quinta-feira, agosto 14, 2008

Em torno do centenário de Dom Hélder Câmara

Em torno do centenário de Dom Hélder Câmara[1]
Severino Vicente da Silva

Em programa que mantenho na Rádio Universitária 820 AM, da Universidade Federal de Pernambuco[2], conversei com Luiz Carlos Luz Marques, doutor em História das Religiões na universidade de Bolonha, a mais antiga universidade nos moldes que conhecemos, tivemos como tema a sua pesquisa em torno das Cartas Conciliares de Dom Hélder Câmara. Essas foram as cartas que Dom Hélder escrevia para seus amigos no Brasil, comentando as ocorrências, como ele via, do Concílio Vaticano II Um dos ouvintes telefonou perguntando qual a importância do já falecido arcebispo de Olinda e Recife. O professor Luiz Carlos simpaticamente chamou atenção ao fato de que a publicação de parte das cartas de Dom Hélder na Itália, provocou um comentário de um dos sobrinhos do Papa João XXIII que dizia mais ou menos assim: somos abençoados e devemos agradecer por termos a visão de Dom Hélder sobre o Concílio Vaticano II, a Igreja não pode jamais deixar que se perca tão grande contribuição para a Igreja e sua história.

Ora, os mais jovens perguntam quem foi esse Dom Hélder Câmara de quem se comemora, no próximo ano o centenário de nascimento, pois a nossa memória é fraca e nesses tempos de rápidas mudanças e de dedicação maior às exterioridades desimportantes, rapidamente se esquece fatos, acontecimentos e pessoas que realmente tiveram importância. Dom Hélder foi cearense de nascimento e, ainda jovem padre foi para o Rio de Janeiro, onde representava os interesses da Igreja Católica no Conselho Nacional de Educação. Nos anos quarenta foi feito assessor da Ação Católica. Idealizou a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB (1952) e a Conferência Latino-Americana dos Bispos - CELAN (1954). Feito bispo auxiliar do Rio de Janeiro, foi dos primeiros a entender que não basta fazer assistencialismo aos pobres, não basta dar comida, é necessário criar condições para os homens e as mulheres descubram e vivam a sua dignidade. Assim, deu início às ações que visaram humanizar as condições de vida dos cariocas que viviam pendurados em “barracões de zinco sem telhados” nos morros do Rio de Janeiro. Essa sua ação positiva lhe valeu a raiva militante de certa elite brasileira que se propõe, ainda hoje, manter o povo brasileiro escravizado na ignorância. Políticos passaram a chamar-lhe de “bispo Vermelho”. Contudo, Dom Hélder, ainda que não fizesse qualquer pronunciamento no Concílio Vaticano II, é visto hoje como o mais influente dos padres conciliares.

Logo nos primeiros dias da ditadura militar que os brasileiros inventaram em 1964, o Papa Paulo VI o enviou para substituir Dom Carlos Coelho como Arcebispo de Olinda e Recife. O professor Luiz Carlos diz que nas primeiras semanas de sua permanência no Recife, Dom Hélder fez o que muitos bispos não fizeram ao longo de anos.

As duas décadas em que Dom Hélder esteve como presidente da Província Eclesiástica de Pernambuco foram períodos de dor e sofrimento. Sob a ditadura Dom Hélder se tornou “a voz dos que não têm voz”, assumiu riscos na defesa dos direitos humanos, denunciou as torturas, passou a ser odiado tanto pelos ditadores, que a imprensa foi proibida de citar seu nome. Ainda que fosse para falar mal dele. Dom Hélder passou a ser um não ser no Brasil, enquanto o mundo o indicava para o prêmio Nobel da Paz. Naquele ano, o governo ditatorial de Garraztazu Médici promoveu ações que impediram um brasileiro ser Nobel da Paz. Dom Hélder devia ser esquecido no Brasil. De certa maneira os ditadores tiveram sucesso. Enquanto nas universidades da Austrália, Japão, Dinamarca existem cátedras para estudar e desenvolver as idéias do antigo Arcebispo de Olinda e Recife, aqui em Pernambuco pouco se sabe dele.

Será de grande auxílio para todos os aspectos da sociedade brasileira nos empenharmos para que os mais jovens saibam um pouco mais sobre esse nordestino que influenciou o processo de criação da Sudene. Tomara que os católicos, nesses tempos em que há igrejas e religiões que atendem com cartões de créditos, voltem-se para discutir as idéias de um bispo que morreu pobre como os pobres a quem queria ver livres da pobreza material e espiritual.
[1] Especial para o jornal a Província, de Goiana, PE e foi publicado na edição de junho 2008, número 182. página 10.
[2] Esse programa pode ser acessado pela internet no endereço www.tvu.ufpe.br , clicando em seguida em “am ao vivo”. O programa acontece todas as quarta-feira à nove horas da manhã.

Um comentário:

Anônimo disse...

Carissimo Prof. Biu Vicente, sou um ex-aluno seu do ITER. No momento estou estudando em Roma, na Universidade Gregoriana, fazendo uma tese doutoral em eclesiologia sobre a Igreja dos Pobres, o caminho de Dom Hélder, antes durante e depois do Concílio Vat. II, propriamente na fase inicial, um tanto difícil. Peço-lhe tb. sua ajuda bibliografica ou qualquer novidade sobre o nosso querido Dom. Parabéns pelo Blog.
Pe.Luciano Dias de Morais (Patos,PB). Email: lucianodmorais@yahoo.com.br
Um abraço na d. Maria e nos muitos amigos de Recife e Nova Descoberta.