domingo, janeiro 18, 2009

Novas visões sobre maracatuzeiros e maracatus

Neste pequeno recesso que estou fazendo de meus encontros mais habituais, não pude deixar de trazer comigo alguns livros, entre eles o “MARACATUS E MARACATUZEIROS, DESCONSTRUINDO CERTEZAS, BATENDO AFAYAS E FAZENDO HISTÓRIAS, RECIFE 1930 -1945”, escrito por Ivaldo Marciano de França Lima, publicado no Recife pela Editora Bagaço no ano de 2008. O tema é do meu agrado, pois recentemente tenho dedicado algumas horas de minha vida na pesquisa e na reflexão sobre aspectos da cultura pernambucana, especialmente aqueles mais populares, como os maracatus. A leitura de livro de Ivaldo é fácil, apesar de ter sido escrito para uma banca de doutores lhe permitirem utilizar o título de mestre, o que lhe obrigou a muita citação e perorações com o objetivo de demonstrar conhecimento adquirido, em leituras e arquivos, sobre o assunto e defender, na sociedade dos mestres e doutores as suas novas proposições. A forma escolhida para tornar o texto mais facilmente aceito pelo leitor, foi de provocá-lo, constantemente, como se estivesse em sua presença, chamando-o de “caro leitor”, “cansado leitor”, “ilustre leitor” etc.. Além disso, cada parágrafo está escrito como emoção, paixão pelo objeto de estudo e com a gana que sente um descobridor.

Dividido em três grandes capítulos, cada um com sua singularidade, foi assim que Ivaldo concebeu e realizou o seu livro. Claro que lá se encontram uma apresentação feita por um professor fluminense, além da introdução escrita pelo próprio autor, e um posfácio com a autoria da orientadora professora doutora Isabel Guillen.

O primeiro capítulo trata de como foram sendo construídos, no início do século XX, os conceitos e a definição do que são maracatus. O autor está sempre chamando atenção que essa conceituação foi feita na busca (inútil) de uma origem pura e inatacável dos maracatus; assim ele mostra que para alguns estudiosos o importante foi colocar a primazia e supremacia da presença africana, enquanto para outros o estabelecimento desses conceitos teria se dado a partir dos acontecimentos vividos no pátio das irmandades religiosas, especialmente as de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Essa bela arenga de Ivaldo tem como objetivo relativizar a preocupação com “origem”, como algo que ocorreu em um determinado momento no passado. Afastando essa idéia ele pode ficar pensando origem como sendo, criatividade, inventividade dos que forjaram, no seu cotidiano a dança, o folguedo, a alegria dos maracatus. Afinal, se maracatu fosse totalmente africano e, plenamente viesse das irmandades, pergunto eu, por que não está presente em todo o território nacional e apenas em Pernambuco? Mas esta questão específica não é tratada nem neste nem nos demais capítulos. Não era esse o objeto de estudo de Ivaldo, além do que não se presume que alguém tenha a presunção responder todas as questões. Mas, quando ele trata sobre a vida de alguns maracatuzeiros, fica claro que a pureza que alguns buscam para os maracatus e para os cultos religiosos não existem, exceto nos conceitos criados por setores externos a essas representações sociais.

O segundo capítulo deixa para trás a discussão sobre as tradições e origens do maracatu mas põem-se a discutir que há muitas tradições que podem ter levado o maracatu a terem, distinções e muitas semelhanças. Folguedos como Aruendas, Pretinha de Congo são mencionados, mas da forma como o foram mencionadas nos indicam que há muita pesquisa a ser realizada nesta direção. Mas, neste capítulo, o tema central é essencialmente sobre a querela a respeito da definição dos termos maracatu de Baque Virado e Maracatu de Baque Solto; é uma discussão sobre como foram sendo construídos esses conceitos, Baque Solto ou Rural. O autor acaba nos deixando entender que a paternidade e maternidade desses conceitos fiquem com Guerra Peixe e Katarina Real, respectivamente; ele por ter feito a classificação separando-os pelos baques, e ela por sua atuação junto aos órgãos públicos oficiais e definidores e distribuidores das verbas (Comissão Organizadora do Carnaval e sucedâneos), para que ocorresse a aceitação do Maracatu de Baque Solto como uma brincadeira que existe no carnaval do Recife. Aqui me parece que Ivaldo, ainda que pretenda desconstruir certezas, assume que não existe outro lugar de nascimento de tradições que não seja as localidades litorâneas: Recife ou Goiana. Toda a sua a discussão desconhece a existência de tradições além do Recife e Goiana. Como os muitos estudiosos da cultura popular pernambucana, ou mesmo Pernambuco, Ivaldo parece manter o conceito de que Pernambuco é essencialmente Recife e Olinda. Embora em diversos tenha tido a oportunidade de mencionar que um dos autores por ele citado menciona a existência do Maracatu em Nazaré da Mata, essa informação não é passada para os doutores que o examinaram nem para os “nobres leitores” que acompanham o seu raciocínio. No fundo, parece que tudo se organizou nos livros, seja de Pereira da Costa, Gilberto Freyre, Artur Ramos, Guerra Peixe, Katarina Real e não em mundo geográfico e dinâmico. As novas pesquisas que estão sendo realizadas parece que não tocaram ou não chegaram ao autor desse livro muito bom. Creio que, especialmente no tange ao Maracatu Rural, ou de Baque Solto, esse Maracatu que nasceu depois que as senzalas foram esvaziadas, esse maracatu que se define como Brasileiro desde os primeiros momentos, pois se nomeia Cambinda Brasileiro, é um maracatu de homens livres e que nasceu sem as coroas dos reis, tenham sido eles portugueses ou congoleses essa tradição dos terreiros caboclos, que aponta a criatividade dos mestiços, virá a ser mais bem apreciada por Ivaldo Marciano. Quando se pergunta a qualquer homem que vive do corte da cana o que cambinda é, ele diz: um peixe pequeno, que nada rápido difícil de pegar com a mão. Assim me disse o fundador do Maracatu de Baque Solto Piaba de Ouro.

O terceiro capítulo é de uma bela intervenção na pesquisa sobre a vida de maracatuzeiros que, talvez pela ampliação que os estudiosos deram a alguns, com o objetivo de confirmar as suas teses, obnubilou trajetórias outras, essas que apontam para dimensões que são as novas construções apresentadas por Ivaldo.

Mas o livro que resultou de sua pesquisa para a obtenção do título de Mestre em História, deve ser uma leitura para os que estudam o processo de formação constante a cultura, um universo de conflitos de interesses e de negociações permanentes.

Um comentário:

Anônimo disse...
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