quarta-feira, junho 11, 2025
GENOCÍDIOS BRASILEIROS
GENOCÍDIOS BRASILEIROS
Professor Severino Vicente da Silva – Biu Vicente
O longo mês de maio terminou, e levou consigo as festas diversas, quase todas dedicadas à mulher, às Marias comuns que encontramos no cotidiano e, especialmente à Maria que os cristãos consideram mãe de Jesus, mas os católicos vão mais adiante, considerando-a mãe de Deus. Este ano o mês foi muito ruidoso, ao mesmo tempo em que se comemorava o Dia da Vitória contra o nazismo que praticara genocídio do povo judeu durante a Segunda Guerra Mundial, fomos chamados a assistir genocídio que o Estado Judeu está realizando na faixa de Gaza, um genocídio anunciado nos meios de comunicação pelo próprio governante daquele Estado. E quem se levanta contra essa prática que, diariamente nos vem pelas redes de televisão, logo recebe o epíteto de ‘antissionista’. O capital que pagou a matança de judeus, ciganos, homossexuais, doentes mentais, comunistas, católicos, protestantes na Alemanha nazista, é o mesmo que agora mantém uma indústria bélica produtora de mortes em Gaza, tantas que apenas sabemos dados aproximados da realidade. Semelhante situação vivem os ucranianos, usados como moeda garantidora da ‘paz’, em uma guerra que terá fim quando as riquezas existentes na Ucrânia forem equacionadas entre as duas potências, atualmente governada por dois velhos com ego desmensurado. E, no entanto, outras guerras genocidas estão acontecendo em territórios africano e asiático, e delas não se tem notícia por não envolverem diretamente parte dos herdeiros dos colonizadores que, sem vergonha, matam povos desde o século XVI, ou mesmo antes. Também não são mencionados as mortes dos pobres, especialmente os pretos, que vivem e são assassinados nas periferias das belas cidades das Américas. O tema é vasto.
Genocídios sempre ocorreram ao longo da história dos homo sapiens, e estão escritos em prosa e verso, na Bíblia, na Odisseia, nas Canções de Gesta medievais, nos mitos repetidos nas escolas, como foram ditos e repetidos ao redor das fogueiras, e agora nos noticiários e novelas televisíveis, e são vistos e contados como fonte de descanso da faina diária dos trabalhadores.
A América, nome dado a partir de Américo Vespúcio, como a conhecemos hoje, é resultado de múltiplos genocídios, escondidos em palavras como “colonização”, “processo civilizacional” e outros assemelhados. Somos, os atuais americanos, resultado desses genocídios. Nossos ancestrais indígenas, que nos ensinaram a viver com o que a natureza oferece, foram mortos nas terras onde nasceram, cresceram, criaram seus filhos. Mas sua morte foi mais que consequência de suas vidas, foi resultante da ganância, da busca de poderio, do prazer de matar.
A celebração desse prazer pode ser encontrado nas cartas do governador Men de Sá, após a matança dos tupinambá que ele promoveu no litoral do que chamamos, hoje, de Bahia, Espírito Santo. A vitória sobre a Confederação dos Tamoios (os mais antigos) que foi auxiliada pelos jesuítas e, assim, preservar o colégio que haviam fundado em São Paulo do Piratininga. O governador tomou medidas para que os colonos não escravizassem os indígenas que haviam sido catequizados, mas outros poderiam sê-lo, se apresados em ‘guerra justa”. Pouco sabemos desse caminho “civilizatório”, uma vez que a história é escrita na escolha dos documentos, e os professores ensinam o que lhes foi ensinado nos currículos oficiais das universidades. Após a Constituição de 1988 podemos perceber uma mudança em alguns currículos, mas levará tempo para a sociedade aceitar esse pedaço de sua origem. Uma dificuldade que se fortalece pelo hábito de falar sobre os antepassados indígenas como distantes de nossa vida real, e esse é a maneira que usamos para nos referir ao translado violento de parte da população africana nos séculos XVI a XIX, bem como as chacinas ocorridas na repressão aos cabanos (PE) à Cabanagem (PA), à Balaiada (MA), , no Arraial do Bom Jesus (BA), Quebra Quilos (PB e PE) e alguns outros que são mencionados de passagem nos livros didáticos e poucas vezes chegam à sala de aula.
O mais recente método utilizado para manter a população ignorando o seu passado e sua relação com a história dos homens, é a constante mudança curricular que, em nome da “formação de uma mentalidade crítica”, evita que tal aconteça. Temos uma geração que não se sabe Brasil, deseja ser algo para além do Oceano, na busca de um ‘retorno às fontes’ (europeias ou africanas), não para compreender como elas nos formaram, mas para tornarem-se o que aqueles são. E, então temos o genocídio cultural. O esforço para destruir as tradições brasileiras, assim como fizeram os primeiros jesu[itas com a redução do indígena. E isto acontece no ato de impedir que os comuns contem suas histórias, criem seus mitos, mas impõem ortodoxias que os afastam das tradições brasileiras, essas que foram criadas ao longo do XIX, e procuram negar o que poderia unir para a formação de uma nação. Esse processo não ocorre apenas nas redes televisivas, mas podem ser vistas bem próximas de nós.
Nesse processo temos a defesa da identidade de um grupo que, muitas vezes, se torna maior que a busca da identidade da nação; perde-se a ideia da nação em favor de um grupo determinado, seja étnico, cultural, religioso. Para que tal divisão ocorra é necessário que sejam esquecidos os acontecimentos, os fatos, as derrotas e vitórias vividas na formação da nação brasileira. Não apenas uma revisão da história, mas se aproxima da recriação. Faz-se um genocídio cultural, o assassinato dos que viveram e construíram as tradições que moldaram, ainda moldam, a nação brasílica antes desse nosso tempo. Não se quer Maracangalha, e também não se aceita Brasília, preferem o que existe para além do Atlântico. Continua o apagamento das nações indígenas, cujas vão sendo demarcadas, e cada demarcação eles perdem mais um pedaço de terra, assim como perdem seus descendentes mestiços e são vistos como “negros da terra”, como diziam os documentos gerados pelos colonizadores europeus vindos de Portugal no século XVI, mas também os que foram tangidos pela fome que a Revolução Industrial e o capitalismo fabril geraram na Europa, enquanto os acumuladores viviam a “belle epoque”. Alguns mataram a fome, de alimentos e terra, outros foram se tornando aqui o que eram ali, mas os dois grupos vieram com suas culturas e fecharam-se às influências locais. E promoveram alguns genocídios, enquanto os que organizavam o Império, fingiam estar com os olhos fechados.
Será que resistiremos com a nossa cultura brasileira, a esses genocídios?
Ouro Preto, Olinda, Véspera de Santo Antônio de 2026.
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