terça-feira, outubro 09, 2007

Um encontro de mestres - parte 2

O caminho para Piaçabuçu pareceu mais longo e lá só chegamos após a noite entrada. Após o jantar o grupo foi dividido em duas pousadas e fomos dormir, descansar da longa jornada.

Apenas no dia seguinte é que os trabalhos começaram em uma escola do sistema municipal entre cantos, danças e explicações para os que chegaram e para os da terra. É verdade que aos poucos nos íamos conhecendo. Um mestre de capoeira vindo do Rio Grande do Norte (Marcos), um contadora de história, sendo já ela uma história em Pendência, RN (Dora), aquela outra que está organizando as parteiras (Suely), os mestres e mestras de terreiros (Dito, Lúcia), mestres e mestras de Coco (Ana de Olinda, Biu de Aliança), Mestre de Mararacatu (Zé Duda), grupos de Arapiraca (Domingos) de Piaçabuçu (Cícero, Pagode), o o índio Matinho da tribo Fulni-ô de Águas Belas, e os Aprendizes e os assessores (Fátima Freire, Vanda Machado).

Aos poucos, entre uma e outra oficina pedagógica, ao longo de três dias, foram transmitidos, oralmente, corporalmente, musicalmente, muitos vieses das culturas formadoras do povo brasileiros, embora o acento fosse, especialmente, a tradição ancestral vinda da África, uma necessidade de tornar visível e auxiliar o Brasil se enxergar de uma maneira diversa daquela apresentada nas escolas e nos meios de comunicação social.
Mas ali tivemos muitas riquezas postas ao lado de outras para que elas se revigorassem. A multiplicidade de folguedos criados pelos trabalhadores é impressionante e não pode ser posta em uma só vertente, nem ser debitada a uma só ancestralidade, como se tenta fazer com as tradições européias. Interessante como ali conviveram diversas tradições religiosas, candomblé, catolicismo, evangelismo, um certo ateísmo, que admitiam ter algo em comum, e viveram a diferença, inclusive silenciando para que se ouvisse falar que estava mais organizado para falar.

Mas todos ouviram que há diferença e que a nossa beleza está nessa diversidade. Pareceu-me que todos, inclusive os que mais falaram, entenderam que devem usar um pouco mais as orelhas externas e internas.

Chamou atenção o fato de todos quererem ver o Rio São Francisco, tocá-lo. Esse Rio é uma pessoa que emociona. Algumas lágrimas serviram para aumentar o fluxo do Irmão Rio, como diria o Francisco de Assis. Infelizmente nem todos puderam satisfazer esse desejo, talvez por conta do que estava programado.

Um dos bons programas foi o encontro dos mestres griôs com estudantes de várias escolas. Ao menos quatro classes, de escolas diferentes foram atingidas. A idéia era verificar como os grupos estão se aproximando das escolas, como estão sendo realizados esses encontros entre os mestres da cultura popular, em suas diversas matrizes, com a escola: deseja-se que haja um intercâmbio e não substituições de funções. A cultura do povo deve estar presente na transmissão da cultura já referendada pelos grupos dominantes, pela cultura hegemônica que não deve homogeneizar aquilo que diverso por sua natureza.

Aos poucos vamos compreendendo que o cultura tem um sentido, que esse sentido deve ser acolhido com respeito à diversidade, pois a diversidade é resultante da identidade que cada grupo tem, uma identidade que vem da experiência de cada um, seja ele caboclo, índio, afro-descendente, europeu-descendente, mestiço, curiboca, cafuso. Quem sabem o que é sabe acolher o diferente de si. Só quem ainda não está seguro do que é tem dificuldade de verificar quem os demais são. Somos todos participantes de um imenso círculo de cultura e nele devemos nos deixar penetrar pelas palavras e gestos que nos são apresentados.

Na extraordinariedade do cotidiano todos devemos buscar a sabedoria, a honestidade e a responsabilidade, confiabilidades, essas grandes veredas por onde devem andar os Griôs.

Essas e outras coisas foram ditas, pensadas, assimiladas, ouvidas por muitos. A pena maior ficou pelo não tempo para avaliação, mas, creio, a avaliação será feita ao longo do trajeto que continua. Espera-se que cada grupo seja capaz de buscar, ou continuar em seu próprio caminho, acolhendo essa experiência, sem fossilizá-la ou dogmatizá-la.

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