quinta-feira, fevereiro 07, 2008

um aniversário e três mestres

Quinta Feira das Cinzas, o caminho da Quaresma está aberto após os dias das folias momescas, das alegrias e dos risos, abraços e beijos trocados com quem nunca vimos e, pode ser, que jamais vejamos novamnete. Foi a celebração outonal do nosso hemisfério, mas com a alegria primaveril dos trópicos, sempre nessa verdura, como ouvi o padre Nércio Rodrigues dizer várias vezes.

O padre Nércio sempre vestia branco. As vestes sempre brancas de meu professor de Sagrada Escritura eram como uma lembrança de sua promessa batismal e sacerdotal. O mesmo eu posso dizer do abraço e do riso largo de Dom Hélder Câmara, cujo data de aniversário, vez por outra, vinha um pouco depois do carnaval, como aconteceu neste ano do centenário do seu nascimento. O riso e os braços abertos do Dom sempre lembram o abraço do Pai, a certeza de que todos os dias são dias de alegria, pois que cada dia traz a alegria da vida, a pureza do dom.

Conheci Dom Hélder no dia em que ele tomou posse como arcebispo da Igreja de Olinda e Recife. Era um período de incerteza que, na ingenuidade de meus catorze anos, só mais tarde, porém não muito, vim a compreender. Dom Hélder chegava na nossa Igreja após o pequeno governo de Dom Carlos Gouveia Coelho, co-fundador da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Esses dois bispos, juntamente com Dom José Távora, eram os nordestinos que vinham desenvolvendo uma consciência social entre os prelados brasileiros. Dom Eugênio Sales, na arquidiocese de Natal também apontava para as responsabilidades sociais dos católicos. Foi de dom Eugênio a idéia da Campanha da Fraternidade, que era uma semana mas que tomou toda a Quaresma quando a CNBB a assumiu como sua.

Na co-catedral de São Pedro dos Clérigos, a 12 de abril de 1964, todos ouvimos Dom Hélder dizer que “no Nordeste Jesus tem o nome de Biu, Zé, ....” Mesmo depois dos anos de Dom Carlos, que jamais abriu mão da púrpura episcopal, mas que tinha uma relação de brandura com o seu povo, ouvir as palavras de Dom Hélder, era como receber, pela primeira vez, o entendimento do que é o mistério da encarnação. E foi assim por muitos anos na convivência com Dom Hélder.

A Dom Carlos Coelho eu conheci quando estudante no Seminário Menor da Várzea, que ele sempre visitava, especialmente na preparação da Primeira Sessão do Concílio Vaticano II, pois ele sempre levava os bispos que vinham tomar o avião no então muito internacional Aeroporto dos Guararapes. Sendo seminarista menor, minha relação com Dom Carlos Coelho foi bastante filial. Com Dom Hélder o relacionamento, além de filial, caminhou para a amizade, a companhia em almoços, ora na casa de papai e mamãe, ali em Nova Descoberta, ora em um pequeno restaurante próximo ao Palácio dos Manguinhos. Foram muitas as oportunidades de proximidade com o Dom, embora não fosse mais seminarista, mas um católico militante na minha paróquia e no setor de Casa Amarela.

Neste aniversário de Dom Hélder, no início da Quaresma, parece que escuto-lhe dizer ser este um período especial para “nos aproximarmo-nos do Pai”, quase me lembrando as aulas do padre Nércio Rodrigues sobre a sabedoria de Deus parecer loucura para os homens.

á faz algum tempo que esses três mestres estão vivendo a realidade da Ressurreição, e é necessário que os que os conhecemos e com eles tivemos o privilégio de viver, sempre falemos de sua importância para a sociedade humana. Nenhum deles era paroquial ou provinciano. Suas cidadanias eram universais, como o amor que dispensaram àqueles que com eles conviveram.

Um comentário:

Unknown disse...

As belas palavras escritas por Biu demostram a emoção e admiração de quem pôde disfrutar de uma relação de amizade mais estreita com uma grande persolanidade da nossa história. Para os que gostam de uma boa leitura aconselho o livro: Entre o Tibre e o Capibaribe de autoria do próprio Biu. O livro tem uma escrita primorosa do tipo que não fadiga e que nos faz querer ler mais e mais, nele encontramos a importância da luta religioa e política traçada por Dom Helder no que diz respeito a igreja progessista, dimensionando o contexto histórico da representação do fato.