sexta-feira, fevereiro 15, 2008

O carnaval na Nunes Machado

Estou postando um artigo que foi publicado no Jornal A PROVÍNCIA, da cidade de Goiana, PE, de número 177m referente ao mês de Janeiro de 2008. O texto está na página 10 dessa edição, que tem o seguinte endereço eletrônico: jornalaprovincia@yahoo.com.br



O CARNAVAL NA NUNES MACHADO[1]

Severino Vicente da Silva


Nem sempre tomamos consciência da importância em vivermos em uma cidade que tem sua história confundida, não apenas com a vida dos seus habitantes, mas com a história do estado e do país e, mais especialmente, com a construção da nação. Sabemos que são poucas as cidades que gostariam de serem reconhecidas como históricas embora históricas todas já o sejam. É que, o reconhecimento de cidade histórica, as tornaria visíveis para os demais membros da grande sociedade que forma o estado e país, uma vez que todos passariam a olhar essa cidade com maior carinho; assim como em uma família se olha o avó e a avó, como membros mais velhos, mais experientes, ordenadores primeiros da família. Ora, essa situação, para além do prestígio, traz consigo responsabilidade que cidades surgidas mais recentemente, muitas vezes como resultado do crescimento da mais velha, não carecem de ter. Ser uma cidade histórica é ser referência, é ser responsável para garantir a continuidade de uma tradição.
Esta é a situação acima descrita é a de Goiana, uma cidade com patrimônio cultural que deve ser elevada, como a sua colega Olinda, a Patrimônio Nacional. Nascida na Capitania de Itamaracá, a vila de Goiana teve que disputar o lugar de sede da capitania com a Vila da Conceição, hoje pertencente ao município de Itamaracá. Nazaré teve uma importância excepcional por conta de seu porto, mas foi a vila de Goiana, crescida na várzea dos rios Tracunhaém e Capibaribe Mirim, assumiu importância maior por conta do porto interno, recebedor das mercadorias descidas desde o Vale do Siriji e mesmo das terras mais próximas da Paraíba. Era a riqueza da produção e comércio da farinha, do açúcar, do algodão que, durante anos, navegou os rios goianenses, que trouxe a visita de Pedro II às suas terras. Mesmo a ferrovia que fez diminuir a importância do porto, não destruiu de imediato a sociedade surgida pelo cultivo da cana, mas também da produção têxtil. Foi com a vitória da monocultura canavieira, não só em Goiana, mas em toda a Mata Norte de Pernambuco que a cidade perdeu o brilho dos tempos de Manuel Borba. Andar em Goiana, fazendo o olhar girar, subir, descer as paredes de seus casarões antigos, não apenas das igrejas e conventos, nos faz perceber o quanto foi criado pelos homens e mulheres que viveram e construíram a cidade. Cabe a quem vive nela hoje preservar, o que não significa estabelecer o passado como modelo, pois os avós, enquanto viveram adaptaram as suas vidas e os seus valores para que sobrevivessem, para que continuassem a criar a vida.
A vida de uma planta começa a acabar quando ela não busca nas próprias raízes e no solo onde se está os nutrientes necessários à sua vida, quando ela é retirada do seu solo ou quando lhe retiram o solo. Uma sociedade é capaz de se manter na medida em que acolhe outras influências sem negar a sua essência. Vez por outra nos esquecemos disso e destruímos, às vezes sem consciência, aquilo que fez de nós o que nós somos. E, quando somos uma cidade que é símbolo da formação do nosso país, as instituições que protegem o patrimônio que é comum de todos vêm nos auxiliar e lembrar de nossa responsabilidade na manutenção do patrimônio cultural comum, seja o patrimônio material, seja o patrimônio imaterial. Este ano Goiana viu-se na contingência de reorganizar a sua maneira de manter uma das tradições brasileiras, o carnaval com poucas restrições. O que hoje é o nosso carnaval vem sendo construído desde o final do século XIX, mas explicitamente após 1888. O carnaval brasileiro tomou as características que tem hoje ao longo da República, um regime de homens e mulheres livres para exercer a liberdade e a criatividade. O fim das cadeias que impunham limites aos espaços geográficos aos escravos, o fim do Império, que impunha limites sociais aos “súditos”, fizeram nascer quase duzentos anos as características brasileiras que, como sói esperar, tem as suas especificidades locais. O espírito é de liberdade, mas ela toma forma em cada situação histórica e geográfica. Goiana tem as suas próprias, desde as Pretinhas do Congo, o Coco, as Orquestras, os clubes como Os Lenhadores, os Maracatús, os Caboclinhos, os bailes de clube, as procissões religiosas, os quitutes Culinários, tudo isso e muito mais, além das belezas naturais.
Um sistema cultural garante a preservação de todas as suas partes, quando a utilização de um novo artefato cultural põe em risco as demais partes do sistema cultural é necessário que se tome medidas para evitar a destruição daquela parte mais frágil, quase sempre aqueles bens materiais já desgastados pelo tempo, mas que são a testemunha cultural dos nossos ancestrais modos de viver. Assim, foi muito interessante ver o carnaval de Goiana desfilar na rua Nunes Machado, um a rua que lembra um dos heróis pernambucanos, herói de nossa história, um dos grandes goianenses que pagou com a vida o seu compromisso com a sua gente e com uma pátria livre, autônoma e consciente da grandeza de suas tradições. Nunes Machado não se deixou por novidades passageiras, mas se ateve às raízes de seu povo e sua cultura.
[1] Escrito especialmente para o jornal A PROVÍNCIA, Goiana.
[2] Historiador, professor adjunto do Departamento de História da UFPE. Nascido em Carpina, na Zona da Mata Norte, sócio do Instituto Histórico de Olinda, tem ministrado cursos no programa de Pós-Graduação Latu Senso da FFPG, atua como assessor pedagógico no Ponto de Cultura Maracatu Estrela de Ouro de Aliança. Publicou A IGREJA E A QUESTÃO AGRÁRIA NO NORDESTE(Edições Paulinas, 1986) IGREJA E O CONTROLE SOCIAL NOS SERTÕES NOORDESTINOS (Paulinas, 1988), ZUMBI DOS PALMARES (Paulinas, 1992), FESTA DE CABOCLO (Edições REVIVA,2005). ENTRE O TIBRE E CAPIBARIBE: OS LIMITES DA IGEJA PROGRESSISTA NA ARQUIDIOCESE DE OLINDA E RECIFE (Editora da UFPE, Edições REVIVA, 2006), além de artigos publicados em revistas científicas.

Um comentário:

Suaninha disse...

biu, estive por aqui!

que bom que vc sempre defende aquilo que temos de melhor nesse nordestão!

abraçosss...
sua eterna aluna (que aprendeu muito com vc)

bjo!