terça-feira, maio 13, 2008

O Treze de Maio -1888 -2008

Desde criança fui ensinado a celebrar a data Treze de Maio. Na Igreja, era a celebração da aparição de Nossa Senhora, em Fátima, a três crianças camponesas, em Portugal. No quarto onde dormia com meus irmãos havia um quadro com as crianças olhando para aquela Senhora e ela olhando carinhosamente para elas. Na escola, o Treze de Maio era para festejar o fim da escravidão no Brasil, a edição da Lei Áurea. Ainda nos dias de hoje celebro as duas referências, pois ambas são parte de minha herança e de minhas escolhas.

O Treze de Maio mais social, o fim da escravidão no Brasil, vim a compreender, depois dos dezesseis anos de idade, que faz parte da minha família. Meus bisavôs paternos eram escravos. Viviam em algum engenho da região que os geógrafos dizem ser a Mata Norte desde os anos quarenta do século passado. Aquela foi uma região em que a cana de açúcar dividia os espaços com outras culturas, o que favoreceu o estabelecimento de sítios, e de uma economia que recebia moradores nos engenhos. Foi essa a saga de minha família. Começou como escrava e depois moradora de engenho.

Meu avô paterno, José Vicente, casou com uma mulher que era mestiça, índia e branco, conforme posso notar em seu rosto que ficou para mim em fotografia, o rosto de Maria Florinda. Assim meu pai, João Vicente, nasceu fenotipicamente branco. Cresceu como menino de engenho, não o da varanda, mas o que trabalhava no eito. O tempo, a inteligência, a sagacidade o fizeram sair da enxada e ir para o balcão de comércio e o trouxe para a capital com a família, formada com Maria Ferreira, de ascendência mestiça de índia com branco. Seus filhos nasceram resumindo toda essa tradição biológica que se juntou à tradição cristã. Mas a tradição cultural cristã européia não abandonou a tradição dos chás, das ervas, das “crendices” de quem veio das matas e das senzalas. Assim, com essa história, celebro a alegria que meus antepassados viveram ao saberem-se livres. Os limites iniciais dessa liberdade não puderam ser mantidos, como atesta a trajetória de seu José Vicente, seus filhos e netos. Celebro, no Treze de Maio, as festas que ocorreram nos engenhos da Mata Norte e nos engenhos da Mata Sul, em uma delas estavam meus bisavós; celebro as festas que ocorreram na cidade do Recife e nas demais cidades litorâneas. Por mais limitada que possa ter sido o que foi conquistado em maio de 1888, ele foi a continuação de um início, talvez mais longínquo. Não posso negar a alegria de meus antepassados, ainda que pequena que me possa parecer. Pequena para mim, que já nasci com horizontes mais largos que eles, mas foram os seus horizontes diminutos, os seus pequenos passos iniciais no imenso sonho da liberdade, as bases de minhas correrias livres e do futuro que, a partir deles, continuam auxiliando a criar para os seus descendentes e os descendentes dos seus colegas de senzala. Celebrar o Treze de Maio é celebrar a alegria de meus bisavós que já tiveram seus filhos livres. Mas sei que devo continuar a luta para que a nossa liberdade seja mais plena, embora eu saiba, como aprendi com o filho da Senhora de Fátima, a liberdade é bem maior do que eu e minha geração possamos construir.

Ainda estamos no alvorecer da humanidade, mas ela é construída aos poucos. E sua construção não é uma questão de grupos, seja de que forem. Nenhum homem é livre sozinho, nem um grupo encontra a liberdade se não constrói com todos os homens e mulheres. E todos os homens e mulheres são tão coloridos que é uma loucura escravizar a liberdade são para uma cor de pele. Esse erro levou meus antepassados ao cativeiro. Não quero mais cativeiros, que todas as paredes caiam, não quero paredes transparentes, pois o vidro é transparente, mas exclui, não deixa o vento passar.

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