domingo, janeiro 19, 2025

O CINEMA NACIONAL NA CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA DO BRASIL

O CINEMA NACIONAL NA CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA DO BRASIL. Prof. Severino Vicente da Silva – Biu Vicente Ficamos em um estado de alegria nos últimos meses ao observar as salas de exibição de filmes, especialmente com a exibição de películas produzidas por brasileiros, no Brasil. Tais filmes escapam do besteirol que vem sendo produzido, sob a desculpa de que são comédias e ensinam o caminho das salas de exibições aos brasileiros. Vez por outro comento que muito do que julgamos ser os Estados Unidos da América do Norte é o que aprendemos nas salas cinematográficas. Aprendemos que a violência é parte da alama dos estadunidenses nos filmes que narram a conquista do ‘velho oeste’, ocorrida após a Guerra de Secessão. Filmes sobre essa guerra, e outras nas quais as tropas ‘americanas’ participaram, ensinaram o quanto eles são corajosos, destemidos na conquista do ‘sonho americano’, sempre com elevada quantidade de sangue, posta em debate nas obras de Tarantino, quase zombando de Ford, Wayne e outros. A geração nascida na Guerra Fria aprofundou o debate sobre essa violência dos ‘policiais do mundo’, desde o Jonny vai à Guerra, que preparou as reflexões do Amargo Regresso, dos sobreviventes da Guerra Vietnamita. As dores da juventude que sonhava com a era de Aquarius foi também refletida nas desventuras de Rambo, um herói perdido em uma cidade que o recusa. Na busca por conquistas os Corações e Mentes dos povos da antiga Conchichina, uma geração de cineastas apresentava criticamente a Beleza Americana, criada com preconceitos contra seus cidadãos e contra o mundo. E nos mostraram Mississípi em Chamas, tornando claro que não aceitavam o comportamento da Klu Klus Kan, e forçaram a sala de jantar da tradicional família WASP que encheu o mundo com o Papai Sabe tudo, mas sempre foi incompetente para tratar as comunidades negras, portoriquenhas de Nova Iorque que emergiam politicamente na continuidade da luta que havia iniciada durante a Guerra Civil. Esse foi um dos caminhos udos pelos estadunidenses para impingir ao hemisfério o Jeito Americano de Ser (American Way of Life), e para tal, tanto como o medo do comunismo, usaram as pernas de Marylin Monroe. Em menor escala, o que é próprio de sociedades espelho, também se buscou passar a história do Brasil em algumas películas que zombaram da cultura caipira, que chanchadas “tornaram” o brasileiro um malandro bossal, um Zé Carioca inventado nos estúdios da Disney. Nem se deu importância à Palma de Ouro alcançada pelo Pagador de Promessa, condenada pelos religiosos e, ainda hoje esquecida nas apresentações dos filmes que agora disputam o prêmio da Academia de Hollywood. A ditadura censora criou mais um debate sobre a cultura brasileira e as chanchadas foram substituídas pelas pornochanchadas que terminaram por iniciar debates sobre problemas que a classe média vinha enfrentando desde os anos quarenta, como mostra o teatro de Nélson Rodrigues, e rompeu o cerco, alcançando o cinema e a nascente televisão, esta que iniciou com dramas mexicanos, e posteriormente veio a debater problemas brasileiros, com o talento de Dias Gomes e a classe média de Janet Claire. Nesse ambiente bokomoko aparece o gênio de Glauber Rocha e seu Santo Guerreiro, que veio acompanhando O Menino e Vento, A Hora e a vez de Augusto Matraga: cinema e literatura descortinavam um novo Brasil, dentro do velho baú das histórias que obscureciam a história do povo brasileiro. Após o final da ditadura teve uma redescoberta do Brasil, apresentando temas da história recente, com filmes pouco vistos, mas que foram organizados em tecnologia VHS, uma coleção da Editora Três. Os cine clubes animados no final da Ditadura, abriram as portas para a geração que “Tinha uma Câmera nas mãos e uma ideia na cabeça”. O Cotidiano começava a ser visto e revisto nas telas. Mas o conceito negativo que os brasileiros tinham de si mesmo, sempre alimentado por uma ‘elite’ que sempre entendeu ser o Brasil sua propriedade, e para assim o manter aprofundou as relações antinacionais com os estadunidenses, enquanto fingiam apoiar o cinema criando uma estatal para acompanhar a produção que passava a debater as relações sociais de Dona Flor e seus dois maridos, além dos dramas internos das famílias de classe média nas lotações dos subúrbios, ou nas orgias da juventude na Babilônia, para além do Trem Pagador e do Rio 40 graus. Entretanto, o brasileiro não frequentava cinemas. Embora tenha aumentado o número de salas de projeção, nos bairros e nas cidades interioranas, eram as “fitas” estrangeiras as ofertadas ao público, Repetia-se: não vou pois é filme nacional, demonstrando o quanto havia penetrado o Complexo Vira-lata, apontado por Nélson Rodrigues, e recentemente destrinchado pelo professor Jessé Souza. Tendo iniciado sua entrada na história europeia pelo Nordeste, parece quase normal que é o cinema pernambucano que apresenta o novo cinema nacional, trazendo o Baile Perfumado, Amarelo Manga, o Som ao Redor, Aquarius, Bacurau, além de realizações do eixo Sul – Sudeste do Pixote, da Cidade de Deus, da Central do Brasil, explodindo agora com o debate a respeito dos desaparecidos durante a recente ditadura civil-militar, na trilha do Ainda Estou Aqui. Esse debate anunciado nos meios de comunicação social - MCS, já começou, mas está interrompido com querelas do tipo vira-lata, que chama atenção para os aspectos negativos e, sempre pronta para diminuir o que de positivo se faz no Brasil, como sempre ensinou a elite em livros que escreve elogiando a si mesma e ocultando o que costuma fazer para negar a existência de 70% que não vão aos cinemas, pois os salários que são pagos não lhes permitem acesso às produções socioculturais; são ‘expulsos’ das escolas pois têm ue trabalhar em dobro para permitir a maior apropriação de capital do planeta; não vão ao cinema pois fecharam as salas de projeções dos bairros, enclausurando-as nas catedrais de consumo que ensinam o idioma estadunidense, mas sem nelas entrar por conta do muro separador, exceto se for para servir a quem deles se serve. Duvido muito que esse debate anunciado ultrapasse os limites de algumas salas e ganhe as ruas, esse afeto não é permitido ao comum dos brasileiros: os que sofreram os abusos econômicos da ditadura através do arrocho salarial, os que foram às escolas enquanto a elite fazia crescer o número de salas de escolas para aulas, mas sem bibliotecas e derrubava os salários dos professores aviltando quem abre caminhos para o futuro, condenando o país ao permanente atraso, na comparação com os jovens de outros povos. A elite desse país não tem compaixão. E se a tivesse? Parece ter alguma, vez que o drama/tragédia da família Paiva promoveu emoções no público que, após assistir a película, convidou amigos para vê-la, dividir o impacto que lhe causou ‘ver’ o sequestro de um ex-deputado, levado às entranhas do Exército Nacional brasileiro e, deve ter saído morto, cujo corpo jamais foi encontrado. Nas Confissões, o bispo de Hipona lembra de como as pessoas se condoíam, nas cenas teatrais dolorosas e trágicas, com ânsia de prazer na reconstituição dos sofrimentos alheios, quase uma compaixão, mas, surpreende-se ao lembrar que essa compaixão é incapaz de levar o espectador a prestar auxílio ao que sofre. “Amamos, portanto, as lágrimas e as dores. Mas todo homem deseja o gozo. Ora, ainda que a ninguém apraza ser desgraçado, apraz-nos contudo ser compadecidos”i E, entretanto, as emoções sentidas verdadeiramente, no teatro, na televisão, no cinema não provoca a metanoia. Sim, dona Eunice esteve sempre lá, para lembrar que o seu marido não lhe foi devolvido, e o cinema brasileiro ainda está aqui, esperando seu Oscar. E nós ainda estamos esperando que os algozes do povo durante a ditadura civil-militar (1964-1985) nos sejam apresentados, julgados por terem torturado um país e destruírem uma nação que estávamos construindo. Precisamos que isso seja feito para que, mais uma vez, construamos a nação brasileira. Serão necessários muitos filmes, com ou sem “seu Oscar”, para recontarmos o que fomos e o que somos. Ouro Preto, Olinda 17-19 de Janeiro de 2025. Este texto é dedicado aos professores Paulo Cunha e Jomard Brito.

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