segunda-feira, março 24, 2025
GUERRA ENTRE A QUARESMA E O CARNAVAL
GUERRA ENTRE A QUARESMA E O CARNAVAL
Prof. Severino Vicente da Silva – Biu Vicente.
Os cristãos, de maneira geral, estão viver os dias finais da Quaresma, para eles um tempo de penitência, reflexão e preparação para viver um tempo de compromisso de mudar de vida, aceitar jogar fora o “coração de pedra” insensível à dor e ao sofrimento dos demais filhos de Deus, seus irmãos. E os cristãos e não cristãos perceberam que esse tempo de Quaresma tem sido marcado pela continuidade de algumas guerras terríveis, de forma que algumas já são vistas como guerra de extermínio de nações e povos. Após sete décadas desde o fim da dita II Guerra mundial, a paz dos cemitérios para ser encerrada.
No período de aparente paz, uma paz interna para os povos europeus, parece que apenas os livros didáticos encontram pequeno espaço para dizer que houve guerra na África, guerras dos povos africanos contra os europeus que desejavam continuar a manutenção de sua aparente riqueza com o processo de exploração dos povos africanos e asiáticos. Embora tenham perdido as guerras no Vietnã (povo que venceu os franceses e, em seguida, os estadunidenses), os franceses perderam Argélia, após uma das guerras mais doentias da humanidade, e outras colonias que promoveram a sua riqueza, especialmente durante a Revolução Industrial; os belgas, que assassinaram milhares de congoleses entre o final do século XIX e início do XX, perderam sua colônia, mas conseguiram muita riqueza, guarda pela Suíça, que não tinha colonias, entretanto protegia de tal foram a riqueza conseguida violenta e covarde pelos seus irmãos europeus que estes os protegeram de todas as guerras. E então, não podiam faltar a participação dos mais civilizados, ingleses e alemães, os primeiros, no auge de seu império e os segundos, embora chegassem atrasados com o seu império, marcaram sua presença, não apenas na África, mas puseram sua “civilização” no sul do Brasil, com o apoio do simpático imperador Pedro II.
Por seu turno, os estadunidenses, que jamais cultivaram amizade mas sempre criaram interesses, enquanto usavam a escravidão de povos africanos, promoviam o genocídio indígenas, mais especialmente após a Guerra Civil para pôr fim à escravidão e manter o processo de negação à humanidade dos seus novos cidadãos. Mas não podemos esquecer a contribuição dos povos da península Ibérica, os primeiros europeus a invadir os continentes africano, asiático e americano.
No ano de 1559, Peter Bruegel pintou famoso quadro representando a Batalha entre a Quaresma e o Carnaval, em uma ápoca de mudança das liberdades – libertinagens? - medievais para a sisudez do Tempo Moderno, que coincide, cuidem bem, com o tempo de ‘acumulação do capital’ necessário para construir o mundo que descrevemos acima. Esse Tempo Moderno de expansão da civilização europeia sobre os demais grupos humanos que habitavam e habitam a terra, provocou muitos debates, por igrejas e universidades, sobre a humanidade, as relações entre os povos, o direito à guerra, os direitos humanos nos estados que estavam em formação; nesse Tempo Moderno foi estabelecido novos modos de convivência entre pessoas e nações, contudo, a sua origem sanguinária parece ter impedido que a Quaresma fosse sequenciada pela Páscoa, pela “nova vida” que se esperava, as questões humanas continuaram sendo resolvidas pelo tradicional método da guerra pela apropriação da riqueza, o que impede a possibilidade de distribuição das riquezas produzidas por todos. Foi assim que aconteceu a I Guerra Mundial, e na sequência, a formação do fascismo e seu pior corolário, o nazismo; o mesmo ocorreu quando os europeus uniram-se para vencer o nazifascismo na II Guerra Mundial, mas preferiram derrotar a sua recente criação, a Organização das Nações Unidas em benefício do Pacto de Varsóvia e da Organização do Tratado Atlântico Norte. E fez a Paz do Cemitério na Europa enquanto povos secularmente subjugados lutavam por suas liberdades. Venceram a Europa, mas já eram ‘europeus’.
Talvez o que temos aprendido é que, se a Quaresma não venceu o Carnaval, o que temos hoje é o carnaval de sangue, como bem mostra o ator Peter O’Toole, em cena do famoso filme Lawrence da Arábia, que nos conta a saga da destruição da tradição de povos persas e árabes, divididos para seguir os procedimentos da civilização europeia, sedente de sangue e petróleo.
Severino Vicente da Silva, Biu Vicente,
Ouro Preto/Bultrins, Olinda 24 de março de 2025B
quarta-feira, março 05, 2025
AS CINZAS DE UM CARNAVAL
As Cinzas de um carnaval
Prof. Sverino Vicente da Silva – Biu Vicente
Mais um carnaval vivido e, eles nos indicam o quanto já vivemos, o quanto passamos com eles o tempo em suas diversas etapas. Cada carnaval tem suas canções e, os que se deleitam nos movimentos dos corpos e das partituras, as reconhece. Contudo há algumas canções que permanecem e enfrentam os carnavais. Jovens do vigésimo quinto ano do século XXI, cantam animadamente as canções seculares, vestem-se de jardineiras em uma época de muito cimento e poucas flores nos jardins públicos. Alguns carnavais sempre revivem com o Abre Alas da primeira maestrina que fez esta, que se pode chamar de primeira canção de carnaval, à pedido do Bola Preta, que continua a ocupar espaço no centro do Rio de Janeiro, agora tomado pelas escolas de samba, uma criação paralela às escolas nas quais eles, foliões pobres e pretos não tinham acesso. Enquanto isso, no Recife aristocrata e conservador, que permitia o cortejo da corte do maracatu, perseguia os capoeiras que, acompanhando as bandas musicais da polícia, esconderam o corpo guerreiro para surgisse o corpo bailarino, protetor das mulheres que iam brincar na rua, formando blocos. Esses blocos permanecem e, a cada ano, comemora-se o centenário de algum deles. E os mais jovens os seguem, quase sempre sem perceber a história de rebeldia e negociação social que cada um viveu para nascer. Já não existem fisicamente os centenários fundadores, eles são esses rapazes e moças que, nas estreitas ruas da Olinda gestadas antes do século XX, os continuadores da tradição e fundadores dos novos blocos e clubes. O mesmo ocorre no Recife do frevo e do maracatu, na Goiana dos Caboclinhos, em Nazaré da Mata com a Festa dos Caboclos tornada Maracatu de Baque Solto, desde o final do século XIX. Aliás, nunca é demais lembrar que, no século XIX floresceu Pernambuco, antes do Brasil, pois, como disse Saint Hilaire, “havia um país chamado Brasil, mas não havia brasileiros”. Nas cinzas do dia 5 de março, padece mais um carnaval que nunca morrerá enquanto Pernambuco houver.
Durante o carnaval os que estão se tornando brasileiros, receberam mais um dado, uma realização, uma vitória. A decadente sociedade estadunidense colocou o mais cobiçado troféu de sua indústria de cinema nas mãos de profissionais que atuam na periferia do centro financeiro do atual império, atualmente dirigido por uma pessoa que julga ser uma potência do século XIX e que, embevecido pela teoria do “fim da História, não leu a Decadência do Ocidente.
Walter Salles, Fernanda Torres, Selton Melo e toda a equipe, fizeram o relato de Marcelo Paiva ser uma avenida para indicar que o centro cultural está mudando de endereço. O percurso ainda é longo, mas a história que é construída no cotidiano das pessoas, é mais notada, se a vermos como parte de um processo. Durante o carnaval, na madrugada do primeiro dia houve mais uma razão para “perder” a razão. Soubemos ganhar o título sem chorar pelo que foi “perdido”, e isto é muito importante para a nossa formação. Por outro lado, pudemos verificar que há, habitantes do Brasil que jamais deixaram de glorificar a terra da qual foram expulsos, e também parece que nunca amarão quem os recebeu de braços abertos, ainda que sacrificando parte da população indígena; esses nascidos no Brasil, mas com alma de europeu do final do século XIX, lamentaram a vitória do povo brasileiro que ganhou seu primeiro Oscar. É que no encontro carnavalesco, também há os palhaços, trágicos como os da ópera italiana.
O carnaval apresenta um modelo de sociedade, um modo de ver o mundo e viver com os demais seres, humanos ou não, mas sempre alegres. Enquanto anunciava-se esse novo mundo, os filhos do “admirável mundo novo” organizavam-se para a guerra, com soberbos humilhando outros, estes com menos poder e, para seu sofrimento, descobrir que o grande aliado aparece como grande inimigo. Estados Unidos da Amárica do Norte, Rússia demonstram desprezo e, os traídos – Ucrania, Alemanha, França, Reino Unido – descobrem-se pobres e impotentes como os povos que “civilizaram”.
Esta Quarta-Feira de Cinzas aponta para o que somos.
Ouro Preto, Olinda, 05 de março de 2025.
Prof. Severino Vicente da Silva – Biu Vicente.
Membro do Instituto Histórico de Olinda; membro Honorário do Instituto Antropológico, Geográfico e Histórico Pernambucano.
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