terça-feira, abril 15, 2008

A Construção cotidiana de uma cidade

A CONSTRUÇÃO COTIDIANA DE UMA CIDADE[1]

Severino Vicente da Silva



As ruas de uma cidade, se a olharmos com atenção, nos contam sobre os costumes antigos e os novos que se vão estabelecendo. A cidade se cria pelo seu cotidiano, no ir e vir das pessoas e dos pequenos e grandes objetivos. Ruas demonstram atividades econômicas, atividades sociais, religiosas e ideais que se cultivam. Os prédios nos falam de como as pessoas viviam no passado e como elas organizavam as suas vidas. Se tomarmos Goiana como exemplo nós veremos que os prédios mais duradouros são os prédios que demonstram a dedicação religiosa que os seus habitantes cultivavam nos séculos XVII e XVIII. Esses edifícios, onde os moradores iam louvar o divino, indicavam o lugar das residências e os espaços da sociabilidade. No final do século XIX e ao longo do século XX outras ruas e novos edifícios indicam novas atividades e novas espiritualidades.

Nos dois primeiros séculos da sua história, toda a cidade a cidade de Goiana parecia girar em torno desses espaços dedicados ao sagrado. “Vá pela rua Direita”, dizia um; “tome a rua do Meio”, se dizia tomando como epicentro a matriz; outro falava, enquanto um terceiro podia dizer que o lugar que se procura está “depois do Rosário”, enquanto a casa de fulano fica ao “lado da Conceição”. A geografia e a movimentação das pessoas eram orientadas pelas torres, assim como tempo era marcado pelos sinos, a sonoridade do sagrado.

Os sinos das igrejas e dos conventos diziam aos habitantes o que se esperava que eles fizessem, Alguns sons acordavam para dizer que em algum tempo, daqui a duas batidas, começaria a missa. Diziam: “acordem, é tempo de rezar”, Mas eles também podiam anunciar a chegada de uma autoridade, a ocorrência de um infausto, tal como um incêndio, um viático ou a passagem de algum féretro. Nesses tempos, os tempos eram contados pelos eventos religiosos. Assim todos sabiam quando era o tempo das novenas: a de Santo Antonio, a de São José, a de N. S. do Ó e de todos e cada santo de devoção, pessoal ou coletiva.

O tempo em que se cultivava o sagrado era, também, o tempo de socialização. As procissões das Irmandades, uma visitando a outra, uma visita que era apresentada como sendo os Passos, os Encontros, os Encerros. Enquanto os andores eram transportados, as pessoas e as classes sociais se viam, trocavam informações. A vida girava em torno desses momentos de religiosidade, que não eram periféricos, como hoje se apresentam. Assim eram as festas realizadas nos engenhos, quase sempre no onomástico do seu proprietário, em louvor do santo cujo nome carrega. E são tantos joãos, franciscos, antonios, marias, terezas, os nomes que se repetem nas famílias, socorrendo-se sempre do calendário e das tradições que mostram a influência do cristianismo católico. Mas parte da vida era dita de outras maneiras, utilizando-se ora a geografia – da Praia, a do Rio – ora a atividade que ali se realiza, de comércio ou de arte ou de prazer.

O passar do tempo aponta outras prioridades na vida social e os espaços de sociabilidade mudam, assim as ruas apresentam outras formas e outros nomes. Aparecem agora com nomes de pessoas, aquelas que, de alguma maneira representam os novos tempos e os novos anseios. Agora as ruas podem ser Nova, como podem ser Nunes Machado; as praças não mais chamadas do Cruzeiro, ostentam nomes como o de João Pessoa, ou outra personalidade que deixam entrever novos ideais. Efetivamente sempre existe alguma resistência em aderir aos novos nomes, assim, poucos sabem que a Direita tem o nome de Deodoro e tantas outras. Isso nos indica uma tendência laica da sociedade, mas não significa a ausência ou a perda da religiosidade, como nos dizem a construção de diversos templos de outros cristianismos que não o católico. As atividades diárias já não esperam pela sonoridade dos sinos, mas ocorrem apesar deles, pois o tempo é matemático e o sistema bancário é que nos diz o momento de iniciar e encerrar as atividades produtivas; também é ele estabelece os momentos de lazer, ainda que os espaços fronteiriços aos templos sejam procurados para a realização das festas e as principais continuem ligadas a eventos religiosos. Hoje seguidos mais por questões culturais que espirituais.

O Olhar sobre a cidade nos educa sobre ela, e o nosso olhar educado, conduzido pelo amor à cidade, seja ela qual for, e, especialmente se for a nossa, há de nos mostrar o que já foi feito por nossos antecessores, mas nos indica o que nós estamos fazendo dela. A cidade pode ser construída conscientemente por cada um de seus habitantes de forma consciente, mas pode vir a ser construída de maneira aleatória, sem a nossa participação consciente, O desenho que a cidade tomar, as tradições que nela construirmos, dirá aos nossos pósteros, o quanto nós amamos a nossa cidade. Mais do que palavras ditas em palanques, a cidade que vemos é que testemunha a nossa dedicação por ela.

[1] Especial para o jornal A PROVÍNCIA – Goiana, PE. Escrito em 20 de março de 2008. publicado em abril de 2008

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