sexta-feira, maio 23, 2008

Os Caminhos de Goiana

Os Caminhos de Goiana[1]

Severino Vicente da Silva[2]



Os pés, essas extremidades que suportam nossos corpos em movimentos e sempre estão dispostos a levar-nos pelas ruas, ladeiras, calçadas que formam a cidade onde nós vivemos; esses pés que nem sempre lembramos deles, exceto quando nos dizem cansados, eles estão intimamente conectados ao nosso cérebro. Os caminhos que eles percorrem não o fazem por seu próprio discernimento, mas porque são impulsionados por vontades e desejos definidos nas sinapses elétricas que ocorrem no interior de nossa cabeça. E nosso cérebro carece de informações que lhe são dadas pelas outras partes do corpo. Olhos, mãos, pele, narizes, orelhas, pelos, todos esses são receptores de informações e as enviam ao cérebro. Assim, quando os pés tocam as calçadas, as informações guardadas em partes de nosso cérebro nos lembram que elas foram ali colocadas por gerações anteriores. Rapidamente somos levados a pensar que o espaço onde nos locomovemos são espaços criados por outros que não nós. Mas enquanto andamos nesses espaços, deixamos, por nosso trabalho, modificações que serão percebidas por outros.

Nas ruas de Goiana há espaços que existiam muito antes de nossa geração. Na nossa coluna de hoje, vou transcrever algumas linhas do historiador e embaixador Evaldo Cabral de Mello. Elas tratam do passado que talvez muitos “esqueceram” porque se lembram de outros eventos. As lembranças que temos de nossas vidas são repletas de esquecimentos, também. Leiamos algumas lembranças que já esquecemos:

No século XVIII, a mata norte já adquirira a fisionomia própria que lhe dava uma relativa diversificação econômica, baseada na pesca, na farinha, no fumo, na cal, nos cocos, utilizados na manufatura de cordagem, no sal, indispensável à salga da carne e ao tratamento dos couros do sertão, na lenha de mangue, cujo tanino constituía matéria prima dos curtumes recifenses. Em toda a costa entre Olinda e a foz do Goiana, habitava uma população livre cuja densidade surpreendia os viajantes, especialmente em Itamaracá, parte mais populosa da província, com exceção do Recife e cercanias. Quadro oposto aguardava a quem jornadeasse pela marinha do sul, que permanecia o quintal da economia canavieira, uma franja ininterrupta de sítios de coqueiros e manguezais(...)

No livro A outra independência, Evaldo Cabral de Mello continua se reportando às estreitas relações da mata norte com o Agreste e Sertão. Goiana, segundo núcleo citadino da província, combinava a facilidade das comunicações flúvio-marítima para o Recife com a condição de porta do sertão, o que lhe permitia competir vantajosamente com as capitais das províncias vizinhas. Bom Jardim e Limoeiro serviam de entreposto para o algodão e os couros procedentes daquelas áreas e para os produtos que a demandavam. Rumo à feira de Goiana, as boiadas desciam desde o Piauí para o abastecimento do Recife e da mata.

Essas palavras as coloco aqui para que, andando no nosso antigo porto flúvio-marítimo, comecemos a repensar sobre essa tal obrigatoriedade de sermos região de monopólio da cana. Uma das razões da grandeza passada de Goiana foi a sua diversidade econômica, utilizando os espaços geográficos que foram sendo criados. Foi essa importância econômica que permitiu a Goiana influenciar os destinos de Pernambuco na Convenção de Beberibe, de outubro de 1821. Seria interessante que nossos professores de história se dedicassem um pouco mais a estudar os acontecimento do século XVIII e XIX em Goiana.

[1] Escrito especialmente para A PROVÍNCIA, Goiana, 5 de maio de 2008.
[2] PHd em História do Brasil pela UFPE, Professor adjunto do Departamento de História da UFPE, Assessor do Ponto de Cultura Estrela de Ouro de Aliança.

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