quarta-feira, novembro 20, 2024
O POVO MESTIÇO, ZUMBI E A REPÚBLICA
O POVO MESTIÇO, ZUMBI E A REPÚBLICA.
Severino Vicente da Silva – Biu Vicente
Corria o ano de 1987, Dom Luiz Fernandes era o bispo diocesano e realizava uma semana de reflexão sobre o papel que a Igreja desempenhava e desempenha na história e formação do Brasil. Eu já era professor do Instituto de Teologia do Recife, ITER, e fui convidado para apresentar algumas ideias, reflexões, sobre a relação social da Igreja Católica ao longo do processo de formação do Brasil. Naquela mesma semana Roberto Carlos programara uma apresentação na casa Spzzio, eu não havia percebido, nem outros convidados, Um deles, bispo de Guarabira telefonou para mim e propôs trocarmos nossos dias de apresentação, aceitei. No dia aprazado, saí de Olinda dirigindo a kombi da Faculdade de Filosofia do Recife, onde exercia o cargo de vice-diretor, e ao chegar na cidade onde passei belos dias, durante parte de minha primeira juventude, compreendi a solicitação do bispo de Guarabira: naquela mesma noite, roberto Carlos apresentava-se na maior casa de show do Nordeste. Palestrei para o bispo Dom Luiz Fernandes e mais uma quase cinquenta pessoas em um auditório que caberia mais de duzentas.
O tema de minha conversa era entender quais era as relações entre a família e a Igreja; na verdade, creio, desejava-se que fosse feito o elogio da família e como a Igreja fomentara a organização da instituição básica da nossa sociedade. Mas uma questão que acompanhava os agentes pastorais presentes naquele auditório, era a dificuldade de organização, a estruturação familiar nas regiões mais pobres da cidade, da sociedade. Esta é uma questão que se debate ainda nos dias de hoje, uma das sequelas do sistema de exploração da terra e do homem que foi posto em funcionamento desde a primeira parte do século XVI, pelos europeus em terras que hoje chamamos de Brasil: A Escravidão do homem e a Escravidão da terra E todos nós sabemos que havia a prática da escravidão na áfrica, na Oriente Médio e o Oriente Distante, mas não era uma escravidão sistemática para a produção e apropriação das riquezas, a escravidão como ‘modo de produção”, dizia Gorender. O ato de escravizar alugém é o ato de o despessoalizar, de negar-lhe o direitos que são próprios da pessoa humana, dizemos nós atualmente, ou dos direitos de filhos de Deus, diriam ao longo da convencional Idade Média, período de dominância religiosa cristã na Europa. Ao optar, o capitalismo nascente, pela escravização dos africanos, trazendo-os para o Brasil ou levando-os a outros espaços do continente que eles haviam conhecido recentemente, eles continuaram o que estavam realizando com os povos que habitavam essas regiões, matando-os fisicamente ou culturalmente. Assim o fizeram até o final do século XIX.
O sistema escravista necessita que haja uma separação física e moral entre o escravista e o escravizado, como ocorreu nos nas colônias inglesas e alemães, ou a total despersonalização do escravo. No primeiro caso a separação racial foi a segregação extremada, com áreas específicas para cada grupo racial, o que gerou o appartheid, a destruição das tradições culturais e imposição ad infinito dos valores religiosos ao grupo escravizado, de onde, nos Estados Unidos, não haja resquícios graves das religiões africanas, com a presença da Igreja Batista quase como símbolo dos afro-estadunidenses; no segundo caso, mantém a proximidade física, quase harmônica, mas com enorme separação cultural, embora se permita a celebrações de festas pelos escravizados, inclusive permitindo-lhes que se mantenham as tradições de suas origens, com as dificuldades que o sistema impõe, tais como a venda dos escravizados separando-o os povos e origens. Por outro lado, são acolhidas essas manifestações no arcabouço cultural religioso, em confrarias, nas procissões e outras atividades socioculturais. Contudo, o sistema, que foi apoiado pela Igreja, pois que ela no Império Português fez parte da estrutura burocrática de governo, aceitava a ideia de que os escravos podiam ser vendidos, independente dos laços afetivos que haviam sido criados pela convivência, tornava impossível a formação da família, como era apresentada nos quadros renascentistas e barrocos. Na hora de vender os escravos, os senhores separavam “aquilo que Deus uniu”. Claro que este não era um estímulo para a construção de uma família nem do seu fortalecimento. E quando, por força das pressões históricas, foi abolida da escravidão no Brasil, a sociedade fez o caminho de desestruturação familiar, pessoal, à medida que abandonou os recém libertos sem qualquer proteção social. Assim, a construção de famílias entre os mais pobres da sociedade é decorrente de seus esforços para receber um mínimo de reconhecimento social, e encontrar um meio para que suas crias tenham melhores possibilidades de sobrevivência.
Não sabia que eu surpreenderia tanto a pequena assistência que me foi dada em noite concorrida com o Rei Romântico do Brasil. A Igreja Católica no Brasil tem feito, desde o Concílio Vaticano II esforços para superar essa realidade, mas o seu atraso em perceber o quão foi nefasto o Regime de Padroado, um regime que enfraqueceu (ou fez desaparecer) o espírito missionário de seus fiéis adeptos. Enquanto isso, os Terreiros de Xangô (como se dizia no Recife antes da cruzada baiana pelo candomblecismo), as demais tradições cristãs agiram com maior presteza, dizia eu naquela década dos noventa.
E, sem medo de errar repito agora nesta Semana da República que, em si carrega o dia da Bandeira Nacional e o Dia da Consciência Negra. Tomara que a República considere que fica difícil o povo mestiço brasileiro, descendentes dos quilombos e dos aldeamentos indígenas, carregar essa Bandeira, enquanto o Estado republicano não supere a frase de Aristides Lobo que é, simultaneamente denúncia e constatação. Que não continue sendo profeta. Que a República assuma a consciência de que ela e o Brasil não apenas os “gatos pingados” que passearam de cavalos no centro do Rio de Janeiro. Não bastam baionetas nas mãos de Deodoro, melhor seriam os livros sonhados por Benjamin Constante, as pontes de André de Rebouças. As baionetas de Deodoro eliminaram o Arraial do Bom Jesus, recentemente quiseram levantar-se mais uma vez contra o Brasil, e ameaçam diminuir os livros e as pontes. Mas continuaremos a construir a República. Como Zumbi, esse povo nunca foge à luta.
Severino Vicente da Silva – Biu Vicente
No dia Nacional da Consciência Negra
Ouro Preto, Olinda, Pe
sexta-feira, novembro 15, 2024
A PERMANENTE CRIAÇÃO DA LIBERDADE
A PERMANENTE CRIAÇÃO DA LIBERDADE
Severino Vicente da Silva – Biu Vicente
Outubro e novembro deste ano de 2024 foram surpreendentes para todos os que estão atentos aos acontecimentos e às mudanças. Quem imaginou o surgimento de uma nova liderança da ‘direita’ no Brasil, a partir de São Paulo e colocando em dúvida a liderança única do pretendente a Füher tropical? Aconteceu nas eleições municipais da capital dos paulistanos. São Paulo é um município que pretende ser caminho para o palácio da Alvorada. Às vezes ocorre uma pequena passagem pelo governo do estado. Assim pensou e acertou Jânio -Quadros antes da ‘redentora’, mas enganaram-se José Serra e Luiz Inácio. Fernando Henrique sentou-se no Planalto Central, sem conseguir banhar-se no Ipiranga. Neste momento, banhando-se, não Ipiranga, mas no sangue da baixada santista,Tarcísio de Freitas, carioca que foi ministro no governo Dilma e continua amigo de generais que o indicaram à primeira Presidenta, está governando os paulistanos com olho grande no Planalto Central, embora o seu chefe, que lá espojou-se um vez, pretenda; voltar, mas os erros que cometeu foram tão graves que está inelegível.
E o ex-presidenciável espera poder fazer o que seu ídolo fez nos Estados Unidos da América: ganhar uma eleição democrática para destruir a democracia, como estamos a ver em diversos países, mais próximos ou distantes. E tais pretensões e desejos ocorrem no Brasil que, parece, ainda não ter escolhido o seu futuro, e isso pode levar ao futuro do pretérito, como os praticantes do “jeito politicamente correto” de falar, vem ensinando diversas gerações a não mais dizer “desejo”, preferindo “desejaria”, estão a ensinar que o mais educado é aquele que fale em um futuro que já passou. Isso ensinam aos que virão a ser os fazedores de coisas, mas jamais terão permissão de escolher pensar. Sim, eles pensariam se os deixassem, mas aprenderam que não é esperado que pensem. Lembro de um professor que me perguntou: E quem lhe mandou pensar? O que me fez lembrar de estadunidense que, nos anos setenta disse-me: Este é um lugar maravilhoso, aqui vocês podem colocar em prática o que nós pensamos.
Tais ecos de tempos que já foram, mas permanecem, me mantém em alerta para que não me subordine pessoalmente, embora grande parte de minha sociedade já esteja subordinada. Por isso, neste 15 de novembro, lembro duas frases do Hino da república: “Liberdade, liberdade/Abre as asas sobre nós/Das lutas na tempestade/Dá que ouçamos tua voz” para que possamos manter essa fé de seremos capazes de vencer os obstáculos que nos impediam e, ainda nos impedem, de sermos um povo livre, capaz de pensar e realizar seu futuro. O Hino da República diz que é difícil acreditar que ho9uve escravidão em tão nobre terra, mas precisamos saber que houve e que assim é que nos formamos, lutando para sermos livres, não apenas do jugo de um estranho, mas dos nossos que se quiseram ser estranhos aos seus construíram e constroem o Brasil. E precisamos afirmar nossa história, nosso desejo, não com o medo que é posto quando se expressa no futuro de pretérito, mas que seja com a certeza que o futuro nos pertence, pois a liberdade é a nossa vocação, nosso destino. Mas a “Liberdade não abrirá as asas sobre nós”, nós é que a abriremos, não como um lençol ou coberta, mas como um estandarte que nos guia e guiará para o nosso futuro.
Quando em 1889, doente e enganado, o Marechal Deodoro da Fonseca proclamou o República, ele não ouviu o povo, mas os descontentes com o fim da escravidão que, no entendimento que os seus herdeiros carregam ainda hoje, iria por fim ao Brasil que eles estavam construindo. O historiador Jorge Caldeira em sua História da Riqueza no Brasil, demonstrou que o que se punham em risco era a maneira que ele exploravam o trabalho de africanos e brasileiros escravizados. E continuam com essa mentira até os dias de hoje, o que fez surgir uma subcidadania, conforme ensina Jessé Souza, continuando a exploração colonial de seu próprio país colocando-o submisso a interesses outros que não os brasileiros. Daí que somos escravizados pela economia e pela desapropriação de nossa cultura em benefício deste ou da que grupo étnicos, pouco importa se europeus, americanos, africanos ou asiáticos, pois que somos todos crescido e construtores deste mundo aqui, com as pedras culturais que recebemos de todos os povos que convergiram para este espaço. Todas as raízes, tradições e ancestralidades que eles trouxeram, aqui se fundiram, e seremos livres quando aceitarmos esta simples constatação histórica. Precisamos parar de construir o futuro do pretérito, nossa tarefa e construir o futuro com o pretérito.
Assim fizeram os ancestrais que viveram as últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX. Um dos fundadores da República que Deodoro proclamou disse, com clareza que “o povo assistiu bestificado” a chegada da República, mas sabemos que o povo tomou a histórtia em suas mãos, ocupou novos espaços que, mais uma vez lhe foram tirados, mas eles ocuparam novos espaços; como não tinham clubes e não lhes permitiam entrar nos clubes, criara os carnavais; não podiam ter mais confrarias e irmandades religiosas, criaram os maracatus, os terreiros de Xangô no Recife, os terreiros Candomblé na Bahia, a Casa da Mina em São Luiz, etc. Criaram Escolas de Samba, se reuniam e cuidaram de nossas tradições, e nos deram por herança essa coragem de nunca desistir da liberdade, ainda que aparentemente estejamos perdendo. Como nos ensinou Gustavo Gutierrez, O Povo é o Senhor da História.
Ouro preto, Olinda
15 de novembro de 2024, Dia da República.
segunda-feira, novembro 11, 2024
au brésil, le maracatu fait danser le nordeste invitation au voyage ar...
Convido vocês a ver uma pequena história d Maracatu, um visão oferecida por caboclos, mestres, estudiosos, com minha participação, e filtrada pelos documentaristas europeus. Saiu um bom trabalho.
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