do que o sentiu quando ocorreu o bate boca e todos ficaram ao lado do ilustre presidente. Sarney também tem sido presidente e sabe que as decisões do STF devem ser cumpridas. Com tanta seriedade quanto as decisões tomadas pelo Diretor Administrativo do Congresso que, sem o conhecimento do presidente do Congresso deu emprego a parentes do presidente do Congresso.

Bem, Sarney que, vez por outra, quando é de seu interesse, repete que “decisão judicial não se discute, se cumpre”, resolveu colocar senadores subalternos para verificar se a mais alta corte de justiça pode solicitar que sejam respeitadas as leis eleitorais. É que todo esse confuso quadro é decorrente da não aceitação da decisão do Superior Tribunal Eleitoral que havia determinado a tomada do mandato senatorial conquistado irregularmente. Mas quem se importa para uma legislação eleitoral que muda a cada quatro anos com dois objetivos básicos: confundir o eleitor e induzí-lo ao erro e, muito importante, garantir que os que fazem as leis que os beneficiam, continuem sendo eleitos para criarem leis que garantam maiores imunidades aos que se habituaram a não cumprir a lei básica de ser honesto nos relacionamentos sociais.

Enquanto isso, Zelaya continua tirando foto no principal gabinete da embaixada (?) brasileira em Honduras e nosso presidente continua cumprindo a legislação e não está fazendo campanha eleitoral. Assim me diz um cientista político. Já Marina da Silva deve parar a sua campanha para a presidência da República, pois a legislação eleitoral é clara a esse respeito.

domingo, novembro 01, 2009

Festa do povo

Estou em Pesqueira, início do Sertão ou final do Agreste. Vim para a inauguração do Ponto de Cultura Ororubá, formado pela união de quatro grupos criativos e criadores de ritmos, sons e movimentos: O COCO CANCÃO PIÔ, um tradição quase centenária surgida nos espaços da Serra do Ororubá, pela Família Dotô, e reanimada sob a liderança do Mestre Timóteo; a ESCOLA DE SAMBA LABARIRI, criada por Daniel que após um período de alguns anos vividos no Rio de Janeiro, retornando em 1962 e resolveu por essa escola na rua, lembrando graciosa música carnavalesca, sucesso na voz de Jorge Veiga, e a Labariri hoje mantêm-se sob a liderança do Mestre Ulisses, co-fundador; as CAMBINDAS VELHAS, criadas em 1907 e mantidas até os dias de hoje, sempre saindo nos carnavais sob a coordenação de do Mestre Rosendo; e AS CAIPORAS, nascidas a 48 anos, fruto de uma brincadeira inventada para assustar as crianças no carnaval, surgidas em uma conversa de bar de JoãoJustino, o Gilete, com um amigo, e teve em Dona Helena a artista para a criação da fantasia que encanta um maior número de pessoas a cada ano. Fico feliz em participar desta festa inaugural, de entrar na casa Ponto de Cultura Ororubá, localizado na Farroupilha, onde no passado havia um parreiral e local de nascimento da Escola de Samba Labariri e do grupo Caiporas.

Nos anos posteriores à guerra que expulsou os holandeses de Pernambuco, os mestiços do litoral, iniciaram a conquista dos sertões pernambucanos. Padres da Congregação do Oratório estabeleceram uma missão na Serra do Ororubá e dessa ocupação veio a formação da Vila de Cimbres, que veio a ser a mais antiga paróquia desses sertões pernambucanos e o local do primeiro Senado do Sertão. Os padres introduziram a devoção de Nossa Senhora das Montanhas, pretendendo superar a Mãe Tamain. No alto da serra, ao longo dos séculos as tradições indígenas, africanas, portuguesas e mestiças fertilizaram-se mutuamente, criam-se e recriam-se ainda nos dias de hoje, ao tempo em que as profundas raízes Xucuru retomam o culto a Timaim. Nesse local de criatividade e sofrimento, o povo recria sua história, cria novas histórias, com as Caiporas que saíram das matas para brincar na ruas de Pesqueira, filha da Vila de Cimbres; o povo conta sua história na batida das mãos e dos pés ao canto do Cancão, na dança mestiça do coco do Cancão Pio; ou nas fantasias das Cambindas Velhas, a brincadeira dos trabalhadores da estrada de ferro que chegava em 1907, com os homens negros e mestiços cambindando, vestido-se com roupas femininas, quase recriando o maracatu de Baque Virado, mas sem as marcas da escravidão, pois que essa é um brincadeira criada na liberdade republicana, como as mais brasileiras tradições. E, se as Cambindas Velhas são filhas da movimentação dos trens entre o Recife e Pesqueira, a Escola de Samba Labariri é cria da migração gerada pela industrialização dos anos cinqüenta e das rodovias que favoreceram o vai e vem da população entre o Sudeste e o Nordeste.

Fico feliz em ser participante desses gloriosos momentos do Ponto de Cultura Ororubá, local de confluência das tradições que formam o Brasil, sem as bobagens, cultivadas por certos grupos sociais, de ficarem semelhantes aos “civilizados europeus” por utilizarem alguns dos instrumentos criados por eles. Gosto de viver com os brasileiros, como esses grupos que se uniram para formar o Ponto de Cultura Orarobá, pois têm em comum o fato de continuarem a ser a riqueza cultural de Pesqueira após a debandada dos “capitalistas” industriais. As mudanças políticas e sociais não mais permitiam acordos abusivos na contratação da mão de obra e as “indústrias” faliram. A chegada da revolução rodoviária superou o tempo dos trens. A destruição das matas tornou mais seco o tempo agreste e as goiabas e tomates não eram mais suficientes para garantir lucros exorbitantes, as leis tornaram mais difícil a exploração da população local e a rodovia federal os levou para a capital, de onde choram saudades por tempos passados, enquanto isso o povo mestiço de Pesqueira continuou a produzir a riqueza que é mais forte que o ouro, mais resistente que o diamante: a cultura.

sábado, outubro 24, 2009

Luiz XIV no maracatu rural ou o samba do crioulo doido no patrimônio cultural

Neste sábado estive em dois espaços especiais, a sede de dois grupos de maracatu rural, ambos na cidade de Nazaré da Mata. Uma dessas sedes é a sede do Confiança Esporte Clube, fundado em 1973. Fiquei impressionado com a organização e a capacidade empreendedora dos seus dirigentes. O Confiança oferece aulas de reposição, oficina de artesanato, tem um centro de computação a serviço da comunidade do bairro Tancredo Neves. É dali que, no domingo de carnaval sai o Maracatu Leão Misterioso, sob a liderança do Mestre João Paulo. No outro lado da cidade, à beira do canavial, visitei a sede do Maracatu Águia Dourada, e tive alegre conversação com a sua diretoria. Nos dois casos o tema foi sobre como fazer o maracatu chegar nas escolas de Nazaré da Mata.

Nessa conversa a gente fica sabendo de assuntos, de como os poderes utilizam a sedução de uma verba para inocular certos vírus que tornam incompreensíveis as manifestações culturais populares.

Fico intrigado com a fixação que certos “intelectuais” têm com a escravidão e senzala. Querem convencer o mundo todo que o maracatu rural veio das senzalas, mas ao mesmo tempo escrevem que os mais antigos maracatus de orquestra são o Cambindinha de Aroçoiaba e o Cambinda Brasileira do engenho Cumbe, ambos datados da segunda década do século XX, quando já não mais existia escravidão no Brasil, embora os avós de certos historiadores continuassem a tratar os moradores de seus engenhos como se fossem escravos.

O Maracatu de Baque Solto é uma invenção de homens livres, trabalhadores rurais, cortadores de cana, mal pagos, mas homens livres e que contam a sua história, a história do povo brasileiro, especialmente a dos índios, que foram tornados caboclos e forçados ao silêncio.

E no processo de criação de sua manifestação cultural, a manifestação de uma parte da cultura brasileira, a dos índios e caboclos, eles não tinham rei, rainha ou corte ou qualquer coisa que lembrasse a monarquia portuguesa ou francesa. Todo mundo já sabe que a presença de rei e rainha no Maracatu Rural foi uma exigência da Comissão Organizadora do Carnaval que, usando e abusando do poder autoritário e do dinheiro, obrigou os índios e caboclos a saírem com um rei e uma rainha. Se assim não o fizessem não poderiam participar do carnaval no Recife nem receber prêmio ou dinheiro de incentivo. Os índios foram obrigados a colocarem um rei, como o “rei do congo” do Maracatu criado no terreiro da senzala e no pátio dos rosários. Hoje, depois de mais de sessenta anos desse atentado contra a criatividade dos homens da bagaceira dos engenhos, já não se pode mais tirar esse rei e rainha, incorporados que já estão à tradição.

Mas não dá para assistir sem reagir a esse negócio de exigir que o bandeirista do maracatu rural use uma cabeleira à la Luiz XIV, como se faz nas escolas de samba do Rio de Janeiro. Tudo bem que é tradição do carnaval do Rio de Janeiro imitar a corte do Dom João I, mas não é necessário essa subserviência absoluta em querer ficar parecido e igual aos outros e destruir as nossas invenções.

Soube que um desses senhores, que se julgam senhores da cultura por estarem em posto de mando, querendo convencer os donos de maracatu de que eles teriam que ter um “pálio” assim e assado, para poder receber pontos da Comissão Julgadora, percebeu que seus ouvintes não estavam entendendo o seu palavreado e perguntou se o pessoal sabia o que era pálio. A resposta: “moço, o pálio que conheço é um carro”. Pois esse pessoal que “conhece” por ouvir dizer que tem um povo em Pernambuco, está impondo a cabeleira dos franceses do século XVIII aos caboclos do Maracatu de Baque Solto.

E ainda dizem que estão guardando o nosso Patrimônio Cultural.

segunda-feira, outubro 19, 2009

Um final de semana com as Estrelas do Amanhã

Foi este mais um final de semana na Mata Norte de Pernambuco, participando de atividades no Ponto de Cultura Estrela de Ouro – Aliança, na cidade do Carpina e também em Goiana. Em Carpina participei do Programa Canavial e em Aliança de uma atividade no projeto Leitura no Ponto (Wanessa, Bárbara, Amélia), que então recebia os Mestres Griôs que procuraram passar para jovens e crianças um pouco da história da Ciranda. Mestre Zé Duda mostrou diversas maneiras de cantar ciranda ao mesmo tempo em que dançávamos ao som de sua voz e dos instrumentos tocados por Mestre Biu do Coco, Mestre Luiz Caboclo, Mestre Nercino, que é o figureiro do Cavalo Marinho e o aprendiz Ederlan. No domingo acompanhei a atuação do Alafiá, o grupo que cultiva e incentiva as manifestações culturais de identidade negra e popular.

Creio que foi essa a primeira vez, em seis anos, que estive presente no Alafiá desde o começo até o fim das apresentações. O Alafiá está se preparando para a festa de celebração inicial de sua atuação como Ponto de Cultura, e o faz de maneira itinerante. Quando do início de suas atividades o Alafiá realizava suas atividades sempre em frente à Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Como a matriz da Paróquia de Goiana está em reparos físicos, as suas atividades foram transferidas para a Igreja, o que impossibilitou o Alafiá continuar suas ações ali. Para superar o problema, a imaginação pensou em realizar o ato em diferentes espaços na cidade. A cada mês um bairro receberá uma festa. Será uma experiência interessante levar grupos de artistas populares aos bairros, e não tirar a população de seus bairros.

Mas o que assisti na Rua Direita – esse é o nome dos períodos colonial e imperial – ou Avenida Marechal Deodoro da Fonseca, ao lado da Casa da Marinha (sucursal da Capitania dos Portos de Pernambuco) foi uma presença animada de muitos goianenses. Não eram muitos, não eram milhares, mas quase três centenas de pessoas animadas – isso no horário de pico – para assistir a apresentação da Nação Pretinha do Congo de Goiana, grupo que está organizado no Baldo do Rio e que está sendo re-estruturado este ano com apoio da FUNDARPE. O Baldo do Rio fica às margens do Canal do Rio Goiana, antigo porto, aos fundos da antiga fábrica de tecidos, que foi uma das glórias de Goiana no início da República.

Logo depois tive o prazer de assistir um outro processo de transferência cultural. Foi a apresentação do Cavalo Marinho Infantil Estrela do Amanhã, da cidade do Condado. Nessa apresentação atuou, durante algum tempo, como Capitão Marinho, o Rabequeiro Antonio Teles, que é o pai de Nice, organizadora do Cavalo Marinho enquanto que seu filho estava no Banco, cantando e tocando o pandeiro. Três gerações presentes e atuantes em um local, em uma festa. Claro que com exceção de Nisa e seu Antonio Teles nenhum dos dançarinos ou tocador ultrapassava a idade de 15 anos. Foi uma apresentação rápida – uma hora – que nos ofereceu a possibilidade de ver a criatividade do Mateus, do Bastião e do Soldado. Tudo confirmado pela segurança dos músicos do Banco e pela beleza da Dança dos Arcos em homenagem a São Gonçalo do Amarante. Os jovens poetas Goianenses, ativos de um coletivo do Silêncio Interrompido, aproveitaram o intervalo para declamar poesias de Solano Trindade e outras de sua própria criação. Surpreendentemente o público silenciou para escutar os poetas. A noite terminou com o Coco de Sinhá, liderado por José Mário, um dos mais novos mestres da região, artista múltiplo e criativo.

Enquanto isso, tem gente de olho no passado, incentivando uma guerra civil – nós contra eles – na próxima vez que os brasileiros forem decidir seu futuro. Antonio Teles, Nisa, Wanessa, Bárbara, Amélia, cuidam de animar as “estrelas do amanhã”, e tem gente que não consegue tirar os olhos do retrovisor.

PS. Três anos escrevo este blog, mas só comecei a contar as visitas nno dia 29 de abril deste ano. Hoje recebi relatório que aponta em uma dezena de milhar os leitores. Obrigado a todos e a cada pessoa que me faz uma visita.

quinta-feira, outubro 15, 2009

Professores, sem eles somos nada

Amigos, publico aqui este texto que escrevi para outro veículo.Ele foi escrito para ser lido nas edições do Programa Canavial, nas cidades de Goiana, Vicência, Nazaré da Mata e Carpina. O Programa Canavial é construído coletivamente por pessoas que vivem nessas cidades e tem como objetivo conversar sobre a cultura que produzimos. Cada semana um tema, esta semana é este que compartilho com outras pessoas além dos ouvintes das rádios comunitárias daquelas cidades.

PROFESSORES, SEM ELES SOMOS NADA.



Caros ouvintes do Programa Canavial,

Ao longo deste ano nós temos conversado sobre muitos assuntos e, em quase todos eles sempre aparecia algum comentário sobre os mestres, especialmente os mestres da nossa cultura, esses mestres que foram se formando observando o que faziam os mais velhos, e se tornaram mestres porque aprenderam e, principalmente porque não guardaram dentro deles a riqueza que aprenderam dos seus pais, dos seus avós, dos nossos antepassados. Eles aprenderam a poesia, aprenderam histórias que vieram sendo contadas desde muito tempo.

A maioria dos mestres da nossa cultura, não pôde ir à escola. Desde muito cedo tiveram que ir para o trabalho no roçado ou no canavial. Uma boa parte dos mestres Caboclos, dos mestres de Cavalo Marinho, dos mestres de Ciranda, costuma dizer que não tiveram professores porque não foram para a escola. Eles costumam dizer que freqüentaram a Escola da Vida e que o seu professor foi mundo. Na verdade, todos nós aprendemos no mundo e na escola da vida. E todos nós tivemos professores e todos nós também somos professores.

Mas meus amigos do Programa Canavial os professores e as professores que trabalham nas escolas, ensinando os segredos das letras, a relação entre as palavras que são ditas e as letras que estão escritas, essas pessoas são muito importantes na vida da gente e na vida dos nossos filhos. É certo que nós ensinamos os nossos filhos a sonhar, mas esses professores, essas professoras que ensinam as letras e os números, eles e elas ensinam as maneiras que os nossos filhos podem seguir para alcançar o sonho de ter uma casa, o sonho de criar os filhos, o sonho de ver a nossa cidade melhor.

Mas o resultado do trabalho dos professores não depende só deles, não depende só do esforço deles. Depende do esforço do estudante e depende que o pai e a mãe ajudem em casa. E como ajudar o professor se o pai e a mãe às vezes não sabem ler? Uma maneira é estar sempre interessado sobre o que o filho, o que a filha está fazendo na escola; é perguntar o que foi que o filho aprendeu naquele dia. É visitar a escola, ao menos uma vez a cada seis meses e ir agradecer ao professor ou à professora o esforço que eles estão fazendo para seu filho ou sua filha aprenda a ler e a viver na sociedade.

Os professores são os profissionais formados mais mal pagos do Brasil e eles estão se sentindo desprestigiados pelos governos e pelos pais de seus alunos. É tempo da gente que manda seus filhos para a escola irem à escola e agradecer o trabalho dos professores. Assim eles vão se sentir mais motivados para continuar a cuidar dos filhos da gente, mesmo sendo mal pagos, e muitas vezes ganhando menos que um gari que nunca fez nenhum curso.

O Programa Canavial vem, nesta semana, agradecer a todos os professores e professoras que trabalham na Zona da Mata Norte, pelo esforço que eles fazem para que nossas crianças e os nossos jovens aprendam e se tornem cidadãos honestos e construtores do Brasil; nesta semana o Programa Canavial que louvar o trabalho honesto e bonito de nossos professores e professoras das escolas dos nossos municípios: as municipais, as estaduais e as federais. Sem os professores o Brasil não vai crescer, sem os professores e as professoras nada mudará.

Obrigado, Professores e Professoras, por abrirem os caminhos do futuro para o seu povo, o povo da Zona da Mata Norte. Que todos os anjos, santos, orixás, espíritos protejam a cada um de vocês.

domingo, outubro 11, 2009

o nobel

Logo após os primeiros dias da atribuição do prêmio Nobel da Paz a Barak Obama, nós pudemos ouvir muitas expressões de surpresas e contentamento. Afinal, não foram completados ainda os primeiros doze meses do seu governo à frente dos Estados Unidos da América do Norte, e apenas sabemos de suas intenções e esforços diplomáticos em fazer diminuir as tensões mundiais, algumas geradas pelo país que governa, uma vez que ele está promovendo oficialmente, ao menos, duas guerras. Aparentemente ele teria sido escolhido para a recepção do premio pelo que pode fazer e não apenas pelo que já fez. O Nobel da Paz, assim conferido, seria mais um desejo de que se realize a paz, de que sejam diminuídas as pressões que podem levar a um conflito atordoante.

O ex-operário Lech Valessa foi um dos que se surpreendeu, e disse “já?”. Desmond Tutu salientou que a concessão da honraria foi um estímulo à esperança. Pode ser um pouco mais do que o louvor à esperança, embora esse já seja um belo motivo. Pode ser a celebração de termos um mestiço como fonte de inspiração, em momento cultural de avivamento de conceitos raciais, conceitos separadores, destruidores do que vem sendo comprovado por pesquisas: todos somos um e as tradições, podem ser cultivadas por historiadores, antropólogos, etnógrafos, políticos, religiosos da mesma maneira que um jardineiro pode gerar uma árvore bonzai.

domingo, outubro 04, 2009

A olimpíada de 2016

Na manhã da sexta feira, dia primeiro de outubro, fui questionado sobre a olimpíada, pois naquela tarde seria anunciado qual a que cidade sediaria os jogos em 2016. Respondi que estava torcendo pela escolha do Rio de Janeiro, porque acredito que tais jogos que envolvem emoções coletivas podem fortalecer sentimentos positivos comuns e necessários para a vida social e nacional.

Bem, agora já sabemos que o Comitê Olímpico aceitou as promessas empenhadas por políticos, empresários, desportistas brasileiros e, agora é tempo de fazer cumprir as promessas.

Lembro de quando João do Pulo ganhou uma medalha de ouro foi uma surpresa naqueles longínquos anos passados e, também quando João da Cruz correu como um saci-mercúrio para apanhar a medalha de ouro. Interessante lembrar como os primeiros medalhistas no atletismo eram negros. E eram poucos os medalhistas. Os esportes, como a educação eram vistas pelos governantes e pelas perdulárias elites brasileiras como uma atividade secundária, algo para ser realizado nos finais de semana. Os bons hábitos demoram ser assimilados. Por isso, sempre que um brasileiro termina um curso, por mais simples que seja, há que se realizar uma festa, tirar um retrato, capturar uma imagem, um momento, para ser guardado. As famílias trazem guardados esses objetos nos baús ou caixas de sapatos. Ter um diploma de conclusão do curso de datilografia nos anos quarenta a oitenta era ter uma medalha olímpica dentro de casa. Vi muitas lágrimas em conclusões de cursos de Arte Culinária, pois esse era um caminho para um emprego em alguma “casa de família” ou restaurante.
A educação formal, sempre foi vista como um tesouro, algo que só alguns podem ter: era uma espécie de botija, algo escondido que se sabia valioso, mas distante e protegido por segredos enormes. Por isso, a maior parte dos “da Silva” entenderam o choro de Luiz Inácio da Silva, porque, apesar das muitas dificuldades que são postas ao povo brasileiro, a olimpíada de 2016 pode ativar com maior sustança o acesso à educação, à saúde, à segurança de vida, do que políticas de cotas do neo-racismo pós-moderno.
A preparação para a olimpíada de 2016 levará, creio e desejo, a melhorias nas escolas, e surgirão mais campos e estádios de esportes, investimentos sociais serão realizados, cidades serão obrigadas a repensar os seus sistemas de coleta e aproveitamento de lixo, nos sistemas de recolha e tratamento dos esgotos. A conquista de um pódio é sempre carregada de sacrifícios e investimentos de horas de estudos e treinamentos, não apenas físicos. Esse evento que começa a ser preparado é mais uma oportunidade para que as elites entendam que elas não podem mais viver se dedicando aos esportes enquanto lazer, ao mesmo tempo em que força o povo brasileiro a uma luta de Sísifo pela sobrevivência. A olimpíada de 2016 pode ser uma oportunidade de mostrar que ideais coletivos e abrangentes, capazes de fazer florescer lágrimas de alegrias, são melhores que políticas de formação de ghetos, geradoras de sobrancelhas de preocupação, que foi a política social praticada nesse país até o momento da democratização das salas de aulas.

sexta-feira, outubro 02, 2009

Programa que História é essa

PROGRAMA
QUE HISTÓRIA É ESSA


A Rádio Universitária AM 820 apresenta o programa Que História é essa, todas as quartas feiras, das nove às dez da manhã, com produção do professor Severino Vicente da Silva, do Departamento de História da UFPE.
O programa realiza entrevistas e conversas com professores que atuam nas áreas de nas áreas de pesquisa e ensino de História e Ciências Humanas, conversando sobre suas experiências e produção científica.
Apresentado pelo professor Biu Vicente. Para o mês de setembro conta com a participação dos seguintes convidados:

 07 de outubro – Profº Inácio Strieder - UFPE
14 de 0utubro – Profº Marcos Guedes – UFPE
21 de outubro – Profº Marcos Costa – UNICAP
28 de outubro – Flávio Sá Neto e Clarissa Nunes, organizadores do livro História das Prisões no Brasil

A produção do programa está recebendo textos de opinião sobre as histórias das ruas da cidade e região metropolitana, contendo a história dos nomes das ruas ou comentários sobre seu desenvolvimento ao longo dos anos. Também recebemos comentários sobre livros que você leu. Os textos podem ser enviados para o nosso e-mail historia820am@yahoo.com.br , assim como sua opinião ou comentário.
Contamos com a sua colaboração para a promoção e divulgação desse veículo de comunicação que o acesso aos meios radiofônicos possibilita.

Ouça a Rádio Universitária Am 820 KLH na internet – Acesse www.tvu.ufpe.br e em seguida clique em AM ao Vivo.

terça-feira, setembro 29, 2009

Gilda Lins

Enquanto o dia parecia correr normal e, corria, recebi comunicação telefônica informando da morte da professora Gilda Lins, Diretora da Editora Universitária da UFPE. Quem deu-me a notícia foi Valéria, aluna dela, e o fez acompanhada de um comentário dizendo ser uma notícia triste. É triste saber que a pequena Gilda, a gigante Gilda não mais será encontrada sorrindo nos corredores dos diversos prédios da UFPE, na constante luta de tornar a nossa editora cada vez melhor. Gilda sempre quis o melhor, para ela e para o mundo.

Conheci Gilda em uma tarde de sábado, no início da década de setenta do século passado. Foi em um curso de teologia para leigos, organizado pelo Instituto de Teologia do Recife. Depois da aula, sempre estava Gilda a continuar a conversa que o relógio determinara findar. O debate de um bom tema, uma possível atuação social era o necessário para ativar seu cérebro e todos os sentimentos que lhe tomavam o corpo e alma. Foi assim que a encontrei, anos depois, quando cheguei à UFPE como professor e encontrei a pequena gigante Gilda coordenando o Centro de Artes e Comunicação. Começamos ou continuamos os debates, acompanhando a idéia de alguns alunos em ativar um jornal no hall de entrada do CAC e tantas coisas mais. Depois veio o desafio dos Direitos Humanos como disciplina para todos os cursos, o memorial Dom Hélder, e isso acumulando as funções de ensino e direção da Editora, cada dia mais visível intra e extra campi.

Quando, hoje pela manhã, olhava o corpo que foi de Gilda, inanimado estava ficando triste por saber que não vamos terminar juntos uns projetos que preparávamos, a UFPE e a REVIVA. Então, alguém, perto de mim disse: “ela parece estar sorrindo, como sorri uma franciscana. Ela está no céu”.

terça-feira, setembro 22, 2009

Coisas de formação

Sábado, 19 de setembro, ocorreu a entrega de certificados de conclusão do Primeiro Curso de Formação de Produtores Culturais na Zona da Mata Norte, organizado e dirigido por Afonso Produções e a Associação Reviva, com o apoio da Fundarpe. Com toda a pompa de um formatura, o evento contou com a presença de duas representantes do Ministério da Cultura, nas dependências do engenho Santa Fé, onde funciona o Pontão deCultura Estrela de Ouro.
Os vinte e seis formando são rapazes e moças das cidades de Vicência, Tracunhaém, Nazaré da Mata, Condado, Goiana, Buenos Aires e do Recife. Os diplomas foram entregues por Zé Duda, Mestre de Maracatu; Luiz Caboclo, Mestre de Caboclo e presidente do Ponto de Cultura Estrela de Ouro de Aliança; João Limoeiro, Mestre de Ciranda; Calú, Mestre mamulengueiro; Mãe Jucedi; Mãe Maria José; Pai Mário, rei do Maracatu e pai espiritual da Chã de Câmara; Jane D’Arc, da Associação dos Filhos e Amigos de Vicência; José Lourenço, presidente do Maracatu Estrela de Ouro de Aliança, entre outras personalidades do mundo cultural da Mata Norte. Este foi um momento muito interessante daquele sábado.
Não pude participar de toda a cerimônia, que ocupou a manhã e a tarde, e eu tinha que estar presente na Chã de Câmara, acompanhar o Ponto de Leitura e a Leitura no Ponto, que acontece todos os sábados em torno da Biblioteca Mestre Batista. Naquela tarde estávamos recebendo a visita de alunos do colégio GGE que, com o seu professor de História, Paulo Morgue, vieram conhecer os mestres da cultura popular. Por essa razão, Mariano Teles, Mestre de Cavalo Marinho, Mestre Biu do Coco e Mestre Nercino, figureiro do Cavalo Marinho Mestre Batista vieram comigo, para conversar com os jovens estudantes desejosos de conhecer a cultura brasileira mais de perto. Elas andaram na casa que é a sede do Maracatu e do Ponto de Cultura Estrela de Ouro, onde funciona a Biblioteca e as atividades que envolvem crianças e pré-adolescentes da Chã de Câmara. Também viram, embora não participassem, mas acompanharam os jovens da Chã de Camará dançando o Cavalo Marinho que lhe era ensinado pelos mestres Mariano, Nercino e Biu do Coco. Interessante foi o comentário do professor Paulo: “impressionante o respeito que é dado aos mestres e como o mestres respeitam o mais velho deles, o Mestre Mariano”. Comentário semelhante eu ouvi em relação às crianças e às educadoras que dirigiam as atividades de leitura e lazer.
Parece que o professor da escola formal sentiu que havia algo na relação entre jovens e adultos que está faltando em outros espaços educacionais. Na mesma semana Lia Luft, em sua coluna na Revista Veja, comentava sobre o tema Educação e autoridade.
Claro que temos problemas de meninos malcriados, preguiçosos, desatentos em nossa “escola” que inventamos no meio do canavial, mas não a presunção que eles nada têm a aprender de seus mestres e que é uma completa perda de tempo ouvir os mais velhos. E, como as danças são coletivas, e as leituras são coletivas, eles não precisam aprender a concorrer, nem com os mestres nem com os colegas.
Nas escolas devíamos aprender mais a cooperação do que a competição destruidora do outro. A competição destruidora pode ser aprendida pelo autoritarismo e pela negligência, jamais pelo exercício da autoridade e do respeito. Tenho aprendido isso com as danças e os mestres da cultura brasileira.

quarta-feira, setembro 16, 2009

Dom Saburido e Dom Pedrito

Esta semana, mais de uma vez fui perguntado sobre o novo arcebispo da arquidiocese de Olinda e Recife. Parece que as pessoas estão, mais querendo verificar se os seus sonhos serão realizados do que mesmo entender a risonha e meiga esfinge que o Vaticano enviou à conturbada arquidiocese que, após anos de vanguarda, teve o mesmo período de parede defensiva às infiltrações secularizantes na Barca de Pedro, temendo que esta se transformasse na Barca dos Tolos.
Quando penso em Dom Saburido, duas lembranças me chegam. Uma, bem inocente, quando ambos estudávamos no Seminário Imaculada Conceição da Várzea sob o reitorado dos padres Zeferino Rocha e Edwaldo Gomes. Aqueles tempos de formação foram os primeiros contatos nossos com as inovações, que então se iniciavam, do Concílio Vaticano II. Mas essa é uma lembrança para lembrar a primeira parte da formação sacerdotal de Fernando Saburido que, como eu se afastou do Seminário e, diferentemente de mim, mais tarde após um período no meio do século veio a tornar-se beneditino. A outra lembrança é Diego Maradona. Este jogador argentino, em torno de quem veio a se formar uma religião, esteve sempre na labuta de superar Di Steano, Puskas e Pelé, especialmente este último. Esses fantasmas tornaram a vida de Maradona mais difícil que a de Hércules, condenado a fazer doze trabalhos, mas Hércules tinha apenas ele próprio na competição. Maradona tem sido obrigado a enfrentar e superar três gênios, e isso por exigência de seus adoradores, seus fiéis que o acompanham religiosamente. Fernando Saburido, agora Arcebispo de uma buliçosa igreja local, não deve seguir a tentação de enfrentar dois grandes fantasmas: o mais próximo, de aparente e fácil superação, o seu antecessor imediato, Dom José Cardoso. Para boa parte dos católicos, especialmente daqueles que têm fácil acesso aos meios de comunicação, a tarefa se realizará por si própria, uma vez que já se escuta, até em entrevista de rádio, expressões que seriam ditas apenas dos mortos que foram indesejáveis enquanto vivos: “de lamentável memória”. Escolhido bispo por Dom José Cardoso, por mais que se deseje negar, Saburido deve ter algo que se assemelhe ao Emérito arcebispo de formação carmelita. Mas com apoio da Igreja local, Dom Saburido superará essa primeira tarefa. Mais árdua será a segunda: tornar-se um retrato de Dom Hélder Câmara, como desejam alguns católicos, com olho no Paraíso Terrestre, que não se sabe se é “saudade ou utopia”, no dizer do carmelita Frei Carlos Mesters. Sim, é isso que imagino querem antigos seminaristas, desejos de viver, fora da hierarquia eclesiástica, a igreja que não puderam construir, pois dela saíram por saber que padres, cônegos, monsenhores, bispos, arcebispos e cardeais, todos devem obediência ao Papa. Os católicos da arquidiocese de Olinda e Recife, não podem esquecer que Dom Saburido az parte de uma ordem sagrada à qual deve obedecer e manter. Para tal, ele não deverá ser como Dom Hélder Câmara, como não será um Dom Cardoso II, e não o será porque as condições históricas não permitem esse tipo de jogo. Da mesma maneira que Maradona jamais superará Pelé, jamais será Pelé, não se tente fazer de Dom Fernando Saburido um segundo Hélder Câmara, mesmo porque o Dom cultivou durante largo tempo de sua vida ao seguimento de Cristo modelado por Francisco de Assis, enquanto a principal formação de Fernando Saburido é o seguimento de Cristo segundo o modelo de Bento de Núrsia.

E para terminar esse texto, Maradona entrou nessa reflexão não por conta da religião que surgiu em torno dele, um movimento quase patriótico no tempo da guerra contra a Inglaterra, mas porque Dom Saburido deixou-se fotografar com a bandeira do Sport Club do Recife. Já tivemos um arcebispo que teve sua imagem muito ligada a certo produto comercial. Que seja apenas um detalhe sem maior importância nesse início de caminhada eclesial. A atuação de fies não pode ser a de uma torcida, mas de militância missionária.

sexta-feira, setembro 11, 2009

Ponto de Cultura Estrela de Ouro e o Prêmio ASAS

A postagem de hoje é a transcrição de uma carta de Afonso Oliveira, um resumo do trabalho de muitos ligados ao Ponto de Cultura Estrela de Ouro de Aliança, PE


Aos meus amigos,

Hoje acordei com a imensa alegria de ver publicado no Diário Oficial da União que o Ponto de Cultura Estrela de Ouro foi contemplado como o Prêmio Asas. Esse reconhecimento nos faz ver um filme que começou lá em 1998 quando eu conversava com Zé Lourenço na praça do Arsenal, em Recife, e ele tentava me convencer a trabalhar como o Maracatu Estrela de Ouro. Me faz ver todos da Chã de Camará carregando telha, tijolo, cimento e madeira para erguer a casa sede do Ponto. Ver Jarbas de prancheta na mão fazendo cálculos de arquitetura para que nada desse errado. Ver o professor Severino Vicente ensinado como ensina até hoje lições de vida e de amor a cultura. Ver Luiz Caboclo, Mestre Zé Duda, Biu do Coco, Mestre Mariano, comprando instrumentos e tecidos para renovar os brinquedos. Me faz ver as mulheres vestidas de baianas e também carregando água para fazer comida e lavar roupas. Pai Mário recebendo o espirito de Mestre Batista. A comunidade dançando nas Festas de Terreiro. A jaca cortada no terraço. Ploc no computador. O coco gravando CD. O Caboclinho gravando CD. TT Catalão suando poesia. Célio comendo Feijoada. A velha Guarda da Mangueira emocionada. Tâmisa abaixada fazendo pesquisa. O apito de Zé Duda chamando a caboclada. E Lourenço carregando sua pasta. Minha Valéria encantada trabalhando nos bastidores orientando toda equipe. Cândida fazendo todo mundo se tocar e se respeitar. Nós todos na França com Laure e Luiz pelas ruas de Paris depois de um show de sucesso. Os lançamentos dos livros. Ângelo produzindo o Festival Canavial. Angelo Aimberê abrindo mais uma conta e nos protegendo no Banco do Brasil, Ederlan fazendo de tudo um pouco, sem medo de aprender. Théo Gravando mais um CD. Angélica organizando cada documento. Wanessa ensinando com paciência e beleza. Professora Isa, invertendo o lado da gola para mostrar a nossa construção. André Dib levando nossa história para o quatro cantos do mundo. Jorge Mautner, Afonjah e Jacobina no meio do Maracatu. Lula Gonzaga ensinando cinema. A foto de mestre Batista na sala olhando eu brincar um pouco com as crianças.
Enfim, tantas imagens, tantos dias, tantos projetos, tanto trabalho, tantos prêmios. Mas esse prêmio é maior que todos os outros, porque ele confirma que nós estamos contribuindo para que o Brasil tenha uma política cultural democrática. Porque ele não premia apenas uma parte do Ponto de Cultura Estrela de Ouro. Ele premia todos. Ele confirma para o Brasil e para o mundo que em Aliança existe um grupo de pessoas que está mudando a história do Canavial.
São 11 anos que me fizeram entender melhor o mundo e saber que no coletivo o individuo se revela e caminha com mais firmeza no pés.
Quero agradecer a todos que imprimiram em mim algo de humano, algo de paixão, algo que levarei para sempre. Quero agradecer a todos por ter acreditado que esse projeto de vida não é uma loucura é uma construção no terreno do improvável, no terreno do sensível e que se tornou uma pequena subversão para a construção do BRASIL VIVO.
beijo em todos
afonso

domingo, setembro 06, 2009

Professores e a recorrência do tema

Antigos costumavam dizer que a vida é uma roleta e que os acontecimentos se repetem. Sabemos que essa repetição é aparente e muitos são iludidos pelas aparências, pois delas e nelas vivem. Assim a mulher do César, ensina a prática do poder, não necessariamente carece ser honesta, mas é necessário que aparente sê-lo. Essa política da aparência vem se tornando o modo comum de viver de não poucas pessoas responsáveis pelos encaminhamentos da política, mas é uma aparência de palavras que não combinam muito com as suas ações. Contudo, poucas são as pessoas que procuram saber algo mais além das imagens retocadas dos programas televisivos ou de comentaristas subvencionados. Mas como eu dizia parece haver um retorno, e isso ao menos em certos temas, uma vez que algumas situações mudam pouco.

À medida que outubro se aproxima, e ele volta a cada ano, assuntos sobre professores e sua profissão aparecem. Pesquisas recentemente publicadas mostram que professores estão abandonando a profissão em maio número. E esse foi o tema de um debate envolvendo os jornalistas Artur Xexéu, Heródoto Barbero e Carlos Heitor Cony, este último também imortal da Academia Brasileira de Letras. Cony opinou que professores estão deixando o magistério porque vivem uma crise de identidade, uma vez que eles parecem ser desnecessários, não são reconhecidos e a sociedade não lhes oferece o respeito que recebiam ao iniciar a sua vida profissional; Artur Xexéu disse que a grande surpresa não é que professores deixem a profissão, o surpreendente é que ainda haja pessoas que se arrisquem a ser professores diante do pouco caso que a sociedade está tendo por esta atividade social. A rigor professores abandonam a profissão por não serem respeitados em seu local de trabalho, no exercício de sua profissão, os dois parecem concordar a respeito.

Depois de acompanhar a expressão livre das opiniões desses jornalistas, pensei que não é para ficarmos surpresos em ouvir que parte dos lucros do pré-sal, que começará a ser explorado depois de 2014, será utilizada para resolver as necessidades que o Brasil sente hoje, na educação e saúde do povo. É que quem está no controle da economia do Brasil hoje, quem está à frente do governo do Brasil hoje, apesar dos discursos e das aparências, pensa da mesma forma como pensavam os prefeitos que governavam Garanhuns quando dona Lindu resolveu ir encontrar-se com o esposo em São Paulo. Sempre deixamos para realizar no futuro, quando tivermos a riqueza de alguma reserva natural. Foi assim com o algodão, com o café, com petróleo, com o ouro de Será Pelada, com o Ferro de Carajás. Essa recorrência de atitude dos governantes, independente de suas origens, é que faz alguns julgarem que a vida é uma eterna repetição e que nada mais há a fazer. Mas esse é um aprendizado preguiçoso.

Quando refletimos sobre sociedades antigas, podemos verificar que algumas morrem por falta de mudanças, aferrando-se a comportamentos tradicionais enquanto outras sucumbem pelo excesso de mudanças. Hoje temos práticas educacionais que não mudam, pois são decorrentes de uma estrutura social produtora de injustiças, mas que possui uma enorme capacidade de aparentar mudanças, à medida que a cada dois ou quatro anos está sempre a aceitar novidades didático-pedagógicas e impô-las aos que estão nas salas de aula. Os professores, nas condições de trabalho a que são submetidos não conseguem acompanhar a aparente criatividade dos técnicos e pedagogos. Talvez venha daí, em parte, a crise de identidade dos professores.

quarta-feira, setembro 02, 2009

Nascimento do Passo

Quando iniciamos a Semana da Pátria, soubemos que nesta madrugada do dia 2 de setembro morreu o recifense nascido em Benjamin Constant, Amazonas, NASCIMENTO DO PASSO. É dessa maneira que ele ficou conhecido, desde que ficou patente a sua capacidade de dançar o “passo” do frevo pernambucano. Ele chegou ainda adolescente, em busca de um lugar para viver, escondido em um dos navios que faziam cabotagem no litoral brasileiro. Desceu no porto do Recife e fez da cidade a sua cidade, e tomou o ritmo local como seu ritmo.
Nos anos sessenta dançava-se o frevo nas ruas. Passistas podia fazer movimentos na Avenida Guararapes ou no Pracinha do Diário, também chamada de Praça da Independência. Nesses espaços, ainda sem a neurose do Guinness book, eram muitos os que lançavam seus pernas em “tesouras”, “parafuso”, “dobradiças” e muitos outros passos que ainda nem tinha nomes, mas que provocaram nos agentes do carnaval, ainda no tempo da COC –Comissão Organizadora do Carnaval – a idéia de um concurso entre os passistas que deliciavam os muitos foliões que se admiravam daqueles movimestnos e dos anônimos bailarinos que surgiam das academias inexistentes, mas reais da vontade de colocar no corpo os movimentos dos espíritos e dos sons que saiam dos clarins, clarinetes, tubas e saxofones, dessas orquestras que pareciam infestar “o coração da cidade”, como se dizia à época. Nesses concursos, o amazonense foi descobrindo-se pernambucano do Recife, das ruas do Bairro do São José, um homem que foi se tornando símbolo do carnaval recifense. NASCIMENTO DO PASSO veio a ser sinônimo de carnaval.
Depois ele percebeu que a constante modernização do Recife foi diminuindo o espaço para os frevistas e, aos poucos as ruas foram sendo tomadas pela compulsão guinessiniana, diminuindo os espaços onde passistas poderiam apresentar, anonimamente as suas invenções, que viam desde os tempos da “Maroca” ou passo do Sirigado. NACIMENTO DO PASSO promoveu o nascimento de uma escola de frevo e foi sistematizando os movimentos, preparando o corpo de adolescentes para a manutenção, ao tempo que recriava a tradição do Frevo. Novos passos surgiram, novos movimentos. A escola cresceu, recebeu seu nome.São muitos os Guerreiros do Passo que agora cultivam o que não foi perdido, pois o Mestre NASCIMENTO DO PASSO fez aparecer uma geração de bailarinos amantes do passo, dos movimentos nascidos das ruas pobres do Recife, das ruas ricas de imaginação, dos becos que não mais existem, das ruas que foram cortadas pelo “progresso insensato, criador de avenidas expulsadoras das moradores de São José. Do Recife Antigo, esse Recife do início do século XX, onde nasceu o passo do frevo, que atravessou as pontes e dominou o São José, a Boa Vista, se espraiu pelos bairros, e tomou conta das televisões e ultrapassaram os limites atlânticos.
Em tudo isso, estão os movimentos De NASCIMENTO DO PASSO que, se não nasceu no Recife, é responsável pelo nascimento de uma geração de bailarinos e Guerreiros do Passo.
Salva O GUERREIRO DO PASSO – NASCIMENTO DO PASSO

quarta-feira, agosto 26, 2009

Criando novos laços

Quero dividir essa alegria com todos os leitores deste blog


Querido amigo Biu

Encontramos nossos irmãos graças ao seu blog - e através da história de Biriba.
Nosso irmão se chama Andre e mora aqui em Recife, na Rodinha, antigo Córrego do Euclides. Já nos encontramos varias vezes. Temos também mais duas irmães que moram no Rio de Janeiro - neste feriado de sete de setembro, elas virão do Rio exclusivamente para nos conhecer. Que chique!.. estamos muito felizes. Será um almoço no dia 06/09 lá em casa. Se você quizer aparecer será uma honra.

Beijos da amiga de ontem e sempre

Rosa Vasconcelos

Rosa se refere ao que publiquei no domingo, Novembro 23, 2008
Antonio Melo, cidadão de Nova Descoberta, do Recife e do mundo.

segunda-feira, agosto 24, 2009

XII Jornada Teológica Dom Hélder Câmara

Dedicada a todos que permanecem fiéis ao ideário libertador
de Dom Helder, para a Igreja e para o Mundo

Tema: “Dom Helder Camara:
Centenário do Profeta da Justiça,
da Esperança e da Libertação”.

Data: 24, 25 e 26 de agosto/2009, às 19h
Local: FAFIRE

Programação
Dia 24 - Palestra: “O Dom, Profeta da Justiça” - Frei Betto:
- Momento Cultural: “Grupo de Danças do Tururu”

Dia 25 - Palestra: “O Dom, Profeta da Esperança” - Pe. João Batista Libânio
- Momento Cultural: “Grupo de Artes da Casa de Frei Francisco”

Dia 26 - Palestra: “O Dom, Profeta da Libertação” - Ivone Gebara
- Momento Cultural: “Arricirco”

ENTRADA FRANCA
Fone: (81) 3325.2762 / (81) 3342.0659
Fax: (81) 3341.0539

e-mail: igrejanova@igrejanova.jor.

Partilha: Colabore com a Biblioteca Popular do Coque doando Livros, Revistas
Infanto-juvenis, Gibis, cadernos, lápis e canetas coloridas, papel ofício ou cartolinas.

quinta-feira, agosto 20, 2009

O folclore

O mês de agosto sempre nos prega peças. Dizem que sempre carrega problemas políticos e os mais ligados à religião mesopotâmica nos dirão que os astros comandam esse mês, o mês do Saci Pererê, o mês das bruxas, da Noite de São Bartolomeu, das bombas que apressaram o final da Guerra que começou em agosto de 1914, o mês da morte de Agamenon Magalhães, do salto para a História dado por Getúlio Vargas, e suicídio político de Jânio Quadros, que virou Zumbi e voltou prefeito de São Paulo, etc., etc., etc.
Esse mês que nas escolas de Ensino Fundamental é apresentado como o Mês de Folclore ou da Cultura, agora passa a ser o mês de Sarney, uma figura quase folclórica, o Bicho Papão da política brasileira. “Ele põe todas as criancinhas no saco e as leva para comer seu fígado”. Era assim que dizia, que o Bicho Papão fazia, mas não lembro que ele, nas histórias que ouvi, usasse casaca. Mas ele fazia desaparecer as criancinhas, especialmente aquelas que não seguiam os conselhos dos pais e responsáveis. Mais ou menos assim como essa semana desapareceu um partido da ética, completamente partido, bem partido como o bigode de Mercadante, menino que esqueceu as lições do velho general que até enfrentou a ditadura. Mas, sob a orientação do grande líder, ele seguiu o caminho turvo que o afastou da casa da Vó democracia e, seduzido pelo “sapo barbudo” que virou príncipe, terminou parando no saco do Bicho Papão que é dono do Maranhão e sócio das lagoas. O pt virou folclórico, no sentido mais degradado da palavra, de coisa morta, de algo posto para observação de estudiosos, ou melhor, de viajantes que escreverão suas “notas dominicais”.

Contam que no Maranhão, em uma lagoa que reflete a luz da lua está escondido o rei Dom Sebastião que um dia virá para restaurar a Portugal. Vai ver que foi isso que aconteceu nesse mês de agosto. Voltou-se ao reino, às histórias de Trancoso.

sexta-feira, agosto 14, 2009

Os sinais do novo episcopado

No próximo dia 16 de agosto, a cidade do Recife assistirá um cerimonial memorável: a posse de um novo arcebispo. Em carro aberto, o bispo desfila pela cidade, se oferece aos gulosos olhos da população. Vi esse espetáculo recentemente em Garanhuns. Houve um tempo em que acontecimento semelhante causava mais alarde, pois toda a cidade era católica e o bispo era um novo príncipe que chegava para tomar posse de seu território físico e espiritual. Mas esses eram tempos herdados da Baixa Idade Média e mesmo até o final do século XIX na Península Itálica, mais precisamente nos ditos Territórios de São Pedro, os quais teriam sido doados por Constantino, confirmados por Clóvis Meroveu e Capetos. Mas atualmente boa parte da população do Recife já não tem o catolicismo como rito religioso único, embora seja dominante e, mesmo os que são católicos já não consideram o bispo como príncipe, mas como um servidor do povo a quem vem dirigir. Se a expressão servus servorum Dei, talvez cunhada pelo papa Gregório VII, escolhido bispo de Roma por aclamação popular dos romanos (1073), (era um irmão beneditino, não era padre), tem servido de modelo formal para muitos que assumem postos na Igreja Romana, parece haver uma expectativa positiva dos católicos em relação ao beneditino Dom Fernando Saburido, o bispo que foi escolhido pelo Discatério romano para assumir a direção da Arquidiocese de Olinda e Recife.

É nosso costume fazer comparações. Elas nos auxiliam a tomar compreender o mundo, a orientar as decisões que tomamos. Os estudos são sempre comparativos, e essas comparações devam seguir certas normas para que as conclusões não sejam tomadas a partir de premissas falsas. Os católicos e os não católicos que vivem na Arquidiocese de Olinda e Recife estão exercitando, em relação ao futuro bispo, essa arte, a da comparação e a estão fazendo não tanto a partir da prática, mas dos desejos. Ah! Os desejos sempre auxiliam a criar a realidade.

O ponto de comparação é o atual arcebispo, Dom José Cardoso Sobrinho, que se torna emérito, aposentado, voltará à sua condição de padre, não mais poderá falar como autoridade eclesiástica, não mais fará parte do núcleo do poder, ficará em silêncio, assim como Dom Hélder após um telefonema. Ora, como príncipe e como bispo Dom José Cardoso não conseguiu o afeto de grande parte dos seus diocesanos. Mas, nenhum bispo ou arcebispo de Olinda e Recife foi amado pela totalidade de seus súditos. Os príncipes não precisam ser amados. Dizem que Dom Cardoso teria sido indicado pelo Discatério para arcebispo de Olinda e Recife, porque um bispo progressista teria lembrado que há de um século a sede arquiepiscopal da Província Pernambucana não tivera um bispo nascido em Pernambuco. Roma atendeu a lembrança solitária daquele eminente bispo e a Arquidiocese recebeu o pernambucano nascido em Caruaru, Carmelita formado em Goiana e doutor em Direito Romano por academia pontifícia. Talvez, mais do que o fato de ter ele nascido em Pernambuco, o que tenha pesado mais na decisão romana foi a orientação política conservadora do então bispo de Tacaratu, MG. Havia outros pernambucanos que poderiam ser escolhidos, mas não eram conservadores, não estavam indo na direção que os ventos do Vaticano sopravam, e a direção indicava calmaria ou o não atracamento no cais de projetos que então ruíam e que o Vaticano auxiliara a corroer.

Quando assumiu a arquidiocese, Dom Cardoso encontrou um rebanho que suspeitava dele e do qual ele também suspeitava. Para os católicos “progressistas”, e os progressistas não católicos, a chegada de Dom Cardoso punha problemas que os desfavorecia naquela conjuntura política e eclesiástica. E aí estava o cerne da questão eclesial que Dom José Cardoso não soube –ou não quis – solucionar. Dom Cardoso chegava para governar uma diocese em que parte dos católicos já não se sentiam súditos de uma sociedade feudal, mas que haviam desfrutado de uma participação quase democrática – na linguagem eclesiástica diz-se colegiada -; na sociedade recifense havia aqueles que receberam orientação católica e desejam uma possibilidade de prática religiosa que não fosse confundida com aquela de seus pais e avós, esses estavam retornando aos templos, alguns chegavam a afirmar que haviam feito a Primeira Comunhão e casado segundo o ritual romano. Essa pequena utopia, e as pequenas utopias são sempre maiores que os maiores sonhos, quase se realizara nos anos do pastoreio de Dom Hélder, os anos imediatamente anteriores á chegada de Dom Cardoso. Mas em um outro lado desse paralelogramo havia um grupo de católicos conservadores que silenciara obedientemente, catolicamente, durante o período helderiano, e foi com esse grupo de padres e leigos que o bispo canonista fez o governo da diocese que lhe fora confiada pelo papa João Paulo II.

Embora carmelita, ordem criada após a morte de Gregório VII, Dom José Cardoso assumiu a tarefa de defender a Igreja, a convicção gregoriana de que a Igreja se coloca acima de todas as vicissitudes humanas. À Igreja e ao papa todas as autoridades estão submetidas, diz o Dicatatus Papae. Muito dos que não concordaram saíram, ou mantiveram-se catolicamente. Mas agora é a hora do exílio a que todo bispo, desde decreto de Paulo VI, está sujeito. Note-se: Dom Cardoso não foi afastado da arquidiocese senão quando a lei obrigou, o que significa que ele fez aquilo que lhe foi pedido pela Congregação dos Bispos. Religiões são carregadas de atos simbólicos e o entendimento desses atos nos fornecem a compreensão dos fatos que ocorrem nas instituições religiosas e nas demais instituições de poder. Poderes são dados àqueles que reconhecem o poder. Vejamos: enquanto o seu antecessor não conseguiu que aquele Discatério lhe concedesse um auxiliar, Dom Cardoso recebeu três auxiliares, entre eles, Dom Fernando Saburido que receberá o báculo arquiepiscopal, das mãos de Dom José Cardoso, na concatedral da Madre de Deus.

Recebi uma pergunta que me afirmava ser Dom Fernando Saburido mais carismático que o arcebispo que retira. É provável. Disse-me, essa pessoa, que quando pároco da paróquia de São Lucas, Ouro Preto, Olinda, PE, o vigário conhecia as pessoas, conversava com elas, enquanto dom Cardoso não parecia ter essa preocupação. Realmente é parte do carisma de um padre estar preocupado com os seus paroquianos, estar em contato com eles e auxiliá-los a superar os confrontos diários. É o carisma da função e nem sempre aquele que está na função tem o carisma da função. Parece que o padre Fernando Saburido tem uma boa relação com o carisma sacerdotal. Mas, as pessoas que fazem essa comparação não conviveram com Dom José Cardoso enquanto vigário. Parece que Dom José Cardoso jamais foi vigário de uma paróquia, ele sempre este envolvido com os estudos e o ensino do Direito Canônico, só deixando a academia para ser bispo de Tacaratu, cidade que, quando era povoado, marcava o fim da diocese de Pernambuco. Mas, teremos que esperar para ver como Dom Fernando Saburido marcará a Arquidiocese de Olinda e Recife, como exercerá o múnus e o carisma episcopal na historicamente problemática arquidiocese pernambucana.

Enquanto isso, nós podemos analisar as pistas que sua posse nos oferece para uma possível compreensão inicial. E aqui temos mais símbolos. A entrada do bispo em uma cidade é uma maneira que ele tem para dizer sem palavras, idéias que nem sempre afloram conscientemente. Apresentar-se para ser conhecido e reconhecido. A apresentação do príncipe diz quem esse príncipe pretende ser, e diz para além de suas palavras. Aqui temos conjecturas, pensamentos mistos, de cientista e também de católico que viverá o seu quinto arcebispo.

Nascido na cidade do Cabo de Santo Agostinho, Fernando Saburido teve toda a sua formação no Recife e em Olinda, ordenado padre em 1983 no Mosteiro de São Bento, tendo atuado em várias paróquias em Olinda, foi sagrado bispo no ano 2000, sendo auxiliar na Arquidiocese de Olinda e Recife e bispo de Sobral, CE.

Pelo que li nos jornais, Dom Fernando Saburido, ao chegar em Pernambuco, irá para a sua casa monástica, o Mosteiro de São Bento, em Olinda, antiga sede episcopal. De lá irá até próximo ao Palácio Rio Capibaribe, sede da Prefeitura do Recife, onde subirá em carro de bombeiro e desfilará até a Concatedral da Madre de Deus, que pertenceu à Ordem dos Padres Oratorianos, onde receberá o Báculo e de onde sairá para a aclamação popular na Praça do Marco Zero. Após toda essa cerimônia, retornará para Olinda, onde residirá no Seminário de Olinda. O Palácio do Manguinhos será a Chancelaria da Arquidiocese. Se esse roteiro for verdadeiro e realizado, teremos um arcebispo que, no seu primeiro dia de trabalho pisará apenas na Olinda e Recife dos séculos XVI a XVIII.

quarta-feira, agosto 12, 2009

A dois passos do paraíso

Algumas ocupações humanas são tão antigas quanto a própria vida social. Outras ocupações são mais recentes, embora, se as observarmos bem, elas são aperfeiçoamentos de outras. Conversas são antigas.

Na tradição judaica, uma tradição da palavra, os dois primeiros capítulos apresentam uma narração que é sempre uma conversa do ser consigo mesmo: é Javé conversando consigo enquanto cria o mundo e, quando o primeiro homem diz a primeira conversa é uma conversa consigo mesmo, quando ele define o que é a mulher. Não existe o outro que pode pensar ou falar ou se definir, mas é o mesmo que diz o que o outro é.

A primeira conversa, de um ser com outro ser ocorre entre a Serpente e a Mulher. Sabemos o resultado dessa primeira conversa sobre o fruto que havia sido proibido. Daí então virão muitas outras conversas. E o próprio Javé dirige-se diretamente às suas criaturas que se escondem, começam a colocar a culpa de uma ação realizada escondida do criador do jardim no outro; dizem que se um errou o outro também está errado; mas ninguém assume que é responsável pelo que fez. É um parlamento, uma assembléia cheia de acusações aos demais, jamais de auto-acusações, de assumpção de responsabilidades.

Outro incidente de pouca conversa entre os homens envolvidos é a história de Caim e Abel, que jamais trocam palavras entre si. Caim mata Abel sem que o relator dos acontecimentos apresente os dois conversando. Apenas diz que Caim diz para Abel: “Saíamos.” E o mata. Javé conversa com Caim antes e após a morte de Abel. E após a morte de Abel, Caim conversa com Javé, e suas palavras são semelhantes a de seus pais após terem se refestelado secretamente do fruto que lhes havia sido proibido. Descoberta a farra que em segredo foi realizada em benefício de alguns, surpresos por terem sido descobertos, todos começara a parlamentar que eram inocentes, ou nada poderia lhes ser imputados, pois os outros também o fizeram. Quanto a Abel, bem esse jamais falou, ele foi quem mais perdeu, embora Javé tivesse gostado muito de suas ofertas.

Ora, conversar, trocar idéias, dizer o que pensa, o sente, mas fazer isso de maneira explícita para ser a base de todo bom entendimento. Conversando podemos chegar a novas maneiras de entender o que já entendemos, ou perceber que o outro que nos enganar. Toda boa mercancia vem de muita conversa, de muito diálogo: mercadores, mercadantes, bons comerciantes, bons parlamentares sabem disso. Mas é sempre bom conversar de maneira que todos os interessados tenham participação, que nada seja secreto, ou só de alguns. É certo que Javé teve que decidir consigo mesmo a criação, ele teve que convencer-se que era algo a ser feito. Parece que ele disse, informou que não deveria haver banquete com um determinado fruto, entre tantos que estavam á disposição. Ele não fez segredo disso. Até disse o seu uso levaria á morte, à destruição. Mas, eis que ocorreu uma conversa entre uma personagem – serpente – com outros personagens - mulher, homem – mas na ausência de um dos personagens – Javé. Dessa reunião secreta veio o banquete do qual frutificou a morte anunciada.

Os negócios feitos às escondidas levam à morte das conversas, das possibilidades de entendimento, pois todos põem a culpa nos demais. Ninguém é culpado. Nem o irmão, nem o pai, nem o avô, nem o neto, nem o namorado, nem o amigo, nem o coronel, nem o cangaceiro, nem o agricultor, nem o pastor, nem o conselheiro. E como ninguém é culpado, todos vivem com medo, pois parece haver uma possibilidade de existir, em algum lugar, um dossiê, uma pasta vermelha (pode até estar vazia) que seja uma chamada para uma conversa com algum mercador andante, algum especialista em prometer que “seus olhos abrirão e sereis como deuses, versados no bem e no mal”.

E então...

quinta-feira, agosto 06, 2009

Sabedoria paraguaia:O Brasil aceita tudo

“O Brasil aceita tudo.” Esta bela frase, tornada pública em matéria jornalística no dia 5 de agosto, foi dita por um paraguaio que ensinava como utilizar, no Brasil, documentos forjados no Paraguai, aceitos por brasileiros. Um claro ato de não observância das leis locais e internacionais. Mas ele fazia isso com tranqüilidade, pois, vendia facilmente carros a brasileiros que aceitam falsificar documentos de residência para justificar a compra de automóveis no país vizinho. Os documentos forjados no Paraguai devem ser usados no Brasil, e isso está sendo feito pois “o Brasil aceita tudo” , como diz o sábio paraguaio que assiste o Brasil aceitar todas as exigências feitas pelo presidente Lugo.

Assim parece pensar grande parte dos brasileiros. Em reportagem esportiva, após a desclassificação de cinco atletas brasileiros por uso de substância não permitida, o repórter perguntou se, tendo o técnico assumido que foi dele a decisão de orientar os atletas a usarem a substância, não seria possível diminuir a pena dos atletas. Bem que se poderia dar um jeitinho, e fazer de contas que os atletas não seriam responsáveis pelo que põem dentro de seus corpos. A pergunta do repórter mostra que, talvez o paraguaio tenha razão. “O Brasil aceita tudo”. O Brasil aceita que uma pessoa possa dizer publicamente que não conhece o seu afilhado, mesmo que uma fotografia o mostre, no dia do casamento, ao lado do afilhado. O Brasil aceita tudo.

Durante a ditadura militar, compreendendo que os eleitores, proibidos de votarem para os cargos de governadores de seus estados, estavam votando sistematicamente em pessoas que, no Senado, fariam oposição ao regime, o ditador Ernesto Geisel fechou o Congresso e veio com um “pacote de abril”, modificando a composição do Senado. Até então cada estado federativo escolhia dois senadores para formar a Casa Revisora Mas, com o objetivo de garantir a presença majoritária do regime e garantir a "governabilidade", foi criado o terceiro senador, este escolhido pelo ditador de plantão. Foi o que se chamou de “senador biônico”, aquele que é escolhido para cargo eletivo sem ter sido votado, sem sido a escolha do povo. Alguns anos depois a ditadura sucumbiu e foi convocada uma Assembléia Constituinte que fez a Constituição. Na nova Constituição, cidadã, como disse o deputado Ulisses Guimarães, manteve em três o número de senadores, ao invés de eliminar a cria da ditadura. E, para a eleição desses senadores foi posta a figura dos suplentes, que são sujeitos ocultos ou ocultados. Esses são eleitos com os votos daqueles, sem que os eleitores saibam quem são eles. Quase um terço dos atuais senadores chegaram ao posto sem terem sido eleitos, são suplentes.

Atualmente, tem uma comissão de Ética no Senado que está investigando o senador que disse não conhecer seu afilhado (mentiu) e esta comissão está sendo presidida por um senador que era suplente do suplente. Como dizia o sábio paraguaio: O Brasil aceita tudo.

sábado, agosto 01, 2009

A Biblioteca Nacional e o Ponto de Cultura e Leitura Maracatu Estrela de Ouro

Escuto o Yellow Submarine, que diz que tudo que eu preciso é amor. Essa é uma eterna questão, pois o amor é vivido nos atos dos dias da vida e não apenas com palavras ocas. O amor é um eterno ato de criação nas experiências diárias. Hoje,vivi algumas experiências interessantes. Hoje, algumas dessas experiências ocorreram na casa do Ponto de Cultura Estrela de Ouro de Aliança.

Aliança é uma cidade da Zona da Mata Norte de Pernambuco, uma cidade pobre: pobre de dinheiro na mão do povo; aparentemente pobre na cabeça, na imaginação dos que dirigem a cidade, pobre de presente, pobre de futuro e rica de um passado pobre. Entretanto a cidade é rica de canaviais. Nesta cidade, auxiliamos a organizar um Ponto de Cultura, o Ponto de Cultura Estrela de Ouro que, em sua primeira ação, promoveu a interação social de 26 jovens, alguns agora estão inseridos no mercado de trabalho em Aliança e em cidades vizinhas.

Essa ação levou-me a escrever dois livros: Festa de Caboclo e Maracatu Estrela de Ouro, a Saga de uma tradição. Um pouco sem sentir, saiu quase uma história da cidade. Mas tem sido difícil manter contato com o Secretário de Educação da Cidade. Assim ainda não pude dizer a ele que o Ponto de Cultura Estrela de Ouro de Aliança agora é parte da rede que está sendo formada a partir da Biblioteca Nacional e que a cidade de Aliança faz parte de uma grande rede nacional de bibliotecas. O Ponto de Cultura, a partir de um pequeno projeto – Leitura no Ponto, Agora é reconhecido como Ponto de Leitura.

Em 2005 o Maracatu Estrela de Ouro iniciava uma parceria com Jorge Mautner com o projeto “RioPernambuco.com”, com apresentação musical no Teatro Nelson Rodrigues, no Rio de Janeiro. Aproveitamos a oportunidade para visitar o Museu Nacional e a Biblioteca Nacional. Um bando de mestiços, na sua maioria analfabeta, foi conhecer a catedral da leitura e hoje é sócio de uma instituição criada pelo Príncipe Regente português, Dom João, lá pelos idos de 1808. Fico pensando: como dizer isso a esses senhores que assumem a liderança de uma cidade sem terem como objetivo melhorar a condição de vida, melhorar a condição de educação, de saúde do seu povo. É de muita importância de que a Biblioteca Mestre Batista, em Chã de Camará seja parte do sistema nacional de bibliotecas.

Neste dia 30 de julho de 2009 o Ponto de Cultura Estrela de Ouro de Aliança, que fica ali, no meio do canavial, na Chã de Camará, que fez e faz a riquezas de alguns, assinou um documento que o associou à Biblioteca Nacional, criada pelo regente Dom João de Portugal, no ano de 1808, mas assumida, depois pelo Império e pela República, tanto quanto o Teatro Municipal.

E esse fato está ligado ao trabalho simples de voluntárias que, a cada sábado, criam e recriam o mundo de crianças e adolescentes com o pequeno acervo da Biblioteca Mestre Batista, agora acrescido com os livros e equipamentos enviados pela Bibioteca nacional.

Como é bom ouvir de jovens, entre treze e quinze anos: “Professor, já li todos os livros que o senhor trouxe a semana passada.”

Neste dia, 30 de julho recebemos da Biblioteca Nacional mais mil livros para saciar a fome de saber e conhecimento dos meninos, das meninas, dos rapazolas, das moçoilas que estão descobrindo a beleza de ler coisas novas enquanto seus pais estão cortando duas toneladas de cana. E esses jovens são filhos de cortadores de cana, bisnetos de escravos de corte de cana. Além dos livros recebemos três cadeiras, duas estantes, um computador, impressora, mesa e cadeira. Que bela essa ligação entre a Biblioteca Nacional e os Pontos de Cultura que sabem que cultura é, também, leitura, reflexão e escrita e não apenas, como podem pensar, batuque e rebolado. Os caboclos de Lança de Cambará não são apenas de apito, mas apitam para o futuro.

Isso me faz ver como foram desprezíveis certas dores sofridas no contato com os descendentes dos senhores de engenhos falidos (alguns foram meus professores). Gilberto Freyre teve sobre a sua classe a dignidade da crítica, analisando a decadência dos senhores de engenho por não terem criado condições de integrar os trabalhadores ao mundo que a riqueza do açúcar criava. Mais do que doação do “bolsa família” é mais interessante para o futuro cuidar com mais afinco as transferências culturais. Também é desnecessária a "bolsa ditadura", esta concedida aos “revolucionários” que, sempre disseram, desejar o melhor para o povo que, no Brasil, é esse pessoal que nem sempre tem o mínimo para sobreviver. A maioria dessas "bolsas ditadura" está sendo dada a jornalistas, advogados, políticos, e tantos outros que a recebem por "quase terem se sacraficado" pelo povo.

Nesses tempos pode ser difícil colocar Cultura e Leitura juntos, pois há quem ache que cultura é só rebolado e que roubo é só de galinha. Mas, nós sabemos, lula sempre foi uma enguia escorregadia.

Quero agradecer e parabenizar Wanessa, Bárbara, Amélia, que sonham comigo e as crianças cada sábado; agradecer a Afonso, Luiz Caboclo, Patrícia, Lourenço, Biu do Coco, a todos os que fazem o Ponto de Cultura Estrela de Ouro; aos meus filhos, à Associação Reviva.

terça-feira, julho 28, 2009

Pobreza

Uma das notícias da semana passada foi um conjunto de dados, uma pesquisa sobre a quantidade de jovens que serão assassinados nos próximos anos. È uma cifra acima dos vinte mil jovens mortos até o final da próxima década. Esses são índices positivos na luta contra a mortalidade infantil e tudo pode ser perdido na questão da sobrevivência de jovens até 19 anos. Bem, isto está de acordo com a proposta da Organização das Nações das Nações Unidas de fazer com que até 1015 seja reduzida a pobreza extrema na América Latina. Extrema pobreza significa quem vive com um dólar por dia. Há muitos brasileiros nessa situação e o estudo “Rumo ao objetivo de reduzir a pobreza na América Latina e no Caribe” apresentado pelo CEPAL, PNUD e IPEA, diz que “seis países continuariam a reduzir a incidência de pobreza extrema, mas a um ritmo muito lento”, entre eles está o Brasil, juntamente com a Costa Rica, El Salvador México e Nicarágua. Ao mesmo tempo estamos produzindo cada vez mais riqueza. O Brasil, por exemplo, espera estar entre as cinco maiores economias do mundo ao final da segunda década do século. Isso indica que continuará o processo de concentração de renda.

Podemos inferir que a pobreza continuará sendo combatida, principalmente com a concessão de bolsas que fazem crescer o consumo, mas que não garantem a melhoria efetiva da qualidade de vida. Pessoas continuarão a viver próximas a esgotos abertos, sem água tratada, sem acesso real aos benefícios criados pela civilização tecnológica. O que essas pessoas recebem, e algumas continuarão a receber, são os efeitos negativos, globalizados com maior facilidade. Para que esse quadro realmente mude, não é necessário o Estado total, pois se assim o fosse, as sociedades do antigo império soviético teriam realizado esse sonho. Mas é necessário que o Estado esteja presente, crie e direcione projetos para que a sociedade siga nessa direção desejada. Para isso carecemos de políticos que tenham uma visão para além dos seus interesses particulares e dos interesses de seus partidos; precisamos de políticos e partidos que sejam capazes de pensar além de apenas permanecerem no poder para seus enriquecimentos comprovados com a construção de castelos, mansões, além da compra de ilhas para seus repousos pessoais.

Mas com certeza algumas coisas já mudaram. No século XIX ocorreu, em Salvador, BA, a chamada Revolta da Chinela, que foi um protesto contra a escassez de farinha e carne para a alimentação dos pobres. Foi uma reação dos mais pobres contra a política governamental que não garantia os produtos para a alimentação básica dos mais pobres, esses que andavam de chinelas, pois o uso de sapato sempre foi apanágio dos que podiam pagar tal parte do vestuário. Depois veio o tamanco, influência que nos chega com a grande imigração do final daquele século, para acompanhar os pés dos pobres. O tamanco foi muito usado até meados dos anos sessenta do século passado, e hoje é utilizado para fazer o maravilhoso trupé do Coco Raízes de Arcoverde. Então foi se estabelecendo, cinqüenta anos depois da chegada dos japoneses, a sua sandália, feita de borracha, e uma das marcas tomou conta do mercado: as havaianas. Mas era utensílio das camadas mais pobres da população. Lembro-me que Enéas Álvares, quando trabalhava no Instituto Nacional do Cinema e eu ia ao seu escritório pegar filmes para apresentar no Alto do Refúgio, em Nova Descoberta, me perguntava por que eu tinha que ir ao seu escritório de sandália havaiana. Hoje, essas havaianas fazem sucesso no mundo globalizado, com famosos as usando nos pés e nas mãos. Entretanto, ainda escutei recentemente: por que é que o senhor está de havaiana?

E o que eu vejo é que muitas sandálias havaianas descartadas ainda são reaproveitadas por aqueles que vivem com um dólar diário.