domingo, dezembro 22, 2024
FELIZ NATAL
FELIZ NATAL – DESEJO DE UM NOVO ANO FELIZ.
Prof. Severino Vicente da Silva – Biu Vicente
Os dias passam, levam bocados nossos; alguns, nós vivemos, outros ficaram em um canto da sala da vida sem serem percebidos. Como aqueles que acontecem nas casas dos vizinhos. Sempre as paredes nos impedem de vê-los e deles participarmos. O mesmo ocorre em relação à rua que está em frente a casa onde estou. A quantidade de sonhos desejados, momentos tristes ou alegres foram vividos e nada impede que a vida que não nos ocorre, ocorra pela ação de pessoas que não sabemos de onde vêm nem para onde vão. Claro está que estou pensando em Eleonor Bridge, mas quando comecei a digitar os Beatles estavam tão distante de minha mente, embora a pergunta “de onde eles vêm?” seja parte de bela poesia e melodia por eles criadas.
De onde vem tanta gente solitária na imensa multidão que nos faz parecer sermos todos iguais. Bom que nos sabemos diferentes, com diferentes projetos pessoais, muitas vezes divididos com um grupo maior, a família, amigos que se encontram nas igrejas, outros nos bares. Teilhard de Chardin menciona uma Missa sobre o mundo, um ritual que a todos atrai para si, gerando um novo mundo, que é parido dolorosamente. Os hominídeos são paridos em dores sentidas por suas fêmeas, diferente dos cetáceos e mesmo outros mamíferos. Parece que nascer humano não fazia parte do projeto de Javé. Parir um ser humano é quase uma maldição que é superada pelo aprofundamento do aprofundamento posterior das relações pessoais entre a parturiente e o ser que, por não suportar mais o casulo que o envolve e protege, arrisca levar à morte aquela que estar a lhe dar a vida. Nos últimos séculos a maldição da morte da parturiente está sendo superada fisicamente, embora a dor e o amor que vem do parto acompanhem os viventes até seus últimos dias.
As dores que acompanham o nascimento podem ser a companhia ao longo da experiência de ser vivo. Nascimento e morte caminham junto com o indivíduo. A morte individual ocorre socialmente nas guerras que fazem parte da história dos homens, Algumas guerras ganharam fama, caso daquela ocorrida entre Troia e a Grécia em formação; a dos Cem Anos, a dos Camponeses, a da Independência da Argélia, aquelas que fizeram a formação das Américas, as ditas mundiais que ocorreram no século XX, das quais foi dito que poriam fim às guerras e o mundo ficaria em paz. Essa lista, incompleta, refere-se aod homens e mulheres que viveram e vivem na parte ocidental do globo terrestre, aquelas que ocorreram e continuam ocorrendo na parte mais oriental, pouco delas os que vivem desse lado do globo fazem ideia. Na verdade, creio que a maior parte dos homens e mulheres que vivem na terra atualmente saibam dos acontecimentos para além das suas aldeias, bairros, cidades ou países. O mundo só não é maior do que a ignorância sobre ele. Essa não ciência é uma das causas do conservadorismo, pois que grande parte dos homens e mulheres acreditam que o tempo passado foi melhor do que o atual, com guerras por pedaços de terras, destruição de vidas humanas para preservar o poder de alguns, e podemos citar expulsão dos sobreviventes indígenas de suas terras, na Amazônia e em outras partes do Brasil, uma guerra patrocinada por pessoas que já dominam muitos quilômetros quadrados de terra; as guerras patrocinadas pelos Estados Unidos da América do Norte e da Rússia (Afeganistão, Paquistão, Israel que destrói a Palestina; a Guerra do Iêmen, as guerras em andamento no interior do Continente Africano. Etc.), as guerras dos traficantes de drogas, armas e seres humanos para o trabalho escravo, prostituição, etc. A ignorância é que leva as pessoas crerem que este é uma característica desse tempo que vivemos, uma ignorância que faz esquecer a destruição de muitos povos ocorrida na formação das atuais nações. Essas são as dores que vivemos hoje, dores que podem fazer surgir novos modos de organizações sociais, novas modalidades de vida, trazidas pelas pesquisas por novas armas e instrumentos de destruição. O novo pode surgir desses sofrimentos, assim como se estivéssemos realizando um grande parto. A vida vem com dores do parto, momento de vida tão próximo da morte. Essa maldição que, na explicação fornecida pela tradição judaico-cristã ocidental, nos acompanha desde o início da aventura humana. Essa explicação também serve para justificar as guerras, como o fizeram e fazem os ‘senhores da guerra’, os shoguns, os usos dos heróis nacionais.
Nesta semana mantemos a lembrança de um parto, o parto que ter oco,rrido na região do permanente conflito entre hebreus, filisteus, cananeus, judeus, palestinos. A tradição conta que logo após o parto do qual nasceu Jesus, ocorreu o massacre de uma geração, as crianças que Herodes mandou matar para ter certeza que também estava matando a Jesus, a quem, diziam alguns, cabia a coroa de um reino. O nascimento dessa criança foi, tem sido, o consolo de homens e mulheres que vivem sob domínio de gente como Herodes, um serviçal do poder do Império Romano, um império que se formou a partir de violências e se manteve em guerra permanente contra todos os seus vizinhos.
O Menino que nasce é a promessa de que virá um mundo de paz, um tempo em que os sábios se curvam diante uma criança, uma promessa de vida. Uma vida sem a solidão que leva às guerras; uma vida guiada pela esperança de que as guerras não sejam mais necessárias para a manutenção da vida. Começará um novo mundo, sem a maldição das guerras e das dores de parto.
Este é meu desejo de Natal e Novo Ano para todos.
Severino Vicente da Silva.
22 de dezembro de 2024, a caminho, na direção de um mundo sem dores nem guerras.
quarta-feira, dezembro 11, 2024
ACIDENTES ATUAIS DO OCIDENTE
ACIDENTES ATUAIS DO OCIDENTE
Severino Vicente da Silva – Biu Vicente
São poucas as surpresas que os que tocam flauta ou lira nos concedem, estão sempre a busca de um som paradoxal pra suas orquestras. Há dois dias do aniversário do famigerado do 5º Ato Institucional decretado pela ditadura imposta ao Brasil em 1964, eis que os que carregam o DNA da violência autoritária, votam contra as leis de controle das armas, e aprovam anistia para os que ilegalmente carregam e guardam armas. Diz a lira alagoana, desafinada com o a canção do povo que deseja viver sem a violência das milícias e das despreparadas polícias, que a liberação de armas trarão maior segurança à população. Ao repetir o mantra do inelegível, que foi comido pela história, será que estaria, a lira tocando o fagote presidenciável, pois que ocorre de assistirmos a broxa do imbroxável? Dito de outra forma, a lira canta que o imbrochável perdeu o rumo? Talvez não, pode ser que, às vésperas de deixar de ser o patrono da presidência tenha ele perdido o Norte ou o Ocidente de sua vida. O que ele menos deseja é ser jogado ao Sul do equador, daí estar em busca de acordos com o submundo legislativo.
Do outro lado do mundo Bashar al Assad, foi assado pelos que lhes forneceram armas e fogo suficiente para destruir seu povo. Agora perambula em algum palácio dourado da velha Rússia, eventualmente encontrando o novo Czar. A Síria pode continuar ajudando os fabricantes e vendedores de armas, com dois ou mais exércitos a serem municiados. Os pacíficos europeus, cada dia mais xenófobos, podem ter que receber novas levas de foragidos, chegados das terras bíblicas e corâmicas. Ali próximo do Líbano continua a destruição de Gaza, da Palestina, e o executor dessa “honrosa atividade”, a guerra, é o Estado de Israel, fundado após uma ação genocida dos nazistas alemães. Tendo aprendido como matar, o Estado de Israel é, no momento, o Master Maximus, garantindo vida longa aos Cavaleiros do Apocalipse. Voltaram os tempos de Josué, tempo dos cercos a cidades, destruindo as fontes de água e a chegada dos alimentos: a Fome, a Guerra são as forças das doenças. Ao lado do Líbano, onde, dizem, que Salomão foi buscar árvores e trabalhadores para a construção do Templo, está a Síria, e nela Damasco. A tradição nos conta que, carregado com o ódio das boas intenções, Saulo de Tarso deixou Jerusalém para, em Damasco, ser a mão da vingança de Jeová contra o infiel movimento de Jesus. Caiu do cavalo apocalíptico, tornou-se um jesuíno, depois dito cristão, organizador das ideias que fizeram as bases da Europa. Outra base chegou com o comércio e com as armas em nome do Deus de Maomé, que unificou o idioma, o mais profundo agente cultural. Depois de todas essas divindades e crenças, o Líbano tornou-se uma sociedade de convivência universalizante até as guerras do século XX serem realizadas para evitar o fim do chamado Ocidente que, se fosse tomado a sério, deveria olhar, ler melhor Kalil Gibran. Diferentemente do que escreveu Roger Garaudy, o Ocidente não é um acidente, mas um projeto.
O projeto de Ocidente tem se tornado mais tangível no Brasil, que sempre recebeu os europeus (portugueses, franceses, ingleses, neerlandeses, alemães, poloneses, austríacos); os sírios, os turcos, os libaneses, os judeus, sauditas, palestinos; chineses, japoneses, coreanos; russos, ucranianos; os angolanos, os moçambiquenhos, marfinenses. Nigerianos, santomense; estadunidenses, colombianos, venezuelanos, bolivianos, e muitos outros povos de todos continentes. Entretanto o grande sonho é ser europeu, de preferência branco, com suas múltiplas culturas, mas com coceitos negativos sobre os demais, O mais ricos no Brasil, que são em sua maioria brancos, desejam negar suas origens não europeias e, como durante três seculos e meio puseram os povos provenientes da África a trabalhar como escravos, seu preconceito maior se volta para essa população, pois julgam que seer ocidentais significa não ser negro, não “ter o pé na cozinha”, como uma vez disse o presidente sociólogo, mas que pede que esqueçam o que disse. Também o ditador general João Batista Figueredo pediu o mesmo. Mas, como ensina Stuart Hall, os europeus ocidentais não sabem onde termina o Ocidente. Só os brasileiros que moram em torno do Trópico de Capricórnio sabem o que é Ocidente. Mas, por influência do pensamento, profundo como um pires, do incomível, estão em dúvida nesse natal. Com medo de levar seus filhotes a sentar no colo de um “comunista”, um homem vestido de vermelho, decidiram que o Papai Noel que a Coca Cola inventou não pode ser vestido de vermelho, mas de verde e amarelo. Com isso eles negam os dosi maiores símbolos do Ocidente, criados na sociedade mais defensora do mundo ocidental.
Uma das devoções cristãs, anteriores ao desenvolvimento da Obstetrícia, é a Nossa Senhora do Ó, que lembra as dores de parto pelas quais passou Maria, a mãe de Jesus. Embora as mulheres continuem dizendo os seus “ós”, precisamos também que Nossa Senhora da Paciência, nos acuda contra esses imbecis que falam do que não entendem e não estudam pois pensam que já sabem. Que a Senhora da Sabedoria nos conceda a Paciência, que nos proteja com um Bom Parto, pois como disse São Paulo (cristãos católicos) ou Paulo de Tarso (cristãos não católicos) o mundo, a história, vive em dores de parto.
Feliz Natal. Bom Parto para todos e Sabedoria durante o tempo que vem a seguir.
Ouro Preto, Olinda 11 de dezembro de 2024. Festa de São Dâmaso, papa.
Severino Vicente da Silva – Biu Vicente
quarta-feira, novembro 20, 2024
O POVO MESTIÇO, ZUMBI E A REPÚBLICA
O POVO MESTIÇO, ZUMBI E A REPÚBLICA.
Severino Vicente da Silva – Biu Vicente
Corria o ano de 1987, Dom Luiz Fernandes era o bispo diocesano e realizava uma semana de reflexão sobre o papel que a Igreja desempenhava e desempenha na história e formação do Brasil. Eu já era professor do Instituto de Teologia do Recife, ITER, e fui convidado para apresentar algumas ideias, reflexões, sobre a relação social da Igreja Católica ao longo do processo de formação do Brasil. Naquela mesma semana Roberto Carlos programara uma apresentação na casa Spzzio, eu não havia percebido, nem outros convidados, Um deles, bispo de Guarabira telefonou para mim e propôs trocarmos nossos dias de apresentação, aceitei. No dia aprazado, saí de Olinda dirigindo a kombi da Faculdade de Filosofia do Recife, onde exercia o cargo de vice-diretor, e ao chegar na cidade onde passei belos dias, durante parte de minha primeira juventude, compreendi a solicitação do bispo de Guarabira: naquela mesma noite, roberto Carlos apresentava-se na maior casa de show do Nordeste. Palestrei para o bispo Dom Luiz Fernandes e mais uma quase cinquenta pessoas em um auditório que caberia mais de duzentas.
O tema de minha conversa era entender quais era as relações entre a família e a Igreja; na verdade, creio, desejava-se que fosse feito o elogio da família e como a Igreja fomentara a organização da instituição básica da nossa sociedade. Mas uma questão que acompanhava os agentes pastorais presentes naquele auditório, era a dificuldade de organização, a estruturação familiar nas regiões mais pobres da cidade, da sociedade. Esta é uma questão que se debate ainda nos dias de hoje, uma das sequelas do sistema de exploração da terra e do homem que foi posto em funcionamento desde a primeira parte do século XVI, pelos europeus em terras que hoje chamamos de Brasil: A Escravidão do homem e a Escravidão da terra E todos nós sabemos que havia a prática da escravidão na áfrica, na Oriente Médio e o Oriente Distante, mas não era uma escravidão sistemática para a produção e apropriação das riquezas, a escravidão como ‘modo de produção”, dizia Gorender. O ato de escravizar alugém é o ato de o despessoalizar, de negar-lhe o direitos que são próprios da pessoa humana, dizemos nós atualmente, ou dos direitos de filhos de Deus, diriam ao longo da convencional Idade Média, período de dominância religiosa cristã na Europa. Ao optar, o capitalismo nascente, pela escravização dos africanos, trazendo-os para o Brasil ou levando-os a outros espaços do continente que eles haviam conhecido recentemente, eles continuaram o que estavam realizando com os povos que habitavam essas regiões, matando-os fisicamente ou culturalmente. Assim o fizeram até o final do século XIX.
O sistema escravista necessita que haja uma separação física e moral entre o escravista e o escravizado, como ocorreu nos nas colônias inglesas e alemães, ou a total despersonalização do escravo. No primeiro caso a separação racial foi a segregação extremada, com áreas específicas para cada grupo racial, o que gerou o appartheid, a destruição das tradições culturais e imposição ad infinito dos valores religiosos ao grupo escravizado, de onde, nos Estados Unidos, não haja resquícios graves das religiões africanas, com a presença da Igreja Batista quase como símbolo dos afro-estadunidenses; no segundo caso, mantém a proximidade física, quase harmônica, mas com enorme separação cultural, embora se permita a celebrações de festas pelos escravizados, inclusive permitindo-lhes que se mantenham as tradições de suas origens, com as dificuldades que o sistema impõe, tais como a venda dos escravizados separando-o os povos e origens. Por outro lado, são acolhidas essas manifestações no arcabouço cultural religioso, em confrarias, nas procissões e outras atividades socioculturais. Contudo, o sistema, que foi apoiado pela Igreja, pois que ela no Império Português fez parte da estrutura burocrática de governo, aceitava a ideia de que os escravos podiam ser vendidos, independente dos laços afetivos que haviam sido criados pela convivência, tornava impossível a formação da família, como era apresentada nos quadros renascentistas e barrocos. Na hora de vender os escravos, os senhores separavam “aquilo que Deus uniu”. Claro que este não era um estímulo para a construção de uma família nem do seu fortalecimento. E quando, por força das pressões históricas, foi abolida da escravidão no Brasil, a sociedade fez o caminho de desestruturação familiar, pessoal, à medida que abandonou os recém libertos sem qualquer proteção social. Assim, a construção de famílias entre os mais pobres da sociedade é decorrente de seus esforços para receber um mínimo de reconhecimento social, e encontrar um meio para que suas crias tenham melhores possibilidades de sobrevivência.
Não sabia que eu surpreenderia tanto a pequena assistência que me foi dada em noite concorrida com o Rei Romântico do Brasil. A Igreja Católica no Brasil tem feito, desde o Concílio Vaticano II esforços para superar essa realidade, mas o seu atraso em perceber o quão foi nefasto o Regime de Padroado, um regime que enfraqueceu (ou fez desaparecer) o espírito missionário de seus fiéis adeptos. Enquanto isso, os Terreiros de Xangô (como se dizia no Recife antes da cruzada baiana pelo candomblecismo), as demais tradições cristãs agiram com maior presteza, dizia eu naquela década dos noventa.
E, sem medo de errar repito agora nesta Semana da República que, em si carrega o dia da Bandeira Nacional e o Dia da Consciência Negra. Tomara que a República considere que fica difícil o povo mestiço brasileiro, descendentes dos quilombos e dos aldeamentos indígenas, carregar essa Bandeira, enquanto o Estado republicano não supere a frase de Aristides Lobo que é, simultaneamente denúncia e constatação. Que não continue sendo profeta. Que a República assuma a consciência de que ela e o Brasil não apenas os “gatos pingados” que passearam de cavalos no centro do Rio de Janeiro. Não bastam baionetas nas mãos de Deodoro, melhor seriam os livros sonhados por Benjamin Constante, as pontes de André de Rebouças. As baionetas de Deodoro eliminaram o Arraial do Bom Jesus, recentemente quiseram levantar-se mais uma vez contra o Brasil, e ameaçam diminuir os livros e as pontes. Mas continuaremos a construir a República. Como Zumbi, esse povo nunca foge à luta.
Severino Vicente da Silva – Biu Vicente
No dia Nacional da Consciência Negra
Ouro Preto, Olinda, Pe
sexta-feira, novembro 15, 2024
A PERMANENTE CRIAÇÃO DA LIBERDADE
A PERMANENTE CRIAÇÃO DA LIBERDADE
Severino Vicente da Silva – Biu Vicente
Outubro e novembro deste ano de 2024 foram surpreendentes para todos os que estão atentos aos acontecimentos e às mudanças. Quem imaginou o surgimento de uma nova liderança da ‘direita’ no Brasil, a partir de São Paulo e colocando em dúvida a liderança única do pretendente a Füher tropical? Aconteceu nas eleições municipais da capital dos paulistanos. São Paulo é um município que pretende ser caminho para o palácio da Alvorada. Às vezes ocorre uma pequena passagem pelo governo do estado. Assim pensou e acertou Jânio -Quadros antes da ‘redentora’, mas enganaram-se José Serra e Luiz Inácio. Fernando Henrique sentou-se no Planalto Central, sem conseguir banhar-se no Ipiranga. Neste momento, banhando-se, não Ipiranga, mas no sangue da baixada santista,Tarcísio de Freitas, carioca que foi ministro no governo Dilma e continua amigo de generais que o indicaram à primeira Presidenta, está governando os paulistanos com olho grande no Planalto Central, embora o seu chefe, que lá espojou-se um vez, pretenda; voltar, mas os erros que cometeu foram tão graves que está inelegível.
E o ex-presidenciável espera poder fazer o que seu ídolo fez nos Estados Unidos da América: ganhar uma eleição democrática para destruir a democracia, como estamos a ver em diversos países, mais próximos ou distantes. E tais pretensões e desejos ocorrem no Brasil que, parece, ainda não ter escolhido o seu futuro, e isso pode levar ao futuro do pretérito, como os praticantes do “jeito politicamente correto” de falar, vem ensinando diversas gerações a não mais dizer “desejo”, preferindo “desejaria”, estão a ensinar que o mais educado é aquele que fale em um futuro que já passou. Isso ensinam aos que virão a ser os fazedores de coisas, mas jamais terão permissão de escolher pensar. Sim, eles pensariam se os deixassem, mas aprenderam que não é esperado que pensem. Lembro de um professor que me perguntou: E quem lhe mandou pensar? O que me fez lembrar de estadunidense que, nos anos setenta disse-me: Este é um lugar maravilhoso, aqui vocês podem colocar em prática o que nós pensamos.
Tais ecos de tempos que já foram, mas permanecem, me mantém em alerta para que não me subordine pessoalmente, embora grande parte de minha sociedade já esteja subordinada. Por isso, neste 15 de novembro, lembro duas frases do Hino da república: “Liberdade, liberdade/Abre as asas sobre nós/Das lutas na tempestade/Dá que ouçamos tua voz” para que possamos manter essa fé de seremos capazes de vencer os obstáculos que nos impediam e, ainda nos impedem, de sermos um povo livre, capaz de pensar e realizar seu futuro. O Hino da República diz que é difícil acreditar que ho9uve escravidão em tão nobre terra, mas precisamos saber que houve e que assim é que nos formamos, lutando para sermos livres, não apenas do jugo de um estranho, mas dos nossos que se quiseram ser estranhos aos seus construíram e constroem o Brasil. E precisamos afirmar nossa história, nosso desejo, não com o medo que é posto quando se expressa no futuro de pretérito, mas que seja com a certeza que o futuro nos pertence, pois a liberdade é a nossa vocação, nosso destino. Mas a “Liberdade não abrirá as asas sobre nós”, nós é que a abriremos, não como um lençol ou coberta, mas como um estandarte que nos guia e guiará para o nosso futuro.
Quando em 1889, doente e enganado, o Marechal Deodoro da Fonseca proclamou o República, ele não ouviu o povo, mas os descontentes com o fim da escravidão que, no entendimento que os seus herdeiros carregam ainda hoje, iria por fim ao Brasil que eles estavam construindo. O historiador Jorge Caldeira em sua História da Riqueza no Brasil, demonstrou que o que se punham em risco era a maneira que ele exploravam o trabalho de africanos e brasileiros escravizados. E continuam com essa mentira até os dias de hoje, o que fez surgir uma subcidadania, conforme ensina Jessé Souza, continuando a exploração colonial de seu próprio país colocando-o submisso a interesses outros que não os brasileiros. Daí que somos escravizados pela economia e pela desapropriação de nossa cultura em benefício deste ou da que grupo étnicos, pouco importa se europeus, americanos, africanos ou asiáticos, pois que somos todos crescido e construtores deste mundo aqui, com as pedras culturais que recebemos de todos os povos que convergiram para este espaço. Todas as raízes, tradições e ancestralidades que eles trouxeram, aqui se fundiram, e seremos livres quando aceitarmos esta simples constatação histórica. Precisamos parar de construir o futuro do pretérito, nossa tarefa e construir o futuro com o pretérito.
Assim fizeram os ancestrais que viveram as últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX. Um dos fundadores da República que Deodoro proclamou disse, com clareza que “o povo assistiu bestificado” a chegada da República, mas sabemos que o povo tomou a histórtia em suas mãos, ocupou novos espaços que, mais uma vez lhe foram tirados, mas eles ocuparam novos espaços; como não tinham clubes e não lhes permitiam entrar nos clubes, criara os carnavais; não podiam ter mais confrarias e irmandades religiosas, criaram os maracatus, os terreiros de Xangô no Recife, os terreiros Candomblé na Bahia, a Casa da Mina em São Luiz, etc. Criaram Escolas de Samba, se reuniam e cuidaram de nossas tradições, e nos deram por herança essa coragem de nunca desistir da liberdade, ainda que aparentemente estejamos perdendo. Como nos ensinou Gustavo Gutierrez, O Povo é o Senhor da História.
Ouro preto, Olinda
15 de novembro de 2024, Dia da República.
segunda-feira, novembro 11, 2024
au brésil, le maracatu fait danser le nordeste invitation au voyage ar...
Convido vocês a ver uma pequena história d Maracatu, um visão oferecida por caboclos, mestres, estudiosos, com minha participação, e filtrada pelos documentaristas europeus. Saiu um bom trabalho.
segunda-feira, outubro 28, 2024
Reflexões em torno das eleições de 2024
REFLEXÕES EM TORNO DAS ELEIÇÕES DE 2024
Severino Vicente da Silva, Dr. em História do Brasil.
E chegamos ao final de outubro deste ano de 2024, e com ele termina o ciclo eleitoral, este ano dedicado a escolha de vereadores e prefeitos. Aprende-se em todas as experiências vividas, desde que invistamos algum tempo a pensar sobre elas. A maior parte de nossa população dedica pouco tempo às eleições, reflete pouco sobre como os candidatos são escolhidos e por quem; também pouco se sabe a respeito do que pensam os candidatos, nem sabemos se eles pensam. Conheci, ao longo de minha vida como eleitor, que há pouco pensamento político na mente de muitos candidatos, às vezes convidados para que os partidos cumpram o que diz a legislação em relação à representatividade da população em seus quadros. Os candidatos a prefeitos refletem os partidos aos quais se filiaram e, percebemos que eles não desenvolveram um projeto para a cidade que se propõem governar. Se não há projeto para a cidade é porque não há um projeto nacional. Percebe-se que não há um projeto nacional, mas todos parece terem um projeto comum: chegar ao poder, ter acesso ao poço sem fundo das verbas públicas. Por isso, mesmo antes de terminarem de contar os votos, os chefes partidários, como demonstram os comentaristas da política, dão início à próxima campanha eleitoral. Este é um processo bianual, e a pergunta que começa a ser feita é: quem serão os candidatos aos governos estaduais, quais os que apresentam chances de vitória e garantam que os donos dos partidos, queria dizer dirigentes, um maior leque de compromissos que garantam a manutenção de um sistema que permite a continuidade de um país sem projeto de país.
Cresce a cada dia a necessidade de entender melhor a frase do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso enunciou a respeito do governo de Getúlio Vargas. Nela expressou o seu desejo de por termo ao projeto daquele que foi ditador entre 1937 a 1945, e foi presidente eleito nos anos 1951 a 1954, quando forças maiores o levaram ao suicídio. O que Fernando Henrique pretendia mesmo superar? o que fez Getúlio Vargas de tão danoso ao país que provocou tanto asco ao 'príncipe dos sociólogos' brasileiros, filho amantíssimo da Universidade de São Paulo? Será que foi a garantia de férias para os operários? terá sido o reconhecimento do descanso semanal dos trabalhadores? quem sabe foi a necessidade de acabar com o projeto de uma nação formada por mestiços, um projeto nacional de uma sociedade sem a polaridade racial desenvolvida no que se chama Estados Unidos da América do Norte, uma união segregacionista, racista e infensa à mestiçagem que caracteriza o Brasil?
O projeto nacional brasileiro há que ser mestiço ou o Brasil não fará o que o seu povo tem se esforçado por criar desde a República, da qual foi escorraçado. As constantes mudanças na legislação eleitoral demonstram que o Brasil, o povo, vota com objetivos diversos daqueles que estão a fazer tais modificações. Esse projeto anti Brasil está ligado ao que, uma vez escrevi: o Plano Nacional Burrificação, posto em prática oficialmente desde 1964, com os ajustes que eles fazem sempre que se sentem ameaçados.
Os mestiços, os mulatos, os caboclos, curibocas e outros tantos resultantes dessas relações sociais, culturais desses quinhentos anos hão de ser o Brasil, ou o Brasil o não existirá, pois será apenas um decalque malfeito da Europa do século XIX com a agregação do pior que ela produziu no século XX, ou uma colônia, sem caráter, financiada por fundações que afundam os povos. Será que é este o projeto que vereadores desorientados, prefeitos a serviço de partidos e governadores e presidentes que pretendem refundar o século XIX?
Dia de São Judas Tadeu, (o santo das causas perdidas).
Ouro Preto, Olinda, 28/10/2024.
Biu Vicente
sábado, outubro 12, 2024
AS EFEMÉRIDES: DAS CRIANÇAS, DAS AMÉRICAS E DA ESPERANÇA APARECIDA.
As efemérides das crianças, das Américas e da esperança Aparecida.
Escrito por Severino Vicente da Silva, Biu Vicente.
É 12 de outubro, dia de celebração de muitas efemérides. Coisas importantes devem ter sido criadas em um dia como esse há algum tempo; pessoas nasceram, pessoas morreram enquanto outras estavam sendo forjadas no amor, outras foram por desalento, descaso. Uma vez alguém deve ter atentado que haviam criado um dia para celebrar as mães, mas mães têm filhos que nascem pequeninos e vão crescendo e aprendendo o mundo ao seu redor, ao redor da mãe. No primeiro período de crescimento os filhos são chamados de crianças.
1. Ao longo da história da humanidade nem sempre houve o reconhecimento de que os humanos tinham infância. Uma das mais fortes ações contra os filhos dos humanos foi a matança dos primogênitos, ordenada pelo Deus de Moisés, na sua disputa com o Faraó e seus deuses. Outra grande matança é narrada como parte do nascimento de Jesus, é ordenada por Herodes, um rei judeu serviçal de Roma. Era costume de muitos em Roma jogarem recém-nascidos indesejáveis no lixo ou vendê-los como escravos. Historiadores cristãos contam que os primeiros cristãos romanos recolhiam esses rejeitados, sendo que há narrativa contando o martírio desses cristãos adolescentes quando pegos levando alimento espiritual aos encarcerados. Parece que em Portugal Infante era um título do filho do rei que não viria a tornar-se rei. Por isso o criador da "Escola Superior de Pesquisas Náuticas", mais conhecida como Escola de Sagres, morreu, como Infante aos 64 anos de idade em 1460. Pintores retrataram filhos de reis e nobres como pequenos adultos, mesmo os que haviam morrido logo cedo. Não sei bem, mas Leonardo Da Vinci foi um dos que primeiro vieram a desenhar crianças, como crianças, Esse foi o tempo do aparecimento das crianças, mas elas só conseguiram as bonecas para suas brincadeiras, alguns séculos depois. As bonecas eram privilégios das adolescentes e muitas as levavam em seus casamentos. O costume de ter amas de leite foi muito comum no século XIX, e não era prerrogativa das senhoras de engenhos brasileiras, como pensam alguns. Os católicos mantém uma devoção a Tereza de Lesieux, a carmelita Terezinha de Jesus, e poucos sabem que sua mãe a levava para ser amamentada em um bairro distante, e passava a semana sem relacionar-se com a criança. O século XIX foi a descoberta da adolescência, o XX foi o século das crianças (alguns pedagogos tentaram isso antes), para quem foram criados os Jardins da Infância, onde muitos experimentos foram realizados para se aprender como ensinar as crianças a serem crianças e seus pais serem pais de crianças. Mas o movimento foi lento, e só no final do Século foram criadas declarações dos Direitos da Criança. Pois bem, o dia 12 de outubro, entre outras efemérides, é dedicado às crianças que, neste século XXI algumas têm abundância de brinquedos, alimentos, segurança, escola (pode ser que faltem carinho dos pais atarefados em ganhar dinheiro para itens). Simultaneamente, talvez a maioria das crianças vivam famintas, sem brinquedos, inseguras, sem escola, com seus pais trabalhando, em dobro ou tripla jornada, na ânsia de poder oferecer-lhes mais que carinho, amizade, amor. Dia das crianças é o dia em que palhaços remediados, contratados por senhores endinheirados, apresentam espetáculos gratuitos para oferecer possibilidades de risos que serão vendidos, em cores, como alegria e "felicidade estampada nos rostos", como dito em jargão do jornalismo televisivo, para crianças cujos não as pode levar a teatros, por serem remediadas e pobres.
2. Nos dias de minha infância biológica fui ensinado que em um 12 de outubro a América foi descoberta por um europeu. Cristóvão Colombo "descobriu" a América Central, tivesse mais sorte poderia ter descoberto o único pedaço de terra que se autodenominou de América. No final do século XIX e final do século XX, quando os italianos tentaram descobrir a América, encontraram os ingleses que haviam matado os primeiros habitantes e dominado de tal maneira as terras de Sua Majestade britânica, que quase lhe parece normal matar os que se põem em seu caminhos, sejam povos vindos do continente africano, sejam povos que vieram da Europa, seja os que agora chegam dizendo que são americanos da América Central ou América do Sul. Como para eles só existe a sua América, logo aprenderam nomear esses novos migrantes de "latinos". E não o fazem como elogio. Estadunidenses, norte-americanos (como preferem ser conhecidos) mesmo são os descendentes dos piratas de Sua Majestade Britânica. Recentemente vimos jovens estudantes estadunidenses derrubarem as estátuas de Colombo, acusando-o de ser um invasor das terras dos Dakota, Cheroquee, Chayenne e tantos outros, mas Cristóvão Colombro nem foi para lá no fatídico 12 de outubro de 1492.
3. Quando a Região das Gerais já não produzia tanto ouro, embora a matança de índios continuasse a ser praticada pelos paulistas, depois transformados em heróis formadores do Brasil pela historiografia uspiana, na região de Guaratinguetá, gente pobre e daquelas partes da Colonia portuguesa, negros, mestiços, curibocas, mamelucos, encontravam na pescaria o sustento para si e suas famílias. Mas a passagem do governador na região foi uma oportunidade para agradá-lo, e os homens bons do lugar, mandaram fazer uma festa. Precisavam de peixe e pescadores foram encarregados de encontrá-los, e saíram, à noite, para tal tarefa. A natureza não parecia querer ajudá-los. Parecia ser uma noite perdida. Preocupados com o que poderia lhes acontecer se os vereadores da vila não pudessem fazer a festa planejada e prometida, rogaram por bençãos divinas. Jogaram a rede, mas não veio peixe, na rede estava parte de uma estátua sem cabeça. Jogaram mais uma vez a rede, e pescaram uma cabeça que completava a estátua. A cabeça, a única parte do corpo que aparecia, era preta, e as duas peças se encaixavam. Lançaram a rede mais uma vez, e vieram os peixes em grande quantidade. Domingos Garcia, João Alves e Felipe Pedroso entenderam que a Virgem Maria, a quem haviam solicitado ajuda, os atendeu. Levaram a imagem para casa, e com as famílias rezaram em agradecimento. Os vizinhos souberam e nos anos seguintes passaram a visitar a imagem da Virgem Aparecida nas águas do rio. Depois construíram uma capela, e outra maior para receber os que vinham visitar a Senhora Aparecida. No mês de abril de 1822, Dom Pedro de Alcântara, o Príncipe Regente, foi até o local e teria prometido escolher a Senhora Aparecida como padroeira. Ora, em abril de 1822 não passava pela cabeça de Dom Pedro separar-se de Portugal, por isso, quando veio a independência em setembro daquele ano, ele preferiu que o Brasil tivesse como padroeiro o português São Pedro de Alcântara. O povo preferia visitar a igreja onde estava a imagem, como diziam e dizem, de Nossa Senhora Aparecida, que apareceu aos pobres do Brasil em 1717. Anos depois, em novembro de 1888, a neta de Dom Pedro I, a princesa Isabel, visitou a capela dedicada à Nossa Senhora Aparecida no Brasil, preta como os escravos recém libertados e, fez a doação do manto e da coroa que embeleza a imagem da Santa que o povo quis como padroeira. Em 1822, o cardeal Sebastião Leme consagrou o Brasil à sua padroeira, em 1980, o governo federal estabeleceu o 12 de outubro como feriado nacional em homenagem Senhora Aparecida para auxiliar a vida de pobres pescadores. Em um mundo que escolhe deixar morrer de fome parte de sua população.
4. A devoção a Senhora Aparecida é a esperança do povo que não sabe rezar, como diz o poeta, e lhe apresenta o seu olhar de Pidão e de agradecimento pelas graças que aparecem em sua vida, massacrada pelos que vivem a oferecer festas ao Conde de Assumar, que sempre está de passagem para trazer sofrimento aos Pescadores de Esperança.
Severino -Biu - Vicente da Silva, em João Pessoa, no dia de Nossa Senhora aparecida. 12/10/2024
domingo, setembro 22, 2024
AS PRIMAVERAS QUE PODEMOS PERDER
As PRIMAVERAS QUE PODEMOS PERDER
Severino Vicente da Silva.
Sempre em continuidade à minha formação, estou a ler Uma Breve História da Desigualdade, autoria do professor Thomas Piketty. Sem pressa, passo pelos capítulos como um passeio sobre a história da humanidade, encaminhado pelas interpretações que o autor desenvolveu sobre a quase impossibilidade de afastar a pobreza, diminuir as desigualdades entre os seres humanos, elas que são criações humanas em todas as sociedades. Mas ele se propõe a estudar a igualdade entre os seres humanos, ele concebe a história como a luta pela criação da igualdade, e admite que não é uma história fácil de ser assimilada, pois ele a vê como sendo o objetivo da humanidade. Podemos entender que essa preocupação pela igualdade entre os homens é. pois, resultado do processo de conscientização das diferenças que antes eram vistas como naturais. É nesses tempos modernos que a consciência de que o Outro tem existência, que ele é diferente, mas que essa diferença não pode ser vista como desigualdade. “Todos os homens são nascidos em igual condições e direitos”, é um conceito desenvolvido pela sociedade a partir do século XVIII, e desde então vem evoluindo a recepção e compreensão de que os Direitos Humanos são uma criação histórica, não dada de maneira total e definitiva, como se dogma religiosos fosse. Por razões como essas, o que estamos assistindo e fazendo é a luta pelo fim das desigualdades. Por isso é que os grupos humanos não desistem de sonhar e construir essa sociedade igualitária.
Na década de 1990 foi criada a Carta da Terra, onde se expunha a situação periculosa que se vivia: pôr em risco a sobrevivência da terra por conta dos interesses econômicos de alguns, em detrimento dos Direitos dos demais seres que habitam o planeta, Os eventos climáticos recentemente experimentados: excesso de chuva em algumas regiões, seca cada vez mais longeva em outras; enchentes cada vez mais fortes e intensas, decorrente do assoreamento dos rios, em consequência da destruição das matas ancilares, protetoras dos solos. Os governantes locais não se preocupam em acompanhar os debates e as decisões tomadas por fóruns de especialistas sobre o tema, pois estão mais interessados em satisfazer a cupidez e a luxúria de interesses econômicos regionais ou locais, não percebendo que seus locais e regiões são parte de uma sociedade mais ampla que as bordas das piscinas que frequentam. E ao falarmos governantes, estamos a nos referir aos três poderes conforme a compreensão moderna e montesquiana. E os cidadãos parece desejarem aprofundar comportamentos incivis, mantendo suas ruas ruas sujas, calçadas intransitáveis, como que recusando compreender que governantes não podem mudar sem a sociedade e, em alguns casos, forçados pelos exemplos dos cidadãos.
Começamos, agora a Primavera, estação tão interessante que se tornou mais comum lembrar a passagem do dia do nascimento como mais uma primavera conquistada que dizer ter vivido mais um inverno. A Primavera é sempre uma promessa de nova vida, com temperaturas amenas, uma quantidade maior de flores e, pouco difícil de encontrar nas cidades, borboletas a brincar com o vento, espalhando polem, criando a possibilidade de novas vidas. A primavera começa, em nosso hemisfério com o Dia da Árvore, talvez para nos lembrar que sem os vegetais diminuem bastante as possibilidades de vida humana na terra. Nas escolas dos primeiros anos de nossas vidas, celebrávamos, ainda celebra-se, o dia da Árvore. À medida que envelhecemos começamos a achar sem graça essas menções nas escolas de nível médio e superior. Daqueles período em diante, em nossa sociedade voltada para o lucro e a satisfação individual, as Árvores passam a ser vistas como objetos de onde lucros podem provir, perdem o encantamento e não mais cuidamos delas. As cidades onde vivemos são construídas, algumas, em solo de antigas florestas, bem como campos agora dedicados ao plantio de leguminosas, pecuária e grande quantidade de grãos. O estímulo que leva muitos a cuidar dos campos parece ter mudado, pensa-se no lucro, depois na alimentação das pessoas. Na verdade, quase mão se pensa nessa última hipótese, somos levados a pensar dessa forma, quando observamos a organização de lançamento de leite nos esgotos das cidades, o esmagamento de frutos e legumes nas ruas, em defesa do lucro de indivíduos que já receberam incentivos para plantar e produzir. E, no entnto, tais comportamentos ocorrem enquanto milhares de seres humanos estão em carência alimentar. Estaremos a perder a profecia da primavera? Nosso comportamento societário atual nos indica uma preferência por invernos e verões capazes de alimentar os caminhos da destruição que socialmente cultivamos, ao dominar a natureza de modo que a desvirtuamos em sua capacidade de promover a geração de novas vidas.
As maldades que fizeram com os biomas brasileiros nos últimos anos são tão semelhantes aos milhares que foram mortos pela fome, por causa da fome de lucro de alguns. Claro que esse comportamento tem provocado fome nos países africanos, nos países asiáticos e também nas cidades do mundo gordo por excesso alimentar. Esses são novos desafios para além do que os humanos têm enfrentado desde quando compreenderam que deviam se organizar em sociedade para manter o tipo de vida que surgiu das vidas já existentes. Assim o fizeram, assim o fizemos, e criamos civilizações com artes; mas agora, estamos a agir de forma a destruir as civilizações que construímos, pois não conseguimos, até agora, entender que o outro somos nos simultaneamente.
Severino - Biu - Vicente da silva
Ouro Preto, Olinda, 22 de setembro de 2024.
domingo, setembro 01, 2024
AOS 74, UMA LEMBRANÇA DOS 17 ANOS
AOS 74 E QUATRO, UMA LEMBRANÇA DOS 17 ANOS
Severino Vicente da Silva - Biu Vicente.
1º de setembro de 2024.
Vez por outra nos assalta lembranças de momentos que jamais esquecemos, permanentes que ficaram em nossa mente, continuam fazer parte de nossa existência de modo consciente. Tenho essa sensação no que se refere a uma pequena viagem que realizei à Palmeira dos Índios. Havia, recentemente, completado 17 anos de vida e estava evolvido com a organização e animação de grupos de jovens católicos. Pertencia à Paróquia de Nova Descoberta que, à época estava sendo assistida por padres de afirma nacionalidade estadunidense, fruto de um convênio assinado, ainda no bispado de Dom Carlos Coelho, entre as arquidioceses de Olinda e Recife e Detroit. Estavam atendendo um pedido do papa João XXIIIi para que fossem enviados padres para a América Latina, tendo em vista a possível expansão do comunismo após a vitória da Revolução Cubana. Mas não foi apenas Pernambuco que recebeu sacerdotes missionários, pois Palmeira dos Índios estava sendo atendida por padres Oblatos de Maria, só que de origem canadense. O grupo de jovens de NOva Descoberta foi convidado a participar de um seminário naquela paróquia alagoana, pelo vigário padre Donald. Fomos em grupo formado por Samuel Freitas, Josenita Monteiro (Nita), Josenita Arcanjo (Dói) e eu. Passamos a semana e eu aproveitei para fazer um ritual que tenho: andar pela cidade, olhando suas ruas, becos, praças, pessoas nas ruas, edifícios, etc. Assim conheço o local sem a interferência de olhares comprometidos e acumulo informações que utilizo em minhas falas. Faço isso até os dias de hoje, quando vou a lugares pela vez primeira. Fiz uma palestra no encerramento do encontro que não agradou muito aos meus novos amigos/conhecidos na cidade. Durante a semana ouvi a constante reclamação sobre o poderio do Império Estadunidense que tratava a todos como Colonia. Sem negar afirmações como essa, perguntei se havia alguma lei proveniente dos Estados Unidos que proibia crianças entrar, nas escolas, de chinelo. Sim eu assisti essa prática, e ao mencioná-la provoquei ira no auditório, tendo que sair de lá protegido por alguns amigos da paróquia. Retornamos para o Recife no dia seguinte, e na viagem o radio de pilha nos informou que havia iniciado uma guerra entre Israel e a República Árabe Unida - RAU, tendo os israelenses destruído a força aérea do Egito, Síria e Jordânia. Então comentei: a gente não pode sair de casa que começa uma guerra que não se sabe quando acaba enquanto acabam as nações
Nesta semana estou lendo O Naufrágio das Civilizações, escrito por Amin Maalouf, filósofo, membro da Academia Francesa desde 2011ii , na página 92 ele assim escreve: Eu seria quase tentado a escrever, pr eto no branco: segunda feira, 5 de junho e 1967, nasceu o desespero árabe. Naquele ano, Amin Maalouf, que nasceu em 1950, estava com 17 anos. Ele lembra que seus colegas estudantes traziam notícias, publicadas nos jornais, de que o exército e a força aérea israelenses haviam sido destruídas. Eram as falsas noticias, enganavam o povo, escondiam o fracasso, que não foi apenas dos árabes, mas das civilizações, incapazes de dialogar, o que as encaminhou para o naufrágio.
Neste ano de 2024, estamos assistindo à destruição da Faixa de Gaza. A destruição dos prédios, nem se nota, é acompanhada com a destruição da esperança, a destruição da da esperança é a destruição das civilizações que, construída no passado, rejeitamos agora.
segunda-feira, agosto 26, 2024
Vinte e cinco anos da Ressureição de Dom Hélder Câmara
Vinte e cinco anos da ressurreição de Dom Hélder Câmara Escrito por Severino
Vicente da Silva Esperar contra toda a esperança, nos ensinava o Dom que a
Arquidiocese de Olinda e Recife recebeu no início de abril do ano 19641, poucos
dias após o golpe de estado que estabeleceu uma ditadura que perdurou por vinte
e cinco anos, cujos efeitos perduram nesses dias que vivemos e, parece que parte
da sociedade jamais ouviu falar que ela existiu. às vezes penso que ela terá o
mesmo destino da ditadura capitaneada por Getúlio Vargas2, esquecida nas vagas
do tempo e na condescendência dos livros de história compulsados nas escolas.
Nos salvou a literatura. Aqui e acolá vinham os literatos e nos punham em
contato com as maldades perpetradas pelo "pai dos pobres", por aquele que havia
"dado" os direitos trabalhistas. Os desmandos do Estado Novo começaram a
aparecer na obra de Graciliano Ramos3, na epopeia do cacau descrita por Jorge
Amado, em Capitães de Areia, ou nos Subterrâneos da Liberdade4. A leitura desses
e outros texto nos descobriram o que acontecera naqueles anos, posteriormente
visitado por historiadores que nos esclareceram os fatos à medida que nos
explicavam os seus sentidos. Essa visitação dos historiadores logo nos indicou
relações entre o acontecimentos de 1964 com fatos dos anos trinta e quarenta.
eram grandes as relações, seja pela presença de personagens atuantes nas esferas
decisórias de ambos períodos, seja pela direção que objetivavam por o Estado e a
nação brasileiras. Um desses personagens veio a tornar-se arcebispo de Olinda e
Recife, conforme acentuamos anteriormente, no início dessa ditadura. Quando
ocorreu o início da saga getuliana na direção da República, Hélder Câmara ainda
era seminarista, pois sua ordenação sacerdotal ocorreu em 1931 (Silva: 2014,
163). Mas então foi indicado para cuidar das ações diocesanas junto aos jovens
operários. Destacou-se, o jovem padre em sua ação social e, influenciado pelo
ambiente intelectual e político do tempo, viu-se alçado à condição de articular
os eleitores católicos do Ceará em torno dos candidatos apresentados pela Liga
Eleitoral Católica, conseguindo a eleição dos candidatos indicados pela igreja
local. Agindo como organizador das ações integralistas no setor educacional, o
padre Hélder participou do governo de Francisco de Menezes Pimental, do qual
posteriormente afastou-se. O padre Hélder e foi transferido para o Rio de
Janeiro, em 1936, assumindo cargos na direção nacional da Ação Integralista
Brasileira (AIB). Entretanto, o Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom
Sebastião Leme, que conseguira um largo espaço de influência no governo de
Getúlio Vargas, que havia alcançado a direção da República no golpe/revolução de
1930, percebeu que o Integralismo já não era possuidor de relações sólidas com o
Getúlio, especialmente após Plínio Salgado haver lançado a sua candidatura à
presidência para as eleições de 1937. Então o Cardeal ordenou que o padre Hélder
abandonasse os cargos na direção da AIB. Algumas semanas depois, a tentativa de
golpe da AIB contra o governo de Getúlio Vargas fracassou. Então começam os
preparativos para golpe que levou à ditadura do Estado Novo, com uma nova
constituição para o país, e tal ocorreu com o apoio da Igreja Católica que se
firmava como aliada da ditadura que se iniciava. Por influência de Alceu de
Amoroso Lima5, o padre Hélder entrou em contato com a filosofia de Jacques
Maritain, e compreendeu que as ideias conservadoras que dominavamo seu
pensamento eram de uma etapa histórica anterior. Piletti e Praxedes escrevem: As
mudanças políticas pelas quais passaram o Brasil e o resto do mundo durante a
Segunda Guerra Mundial e o surgimento de um pensamento católico democrático
foram fatores decisivos para que o pensamento e a ação do padre Hélder também
mudassem.(Piletti &Praxedes: 1997, 169). E então estamos a observar que o padre
Hélder está sempre em mudança, acompanhando os problemas humanos do seu tempo, e
isso revigora essencialmente a sua fé. Essas mudanças estiveram presentes em sua
ação junto à Ação Católica, no entendimento do que pode um leigo realizar na
Igreja em convênio com o clero, não apenas como fiel seguidor, mas como fiel
colaborador. Também compreendeu a necessidade de uma nova postura diante dos
problemas sociais que afligiam o país, não apenas os católicos. Preocupou-se com
a dignidade dos homens, apesar da incompreensão, até mesmo oposição de bispos e
leigos que entendiam a religião apenas como meio de alcançar a salvação após a
morte, pouco importando que seus irmãos, católicos ou não, estivessem vivendo em
necessidade. Em um mundo em mudanças, no qual alguns setores já entendiam que
era necessário uma resposta conjunta para problemas que afetavam a todos,
organizou a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, ainda como monsenhor
Hélder Câmara. Depois foi feito bispo com o apoio de Dom Jaime Câmara. Sua
amizade com Monsenhor Montini foi importante passo para a continuidade das
mudanças que o vento do tempo trazia. Dom Hélder e seu irmão, Dom José Távora,
deram o rumo do catolicismo nos anos sessenta em diante. Ambos sofreram muito,
mas a Esperança jamais deixou de encaminhá-los. O carddeal Montini, então bispo
de Milão, foi feito papa durante o Concílio Vaticano II e enviou Dom Hélder para
a Arquidiocese de Olinda e Recife, em crucial momento de refluxo histórico,
dentro e fora da Igreja. Dentro da Igreja sempre ocorreu um movimento contrário
ao Vaticano II, seja olhando para o Vaticano I (1870) e Trento (1560), seja
querendo um Vaticano III para desfazer a Lumem Gentium, a Gauden et Spes e
demais documentos conciliares. Fora da Igreja, começou a aparecer o cansaço das
sociedade com os ideais vencendores da Segunda Guerra Mundial. A descolonização
da África e Ásia fez surgir uma nova realidade política que punha em questão o
tipo de sociedade que o Primeiro Mundo, como então de dizia, criara. À medida
que os povos davam seus passos para a liberdade e autonomia, os poderes
dominantes reagiram e entraram em choque com uma geração cansada de ter o que
não havia produzido. Mutatis mutantis, ocorria fenômeno semelhante na América
Latina. O então chamado Terceiro mundo reagia, mas também reagiram os donos do
capital. Na França, estudantes e operários assistiram seus pais chamarem de
volta o General Charles de Gaulle para por ordem na sociedade; os povos
africanos viram seus líderes serem assassinados e a América Latina começou a
sofrer ditaduras militares financiadas pelos seus finacistas e nações ricas.
Assim é que Dom Hélder viu o mundo a partir da sua Arquidiocese e informa que é
bispo de todos, mas lembra que Jesus sempre esteve ao lado dos pobres. Suas
ações sociais têm início respondendo às necessidades dos mais pobres que tiveram
suas casas invadidas pela cheia do Rio Capibaribe, sendo que muitas, construídas
nos morros cederam com a força das chuvas. A Operação Esperança surgiu nesse
momento e os Conselhos de Moradores organizaram a recepção de materiais e sua
distribuição, muitas casas foram construídas em mutirão. Os que sofreram com a
enchente de 1975 também foram atendidos pela Operação Esperança, apesar da má
vontade das autoridades que então estavm à frente da cidade do Recife. Como a
ditadura criada pelo golpe de 1964 priorizava o crescimento econômico a qualquer
custo, os trabalhadores, do campo e das cidades, é quem pagavam a conta de um
Desenvolvimento Sem Justiça, que tornava o Homem Proibido. Dom Hélder e os
bispos do Nordeste alertaram, como Moisés no Êxodo: Ouvi os clamores do meu
povo. Em sua escolha pelos pobres, Dom Hélder colheu dos poderosos o desprezo e
a perseguição que prendia católicos comprometidos com a Justiça e a Paz. Mas não
eram apenas os católicos os perseguidos, jovens ligados a partidos políticos
viam, na Igreja de Olinda e Recife,o testemunho e o comprometidmento com a
construção de uma nova sociedade. Alguns dos sequestrados foram mortos. Em
determinado período, os que perseguiam Dom Hélder vieram a proibir que seu nome
fosse pronunciado em radios e televisões, e os jornais foram alertados que o
nome do Arcebispo não podia ser mencionado. No exterior do país Dom Hélder era
acolhido por muitos e, por quatro vezes foi indicado para receber o Prêmio Nobel
da Paz. Governo brasileiro e bispos conservadores uniram-se para que ele não
fosse agraciado, pois se o fosse seria a condenação do regime ditatorial e do
capital que o financiava. "Irmão dos pobres e meu irmão", disse um papa que não
lhe concedeu o cardinalato. Há muito a dizer sobre Dom Hélder Câmara, que foi
apresentado ao Discatério que cuida da Causa dos Santos. Mas o povo já o diz
santo; já o dizia enquanto ele caminhava nas ruas do Recife, quando subia os
morros, entrava nos córregos, nos barracos, conversava com todos. Quem o
conheceu, e com ele conviveu, sabe de sua vida dedicada a Deus, pois estava
dedicada em cuidar dos pobres, dos famintos, dos doentes, dos abandonados pela
sociedade do luxo, da riqueza, do orgulho. Possivelmente entre os que agora
louvam o Dom, sabem que o evitavam enquanto ele lutava pela dignidade dos seres
humanos, pela dignidade dos filhos de Deus. Mas, como o Pai, Dom Hélder tem
apenas Esperança, Fé e Amor. Ouro Preto, Olinda, 26 de agosto de 2024. Dia de
São Zeferino, papa e mártir. Bibliografia: PILETTI,Nelson; PRAXEDES, Walter. Dom
Hélder Câmara, entre o poder e a profecia. São Paulo: Editora Ática, 1997.
SILVA, Severino Vicente da. Entre o Tibre e o Capibaribe: Os limites do
progressismo católico na Arquidiocese de Olinda e Recife. 2ª edição. Recife:
Editora UFPE; Olinda: Associação REVIVA, 2014.
domingo, agosto 18, 2024
PEQUENAS REFLEXÕES SOBRE REVOLUÇÕES NA AMÉRICA LATINA.
Severino (Biu) Vicente da Silva
Corria o ano de 1979, no Brasil nós estávamos a viver o que nos parecia ser os albores da democracia, embora estivéssemos em grande e profunda escuridão política. Mas, parecia que estávamos aprendendo a ver e ler os sinais de esperança em plena escuridão. Recriávamos que no fim do túnel havia uma luz pois, nos ensinava o morador da Rua das Fronteiras, a madrugada estava carregada da manhã que se aproximava. Afinal uma chuva de cravos havia brotado nas ruas de Lisboa, começamos a dançar o Vira. Uma tarde, um grupo de jovens estudantes de um curso de Estudos Sociais, uma disciplina que, nas universidades, simulava a disciplina Organização Social e Política procurou-me para que lhes dissesse "onde ficava o Consulado da América Central. Haviam passado em um vestibular e estudavam em uma das universidades federais da cidade do Recife. Eis um dos caminhos que as ditaduras indicam para os jovens, futuros assessores de ditadores: o desconhecimento do seu país, de sua vizinhança.
A busca pelo "Consulado da América Central" por aqueles jovens, devia estar relacionada com a vitória da "Revolução Sandinista", com a qual nicaraguenses puseram termo a uma longeva ditadura mantida pela família Samoza, desde 1936. Uma das novidades desse movimento latino-americano foi a colaboração de cristãos - clérigos e leigos - com partidos marxistas. Padres formaram parte do primeiro governo revolucionário. A Teologia da Libertação, além da tradicional filosofia, ancorava-se nas Ciências Sociais, para compreender qual o papel que o cristão deve desempenhar na sociedade. Os católicos, que haviam dado alguns mártires, religiosos e leigos, foram surpreendidos com a chegada do cardeal Woytilla ao papado e, com João Paulo II, parte de um conservadorismo reservado, mas que contestava os caminhos da Alegria e Esperança do Concílio Vaticano II. no retorno de Santo Domingo, onde fora fazer o encerramento da Conferência do CELAM, de passagem pela Nicarágua o papa reprovou publicamente a participação dos cristãos, especialmente do clero, no governo revolucionário. Foi o início da ação contra a Teologia da Libertação, que nunca foi condenada, mas nunca foi aceita sem restrições pelo Discatério da Doutrina e da Fé, então dirigido pelo cardeal Ratzinger, futuro papa Bento XVI. Período difícil para os padres da TdL, especialmente quando os revolucionários começaram a assemelhar-se ao antigo ditador, e provocou o afastamento do padre e poeta Ernesto Cardenal do cargo que ocupava no governo revolucionário. A Revolução dos cristãos socialistas, ou dos cristãos e socialistas começava a seguir o curso de outras revoluções: esquecer de praticar os ideais que eram as bases de suas ações, ao tempo em que o discurso se mantinha e tornava-se amontoado de palavras ocas. Como sói ocorre, um dos líderes revolucionários assume o encargo de apontar o futuro para todos. Na Nicarágua, Daniel Ortega e sua esposa assumiram a revolução como negócio familiar e, agora, apenas os desconectados com a realidade e os que tiram vantagem da situação, apoiam Ortega e sua "revolução". Novos aliados assumiram o lugar dos sacerdotes católicos, os cristãos protestantes assumiram as funções que os jesuítas prepararam. A Igreja Católica está sendo expulsa da Nicarágua: escolas e universidades católicas são nacionalizadas, padres são expulsos, culto católico proibido, bispos presos e expulsos do país. A Nicarágua foi mais uma revolução que engoliu seus primeiros líderes e desembocou em mais uma ditadura.
Um pouco mais abaixo, na América do Sul, a experiência iniciada pelo Coronel Chaves desandou após a sua morte, mantendo-se com eleições periódicas que estão sempre a eleger o mesmo candidato. Mata-se a democracia pela via eleitoral, enquanto um grupo social assume as vantagens que o petróleo, as armas e o discurso nacionalista concedem. Mas, aprendi com um colega: as ditaduras não são eternas. Na história das sociedades humanas, " tudo que é sólido desmancha no ar", tanto as democracias quanto as ditaduras. A liberdade que se conquista é muito frágil e exige um comprometimento constante e ativo. Os discursos cansam depois de algum tempo, se não forem acompanhados de ações que lhes respaldem, tornam-se ocos e, apesar de belos, servem apenas à geração que os criou. dependo da quantidade da perda de sua substância fundante, dificilmente alcançará duas gerações. Quanto maior for a distância entre a palavra e a ação, maior será a frustração, o desengano que atingirá os novos tempos, as novas gerações. O esquecimento será tão longo quanto o sono da Bela Adormecida que, diferentemente do conto, não acordará na mesma a mesma sociedade e com os mesmos desejos. Os que pensam que basta o beijo do príncipe para que tudo volte ao que era, são como os que continuam a ver o mundo com os óculos sociais do tempo que já passou.
Algo de podre há nas revoluções mais recentes, algo que fez um dos líderes latino-americanos achar apenas "desagradável" um regime que não admite que o contesta.
Enquanto isso vamos deixando de nos nortear, talvez voltemos a nos orientar.
Ouro Preto, Olinda, no dia de Assunção de Nossa Senhora.
sábado, maio 11, 2024
Maio das chuvas, das mães.
Derrama-se o mês de maio em chuvas, e em lágrimas que as sucede. Nos idos do anos setenta uma geração pensava e cantava em voz alta a sua insatisfação com a ditadura. Bem , nem toda uma geração, como bem lembrava o Raul Seixas em Ouro de Tolo. Mas lembro de que o poeta Aldir Blanco escreveu O que dá para rir dá para chorar, apontando situações sobre as quais as pessoas podem sentir diferentemente, embora estejam no mesmo lugar que,se para uns é de partida, para outros é de chegada. Em certo momento ele chama atenção que, a chuva tem errado o lugar de sua queda, pouca no Nordeste e muita no Sul do país. Por aquele tempo Tom Jobim cantava que as Águas de Março fechavam o verão. Nos sertões nordestinos elas são esperadas por anunciarem um tempo sem seca e a possibilidade de não ter a fome que mata “um pouco por dia” como escreveu o poeta Cabral de Melo. Até os anos setenta a geografia brasileira confirmava o ufanismo do Conde Afonso Celso: uma verdura permanente, ausência de furacões, tornados, terremotos, e outras reações alérgicas do Planeta, tão comuns nos outros países. Por aquelas partes do globo terrestre alguns cientistas já chamavam atenção de que o planeta é finito, seus recursos são finitos embora a ganância, o desejo de acumulação de alguns seres humanos pareçam ser infinitos. Esse desejo de acumulação tem se mostrado mais claramente após o advento da Revolução Industrial e da civilização que dela tem brotado. Logo após a Guerra ‘terminada’ em 1945, parece ter aumentado o processo de cobertura da face da terra. Esse projeto tem início com a fabricação de automóveis com as consequentes rodovias. O solo começa a ser impermeabilizado. Lembro que as crianças que podiam ir à escola quando eu era menino, possuíam um par de galochas e uma capa protetora de chuva. A importância da galocha era a proteção do sapato contra as lamas de um terra ainda não impermeabilizada com calçamento, pixe ou asfalto. Agora galocha é um utensílio que vemos apenas nos pés de trabalhadores da construção civil ou de repórteres enviados para os lugares onde a água não é absorvida pela terra. E a quantidade de água que chega à foz dos rios tem aumentado porque destruíram grande parte das matas, especialmente as que ficam próximas ao curso dos rios. Afinal, dizem, a agricultura deve alimentar a população urbana, embora nas cidades, haja quase um terço da população com fome, sem acesso aos alimentos necessários para a vida digna: sobrevivem. Aliás pensando bem essa palavra talvez esconda o desejo dos que lucram com a fome, com a destruição das matas, com a industrialização excessiva, os mais pobres conseguiram uma SOBREVIDA. Talvez os quisessem mortos, pois lhes proporcionaram uma SOBVIDA.
Este mês de maio veio bem mais chuva que nos anos anteriores e, como a população das cidades cresceu, muito mais gente foi afetada, especialmente aqueles que não puderam comprar os apartamentos de luxo que a especulação territorial e imobiliária puderam construir. Os preços dos alimentos podem aumentar, como já informal Bob Fields, neto daquele que fez e ajudou fazer o "milagre brasileiro" enquanto o Nordeste sofria uma seca. Era o tempo da poesia de Aldir Blanc. Atualmente as Chuvas de Maio estão mais bravias que as Chuvas de Março e, outros maios virão, pois a sanha dos proprietários de motoserra parece ser infinita, ao contrário das matas. O Código Florestal aprovado em uma legislatura é deformado na legislatura seguinte. No Brasil ainda não se compreendeu a importância das matas, que não são apenas lugares onde gorjeiam os sabiás, as araras, as aratacas (assim fui apresentado, carinhosamente, a uma família de Erichim, RS) nos anos em que o debochado Gonzaguinha cantava, Você Merece, no programa de Flávio Cavalcanti. Os Sabiá de Tom Jobim, como a Asa Branca e Assum Preto de Luiz Gonzaga merecem suas matas, suas florestas, bem como as onças e jacarés do Pantanal.
Quando eu era menino, o mês de maio era o Mês das Noivas (nunca entendi porque não se menciona os noivos) que choravam de alegria no momento do seu casamento, conforme as novelas de época mais antiga, permitem aos mais velhos lembrarem e aos mais novos saberem que as moças e rapazes casavam, com a pompa que suas classes sociais permitiam. Claro que sempre houve, entre os mais pobres, os que nunca casavam, pois os papéis eram caros e os juízes sempre seguem as regras do jogo.
Neste maio, continua a destruição de Gaza e da Ucrania, ambas para preservar a civilização, salvar a cultura matando um povo. Continuam as pequenas guerras na Grande África, Mãe de todos os povos. Feliz Dia das Mães, as que perderam seus filhos nas guerras, as que morreram nas guerras, as que vivem nas favelas, as que estão aquecendo seus filhos nos acampamentos nas cidades do Rio Grande de São Pedro, as que têm seus filhos mortos nos confrontos policiais, as que perderam seus filhos para alguma bala perdida, Feliz Dia das Mães para aquelas que já cumpriram suas tarefas e descansam eternamente.
Prof. Severino (Biu) Vicente da Silva, 11 de maio de 2024.
sexta-feira, abril 26, 2024
João Felisberto Cândido
Em agosto de 2008, escrevi sobre O Almirante Negro. Esta semana uma autoridade da Marinha do Brasil desmereceu a ação do marineiro João Cândido por ter lutado pelo fim do castigo da chibata, que os oficiais costumavam usar contra os marinheiros, em sua maioria negros. João Cândido foi indicado pela deputada Benedita da Silva para fazer parte do Panteão dos Herois. Agora republico aqui o que disse antes. Boa leitura.
JOÃO CÂNDIDO FELISBERTO – O ALMIRANTE NEGRO
Severino Vicente da Silva
Leio nos jornais notícia da reparação histórica ao marinheiro João Cândido Felisberto que, no início do século XX participou da luta pelo fim do castigo físico que oficiais da Marinha Brasileira estavam autorizados a aplicar aos marinheiros comuns. Enquanto os oficiais da marinha eram provenientes das camadas mais abastadas da sociedade, os marinheiros eram negros, mulatos, outros mestiços, pobres. João Cândido foi um dos que se insurgiram após assistir a aplicação de mais de duzentas chibatadas em um dos colegas. A capital federal assistiu, mais uma vez, canhonaços e temeu por uma guerra civil. Após alguns dias e muitos mortos, ficou proibido o uso das chibatas. Algum tempo depois, João Cândido foi expulso da marinha. A medicina auxiliou a estigmatizar ainda mais o Almirante Negro, afirmando que ele era um débil mental ( a mesma coisa andaram dizendo de Antonio Conselheiro) internaram-no em um hospício. Posteriormente foi visto que houve um “erro de diagnóstico”. Antonio Cândido veio a falecer em 1950.
Por iniciativa da senadora Marinha da Silva, João Cândido foi reintegrado às Forças Armadas Brasileiras. Suas famílias não tiveram direito à indenização monetária, pois teria que ser contada desde 1911, e esta verba não indenizatória não estava prevista no orçamento.
Nos comentários dos jornais, leio que vários líderes de diversos movimentos que apontam para uma maior integração da população negra e mestiça (embora os mais radicais não costumam achar interessante brasileiros mestiços; para esses líderes, tem que ser negro e assumir sua africanidade quase negando alguma brasilidade) e vejo que, nos depoimentos ditos e publicados no Jornal do Commércio deste domingo (3/08/2008) há um esquecimento, proposital ou não, de lideranças e personalidades brasileiras de origem africana que viveram no século XIX.
Sendo João Cândido marinheiro, é possível que ele nos faça lembrar a Marcílio Dias, um negro que se destacou na defesa do Brasil na Guerra da Tríplice Aliança (talvez se pretenda negar o grande número de negros que morreram naquela guerra apenas porque revisões históricas a apontam como parte da expansão inglesa); bem que se poderia lembrar, nessa lista de brasileiros negros ou mestiços, Castro Alves (eu sei que grande parte dos brasileiros jura, de pés juntos. que Castro Alves era branco e louro como grande parte dos jovens de nossas periferias), e José do Patrocínio, e Cruz de Rebouças, e Borges da Fonseca, Antonio Pedro de Figueiredo, Negro Balaio, Machado de Assis, entre outros. Quando os jovens brasileiros, que, como eu, têm uma de suas origens na África puderem apreciar a participação dos afrodescendentes na construção do Brasil, eles sentir-se-iam melhor e mais dispostos a assumir a sua negritude ao invés de auxiliar o enriquecimento dos vendedores de corantes para cabelos.
É melhor política cultural fazer afirmações do que esquecimentos. Após alguns anos os esquecimentos serão lembrados, como agora o fez, uma mestiça de todas as etnias, a senadora Marina da Silva. Não mencionar as participações dos negros e mestiços brasileiros no século XIX, o século que “cria” o Estado Brasileiro, é colocar no lixo pérolas, diamantes, julgando serem pedras comuns. E ainda que fossem comuns, os cascalhos triturados e tornados cimentos é que fazem as construções se manterem firmes e vigorosas. As medalhas - de ouro, prata, ou bronze – são presas por simples fitas para serem vistas e admiradas. Não adianta negar a história, ela sempre volta, nas pesquisas das novas gerações, para nos lembrar que sempre a querem manipular. Se as comunidades, associações, organizações não governamentais lutam para preservar tradições como maracatu de baque virado, capoeira, acarajé, pano da costa, e outras coisas e danças nascidas no século XIX como parte da cultura brasileira, há que se cultivar também os homens e as mulheres que viveram e lutaram neste território cultural. Talvez quando fizeram o que fizeram não estavam pensando nos atuais movimentos sociais (aliás, estão tão parados que daqui a pouco não vai dar para chamar de movimento) e seus dirigentes; nossos antepassados estavam vivendo os seus presentes e superando o seu passado, mas os atuais dirigentes desses movimentos têm a obrigação de lembrá-los e explicitar a sua participação na formação do DNA cultural brasileiro. Quem sempre quis esquecê-los foi a classe social que não os reconheciam e só nos reconhece em último caso.
Escrito em agosto de 2008
Severino.vicente@gmail.com
www.biuvicente.blogspot.com
domingo, abril 07, 2024
Abril e algumas observações
Abril e algumas observações
Prof. Severino Vicente da Silva
Bem, estamos em abril, quarto mês gregoriano, mas um ano interminável para os habitantes do Território Palestino, que sofre uma luta interminável desde que os descendentes de Abrão, chefe de uma das famílias de Sem filho de Noé, decidiram que as terras habitadas pelos descendente de Cam, filho de Noé deveria ser deles e, sob a liderança de Moisés e Josué começaram uma guerra que vem até os dias de hoje. Esse é o mito, e ele foi inscrito e escrito no Antigo Testamento judaico, no livro do Gênesis. Um briga de família, poderíamos dizer, de quem se agarra ao passado e impede a geração de novos tempos e esperanças. E o atual primeiro-ministro de Israel parece que se entende como uma dádiva de seu deus para conquistar definitivamente o território que era habitado pelos descendentes de Cam, os cananeus. Estou dizendo parece, não tenho a certeza de Bibi Natanyahu. No início de abril de 2024, quase se completava o genocídio promovido pelo Estado de Israel que, com suas atitudes demonstram que o verdadeiro vencedor da guerra terminada em 1945 foi o pensamento e a obra de Adolfo Hitler, o organizador da Banalização do mal. Benjamin, casualmente significa “o filho da direita”. //
Esta guerra pelo controle da terra, pela apropriação da terra – quem tem a terra tem o homem – tem sido uma constante da ação humana desde que os Sapiens Sapiens começaram a se verem diferentes dos outros animais, aqueles que foram dominados por eles. Agora quando desejam justificar a matança de algum grupo humano, logo começam a chamá-los de animais. Aliás essa prática sempre existiu, mas os europeus, desde o Renascimento cultural se esforçaram para inibir essa tendência, foram aperfeiçoando o que Norbert Elias chamou de processo civilizador. Esse conceito de civilizado foi aplicado basicamente para os grupos sociais que tinham o poder, um vez que eram os possuidores das terras e dos homens que nela viviam. Claro que, mutatis mutantis, podemos pensar que processo semelhante ocorreu fora da Europa e, como não conhecemos muito bem, admira-se muito o jeito dos indianos, chineses, japoneses que, com sua “sabedoria”, seduzem os que não os conhecem ou, não querem admitir que eles são tão humanos quanto os europeus. Sabemos que enquanto construíam suas civilizações, os povos civilizados promoveram alguns genocídios, eliminando ut que se interpunham em seus processos. É a história da humanidade, a qual ainda está no início da sua madrugada, como escreveu, um dia, um utópico jovem da Baviera, exilado na Londres ‘civilizada’ enquanto a Alemanha procurava a sua cultura ou civilização. Alguns desses ‘alemães’ chegaram ao sul do continente americano, outros foram o norte do mesmo continente e, finalmente, alguns foram ‘civilizar” a África do Sul, criando o apartheid. Para civilizados, ‘aqueles animais’ não tinham sentimentos , podiam ser caçados como foi feito com uma enorme quantidade de espécies de seres vivos, sacrificados para a ereção e glorificação das sociedades civilizadas. Em um tempo foram as lutas as lutas dos gladiadores nas arenas romanas, depois os torneios de cavalheiros em honra de alguma dama; em tempos mais recentes as matanças no Congo Belga. Agora os novos gladiadores, treinados em quartéis preparatórios, alguns, e outros por boas mães em seus condomínios fechados, saem em busca de presas, não em cavalos, mas em seus Porsche. //
Desde o calendário Juliano que o mês de abril é dedicado ao deus da guerra, Marte ou Aries, conforme a sua escolha cultural. Grécia e Roma não parece terem sido criadores de futuro. Nelas não há utopias; encontram-se reflexões sobre o homem daquele momento e, suas reflexões servem para ajudar o comportamento dos homens nas suas sociedades, mas não há sonhos, esses são suprimidos no seu nascedouro, ou tentam, como Herodes, matar o que promete ser, e o que promete ser é sempre uma ameaça o que é. Toda novidade deve morrer quando está a nascer, pois assim é que se mantém os impérios. As guerras organizadas matam os jovens, as mulheres e as crianças. Jovens mulheres e crianças são um perigo para os poderosos. Quando não matam fisicamente os jovens, matam o espírito em salas de aulas, em caminhadas excessivas, atividades físicas que levam à exaustão e são premiadas com luzes, gestos e festas rapidamente esquecidas, que se tornam nostalgias, lembranças. Fazer algo para ser esquecido, ou lembrado de maneira isolada, perder-se sem história, sem relação com quem o rodeia, com quem o preparou, com que pagou, com que levou seus pratos sujos e roupas manchada. O discóbolo é o auge grego, como o álbum de fotografias sem datas ou nomes. //
O grande desafio é superar o discóbolo, é não seguir o ensinamento de uma pessoa que, em órgão de preservação do patrimônio histórico de uma cidade que disse: historiadores são saudosistas.
terça-feira, março 12, 2024
Duas cidades aniversariam: Olinda e Recife
Duas cidades aniversariam; diz a lenda que há poucos anos de diferença entre elas, pois que são quase gêmeas, com diferentes topografias, o que provocou outras diferenças, tornando-as, em diversos momentos, quase inimigas. Mas elas têm muito em comum, entre elas e com outras cidades com idade semelhantes, cidades que começaram como pequenos povoados, faz quase meio milênio.
Uma das cidades recebeu o reconhecimento e o título de Patrimônio Cultural, Artístico e Natural da humanidade. Ambas estão à beira do Oceano Atlântico e parte de seus territórios eram manguezais, berço de inúmeras espécie de peixes e crustáceos. Hoje esse ecossistema está quase desaparecido para as cidades crescessem em espaços para acomodar a gente que vinha de terras longínquas para viver, domando a terra e tentando vencer o mar. A bela Olinda nasceu da guerra entre a gente de Duarte Pereira e os Caeté, o povo que vivia na colinas e nos espaços estre elas. A derrota dos Caeté foi possível com a aliança matrimonial entre o irmão de Dona Brites Albuquerque e Muira Ubi, mais conhecida como Maria do Espírito Santo Arco Verde, filha do cacique Uira Ubi, da tribo dos Tabira do ramo Tabajara. Esse enlace amoroso garantiu a criação do povoado que, dois anos depois foi dita vila/cidade, no Foral de Olinda. Era, então a colina onde Duarte Coelho fez seu castelo, construiu a igreja dedicada ao São Salvador do mundo. E então veio o açúcar dos engenhos que fez a riqueza de Olinda, riqueza que a colocou no furacão da guerra das Províncias dos Países Baixos e a Espanha, e Olinda foi invadida pelos povos daquelas províncias lideradas pela Holanda. Ocorreu o incêndio da cidade, a depredação de suas residências e prédios. O holandeses olhavam mais para o Recife, cujo porto lhes interessava.
Inicialmente, a população do Recife vivia do mangue, mas veio a ser o porto, um porto natural, que Olinda não possuía. Esta foi a razão da guerra holandesa: controlar o comércio do açúcar produzido nos engenhos de propriedade dos habitantes de Olinda. Os interesses dos batavos fez o povoado crescer durante a guerra, e para controlar a violência e garantir o lucro, os sócios da Companhia das Índias Ocidentais contrataram um nobre e o puseram no governo das terras que os holandeses vinham tomando dos portugueses de Portugal e dos portugueses de além e aquém mar. Na ocorrência da guerra da Restauração Pernambucana, que ocorria correlata com a Restauração Portuguesa, os holandeses derrotados militarmente, destruíram o que haviam construído nos tempo em que colonizaram Pernambuco, Paraíba Rio Grande e Ceará. Mas o Recife cresceu em importância e população, pois o centro do poder é atrativo. Ao longo de um século, governadores, bispos, ordens religiosas mudam-se para o Recife. Mas não sem guerra entre as irmãs gêmeas, ou entre a mãe e a filha bem-sucedida.
Quinhentos anos depois, as duas cidades estão em crise, elas têm dificuldade de contar as suas histórias que, neste mundo performático, parece só existirem uma vez por ano, no período carnavalesco. As duas cidades não cuidaram de guardar suas memórias, como pode ser comprovado pelo estado decadente de seus arquivos públicos, entre outros aspectos. Mas hoje é dia de festa, assim devemos parecer alegres, pois a ignorância, como a inocência, assim o exige.
FELIZ ANIVERESÁRIO. VAMOS COMER BOLO.
Prof. Dr. Severino Biu Vicente da Silva, Presidente do Instituto Histórico de Olinda.
Ouro Preto, Olinda,12 de março de 2024
domingo, março 03, 2024
INÍCIO DE MARÇO
Início de Março
Prof. Severino Vicente da Silva
Todos os meses guardam segredos, tão secretos que estão nas conversas dos botequins de esquina, das igrejas nas praças centrais, bem como naquelas que se estabelecem apressadamente em antigos cinemas ou nas salas apertadas em ruas de periferia. Sim, quase todos, padres, pastores e vendedores das rosas de Hebrom, falam da do Estado de Israel e o Grupo Hamas. Na confusão há quem confunda o Estado de Israel com o povo judeu, e há aqueles que, juram pelo plim plim que todo Palestino é militante do Hamas, inclusive os que ainda estavam no ventre de suas mães quando essas foram mortas. Esses são, como dizia Cazuza: segredos de liquidificador. Outro segredo que estava sendo esquecido é a existência da guerra iniciada pela anexação de territórios ucranianos pela Rússia, processo iniciado em 2018, mas este é outro esquecimento, bem como a política de expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte. No final de fevereiro o Macron, o presidente francês que evita um tratado de comércio com a América Latina enquanto defende o direito de proteger seus agricultores ultrapassados da livre concorrência do mercado, principal dogma dos sacerdotes do capitalismo, falou que talvez fosse necessário mandar mais armas e homens para ajudar a Ucrania derrotar a Rússia; então o presidente da Rússia lembrou outro segredo: ele tem mísseis que podem alcançar qualquer cidade da Europa e, os que os tais mísseis carregam ogivas nucleares. Macron calou-se, lembrou-se de outro segredo: a França faz tempo que não é levada a sério. Nem vamos mencionar as “pequenas” guerras que ocorrem na África, mesmo porque elas estão matando menos que as hostes de Natanyaho, o Bibi. Também não é segredo que Março é o mês dedicado a Marte (Aries) o mitológico deus da guerra.
Mas algumas coisas, algumas ações escapam ao deus da Guerra, como o aniversário de nascimento de minha caçula, no dia 6. Ocorre que este dia, recentemente foi ‘descoberto’ pelos pernambucanos como o início da Revolução Pernambucana, que também envolveu a Paraíba e o Rio Grande do Norte, e na virada do século passou a ser celebrado como a Data Magna de Pernambuco. Era uma data tão esquecida que nem nome de rua tem. Mas tem o Primeiro de Março, para lembrar uma vitória do Brasil contra o Paraguai, a Batalha de Aquidabã, que pôs fim à guerra contra iniciada com o aprisionamento do governador do Matogrosso pela marinha paraguaia. O Seis de Março continua sendo, para alguns com problemas de audição e escolaridade a “gata magra”. Aliás, em toda minha vida de estudante – 1955 a 1986 – jamais ouvi a expressão Data Magna, embora sempre foi ensinado que houve uma Revolução dos Padres, embora que mais recentemente os mações estão mais presentes no atual momento de revisão histórica.
O dia de hoje, 3 de março, foi muito interessante para mim, que presidi a reunião ordinária do Instituto Histórico de Olinda, que me deu a oportunidade de ser lembrado pelo confrade Hely Ferreira, que neste mês, no ano de 1982, ocorreu o assassinato do procurador Pedro Jorge, que havia demonstrado a existência, com conivência de algumas autoridades, de desvio de verbas, no que ficou conhecido como o Escândalo da Mandioca, no Sertão pernambucano. A reunião continuou com a apresentação de uma pesquisa interessante, inclusive por tratar de um bairro da periferia de Olinda: o Matadouro e o Bairro de Peixinhos. A palestre do confrade João Henrique provocou um aluvião de notas e notícias por parte da assembleia. À tarde, tive outra alegria, indo ao Bairro de Peixinho para assistir a culminância de uma residência promovida pelo Projeto Recordança, no Ponto de Cultura Darué Malungo, onde encontrei muitos malungos com os quais vivi alguns bons momentos de minha vida. Alguns que se apresentaram eram de minha geração, outros mais jovens, e todos dançando a vida como a vida lhes fez e eles a fizeram, ali e em outros lugares onde se brinca capoeira, caboclinhos, frevo, rap. Bonito e renovador ver meu povo contar a sua dança, a sua história, e nelas estão a vida dos que tiveram de ser em uma sociedade que lhes nega os meios de serem. Daruê Malungo bem que poderia ser reconhecido, pelos “homens escolhidos para as rédeas do poder” aquilo que ele já é: Patrimônio Vivo da Cultura de Pernambuco.
Prof. Severino Vicente da Silva
sábado, fevereiro 17, 2024
Os Mestres, Mestras e suas academias
OS MESTRES, MESTRAS E SUAS ACADEMIAS
Prof. Severino Vicente da Silva (Biu Vicente)
Grande parte das pessoas que conhecemos frequentaram escolas, tendo algumas que, após completar os anos do Ensino Básico, encaminharam-se para o Ensino Médio. Um número menor pôs-se em algum curso superior, licenciaram-se ou alcançaram o bacharelado. Menor número ainda formam os que deram o passo em direção dos cursos de pós-graduação, ficando alguns com a titulação de mestre e, poucos, em relação à população, tornaram-se doutores ou, como se diz em outras plagas, Filósofos Doutores, os PhD. Alguns continuam, alguns até a morte, a fazer pós-doutorados, pesquisando sob a direção de outros, crescendo o número de amigos no processo de globalização. Assim contamos com o crescimento da ciência dos mestres acadêmicos ao longo dos anos, séculos, até. Na tradição brasileira, tradição de um país que cuida pouco da educação formal de seus cidadãos, alguns setores lutam para afirmar-se como sendo o local da primeira escola, como é o caso das escolas fundadas pelos jesuítas Manoel da Nóbrega, em Salvador da Bahia ou José de Anchieta em São Paulo de Piratininga. Maior debate pode ocorrer se falarmos em cursos superiores, pois há a disputa entre Olinda e São Paulo por conta dos Cursos de Leis, postos no papel por Pedro I em 1827. No século XIX, o ‘Curso Jurídico’ de Olinda foi transferido para o Recife, assim como fizeram os governadores e os bispos. Claro que Jesuítas e franciscanos podem nos lembrar que os primeiros cursos especulativos, de teologia, ocorreram em seus espaços da Bahia em 1575 e os franciscanos, logo após a expulsão dos holandeses, criaram seu curso superior de teologia, no convento de Olinda, como diz uma placa comemorativa no salão de entrada. Nem os guias de turismo se dão conta dela.
Aprendemos, então, que se procurava formar doutores em especulação divina. Os jesuítas criaram seu colégio em Olinda, ainda em 1560, com as benção de Dona Brites Albuqerque, viúva de Duarte Coelho, seu primeiro dono ou donatário. O mesmo Antônio Vieira que ensinava no colégio da Bahia, veio a dar algumas aulas no Colégio Nossa Senhora das Graças onde, dizem, ainda há o púlpito de onde expunha a excelência da linguagem, do pensamento da Reforma Católica, que ainda pode ser observado no falar de alguns advogados e políticos possuidores de alguma leitura barroca. O mesmo Vieira deve ter ministrado algumas aulas em São Luis do Maranhão, de onde foi expulso pela sua defesa da liberdade dos indígenas, mas silenciava sobre a escravidão a que estavam submetidos os africanos. Desse tempo podemos lembrar que os holandeses, tão louvados hodiernamente, cuidaram de destruir os espaços pedagógicos dos inacianos e dos franciscanos. Mas esses mestres retornaram logo após os comerciantes batavos terem sido derrotados nos morros das Tabocas, dos Guararapes, na várzea de Casa Forte. Também ocorreu o incidente de Tejucupapo, guardado na lembrança dos mestres populares, mas ausente nas crônicas vetustas que contam as aventuras dos flamengos, derrotados pelas mulheres daquele povoado. A expulsão dos holandeses favoreceu o retorno dos jesuítas que, apesar da liberdade religiosa então reinante na Cidade Maurícia, haviam sido expulsos pelo conde humanista do Renascimento, e assim voltou-se à prática de ensino naquele prédio que havia sido devastado pela guerra, agora recuperado. A educação de cunho religioso continuou no Colégio até que o reformador iluminista Sebastião Carvalho, o Marquês do Pombal, expulsou os inacianos do territórios portugueses, em 1759. A casa ficou no abandono, embora a Reforma do Ensino pensada por Pombal, houvesse definido que os Professores Régios tivessem residência onde antes viveram os jesuítas. Então, no final do século XVIII, foi indicado para a Diocese de Olinda Azeredo Coutinho, homem de família rica, mas que se decidiu pela vida de funcionário público e de eclesiástico.
Azeredo Coutinho faz parte de uma geração de brasileiros que, de alguma maneira envolveu-se no processo de independência do Brasil, embora fosse ele um dos que não abandonaram a fidelidade à monarquia portuguesa. Escolhido bispo viu-se um homem com projeto político, educacional e econômico, e o primeiro passo foi garantir que o abandonado colégio erguido pelos jesuítas viesse a ser parte da sua diocese como centro formador de mestres. Sua pretensão foi acolhida e surgia a Seminário Nossa Senhora das Graças, o Seminário de Olinda, para o qual ele redigiu o regimento e o currículo, além de assegurar o orçamento necessário para a manutenção do prédio e pagamento dos professores. Dom Azeredo Coutinho teve pouco ou nenhum tempo para o Seminário criado por ele, pois assumiu o governo de Pernambuco, a organização do Santo Ofício e, sendo chamado a Portugal, recebeu outro bispado. Mas o seminário teve mestres, alguns como Azeredo, formados em Coimbra, outros formados pelos carmelitas do Recife ou pelos Oratorianos que mantinham colégio na Madre de Deus e foram as mãos da Reforma Pombalina. Do seminário, fundado pelo bispo Azeredo. Funcionário público conservador sempre dedicado à metrópole, nascera uma vertente da Revolução de 1817.
Mas em Pernambuco sempre houve outras academias, outras casas formadoras, outras tradições. Não apenas em Pernambuco, mas em todos os lugares em que a sociedade confina uma parte de sua população na ignorância das coisas necessárias à vida social. O texto que escrevo lembra que neste dia 16 de fevereiro de 1800, foi aberto o Seminário de Olinda e, por coincidência, neste dia 16 de fevereiro de 2024 morreu a Mestra Gil, primeira mulher a assumir o apito de Mestre de Maracatu Rural, também conhecido como Maracatu de Baque Solto ou de Orquestra.
Tive a honra de conhecer Givanilda Maria da Silva, ainda como bandeirista do Maracatu Feminino Coração Nazareno, um braço da Associação das Mulheres d Nazaré da Mata – AMUNAM. Quando a acompanhei em seu primeiro desfile como Mestra do Maracatu, improvisando seu versos, ela contou-me que, ouvindo os mestres de Maracatu, sentia que podia fazer versos, orientar o maracatu. Neste trajeto ela conheceu mais de perto o Garganta de Aço de Nazaré, o Mestre Zé Duda, que durante anos mestrou o Maracatu de Baque Solto Estrela de Ouro de Aliança. Trocaram experiências e, depois suas vidas confundiram-se numa grande loa de amor, até 02 de julho de 2023, quando o Mestre Zé Duda foi tirar versos com os Querubins da Corte Celestial. Mestre Gil encantou a Jorge Mautner e a Nelson Jacobina, quando desfilaram nas ruas da cidade mãe dos maracatus de Baque Solto. Mestre Gil, como a maioria das mulheres de sua região, teve negada a escola, aprendeu a ler por teimosia, como a fazer raiva aos donos de usinas que exploram os homens, empobrecendo-os fisicamente e mentalmente, e que ensinavam os cortadores de cana a explorar as suas mulheres. A Mestre Gil, como muitas outras mulheres, rompeu, as barreiras que a sociedade do açúcar amargoroso lhes punha. Assim, quando parte da sociedade que tem acesso ao saber iluminista que tem obscurecido a outra parte celebra um caminho do saber, a morte de Mestre Gil, de quem pouco se sabe, pode ser a continuidade de um caminho para as mulheres da Zona Mata, mulheres cortadoras de cana, exploradas mas que mantêm o espírito livre como o canto dos pássaros. A Mestre Gil, diferentemente do padre Antônio Vieira, não terá seu púlpito guardado e reverenciado, pois o seu púlpito é o Maracatu em andamento rápido, contando e fazendo a história do Brasil. Nosso desejo, a fé dos maracatuzeiros, a fé dos caboclos de lança é que os espíritos do mestre Zé Duda e da Mestra Gil, façam os caboclos celestiais realizarem, ao som dos seus apitos, as mais belas coreografias.
Salve todos os Mestres, os Mestres de Todos os saberes.
Ouro Preto Olinda, no dia de Santa Juliana.
domingo, janeiro 21, 2024
O MUNDO EM GUERRA
O mundo em Guerra
Na voz de Elis Regina, música de Rita Lee, em 1991, enviava uma mensagem aos marcianos informando que "estamos em Guerra", mas o high society não tomava conhecimento dos conflitos que abundavam na terra, para variar. Atualmente também estamos em guerra, pois parece ser esta uma condição das sociedades humanas, desde que as notícias foram sendo divulgadas pelos mais diversos meios de comunicação já inventados e utilizados pelas sociedades. Os conflitos nos dão notícias até quando os mídias não as fornecem, é que vez por outra ossadas humanas são encontradas e denunciam as batalhas escondidas. Atualmente estão cartaz as guerras da Rússia com Ucrânia, Israel com Hamas, Afeganistão com o Irã, o Iêmen sofre ataques de diversos países, na África ocorrem guerras das quais ninguém fala. Há guerra dos Estados contra os traficantes de drogas e, surpreendentemente contra os traficantes de armas para aos países em guerra. Essas armas são produzidas nos países que dizem ser contra a guerras e, por ação do 'destino', os fabricantes não conseguem entender como as armas são tiradas das unidades de fabrico e guarda. Tudo é sigilo de guerra. Outra guerra é contra a natureza. Desde a invenção da agricultura que a relação do homem com a natureza é de dominação, o que parece ser uma ordem divina, de acordo com o primeiro livro da Bíblia, Gên 1:21. É o que tem sido feito, mas, nos últimos trezentos anos, o novo modo de vida que parte da humanidade escolheu e levou as outras partes a seguir, está levando a situação que vai além da subordinação podendo inviabilizar a vida dos homens e do planeta.
Já faz alguns séculos que os homens separaram-se da natureza, entendem-se que dela são separados. Por não se sentirem parte da natureza, como os outros animais, os atuais dirigentes do planeta olham-no apenas como espaço a ser consumido. As guerras dos Estados entre si, matam os seres humanos, matam animais, destroem o que construíram e destróem as possibilidades de sobrevivência do planeta, ou seja, da natureza. E o fazem de maneira consciente e desejada, pois enquanto matam a Terra, pesquisam forma de sobreviver foram dela. Não é à toa que tem aumentado o número de pobres, dos morrem de famintos enquanto cinco homens concentram riquezas, de acordo com recente relatório da OXFAM, e organizam viagens para testar a possibilidade deles fugirem de uma grande rebelião. Em algum momento terá que ocorrer alguma mudança no comportamento dessa elite, que não é formada apenas pelos cinco mais ricos, ou pode vir a ocorrer a explosão da Bomba M- miséria - a revolta dos miseráveis que não são criados por alguma força divina, mas resultante da ação dos humanos. E ao lado dessa enorme questão humanitária, que não vista nem mostrada, há outra vertente que decorre do tipo de ação que os homens e mulheres construíram desde o as primeiras sociedades, é o esgotamento da natureza, explorada dessa maneira desenfreada, dessa maneira suicida. A natureza apresenta sua desconformidade com a atual gestão que dela fazem, de maneiras diversas. A reação da natureza segue as suas próprias leis, conhecidas e estudadas pelos homens, a natureza não inventa novas reações, ele age como sempre, contudo, o que fizeram com as possibilidades de sua riqueza, da natureza potencializa os movimentos naturais. Daí o degelo rápido das Polos, a ampliação dos espaços em desertificação, o deslocamento de fenômenos climáticos que afetam cidades, e nelas, os mais pobres. Os não atingidos pelas mudanças que estão ocorrendo no planeta, negam-nas e utilizam os meios que acumularam para convencer os que sofrem diretamente as consequências dessas mudanças que elas são naturais, que sempre ocorreram, e escondem que tais mudanças foram e são potencializadas pelo modo de vida escolhido nos últimos quinhentos anos. Esse modo ampliou o número de bens produzidos e, mesmo contra a vontade dos poderosos, ampliou também o acesso a tais bens. Entretanto, a velocidade com que a concentração de riqueza e poder vem ocorrendo, parece por em questão tais vitórias. Além de não fazer crescer o espírito coletivo necessário para a vida humana, o modo de viver do mundo atual detrói o que foi construído para o bem coletivo, pondo em risco a sobrevivência da sociedade e do planeta, como temos hoje.
prof. Severino Vicente da Silva
Olinda, 21 de janeiro de 2024.
domingo, janeiro 07, 2024
A FRANÇA E A LUTA PELA LIBERDADE
Temas Contemporâneos 1
A FRANÇA E A LUTA PELA LIBERDADE
É do conhecimento e crença de todos que a França é o farol da liberdade, exemplo para todos os povos, nesse caminhar para a ereção de uma sociedade mais justa, mais igual. A história, apesar do pessimismo dos conservadores e reacionários, tem caminhado em direção de um mundo menos desigual, mas isso não tem sido feito sem lutas, sem sofrimentos. Como diria Michelet: a história é um vampiro, alimenta-se de sangue humano.
Um dos pilares construtores das desigualdades contemporâneas foi o sistema de produção que tomou a utilização da escravização de humanos, especialmente os africanos, entre os séculos XVI e XX. É comum, ao brasileiro, alimentar o “complexo de vira-lata” repetindo que o Brasil foi o último país a acabar com a escravidão, embora saiba-se que a Mauritânia só a aboliu em 1981. Sabemos, por outro lado, que metade de africanos escravizados entre 1500 e 1888, foram comercializados entre 1750 e 1860, período em que a Inglaterra controlava o mercado do algodão ( era o início da Revolução Industrial) após afastar a China e a Índia do comércio de têxteis. A grande produção de algodão acontecia em Santo Domingo até 1790. A Revolta dos escravos levou à criação do Estado do Haiti. A partir de 1871, foi o sul dos Estados Unidos que passou a dominar a produção de algodão, o que fez quadruplicar o número de escravos no Estados Unidos entre 1800 e 1860, utilizando a reprodução de escravos em suas fazendas.
Entre 1780 e 1790 as ilhas francesas na América e na Ásia era a área de maior concentração de escravos do mundo ocidental: 700.000; os ingleses possuíam em suas possessões 600.000 e o Sul dos Estados Unidos tinham 500.000 seres humanos de origem africana escravizados.
Como sabemos, a Declaração dos Direitos do Homem, na Revolução Francesa promoveu a liberdade de todos os homens e, a população descrava de Santo Domingo – 90% do total de habitantes – exigiu a liberdade, que foi conquistada em 1791 na primeira Revolução de Escravos, criando o Haiti. Mais tarde, Napoleão Bonaparte revogou a liberdade dos haitianos levando a uma nova Guerra de Independência, com a derrota do exército francês. A pressão sobre o Haiti continuou com um bloqueio econômico. A França só reconheceu a independência do Haiti em 1825. Os franceses mantiveram a escravidão na Martinica, Guadalupe e na Ilha da União, até 1848.
A Independência do Haiti foi reconhecida sob pressão intensa da frota francesa que ameaçava mais uma invasão. O governo haitiano viu-se obrigado a aceitar indenizar os proprietários dos escravizados em 150 milhões de francos-ouro, quantia que equivalia a 300% da renda do Haiti em 1825, e deveria ser paga em 5 anos. A dívida foi paga (capital e juros). Entre 1840 e 1915, foram depositados, 5% da renda nacional do Haiti, na Caisse de Dépôt e Consignation, criada durante a Revolução Francesa. A partir de 1915, após a invasão dos EUA, que durou até 1934, a dívida do país passou a ser paga ao país invasor, e foi finalmente quitada em 1950.
O preço que a França cobrou pela liberdade do Haiti significou a impossibilidade da sua autonomia econômica, a sua atual pobreza.
Severino Vicente da Silva. Olinda, 7 de janeiro de 2024.
Os dados citados podem ser encontrados em PIKETTI, Thomas. Uma breve história da igualdade. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2022.
WIKIPÉDIA.
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