domingo, novembro 01, 2009

Festa do povo

Estou em Pesqueira, início do Sertão ou final do Agreste. Vim para a inauguração do Ponto de Cultura Ororubá, formado pela união de quatro grupos criativos e criadores de ritmos, sons e movimentos: O COCO CANCÃO PIÔ, um tradição quase centenária surgida nos espaços da Serra do Ororubá, pela Família Dotô, e reanimada sob a liderança do Mestre Timóteo; a ESCOLA DE SAMBA LABARIRI, criada por Daniel que após um período de alguns anos vividos no Rio de Janeiro, retornando em 1962 e resolveu por essa escola na rua, lembrando graciosa música carnavalesca, sucesso na voz de Jorge Veiga, e a Labariri hoje mantêm-se sob a liderança do Mestre Ulisses, co-fundador; as CAMBINDAS VELHAS, criadas em 1907 e mantidas até os dias de hoje, sempre saindo nos carnavais sob a coordenação de do Mestre Rosendo; e AS CAIPORAS, nascidas a 48 anos, fruto de uma brincadeira inventada para assustar as crianças no carnaval, surgidas em uma conversa de bar de JoãoJustino, o Gilete, com um amigo, e teve em Dona Helena a artista para a criação da fantasia que encanta um maior número de pessoas a cada ano. Fico feliz em participar desta festa inaugural, de entrar na casa Ponto de Cultura Ororubá, localizado na Farroupilha, onde no passado havia um parreiral e local de nascimento da Escola de Samba Labariri e do grupo Caiporas.

Nos anos posteriores à guerra que expulsou os holandeses de Pernambuco, os mestiços do litoral, iniciaram a conquista dos sertões pernambucanos. Padres da Congregação do Oratório estabeleceram uma missão na Serra do Ororubá e dessa ocupação veio a formação da Vila de Cimbres, que veio a ser a mais antiga paróquia desses sertões pernambucanos e o local do primeiro Senado do Sertão. Os padres introduziram a devoção de Nossa Senhora das Montanhas, pretendendo superar a Mãe Tamain. No alto da serra, ao longo dos séculos as tradições indígenas, africanas, portuguesas e mestiças fertilizaram-se mutuamente, criam-se e recriam-se ainda nos dias de hoje, ao tempo em que as profundas raízes Xucuru retomam o culto a Timaim. Nesse local de criatividade e sofrimento, o povo recria sua história, cria novas histórias, com as Caiporas que saíram das matas para brincar na ruas de Pesqueira, filha da Vila de Cimbres; o povo conta sua história na batida das mãos e dos pés ao canto do Cancão, na dança mestiça do coco do Cancão Pio; ou nas fantasias das Cambindas Velhas, a brincadeira dos trabalhadores da estrada de ferro que chegava em 1907, com os homens negros e mestiços cambindando, vestido-se com roupas femininas, quase recriando o maracatu de Baque Virado, mas sem as marcas da escravidão, pois que essa é um brincadeira criada na liberdade republicana, como as mais brasileiras tradições. E, se as Cambindas Velhas são filhas da movimentação dos trens entre o Recife e Pesqueira, a Escola de Samba Labariri é cria da migração gerada pela industrialização dos anos cinqüenta e das rodovias que favoreceram o vai e vem da população entre o Sudeste e o Nordeste.

Fico feliz em ser participante desses gloriosos momentos do Ponto de Cultura Ororubá, local de confluência das tradições que formam o Brasil, sem as bobagens, cultivadas por certos grupos sociais, de ficarem semelhantes aos “civilizados europeus” por utilizarem alguns dos instrumentos criados por eles. Gosto de viver com os brasileiros, como esses grupos que se uniram para formar o Ponto de Cultura Orarobá, pois têm em comum o fato de continuarem a ser a riqueza cultural de Pesqueira após a debandada dos “capitalistas” industriais. As mudanças políticas e sociais não mais permitiam acordos abusivos na contratação da mão de obra e as “indústrias” faliram. A chegada da revolução rodoviária superou o tempo dos trens. A destruição das matas tornou mais seco o tempo agreste e as goiabas e tomates não eram mais suficientes para garantir lucros exorbitantes, as leis tornaram mais difícil a exploração da população local e a rodovia federal os levou para a capital, de onde choram saudades por tempos passados, enquanto isso o povo mestiço de Pesqueira continuou a produzir a riqueza que é mais forte que o ouro, mais resistente que o diamante: a cultura.

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