sexta-feira, julho 04, 2008

Anúncios de vida

Chegando em casa, após ter-se apresentado em um solo de dança - Pequenas Subversões - por ela criado e gerado, a minha filha Ana Valéria comunicou-me que exames laboratoriais confirmavam que ela está vivendo a quarta semana de gravidez. A sua primeira gravidez e o meu segundo neto, que pode vir a ser a minha primeira neta. Pois então tenho a família crescendo, mantendo a continuidade, confiando no futuro.

Cada gravidez é sempre uma aposta na bondade da vida, é uma mostra de confiança que a humanidade encontrará saídas para os impasses que ela cria. A geração de um ser é uma doação. Um corpo passa a dividir-se para dar início a um novo corpo, assim como duas almas, que vivem em corpos diferentes, dividiram tempo, dedicação, entrega para promover a chegada de nova alma. Concebidos em alegria física e espiritual, novos habitantes da terra chegam alegres para alegrar e construir novos caminhos com, nos, e ao lado de outros caminhos. A alegria é a marca da vida, ainda que ela venha com dores, sangue, apreensão. Mas o que caracteriza a vida é sempre alegria. Quando não há alegria, sempre nos perguntamos afirmando se “isso é vida”. Nesta manhã de julho fico alegre com as dores e os risos que virão em janeiro.

A vida parece ter término. Mas é uma aparência de fim. Todos que já vivemos com alguém que já morreu sabemos que ele se mantém vivo e conversando conosco quase todos os dias. Caminhamos com os nossos mortos, pois eles nos mantêm vivos. Assim foi com dona Ruth Cardoso que, embora morta na semana passada, vai viver muitos anos porque sua vida foi fértil nos mais amplos e mais peculiares sentidos dessa palavra.

Interessante como nós a chamamos sempre de “dona Ruth”, assim como nos referimos a senhora que respeitamos e amamos. A reconhecemos senhora.

Pois bem, dona Ruth Cardoso, a professora de antropologia que pôs um fim na falsa ajuda da Legião Brasileira de Assistência, que assistia mais aos não necessitados de assistência e criou programas como o Universidade Solidária e o Bolsa Escola. De início o Universidade Solidária parecia ser uma reedição do Projeto Rondon, uma iniciativa ocorrida nos anos da ditadura militar, pois era também voltado para universitários. Entretanto tinha uma prática mais envolvida e comprometida com mudanças, não apenas nos estudantes, mas nas comunidades que eram atingidas pelo programa. Essas iniciativas mostraram uma acadêmica conhecedora das realidades brasileiras e disposta a indicar um caminho que nos livrasse desse peditório que as elites brasileiras criaram para continuar no poder.

As ações de Dona Ruth Cardoso sempre me lembraram os ensinamentos que escutei de Dom Hélder Câmara, ainda no tempo em que desconfiava dela por desconhecê-la. (ah! mas eu nunca a conheci, jamais nos olhos se viram, mas conheci o resultado de suas iniciativas, especialmente em Belém do São Francisco). Dom Hélder, o criador da Operação Esperança, dizia algo assim:devemos sempre evitar dar coisas, conhecimentos prontos, é melhor indicar os instrumentos para que sejam utilizados, assim as pessoas ganham autonomia e podem se tornar sujeitos de sua vida.

Dona Ruth Cardoso, como Dom Hélder Câmara, era contrária à prática da simples esmola, esse gesto quase inconsciente de colcoar a mão no bolso para dar o que não se precisa. Essa esmola é fortalecimento de situações de escravidão, de servidão. Gera dependência. A verdadeira ajuda é aquela que permite a vida se construir autonomamente, como um homem e uma mulher que entregam partes de seus corpos para que outro corpo, outro ser nasça, cresça e seja.

Aqueles que produzem a vida não morrem.

5 comentários:

Anônimo disse...

Biu

Meus parabéns, imagino a felicidade de todos, muita saúde para este mais novo membro desta família tão especial. Meus mais sinceros votos de muitas felicidades e saúde.

Um grande bj em todos.

Roze & julio

Unknown disse...

Uma grande humanista, sem dúvida.

Fiz uma postagem sobre ela no dia seguinte de sua morte e deixei uma reflexão: mentes estão morrendo ou os interesses drenam pensamentos? Pois é.

A vida segue.

hilda.elaine disse...

Professor Biu Vicente:

Parabéns pelo "anúncio" da nova vida que perpetuará a família Vicente.
Parabéns pela alusão de que a vida "apenas parece ter término", evidenciando a presença dos que se foram, mas imortalizaram-se ou em nossas lembranças ou no conjunto das suas ações.

De sua sempre orientanda:
Hilda.

Anônimo disse...

Parabéns professor!!!(Deveria ser sempre) uma grande felicidade mais uma vida que se inicia, infelizmente não é isso que temos visto!
Mas para o senhor será mais alguém para amar orientar e mimar, eita; felicidades para todos!

Quero expressar que também concordo, produzir a vida é uma forma de 'ser sempre'.

Um grande abraço!

Val disse...

vou imprimir pra usar quando ensiná-lo a ler eheheh te amo pai