sexta-feira, janeiro 18, 2008

SOCIEDADE DE CORTE

Entre os diversos painéis apresentados e debatids em nossa classe de História Moderna II, no 5º período noturno, tivemos a leitura da obra de Norbert Elias e esse texto.


SOCIEDADE DE CORTE

por

Débora Claro, Bruna Iglesias, Otávio Augusto e Gabriela Lucena

Introdução

A dita Sociedade de Corte que dá nome ao livro de Norbert Elias, é considerada por ele como “a última grande formação social do Ocidente” e encerra em sua significação todo um conjunto de normas, valores e moral, que se tornaram obsoletos após os sucessos experimentados pelas revoluções burguesas, porém, que influíram em postulados posteriores para a vida da sociedade em formação.

Will e Ariel Durant, em a Era de Luís XIV, afirmam que “[1]a Corte e o Rei auxiliaram a civilizar a França”, à medida que a vida na Corte carecia de um conhecimento considerável a cerca de boas maneiras e uma noção de hierarquia social, prestígio e de manutenção dessa condição. Habitat da aristocracia francesa, e lugar almejado por boa parte da população dita comum, Versalhes e a vida cortesã por ele revestida, compreendiam luxo e requinte que a todos fascinavam. O privilégio de participar da Corte de Versalhes era alcançado também por alguns burgueses os quais alçavam vôos políticos ou eram detentores de grandes fortunas, entretanto, esse digníssimo status de cortesão, só era cedido a aqueles que melhor se adequassem ao jogo de interesses que prevalecia.

Pertencer a Corte significava a manutenção de prestígio e possibilitava a ascensão na hierarquia social. Todo um conjunto de normas comportamentais regia as ações desses viventes. O rei, no seio dessa sociedade cortesã simbolizava o poder máximo e originava em torno de si um Universo de intrigas e competição por seus favores e preferências; uma atmosfera carregada de maledicências. Compunha ainda as querelas palacianas, um intenso embate por nomeações lucrativas ou por um lugar de honra no leito real.

A representação da cidade, da urbe propriamente dita, teve início com a representatividade que a corte tinha nesse mundo agora extremamente urbano. Toda a significação que a cidade tem para a sociedade contemporânea como centro de efervescência cultural e os citadinos como mais notáveis, foram inaugurados ainda no século XVII, quando a monarquia francesa decidiu aglutinar ao seu redor todos os nobres e aristocratas, além do aparelho estatal organizado, agora numa corte urbana e fixa.

A Corte da França encontrou seu ápice de esplendor no Palácio de Versalhes, palco maior de toda uma série de encenações cortesãs, e que representava, mesmo na disposição espacial de sua construção, a rígida estratificação da hierarquia social da época de Luis XIV. Versalhes foi a concretização de um sonho sonhado pela monarquia francesa, ainda na vigência do reinado do monarca Luís XIII, que somente teve suas obras concluídas na regência de Ana da Áustria e do cardeal Mazzarino. Lá todo o desenrolar da vida cortesã foi experimentado, e a partir do fausto e da opulência da imagem construída por Versalhes. A corte francesa se tornou exemplo de requinte e luxo para todas as outras cortes palacianas da Europa dos séculos XVII e XVIII, além de imprimir uma influência francesa para o mundo todo, que perdurou de fato até o início do século XIX, em noções de costumes, comportamento e cultura.

Estrutura e significação do Habitat.


A construção do palácio de Versalhes representava muito mais do que a pompa e o luxo de uma sociedade, continham nos seus traçados e na disposição dos cômodos construídos, a simbologia de uma rígida estratificação social hierarquizada.

Dentro da magnitude de sua construção, todos os setores do palácio seguiam uma organização ao redor do pátio central, de acordo com a relevância social de sua função. Os apartamentos reais tinham uma posição mais central e próxima dos grandes salões do palácio, local de festas, banquetes e recepções de altas autoridades políticas. Os apartamentos dos cortesãos seguiam posicionamentos, circundando os salões e os apartamentos reais de acordo com o prestígio social de seus ocupantes. De acordo com os interesses e pretensões políticas ou pessoais do rei, mudavam-se os cortesãos de quarto sem qualquer sobreaviso. A mudança da favorita do rei, ou a chegada de um amigo próximo da realeza, traria para perto do apartamento real a pessoa designada.

Os outros tipos de residências, rurais ou urbanas na França do século XVII e XVIII, refletiam internamente todo o caráter cerimonioso e hierárquico do Universo cortesão da sociedade. Como espécies de miniaturas das reproduções da sociedade, todos os cômodos e suas respectivas funcionalidades se repetiam também nas residências não reais, como os chamados hotéis, moradas dos cortesãos, que deixam de ter uma significação de moradia, passando ao significado atual, a partir do fim do século XVIII.

A funcionalidade dos cômodos refletia também essa hierarquia social e o caráter público da vida na corte. O apartamento de sociedade seria um cômodo reservado para os amigos mais íntimos dos donos da casa, lugar de convivência e de recepção de visitas, refletia o conforto e o acolhimento da casa, sendo destinado à reprodução da chamada “vida de salão” e do caráter privado da mundana ou quase toda publica vida cortesã. Já o quarto de cama de aparato, era destinado a recepção formal de convidados. Nele seriam desenroladas as honrarias dedicadas a ocasiões burocráticas e que visam o acolhimento de atos públicos dessa sociedade cortesã.

A grande maioria das ações vivenciadas na sociedade de corte tinha um caráter profundamente público, onde a exibição do status garantia a manutenção da condição social do individuo. Vivendo em uma sociedade na qual todas as atitudes tinham uma representação social de sua posição, as despesas com manutenção de prestígio se tornavam necessidades inadiáveis e instrumentos de afirmação social.


Etiqueta e cerimonial: comportamento e mentalidade dos homens como funções da estrutura de poder de sua sociedade

O presente capítulo busca analisar o comportamento da aristocracia da sociedade francesa nos períodos de reinado de Luis XIV, Luis XV e Luis XVI. Durante estes reinados devemos ficar atentos às formalidades exigidas por Luis XIV, já que para ele a vida social no século XVII deveria se concentrar na corte. Certamente não devemos a criação das etiquetas a Luis XIV, no entanto foi o mesmo quem as aperfeiçoou e colocou em prática durante seu reinado na França.

Com a morte de Luis XIV esse comportamento cerimonial rígido foi se desagregando, deslocando-se da corte de Versailles para os palácios. Durante o reinado de Luis XV o convívio social se dava também nos palácios, como o Palais Royal, onde o regente morava, no Palais du Temple, local onde o Grão-prior de Vendome residia, ou então na Casa dos Conde, residência do Duque Maine, filho bastardo de Luis XIV.

Durante o reinado de Luis XIV a corte era para o rei e a aristocracia fonte de cultura e centro de convívio. Aos poucos, inevitavelmente, essa cultura vai se espalhando para os financistas. Com o frágil reinado de Luis XVI, e o aumento da riqueza nas mãos dos burgueses, a corte foi perdendo sua importância como centro social. Até que as revoluções detonaram toda a estrutura.

Sobre essa gradual abertura das formalidades aristocráticas diante do rei Luis XVI o Duque Richelieu disse: “sob o reinado de Luis XIV as pessoas se calavam, sob o reinado de Luis XV ousavam cochichar, sob o vosso elas falam bem alto”. Fazendo assim uma critica a perda de valores dos privilégios.

É no século XVII, no Palácio de Versailles, como já foi dito anteriormente, que efetivamente se forma e constitui a nova sociedade de corte de Luis XIV. Era de bom grado o rei ver seus nobres morando com ele no palácio. Logo Versailles habitou milhares de pessoas, sendo o abrigo temporário da sociedade de corte. Para se ter um exemplo em 1744 cerca de 10.000 pessoas incluindo os criados foram acomodados no castelo.

Tais etiquetas eram utilizadas pela aristocracia como uma forma de prestígio social. Para se ter uma idéia, podemos analisar um ritual peculiar ao despertar do rei Luis XIV em seu quarto:

“De manhã, geralmente à 8 horas, e em todo caso no horário por ele determina­do, o rei é acordado pelo primeiro criado de quarto, que dormia aos pés de sua cama. As portas são abertas para os pajens. Nesse momento, um deles acaba de dar a notícia ao "grand chambellan" e ao primeiro fidalgo de quarto, um segundo dirigiu-se à cozinha da corte para providenciar o café da manhã e um terceiro ocupa seu posto diante da porta, deixando entrar apenas os senhores que têm o privilégio do acesso.
Esse privilégio seguia uma hierarquia muito precisa. Havia seis grupos dife­rentes de pessoas com permissão para entrar, um após outro. Falava-se então das diversas "entrées". Primeiro vinha a "entrée familiere". Faziam parte dela sobretudo os filhos legítimos e os netos do rei (enfants de France), príncipes e princesas de sangue, o primeiro médico, o primeiro cirurgião, o primeiro criado de quarto e o primeiro pajem.
Depois vinha a "grande entrée'; reservada aos grands officiers de Ia chambre et de Ia garderobe” e aos senhores da nobreza a quem o rei concedera essa honra. Seguia-se então a "premiere entrée", para os leitores do rei, os intendentes para divertimentos e festividades, entre outros. Em seguida havia uma quarta, a "entrée de Ia chambre'; que compreendia todos os restantes "officiers de Ia chambre", além do "grand-aumônier (o grande capelão), os ministros e secretários oficiais, os "conseilleurs d'État", os oficiais da guarda pessoal, os marechais de França e assim por diante. A admissão para a quinta entrée dependia em grande medida da boa vontade do fidalgo de quarto, e naturalmente do favorecimento do rei. Incluíam ­se nela senhores e senhoras da nobreza que recebiam tal favorecimento, a quem o fidalgo de quarto deixava entrar. Assim, eles tinham o privilégio de se aproximar do rei antes de todos os outros. Finalmente, havia ainda um sexto tipo de entrada, que era o mais disputado. Nesse caso, não se entrava pela porta principal do quarto, mas por uma porta traseira. Era uma entrée aberta para os filhos do rei, incluindo também os ilegítimos, e mais suas famílias e os genros. Pertencer a esse grupo signi­ficava um grande privilégio, pois os envolvidos tinham permissão de entrar a qualquer hora nos gabinetes do rei - a não ser que ele estivesse em conselho ou tivesse começado um trabalho especial com seus ministros - podendo permane­cer no quarto até que o rei saísse para a missa, mesmo quando ele estivesse doente.

Como vemos, tudo seguia regras bem precisas. Os dois primeiros grupos eram admitidos quando o rei ainda estava na cama. Ele usava então uma pequena peruca; nunca aparecia sem peruca, mesmo deitado em sua cama. Quando estava de pé e o grand chambellan com o primeiro criado de quarto acabavam de vestir o seu robe, chamavam o grupo seguinte, a premiere entrée.

Quando o rei havia calçado os sapatos, ordenava aos officiers de Ia chambre que as portas se abrissem para a entrée seguinte. O rei tirava o robe. O maître de Ia garderobe puxava a camisa noturna pela manga direita, o primeiro criado de garderobe pela manga esquerda; a camisa do dia era trazida pelo grand chambellan ou por um dos filhos do rei que estivesse presente. O primeiro criado de quarto segurava a manga direita, o pri­meiro criado de garderobe, a esquerda.
Assim o rei vestia sua camisa. Então ele se levantava de seu fauteuil e o maître de Ia garderobe o ajudava a afivelar os sapatos, prendia a espada, vestia os seus trajes e assim por diante. Já vestido, o rei rezava brevemente, enquanto o primeiro capelão, ou um outro religioso que estivesse presente, recitava uma oração. Toda a corte ficava de prontidão, esperando na grande galeria, próxima ao jardim, a qual ocupava toda a extensão da parte central atrás do quarto de dormir do rei, no primeiro andar do castelo. Era assim que discorria o "Lever" do rei.” [2]
O que nos chama a atenção nesta citação é a meticulosa exatidão em que cada atitude revela um sinal de prestigio, simbolizando a divisão de poder da época. A etiqueta tinha uma função simbólica de grande importância na estrutura dessa sociedade aristocrática e dessa forma de governo real.

O fato de o rei despir sua camisa noturna e vestir sua camisa diurna era, sem duvida, uma atividade necessária, mas ela ganha um novo sentido no contexto social. O rei fazia disso um privilégio para os nobres presentes, que os distinguia diante dos outros. Ou então, participar das entrées servia como indicador da posição do individuo no frágil equilíbrio de poder entre os diversos cortesãos, equilíbrio controlado pelo rei.

As formalidades continuavam porque uma vez que a hierarquia dos privilégios foi criada segundo os parâmetros da etiqueta, esta passou a ser mantida apenas pela competição dos indivíduos envolvidos em tal dinâmica, privilegiados por ela e compreensivamente preocupados em preservar cada um dos seus pequenos privilégios e o poder que eles conferiam.
Embora fosse algo que reproduzia aspectos sem conteúdo e que muitas vezes se tornava enfadonho, as etiquetas foram preservadas até a Revolução Francesa de 1789, pois desistir dela teria significado tanto para rei quanto para a aristocracia um abandono dos privilégios, uma perda de poder e prestigio.

O cerimonial de despertar da rainha era vazio de conteúdo assim como o do rei. E por muitas vezes cansativo como, por exemplo, certa vez em que a criada de quarto estava ajudando a rainha a se vestir e mulheres de privilégios diversos entravam no quarto para ajudar a rainha. Logo, se uma pessoa que possuísse maior prestígio estivesse presente esta teria a honra de vestir a rainha.
Então assim que a rainha estava pronta para receber a blusa das mãos da criada de quarto chegou a dama de honra, a criada de quarto estava segurando a blusa da rainha e ia entrega-la para a dama de honra no momento em que chega a duquesa de Orléans. No entanto, quando a duquesa ia vestir a rainha chega a Condesa de Provance, que naquele momento era quem possuía maior prestigio. Por fim, a Condesa é quem coloca a blusa na rainha que durante todo este tempo estava despida e provavelmente orando para que ninguém mais entrasse no quarto.
Essa coerção da luta por poder, status e prestigio era continuamente ameaçado. Já que o fator determinante que obrigava todos os participantes dessa estrutura articulada em sua escala hierárquica, a continuar realizando um cerimonial que se tornara um fardo.
E, sem dúvida, a menor tentativa de reforma teria provocado a oposição de amplas camadas privilegiadas, que temiam, talvez com razão, que tocar qualquer detalhe da ordem estabelecida pudesse resultar na ameaça ou destruição da estrutura de dominação que lhes concedia privilégios.

Assim como Maria Antonieta que certa vez tentou alterar a etiqueta, e a própria nobreza protestou. Já que uma duquesa que antes tinha o privilégio de sentar-se a mesa somente com a rainha, se ofendeu quando viu pessoas de um nível inferior tendo o mesmo privilegio.
Ora, tudo o que desempenhava um papel na relação entre os homens convertia-se em chance de prestígio nessa sociedade: o nível social, o cargo herdado e a antiguidade da casa. O favorecimento do rei, a influência sobre os ministros, a participação em uma determinada “panelinha”, a liderança no exército, as boas maneiras, a beleza do rosto, tudo isso convertiam-se em chance de prestigio, combinando-se em um homem singular e determinando seu lugar na hierarquia inerente à sociedade de corte.
“Aquele que não é visto, não é lembrado”, o ditado popular atual cabe muito bem nestas circunstâncias, pois não importa seu título: ele só faz parte da “boa sociedade” enquanto os outros acham que faz, ou seja, enquanto o consideram um membro. A opinião social tem, em outras palavras uma importância e funções bem diferentes das que desempenham numa sociedade burguesa mais ampla.

Vale mencionar que na sociedade de corte de Luis XIV na Fraca do século XVII a exigência de prestigio não deve ser esclarecida a partir de uma vontade de assegurar chances econômicas, embora ela resulte de uma determinada situação econômica. A etiqueta e o cerimonial dos cortesãos não é nenhum ethos econômico disfarçado, mas algo distinto. Existir sob a aura do prestigio, ou seja, existir como membro da corte, é o objetivo final dessas pessoas.

Os Postos Femininos

A colocação “postos” pode ser inicialmente estranha, mas é disto que se trata quando viermos a observar a posição, de destaque, das mulheres no mundo da Corte. Deve-se, para tanto, ir além do caráter teórico que se dá quanto à função deste meio - administração, defesa territorial, poder público, governo do país. O que fariam então as mulheres, privadas, também teoricamente, da vida pública, e do poder a ela relacionada, neste ambiente? A condição feminina dentro deste universo masculino não fugiria à funcionalidade que estava cotada às damas de respeito e de família? É este caráter híbrido que nos possibilita conceituar como sociedade este ambiente das cortes na Europa, a partir do século XVI-XVII. Misturava-se o convívio familiar com o exercício do poder; regras de conduta próprias e isoladas, quase que alheias ao controle da Igreja e das normas sociais. Lá as mulheres eram mães, amantes e princesas. Famílias inteiras de nobres e de serviçais lá estavam alojadas, assim como o governo do Reino. Assim estas mulheres se viram, diferentemente da maioria das demais mulheres que não gozavam desta convivência nos palácios, esbarrando nos pilares da governabilidade, envoltas pelo poder e pela exposição pública – tão inconveniente ao seu sexo.
Eleanor Hermam avalia que a França passa a reavaliar seus conceitos acerca da mulher. Os teólogos ainda a atacavam, e sua fama de voluptuosa já estava arraigada no imaginário desta sociedade, sendo mesmo propagada pelos supostos combatentes da moral da Igreja, os humanistas. Ainda imbuído da visão cristã, porém se recolocando perante uma avalanche de novas concepções, Erasmo de Roterdã descreve as mulheres em seu Elogio da Loucura, como sendo mais susceptíveis à dita loucura, sendo a mulher a seguidora mais incontrolável desta. A volúpia, a dissimulação, a beleza, a futilidade e a vicissitude, entre outras “qualidades” às quais a mulher poderia se dar ao luxo de se entregar, conectam-se ao seu papel pouco exigente da tal Razão. Um ser tolo era o que se via na mulher. Dada às destemperanças de seu corpo pecaminoso ela era a tentadora cega, pouco racional. Para tal perigo à sociedade só restaria o controle rígido e incessante. A tutela da mulher pelo homem fez parte de uma ordem social calcada no temor a ela. E o principal controle se dava no âmbito sexual, da sua fonte demoníaca donde saíam as rédeas com as quais elas aprisionavam os homens e os cegava, tal como Eva fez a Adão no paraíso, o impelindo a comer do fruto proibido (o ato sexual?). Mas apesar disto a Sociedade de Corte, observada (mas não vigiada) de perto pelo povo, que a tinha em seus comentários, viu-se diante de mulheres que se interpunham, de maneira sensual (como Madame de Pompadour, Du Barry ou Montespan) ou pudica (como Madame de Mantenon e, tardiamnete, Louise de La Vallière), a tal concepsão. Ainda que corroborando com o mito da Devoradora ou da Virgem, algumas mulheres conseguiram demonstrar que a beleza feminina não é inimiga da inteligência. Ainda assim, o mundo fabuloso e ardil, da Corte utilizava as mulheres como peças de joguetes individuais, e estas fizeram jus a sua fama de imprevisíveis e ardilosas, por vezes conseguindo roubar para si os louros e a glória – ainda que temporariamente.

Dentro deste meio, as mulheres serviam para muitos propósitos além dos que se devem a sua posição ideal na comunidade. Neste mundo, onde o exemplo maior é Versalhes, todos os movimentos e relações tinham uma etiqueta, um ritual de conduta e uma definição de função, e as mulheres estavam bem organizadas e divididas por funções, postos. Cargos funcionais, como Dama de Honra e de Companhia, e títulos de nobreza, que interferiam diretamente nessas funções. É preciso, pois, diferenciar privilégio de prestígio. O privilégio por vezes provém do prestígio, mas este não é o único meio de conseguir tais privilégios. Os títulos são os principais fornecedores de privilégios. Mas o prestígio, que era a moeda corrente na Sociedade de Corte, também poderia vir antes do privilégio, e comprava os títulos de nobreza, vindo junto com uma comitiva de aduladores, ávidos por sugar um pouco do brilho que este alguém no momento emanava. Destes jogos de conquista as mulheres não estavam excluídas, na verdade quase sempre, ou sempre, estavam envolvidas. Chegando para a Corte, elas deveriam impor suas qualidades, suas virtudes, e suas garras. Se soubesse como conquistar alguém importante, homem (principalmente o Rei) ou mulher (a Rainha ou a mãe do Rei), ela conseguiria escalar vários degraus. Mas esta posição poderia oscilar tão rapidamente que sua cabeça jamais se reerguiria.

Tornar-se uma Demoiselle d'Honnor; era de fato uma honra, e uma oportunidade de ouro. Madame de Montespan – Amante Oficial de Luis XV por mais de uma década – foi Dama de Honra de Maria Lezsczinska, assim sucedeu com as suas predecessoras, as três irmãs Mailly, que se seguiram nas diversões da cama real, e que também eram Damas de Honra, ou da Rainha ou da própria Amante Oficial (no caso uma de suas irmãs).
As Damas de Honra serviam assim como uma rede de informações, tanto para a Rainha ou para a amante, quanto para o Rei, como também para outrem interessado em informações. Mas eram relações de risco, dadas a trapaças e escândalos.

Rainha e Amantes

Obviamente que as atenções estavam sempre voltadas para círculo Real, que com tempo ia tornando-se imenso, com filhos legítimos e ilegítimos do Rei, Amantes Oficiais e favoritas (o)s.
Contudo a Rainha e a Amante Oficial (que era um cargo distinto dentro das normas da Corte) eram os melhores alvos para o veneno e a risada, a adulação e o ódio.
A situação da Rainha era mais sólida que a da amante, as a última tinha mais conforto que a pobre e vigiada Mãe do Reino. Havia diferença bastante sensível. Primeiramente a escolha. O casamento era combinado, a esposa nem sempre era desejada, era um acordo político. No caso da amante era o oposto. Dentre todas as mulheres que desfilavam pela corte, uma chamara a atenção do Rei, por sua beleza, sim, mas principalmente por sua postura, seus modos, sua inteligência, ou seja, sua agradável companhia. Não se tratava apenas de sexo. A Amante Real por excelência, Madame de Pompadour ganhava mais influência com o passar dos anos, ainda que frígida e acabando por ter menos contato sexual com o seu Rei, Luis XV. Enquanto Maria Lezsczinska dava-lhe tantos filhos, entretanto não tinha metade da glória de Pompadour. Esta distinção de afetos estava clara nos próprios aposentos das mulheres do Rei. As amantes costumavam ter quartos suntuosos, e os das rainhas, ainda que belos não ram tão ornamentados. Presentes e títulos também faziam parte do mundo das amantes reais.
É obvio que tamanha disparidade viria acarretar a mesma medida de desavenças. Muitas vezes as rainhas não queriam passar pelo que consideravam uma humilhação e enfrentavam seus esposos, quase sempre a amante saia ganhando desta disputa. A decisão do Rei – o “cargo” mais sólido da Corte – era sempre seguida pela maioria de seus cortesãos, e muitas vezes uma Rainha teimosa podia sofrer as conseqüências com o desprezo de seus cortesãos. As amantes também esperneavam contra a sua condição de Amante e brigavam pelo casamento com o Rei, humilhavam a Rainha em público e armavam escândalos. Mas também acontecia de ambas viverem sob uma trégua, evitando constrangimentos. Como Maria Lezsczinska e Madame de Pompadour.

É importante salientar a importância das amantes na vida política do reino. Era um cargo oficial, como o de primeiro ministro, e deveriam se apresentar perante a Corte num cerimonial. As Amantes Oficiais serviam como embaixatrizes, como símbolo do Estado – já que as Rainhas eram quase sempre estrangeiras. As demais amantes que o Rei viesse a ter não tinham tamanha influência. Nell Gwen, amante de Carlos II da Inglaterra não se interpunha nos assuntos políticos nem ninguem lhe procurava. Já a sua Amante Oficial era regada de adulações e atenção. Eram elas poderiam ser portas de entrada para as negociações, como Diane de poitiers e Pompadour. É certo que nem todas elas se interessavam por assuntos de estado, como Madame du Barry, Louise de La Vallière. Mas com raras exceções estas se dedicavam a serem mecenas das artes e/ou musas, e todos que queriam adentrar em tal meio deveriam primeiro, convencer a Amante Oficial do Reino. Não era raro ver um movimento mais incomum em frente a porta da Amante do que a da Rainha. Mas tudo não eram flores para as tão apreciadas “Rainhas” do rei. A qualquer momento seu Senhor poderia se engraçar com outra cortesã e desinteressar-se por ela. Além de tal possibilidade.

O brilho de ser uma rainha era constantemente ofuscado pelo fulgor de um Rei absolutista. Quando este morria a situação se invertia. As mulheres Médicis – Catarina e Maria – são exemplos de pulso e fome de poder que só puderam se expandir com a morte de seu marido. As amantes também sofriam mudanças drásticas em seu status. Muitas vezes eram ameaçadas de viver o resto de seus dias na pobreza, no ostracismo. Outras se viam na dependência de um marido humilhado, mas todas se viram restringidas de todo o poder que conquistaram.
Com os filhos não havia possibilidade de disputas políticas quanto a sucessão do trono, já que os ilegítimos estavam fora da escolha. E as filhas arranjavam casamentos mais que satisfatórios. Para a amante muitas vezes eram um meio de estender ainda mais o seu domínio sobre o Rei. Quando Gabrielle d’Étrees engravidou de Henrique de Navarra, ela o tentou a casar-se com ela, oficializando-a e dando direitos aos seus próximos filhos – o que ela esperava já era considerado ilegítimo dado que Henrique encontrava-se casado com Margarida de Valois, que se negava a dar-lhe o divórcio. Já os filhos da Rainha estavam todos garantidos em seu futuro, ter um filho consoliva sua posição e sua respeitabilidade. Mas era inevitável que se cobrasse a atenção do rei, pois que esta era mais uma prova do amor de seu pai pela sua mãe ou do desprezo que este tinha por ela.


Fofocas e as Imagens dos Cortesãos

Há outro fator importante a se expor. As mulheres foram as mais fervorosas coletoras e divulgadoras de informações advindas do ambiente dos palácios e seus cortesãos. Os diários e as cartas que elas escreviam – por vezes incessantemente – são fontes primorosas para o estudo deste assunto aqui tratado. Obviamente que é preciso ter cautela ao se analisar tais fontes, já que muitas delas eram feitas para serem lidas pelos seus contemporâneos – ainda que por “acidente” como os diários. A difamação e as artimanhas estão contidas nestes escritos. Mentiras, verdades e meios termos são artífices utilizados por aquelas que se tornaram as pequenas, ou gigantes, “jornalistas” de seu tempo. Adentrando neste assunto, entra o que Norbert Elias chama de fardo de um cortesão. Pode-se ilustrar a convivência na corte dos palácios dos Séculos XVI e XVII como equivalente à pompa e à ostentação destes palácios, cujas cortinas, paredes e pilastras tão ricas e deslumbrantes escondiam as maquiagens, as tramas e os dejetos humanos deixados em pinicos no corredor para serem escondidos. Assim também era o dia a dia de um cortesão e de uma cortesã, que se enchia de ornamentos e de doces palavras, de belos modos, para esconder seus sentimentos reais. Mesmo aqueles que não desejavam se tornar como os típicos cortesãos fúteis e traidores dos romances acabavam precisando se misturar e se impor como tais para defender-se de possíveis armações e para impor algum respeito. Então muitos dos romances se passavam nas propriedades rurais de nobres, uma nobreza da terra que era mais pura, mais rodeada por amor, o amor cortês da Idade Media, ou uma nova idealização de amor que fosse mais sincero que o fugaz furor sexual vivenciado nas Sociedades de Corte. Maria Antonieta tentou se refugiar num desses paraísos rurais em seu Petit Trianon com este mesmo propósito, libertar-se das regras de etiqueta, dos janares com presenças inconvenientes Às quais precisava tratar amavelmente, e de todos os estafantes jogos de azar e de amor que a consumiam. Mas em sua maioria estes romances não eram levados à sperio, eram um refúgio literário apenas, não real. Sem o apoio do Rei, conseguido em freqüentes visitas a Versailles, no caso extremo da França, era difícil manter-se influente ou rico.


AS DESPESAS DE MANUTENSÃO DO STATUS SOCIAL DA CORTE E A IMPORTANCIA DA FIGURA DO REI NESSA SOCIEDADE


Num meio social tão diferenciado desse modelo industrial moderno em que vivemos onde acumular riquezas, e acumula-las sempre e mais, para manter ou elevar o nível social nos é estranho observar a forma como essa sociedade de corte se apresentava. Uma sociedade onde acumular riquezas era um estágio para se alcançar um título (comprado) de nobreza e passar a pertencer à esfera mais elevada da pirâmide social. Aos nobres era proibido, tanto legal quanto moralmente, de praticar alguma atividade comercial, pois isso, segundo Montesquieu (in Elias), tiraria aos comerciantes o estímulo maior que os incitava a juntar dinheiro, quando acumulassem o suficiente poderiam comprar um título de nobreza e começariam a gastar seus rendimentos imediatamente com as despesas de sua nova situação social.

As despesas de manutenção e representação desse status era a principal causa da ruína das grandes famílias, pois como não podiam negociar com o comércio, essas famílias gastavam com o único meio de que proviam: as terras e as heranças. Algumas famílias também recorriam aos empréstimos e venda de jóias para manterem seu nível de vida, em ambos os casos a ruína era apenas retardada e assim, quando uma família caía no fracasso, outra imediatamente a substituía sendo a sociedade de corte um rodízio constante de ascensões e quedas de famílias. Esse sistema do ponto de vista do monarca era uma forma de manter o poder da monarquia absoluta, pois as duas classes principais, nobreza e burguesia, concorriam para se manterem junto ao rei e fazer parte do seu meio respectivamente. Mas algumas famílias poderiam ser salvas ou adiadas da ruína de acordo com a vontade do rei, que poderia conceder-lhes algum cargo, prêmio ou missão militar para aquelas famílias mais consideradas pelo monarca.
Mesmo aqueles nobres que possuíam cargos e magistraturas tinham que dispor altas somas para manter a liturgia do cargo, fazendo com que a nobreza ficasse completamente dependente da benevolência do rei para não caírem es desgraça. As intrigas e invejas entre as casas nobres era constante, e uma das formas de se saber se alguma casa tinha realmente como manter seu status era obrigá-la a promover grandes banquetes e a distribuir prendas altas, de preferência a uma família rival. Para entender o porquê essa sociedade se comportava dessa forma, gastando o que tinha para se manter em uma esfera social, é preciso ter em mente que para aquelas pessoas fazer parte do convívio com o rei era o sentido de sua vida, esses indivíduos só se entendiam e se reconheciam como pertencentes a esse convívio. O trabalho era algo degradante e próprio dos que não faziam parte desse meio. Não adiantava possuir riquezas, era necessário mostrar, exageradamente que as possuía.

Esse sistema de sociedade de corte era o sustentáculo da monarquia, da qual falaremos do exemplo clássico de França. Manter um sistema, como já foi mencionado, onde os que acumulam dinheiro o faz para pertencer a uma camada próxima ao monarca e os que fazem parte dessa camada estarem o tempo inteiro buscando a confiança do rei propiciou um controle absoluto do poder, principalmente no longo reinado de Luis XIV. O rei tinha a inveja e as intrigas entre os nobres como aliados eficazes, pois os mesmos faziam de todo o possível para adquirir honras e prestígios face ao rei, seja delatando ou espionando outrem.

Luis XIV havia sofrido a experiência da Fronda durante sua infância, por isso em seu reinado procurou criar um sistema social onde as duas classes que mais o ameaçavam ficassem dependentes da sua figura. A etiqueta e a transferência da nobreza para Paris tinham suas funções estratégicas, a primeira fazia com que o rei estivesse o tempo inteiro cercado de pessoas, o que diminuía os riscos de um atentado à sua vida, a segunda mantinha os nobres sob sua dependência e fiscalização, contando sempre com o fator de disputas entre as partes. A etiqueta era um instrumento de dominação, com ela ele transformava interesses antagônicos em interesses do rei. A figura pessoal de Luis XIV não era importante, mas foi um dos maiores monarcas da História do ocidente, pois soube articular bem esse jogo de consolidação do poder, utilizando na maioria das vezes a capacidade alheia para tomar suas decisões. O Rei vigiava e mantinha sempre constantes as divergências entre as camadas, com isso elas nunca se aliariam e viam na sua figura a única fonte onde podiam recorrer.

A vigilância constante era um meio de defesa indispensável para o monarca, assim como a observação psicologia de seus súditos. “o desejo do rei de saber tudo quanto se passava à sua volta nunca abrandava;” (Saint Simon in Elias). As ambições de uns serviam de freio para as de outros. Por isso a corte e a etiqueta aliadas as intrigas e rivalidades fizeram do reinado de Luis XIV o mais absoluto de França.







[1] DURANT, Will e Ariel, A História da Civilização. A Era de Luís XIV, livro VII, 2ªed.Rio de Janeiro, Ed. Record.
[2] ELIAS, Norbert. A sociedade de corte: investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de corte. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. Págs. 101 e 102.

Um comentário:

Anabelle Doce disse...

Esse texto é muito bom! Adorei!