sexta-feira, janeiro 30, 2009

Olinda 25 anos de patrimônio da humanidade

Cidade quatrocentona, Olinda está comemorando Bodas de Prata do título de Patrimônio Cultural da Humanidade. Ser Patrimônio da Cultura é quase redundante, pois a cultura, por si, já é um patrimônio, algo que se recebe e a ela agrega novos aspectos desse patrimônio. Dizer que Olinda é Patrimônio da Humanidade significa afirmar que, em seus espaços culturais, os tangíveis e aqueles que “as mãos não ousam tocar”, são espaços em que os homens e as mulheres de todos os recantos do mundo reconhecem como próprios, comuns e seus. A humanidade se reconhece em Olinda.

Vivendo em Olinda desde os anos setenta, Plínio Victor quase se confunde com a história recente da cidade por seu ofício de arqueólogo, por sua paixão pelos espaços olindenses, pela sua amizade com a boemia e pela luta em busca de proteger o patrimônio já conhecido, mas também de continuar a buscar novos documentos que atestem a universalidade Olindense. Plínio entende Olinda como uma cidade “cabeça de ponte” da Europa renascentista em sua expansão mundial do século XVI, capitaneada, então pelos iberos, notadamente os portugueses. Ele consegue enxergar nos monumentos olindenses, ou no monumento olindense, as diversas mudanças políticas, econômicas, sociais que foram aqui vivenciadas. Olinda não é só construto lusitano mas também é o construção flamenga à medida que destrói e obriga a reconstrução.

Essas idéias estão postas no texto de Plínio, quase colando com as belas fotografias de Hans von Manteuffel, em um ensaio que expõe ângulos de visão tradicional e novos olhares, panorâmicos ou aproximações, da cidade que testemunha a caminhada de quase meio milênio de mudanças e permanências que a levaram a ser reconhecida como patrimônio de todos. A essas novas visões do artista nosso contemporâneo, as coleções de fotos guardadas por Petrônio Cunha que, segundo diz Plínio na apresentação do livro, é autor intelectual do livro; também o acervo do Arquivo Histórico de Olinda (como deveria receber mais atenção e investimentos!!!) e o acervo da Fundação Joaquim Nabuco oferecem a possibilidade de comparar algumas mudanças ocorridas ao longo do tempo. É a dinâmica da história, é assim que se constrói uma humanidade, na lapidação e na construção constante.
Um outro aspecto que chamará atenção ao leitor é a historização que Plínio faz do processo que levou à Concessão do prêmio pela UNESCO. O reconhecimento de fora veio à medida que no interior da cidade, cidadãos comuns e aqueles que receberam encargo de governança e outros ainda que não no governo, mas imbuídos de sentimento artístico, humano, universal, subsidiaram com suas idéias e talentos a apresentação da cidade à Unesco. O texto de Plínio Victor é simples, científico, sério e apaixonado. Sim, apaixonado pois ele se fez olindense.

Uma palavra de elogio para o belo trabalho da Gráfica Santa Marta e, agradecer a Publikimagem pela demonstração de confiança em alimentar tão belo projeto gráfico e que servirá como arquivo de pesquisa para muitos.

Estou convidando a todos que puderem a comparecer na noite deste sábado, 31 de janeiro, às 19:30h, na Livraria Cultura para uma conversa de lançamento de OLINDA 25 ANOS DE PATRIMÔNIO CULTURAL DA HUMANIDADE.

domingo, janeiro 25, 2009

Renato Teixeira e umas lembranças de Dom Hélder

Parte desta tarde foi-me concedida, ou me concedi, a ouvir músicas diversas, especialmente as escritas e cantadas por Renato Teixeira. Normalmente não sou comprador de material dito pirata, embora eu saiba que os maiores piratas, no sentido muito clássico, são os quem lutam contra a pirataria. Mas, deixando isso de lado, ouvi que naquela mídia que comprei estava sendo cantada parte de minha vida. Pouco importa aos que, por alguma razão lerem essas páginas, entendam que a importância que eu estou dando ao que ouvi nesta tarde de domingo está além daquilo eu dimensiono. Afinal, há tanta coisa bem mais importante que as coisas a que eu dou importância!

O que mais me tocou nesse conjunto de música cantadas por Renato Teixeira foram as cantadas com Pena Branca, um das maiores e mais belas voz entre os cantores ditos sertanejos. Entre as músicas estão o Chuá Chuá e de Papo pró Á. Essas músicas se juntaram a uma recente correspondência que recebi de Bete, sobre o centenário de Dom Hélder Câmara. Poucos se lembram, e ninguém é obrigado a lembrar, inclusive aqueles que aderiram mais vagarosamente aos projetos helderianos, embora estejam, agora, no front desse centenário, o que ocorria no Recife nos anos de 1968.

Quando, em plena ditadura, Dom Hélder pôs em andamento o Pressão Moral Libertadora, um movimento e uma ação inspirado em Gandhi e Martin Luther King, alguns poucos ocuparam o espaço do auditório do Colégio São José para dizer que estávamos ali com o objetivo de garantir, pela não violência, a permanente luta por aqueles direitos que nos eram negados. Eu ainda era um menino de 18 anos que era animado e animava grupos de jovens de Nova Descoberta e da Arquidiocese. Vivi esses momentos tensos ao lado de Zildo Rocha e outros. Depois, no espaço da Paróquia do Bom Jesus do Arraial fizemos uma apresentação em que fui chamado a cantar as músicas Chuá Chuá, de Papo pró Á. Nunca fui um grande cantor, na verdade nem sei cantar, mas era o disponível para se expor, naquela noturna noite da pátria para cantar músicas que falavam do povo que continuo amando e dele sendo parte. Depois, em 72, quando estava na prisão, o vigário do Vasco da Gama, que me conhecia desde criança, me acusou de ser comunista por ter participado daquela vigília pela liberdade. Ao sair da prisão fui à sua casa e esclarecemos muitas coisas. Sei que ele foi um dos homens mais importantes na construção da sociedade recifense, embora não tenha entendido o mal que a ditadura militar fez ao Brasil, como agora a destruição dos movimentos está fazendo, também em nome de manter a ordem.

Agora, são cem anos nascimento de dom Hélder que se celebra, mas são milhares de anos de luta pela liberdade e pela dignidade humana, continúo emocionando-me cada vez que escuto as músicas que cantei, naquela noite, acompanhado por Orlando e outros rapazes que, como eu, moravam em Nova Descoberta. Hoje tudo é uma Boa Viagem, nenhuma Nova Descoberta ou alto de qualquer Refúgio, Brasileira, Caetés, Conceição, e muitos outros.

Mas, nessa caminhada "ando devagar porque já tive pressa", diz Renato Teixeira, que aparenta saber "o sabor das massas e das maçãs".

sexta-feira, janeiro 23, 2009

Uma contínua luta pelos direitos sociais

Neste dia 20 de janeiro, quando se festejavam santos católicos, vindo da Europa e entidades originárias da África, tomava posse como presidente dos Estados Unidos da América um afro-americano mestiço. 41 anos antes, outro afro-americano foi assassinado por ter sonhado que poderia haver um mundo no qual os seres humanos cuidassem mais daquilo que os aproxima do que as coisas que os separa. Em um período geracional, assumindo a existência do racismo em sua sociedade e se comprometendo a vencê-lo, os estadunidenses mostraram que é possível fazer o que parecia ser impossível. Na América Latina tivemos algo semelhante, quando o Brasil elegeu um antigo metalúrgico para o cargo de presidente da República. Vimos que é possível promover mudanças, embora nem sempre consigamos todas as mudanças que desejamos no curto espaço de tempo. Mas as conquistas podem ser maiores se maiores forem os sonhos, os compromissos.

Um dos comentários que ouvi na televisão dizia sobre o não deslumbramento das filhas do Obama nos espaços do poder. Em verdade elas já viviam nesse espaço, pois seus pais são pessoas que se cultivaram e que a sociedade permitiu que se cultivassem. Não que não tivessem tido problemas de aceitação no mundo dos poderosos onde seus pais foram se infiltrando pelo trabalho, pelo talento, pelos méritos que foram conquistando. Os Obama forjaram-se para o poder e o foram exercendo á medida que ascenderam socialmente, resultado de seus esforços e das mudanças que ocorreram na sociedade americana desde que nasceram na segunda metade do século XX. Daí a presença de Mahomed ali, a constante lembrança de Marthin Luter King, Malcon X e muitos outros. As filhas de Obama são filhas de uma sociedade em mudança, são filhas de um senador da República, já conviviam com os espaços do poder e ele lhes já lhe familiar.

O que assistimos na posse de Obama foi a posse de um passado de lutas pelos direitos humanos e sociais. Daí decorre o compromisso com a mudança da qual fizera parte, já como beneficário, mas também como cidadão atuante em sua comunidade. Essas podem ser razões que levam Obama a enfrentar o lobby, ao estabelecer que os seus auxiliares se comprometem a não viverem nos corredores do Congresso após a sua saída do governo, ao estabelecer limites de salários para sua equipe. Ele poderá até vir a se beneficiar com o exercício da presidência, e terá benefícios sim, pois o cargo exige certas proteções aos seus ocupantes, mas, parece, isso não será buscado, nem se fará o escândalo de mandar buscar lençóis no Egito.

O deslumbramento de alguns de nossos políticos, oriundos das camadas pobres, é decorrente da ausência de mudanças sociais amplas; as pequenas mudanças que ocorreram nos últimos cinqüenta anos foram as permitidas – e aqui no sentido de concessão – pelos donos do poder, atingindo alguns poucos, e esses poucos parece sentir-se eternos tributários desse “favor”. As mudanças não atingem a maior parte da sociedade que não se sente sujeito partícipe do processo social. São chamados a participarem como consumidores, semelhantes a bichinhos de estimação em apartamentos. Ainda temos que continuar a nossa luta profunda pela aquisição dos Direitos Humanos, pois ainda os vemos como concessões que são dadas por algumas famílias que se revezam nesse brutal esforço de não permitir aos brasileiros a mínimas condições de vida decente. Se ainda temos um José Ribamar Sir Ney, ex-presidente da Arena, ex-presidente do PDS, ex-presidente do Brasil, conselheiro do atual presidente do Brasil, brigando no senado para manter a “sabiduria” dos grilheiros, isso demonstra que ainda temos muito que lutar para, verdadeiramente mudar a nossa história.

segunda-feira, janeiro 19, 2009

A formatura de Wanessa

Wanessa é uma jovem que conheci assim, meio por acaso, quando visitei a Faculdade de Formação de Professores de Nazaré da Mata procurando entusiasmar estudantes do curso de História para o projeto do Ponto de Cultura que assessoro na cidade de Aliança. Tivemos uma boa adesão, mais de estudantes iniciaram conosco essa caminhada. Wanessa Kariny estudava geografia, como a sua irmã Bárbara Gonçalces e, ao lado de Susana, Tamar Thalez, Dhiogo Rezende, Ivaldo Junior, Rafael Bastos, Ruth Lemos, Bruna Pires, estudantes de História, nos auxiliaram em um projeto pedagógico livre, criado com todas as mãos, inclusive com as mãos e as idéias das crianças, dos jovens, das mulheres de Chã de Camará. Com o mínimo apoio, mas com entusiasmo, esses jovens, a cada sábado saíam de suas casas (moravam no Recife e em Olinda) e percorriam 70 quilômetros para criar aulas de alfabetização, sessão de leituras para as crianças, atividades de recreação, debates em cine-clube, etc. Evidentemente, à medida que se formavam cada um foi buscar e criar os caminhos de suas vidas. Todos estão formados e a maioria em sala de aula, agora como professores. Wanessa, que já está em sala de aula, formou-se hoje, e vim com muita alegria para a sessão solene de sua formatura. Ela e Bárbara continuam a atender as crianças da Chã de Camará, utilizando a Biblioteca Mestre Batista para sessões de leitura e sessões de criatividade.

Estar em Nazaré da Mata para testemunhar o juramento de Wanessa, com ela outros trezentos jovens, de que se dedicará ao magistério foi reconforto para mim, que este ano completo quarenta anos do meu juramento. As palavras do diretor da FFPNM lembraram as dificuldades que envolvem a profissão, quase sempre vista como sacerdócio, nem sempre bem remunerado. Isso não é de hoje, pois Cícero, famoso político romano já advertia que a “muitos é orgulho saber aquilo enquanto é vergonhoso ensinar”. Não havia paga para os primeiros pedagogos e professores. Ainda recentemente, um político sociólogo que foi professor, menosprezou aqueles que ensinam e, o mais recente presidente uma vez disse que poderia ser mais proveitoso pagar a quem corta cana que a quem ensina. Entretanto, como conhecimentos devem ser ensinados e vividos para serem aprendidos, não há como, em nossa sociedade dispensar professores, exceto se se deseje ficar permanentemente no atraso, correndo para chegar mais próximos daquelas sociedades que garantem tratamento mais digno e apoiador do trabalho dos seus professores. Mas é reconfortante verificar que, apesar desses hábitos negativos, sempre vemos pessoas, como Wanessa, decidirem pelo magistério. Vi com alegria a aluna laureada no curso de matemática receber sua láurea sem a vestimenta que a comissão de festa exigiu, (custa caro! Deixa-se de comprar livros mas não se deixa de vender a formatura a uma dessas empresas) uma adesão aos modelos das escolas anglo-americanas em detrimento da tradição mais coimbrã de nossa universidade. A melhor aluna do curso de matemática não teve a verba necessária para alugar a toga e participar dos festejos. Nesse ato, como no esforço de muitos que ali estavam togados para receber anéis e diplomas, está, talvez, um indicativo de que classes sociais vêem os que se dedicam ao magistério.

Parabéns a Wanessa, a Tâmisa e a todos os que decidiram a se tornarem professores, inclusive os que, não cursando licenciatura, a princípio, investem a sua existência na tarefa, que deve ser encarada profissionalmente (responsabilidade, honestidade, moralidade, bons salários, condições dignas no ambiente de de trabalho, etc).

O bom é que Wanessa continua no nosso projeto no Ponto de Cultura Estrela de Ouro de Aliança, juntamente com Amélia, outra licenciada na FFPNM. Tomara que neste ano recebamos mais voluntários da Faculdade que é um dos campi da UPE.

domingo, janeiro 18, 2009

Novas visões sobre maracatuzeiros e maracatus

Neste pequeno recesso que estou fazendo de meus encontros mais habituais, não pude deixar de trazer comigo alguns livros, entre eles o “MARACATUS E MARACATUZEIROS, DESCONSTRUINDO CERTEZAS, BATENDO AFAYAS E FAZENDO HISTÓRIAS, RECIFE 1930 -1945”, escrito por Ivaldo Marciano de França Lima, publicado no Recife pela Editora Bagaço no ano de 2008. O tema é do meu agrado, pois recentemente tenho dedicado algumas horas de minha vida na pesquisa e na reflexão sobre aspectos da cultura pernambucana, especialmente aqueles mais populares, como os maracatus. A leitura de livro de Ivaldo é fácil, apesar de ter sido escrito para uma banca de doutores lhe permitirem utilizar o título de mestre, o que lhe obrigou a muita citação e perorações com o objetivo de demonstrar conhecimento adquirido, em leituras e arquivos, sobre o assunto e defender, na sociedade dos mestres e doutores as suas novas proposições. A forma escolhida para tornar o texto mais facilmente aceito pelo leitor, foi de provocá-lo, constantemente, como se estivesse em sua presença, chamando-o de “caro leitor”, “cansado leitor”, “ilustre leitor” etc.. Além disso, cada parágrafo está escrito como emoção, paixão pelo objeto de estudo e com a gana que sente um descobridor.

Dividido em três grandes capítulos, cada um com sua singularidade, foi assim que Ivaldo concebeu e realizou o seu livro. Claro que lá se encontram uma apresentação feita por um professor fluminense, além da introdução escrita pelo próprio autor, e um posfácio com a autoria da orientadora professora doutora Isabel Guillen.

O primeiro capítulo trata de como foram sendo construídos, no início do século XX, os conceitos e a definição do que são maracatus. O autor está sempre chamando atenção que essa conceituação foi feita na busca (inútil) de uma origem pura e inatacável dos maracatus; assim ele mostra que para alguns estudiosos o importante foi colocar a primazia e supremacia da presença africana, enquanto para outros o estabelecimento desses conceitos teria se dado a partir dos acontecimentos vividos no pátio das irmandades religiosas, especialmente as de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Essa bela arenga de Ivaldo tem como objetivo relativizar a preocupação com “origem”, como algo que ocorreu em um determinado momento no passado. Afastando essa idéia ele pode ficar pensando origem como sendo, criatividade, inventividade dos que forjaram, no seu cotidiano a dança, o folguedo, a alegria dos maracatus. Afinal, se maracatu fosse totalmente africano e, plenamente viesse das irmandades, pergunto eu, por que não está presente em todo o território nacional e apenas em Pernambuco? Mas esta questão específica não é tratada nem neste nem nos demais capítulos. Não era esse o objeto de estudo de Ivaldo, além do que não se presume que alguém tenha a presunção responder todas as questões. Mas, quando ele trata sobre a vida de alguns maracatuzeiros, fica claro que a pureza que alguns buscam para os maracatus e para os cultos religiosos não existem, exceto nos conceitos criados por setores externos a essas representações sociais.

O segundo capítulo deixa para trás a discussão sobre as tradições e origens do maracatu mas põem-se a discutir que há muitas tradições que podem ter levado o maracatu a terem, distinções e muitas semelhanças. Folguedos como Aruendas, Pretinha de Congo são mencionados, mas da forma como o foram mencionadas nos indicam que há muita pesquisa a ser realizada nesta direção. Mas, neste capítulo, o tema central é essencialmente sobre a querela a respeito da definição dos termos maracatu de Baque Virado e Maracatu de Baque Solto; é uma discussão sobre como foram sendo construídos esses conceitos, Baque Solto ou Rural. O autor acaba nos deixando entender que a paternidade e maternidade desses conceitos fiquem com Guerra Peixe e Katarina Real, respectivamente; ele por ter feito a classificação separando-os pelos baques, e ela por sua atuação junto aos órgãos públicos oficiais e definidores e distribuidores das verbas (Comissão Organizadora do Carnaval e sucedâneos), para que ocorresse a aceitação do Maracatu de Baque Solto como uma brincadeira que existe no carnaval do Recife. Aqui me parece que Ivaldo, ainda que pretenda desconstruir certezas, assume que não existe outro lugar de nascimento de tradições que não seja as localidades litorâneas: Recife ou Goiana. Toda a sua a discussão desconhece a existência de tradições além do Recife e Goiana. Como os muitos estudiosos da cultura popular pernambucana, ou mesmo Pernambuco, Ivaldo parece manter o conceito de que Pernambuco é essencialmente Recife e Olinda. Embora em diversos tenha tido a oportunidade de mencionar que um dos autores por ele citado menciona a existência do Maracatu em Nazaré da Mata, essa informação não é passada para os doutores que o examinaram nem para os “nobres leitores” que acompanham o seu raciocínio. No fundo, parece que tudo se organizou nos livros, seja de Pereira da Costa, Gilberto Freyre, Artur Ramos, Guerra Peixe, Katarina Real e não em mundo geográfico e dinâmico. As novas pesquisas que estão sendo realizadas parece que não tocaram ou não chegaram ao autor desse livro muito bom. Creio que, especialmente no tange ao Maracatu Rural, ou de Baque Solto, esse Maracatu que nasceu depois que as senzalas foram esvaziadas, esse maracatu que se define como Brasileiro desde os primeiros momentos, pois se nomeia Cambinda Brasileiro, é um maracatu de homens livres e que nasceu sem as coroas dos reis, tenham sido eles portugueses ou congoleses essa tradição dos terreiros caboclos, que aponta a criatividade dos mestiços, virá a ser mais bem apreciada por Ivaldo Marciano. Quando se pergunta a qualquer homem que vive do corte da cana o que cambinda é, ele diz: um peixe pequeno, que nada rápido difícil de pegar com a mão. Assim me disse o fundador do Maracatu de Baque Solto Piaba de Ouro.

O terceiro capítulo é de uma bela intervenção na pesquisa sobre a vida de maracatuzeiros que, talvez pela ampliação que os estudiosos deram a alguns, com o objetivo de confirmar as suas teses, obnubilou trajetórias outras, essas que apontam para dimensões que são as novas construções apresentadas por Ivaldo.

Mas o livro que resultou de sua pesquisa para a obtenção do título de Mestre em História, deve ser uma leitura para os que estudam o processo de formação constante a cultura, um universo de conflitos de interesses e de negociações permanentes.

quarta-feira, janeiro 14, 2009

O livro do padre Isaias sobre Dom Távora

Uma das boas surpresas no final de 2008, a recebi na sala do coordenador do mestrado em ciências da Religião da Universidade Católica, o professor Gilbraz. Então ele entregou-me um livro, após perguntar se eu lembrava de Isaias. Assim, de supetão, apenas com a menção ao nome de batismo, a memória trouxe uma pequena variedade de faces e situações relacionadas a algum Isaias. Novas informações, agora sobre um padre em uma paróquia no Sergipe e, ex-aluno, veio a lembrança de sugestões para a realização de uma pesquisa sobre alguma personagem na história local. Lembrei que, a uma determinada turma fiz essa sugestão. A partir daí, recebi várias pequenas monografias sobre paróquias, associações religiosas, padres, freiras. Uma dessas monografias teve como tema a paróquia de Itapetim. Anos mais tarde, Marcos Silva a transformou em um livro sobre a sua cidade, publicando-a como parte da coleção História Municipal. Marcos Silva hoje é doutor e professor na Unicap.

Mas então veio um livro para minhas mãos e foi com alegria que recebi um exemplar do livro do padre Isaias Nascimento, “Dom Távora, o bispo dos operários: um homem além do seu tempo”, publicado pela Edições Paulinas, como um dos volumes da série Testemunhos de Santidade. Também este livro é uma conseqüência daquela indicação em sala de aula, conforme atesta o autor em seu próprio texto. A gente nunca imagina que certos estudantes tornam-se eternos estudantes, e alguns trabalhos escolares levam tempo para serem terminados e escritos.

Neste ano de 2009 em que alguns setores da Igreja Católica em Pernambuco celebra, com toda justiça o centenário de nascimento de dom Hélder Câmara, creio que foi de grande oportunidade o lançamento do livro de padre Isaias Nascimento. O seu tema é o “Eu”, o constante companheiro de Hélder desde que os dois se conheceram no Rio de Janeiro, ainda padres. “Eu”, era assim que dom Hélder referia-se a dom Távora.

José Vicente Távora, nasceu em julho de 1910, em Orobó, aqui em Pernambuco, veio a ser Dom Távora, terceiro arcebispo de Aracaju, padre conciliar do Vaticano II e lídimo animador dos trabalhos de aggiornamento da Igreja Católica no Brasil, organizador do Movimento de Educação de Base - MEB, um dos primeiros a entender a importância do Rádio como meio de educação, especialmente em um país de cuja população, ainda nos dias de hoje, é analfabeta ou semi-alfabetizada.

A escrita leve do padre Isaias, a organização dos temas e a riqueza documental que nos oferece, torna seu livro um leitura necessária para aqueles que estudam os caminhos da Igreja Católica no Brasil e no Nordeste. A família humana é composta de vários ramos, entre eles os membros do catolicismo e, neste, o catolicismo de preocupação social. Pois bem, Dom Távora e um desses membros da família humana que fez o seu trabalhão e, em uma época de grandes ele sempre manteve-se entre os grandes (ele próprio é uma grande personalidade), mas na forma de serviço de apoio. Estamos pensando em no próximo mês de fevereiro fazer um lançamento festivo do livro da padre Isaias Nascimento. O evento pode ser parte das festividades do centenário do DOM e o início de ações comemorativas do centenário do nascimento de Dom José Távora, o bispo do MEB e dos operários.

terça-feira, janeiro 13, 2009

Lvros de Lucilo e Olímpio

A semana terminou com uma pequena confraternização que os sócios do Instituto Histórico de Olinda realizamos em um dos espaços do Hotel Samburá, uma vista privilegiada da orla marítima olindense. Um agradável encontro com colegas bem mais vividos, como o Djalma Paes, o Olímpio Bonald Neto, e gente mais jovem, como Lana, André, George, Maria Lana e Elaine.

O Instituto Histórico de Olinda tem mais que cinqüenta anos e é formado, em sua maior parte, por jornalista que escreveram e escrevem sobre a história de Olinda. Poucos são historiadores de profissão e formação, entretanto todos cultivam um respeito e uma veneração pelos fatos, pelos feitos, pela formação olindense. Escritores de histórias e sobre a história de Olinda, são literatos e, por isso, a confraternização também ocorreu simultânea à da Academia Olindense de Letras. Livros passavam de mão em mão, presentes eram trocados e alguns foram sorteados. Recebi dois. Um deles de Lucilo Varejão Neto, colega da Universidade Federal de Pernambuco, ele no Departamento de Letras, professor adjunto de Língua Francesa. Presidente do Conselho de Preservação dos Sítios Históricos de Olinda, gentilmente fez-me proprietário de um exemplar do seu “Escritos e Escritores”, uma coletâneas de alguns de seus artigos e palestras, alguns deles já publicados anteriormente. Dos dezesseis textos, três interessam aos estudantes de História. O primeiro, acerca da condição pós-moderna é uma inteligente e agradável resenha, ao mesmo tempo em que é uma leitura crítica do livro "A Condição Pós-Moderna" de Jean-François Lyotard. Outro texxto que será de interesse do estudante de história é o que é dedicado ao historiador Vanildo Bezerra Cavalcante. Como os demais textos: enxuto e claro, Lucilo Varejão Neto nos permite uma aproximação concisa da biografia do autor de "Olinda do Salvador do mundo" e "Recife do Corpo Santo", ao tempo em que apresenta comentários de outros autores sobre a obra e a personalidade de Vanildo Bezerra Cavalcante. O terceiro texto que chama a atenção do estudante de história é a resenha que faz do Dictionaire Portugais-Français de manifestations Folkloriques du Pernambouc, feito pela doutora Yaracilda Farias Coimet, professora do Departamento de Letras da UFPE. Dois outros textos chamam atenção especial: o Pleonasmo e Literatura e Por que Ler?

O segundo livro é de autoria de Olimpio Bonald Neto, "Tango-Reggae y otros cuentos", publicado em Buenos Aires. Uma seleta da criatividade de Olímpio e de seu constante refletir sobre a sua Olinda, a quem ama, pinta fotografa e recria.

quarta-feira, janeiro 07, 2009

Os Sertões do São Francisco, a Progresso e a ANTT

Ao final de cada ano somos, de certa maneira, bombardeados com informações sobre o transporte de passageiros que estão indo para as suas férias nas diversas regiões do Brasil. Vez por outra somos informados da existência de um inominável caos nos transportes aéreos. Essa é uma preocupação tão grande que, em determinadas circunstâncias, o próprio presidente da República intervém, chegando a substituir o ministro da defesa.Uma verdadeira comoção pública, ver aquelas famílias, acompanhadas de suas malas cheias de presentes, ou simplesmente de roupas recentemente compradas para a viagem de férias em alguma praia brasileira, mas que bem pode ter sido programada para algum ponto no hemisfério norte do planeta. Pois bem, quando acontece esse sufoco para quem pode pagar uma viagem de avião, alugar quarto de hotel, com mais de duas estrelas, nós vemos como o nosso Estado se preocupa com esses cidadãos. Então ficamos orgulhosos pelas iniciativas que eles tomam, e quase não notamos que são as mesmas que tomaram no ano anterior. E existe até uma Agência Nacional Viação Aérea para exigir que os horários sejam cumpridos. Até mesmo se pensou em colocar, em cada aeroporto um Tribunal de Pequenas Causas! Isso é que providência para garantir o direito dos viajantes aéreos.

O mesmo se diga a respeito do cuidado com os carros nas rodovias do Brasil. A cada ano a Polícia Rodoviária se mobiliza para educar os ineducáveis motoristas que saem com suas famílias, especialmente as da capital paulista, em direção das praias, ou dos cariocas que se “mandam”, a alta velocidade, para a Região dos Lagos. Pelo menos é isso que vemos, a cada ano, no noticiário. Férias, Viagens, Rodovias lotadas de carros lotados e a polícia tentando educar os ineducáveis senhores proprietários de automóveis que não entenderam ainda a razão de terem construído essas máquinas. Os herdeiros de Henry Ford, no Brasil, julgam que o que compram nas concessionárias é o direito de passar por cima de quem não pode comprar um carro, ou um carro mais potente. Isso deve estar relacionado com o número de cavalos-força ou a força do cavalo. Bem, mas, de alguma maneira o Estado está lá, protegendo e ensinando que faixa de acostamento não é faixa de rolamento, que velocidade máxima não significa velocidade obrigatória, etc.

Mas o que acontece nas estações rodoviárias? Será que lá encontramos o Estado, será que encontramos nas rodoviárias algum sinal da Agência Nacional de Transportes Terrestres? Bom, aí parece que é exigir demais daqueles que gerenciam o Brasil, querer que eles também se preocupem com essas pessoas que não construíram patrimônio para comprar um automóvel! Por que fazem questão de viajar para regiões que não têm aeroporto? Ocorre que saindo do Recife, se alguém quiser viajar até o sertão do São Francisco, há a possibilidade de uma viagem aérea, especialmente se se vai até Petrolina. Mas o que ocorre para quem deseja ir até Itacuruba, Floresta, Ibimirim, Jatobá e outras cidades? Para esses está reservado o monopólio da empresa ou Expresso Progresso. Deve ser por isso que o progresso demora tanto a chegar à região. Poucos ônibus, pouco conforto, muito atraso. São tantos os atrasos que as pessoas não entendem que um ônibus que deveria sair da Terminal Rodoviário Antonio Farias às 22 horas, se ele sair às 22:o5 já está atrasado. E não se pode reclamar, pois a reclamação é feita à empresa que diz que irá tomar providências. A impressão que se tem é que eles tomam a providência de sair com mais atraso. Foi o que ocorreu com o ônibus que deveria sair do Recife às 22 horas do dia 5 de janeiro, mas só saiu às 23 horas. Isso depois que foram feitas cinco ligações reclamando. Em uma das vezes, o funcionário disse que “estava se fazendo possível para oferecer o maior conforto aos passageiros”. O ônibus que saiu do Recife teve que ser trocado por outro em Caruaru, noventa minutos depois. E a quem reclamar se não há um guichê da ANTT no Terminal Rodoviário?

Claro que as sessenta pessoas esperaram em silêncio a chegada dos ônibus! Todos estavam convictos que não adianta reclamar. Uma das passageiras, que pertence ao quadro de funcionários do Estado, disse que já telefonara muitas vezes para a empresa, uma vez que ela faz a viagem a cada semana. Também já ouvi isso de vários professores que, procuram trazer alguma colaboração à região. Mas os da região ficam acuados. Eles são pobres, não podem brigar com os ricos – esses possuem seus próprios automóveis e não utilizam os ônibus -. Afinal os ricos sempre viram prefeitos e quem pode viver sem essas famílias que governam a região por centúrias, quase? Essas famílias poderosas, das quais lemos nos jornais, vemos nas televisões seus sobrenomes, bem que poderiam, seja como moradores do local, seja como detentores dos votos locais, seja como possuidores das terras, fazer algo para melhorar a condição de transporte dos que precisam utilizar a Empresa Progresso. Isso pode ser feito de maneira democrática, acionando os mecanismos legais, mas pode ser realizado da forma tradicional, aquela da beira da piscina, ou do cochicho na próxima viagem de avião com o governador. Ela vai dizer ao Secretário de Turismo: “Há que se melhorar o serviço de transporte de passageiros para o Sertão para que as pessoas se interessem em 'ver Pernambuco'”.

sábado, janeiro 03, 2009

Festas de Ano Novo

Pois se hoje é quase o quarto dia do ano, sei que neste momento está começando o Coco de Umbigada no Bairro de Guadalupe, aqui em Olinda. Nesta noite, um motivo especial: um ato de desagravo contra a violência sofrida por Beth de Oxum, no mês passado.

O Coco é uma dança tradicional das camadas pobres do Nordeste do Brasil, uma dança mestiça, nascida, como a maior parte das danças culturais, nos rituais do trabalho. Interessante é que esta dança veio a nascer no meio do trabalho escravo, mas também tem ligações com ex-escravos que viviam nos quilombos. Já é tempo de sabermos que os negros aquilombados não eram escravos, eram livres, embora esses negros livres tivessem escravos entre eles. Mas isso são as contradições na História em sua confecção. Mas a dança do Coco era perseguida pelas polícias, que estão a serviço de alguém ou de alguns, por sua origem, por não fazer parte do cânone oficial da civilização. Agora que já estamos nos aceitando como povo mestiço, o Coco vem sendo reconhecido como parte de nossa formação. Afinal não somos apenas descendentes da Europa cristã (católica ou protestante), e os negros não foram criados por Deus ou Oxalá apenas para servir de trabalhador sem direito a recriar o mundo enquanto dança e canta. Axé!!! Aleluia !!!

Bem, um dos assuntos que a imprensa quis colocar na ordem do dia, mas os nossos políticos evitaram falar, foi o aniversário da Revolução Cubana. Fez cinqüenta anos que se deu por terminada a fase de Cuba ser a zona de meretrício de parte da sociedade estadunidense. Não sei bem as razões que fizeram políticos que foram apoiados, protegidos, financiados pelo governo de Fidel Castro, ficarem em silêncio. Deve ter sido a influência dos fogos de artifícios! Talvez lembraram-se de que Fulgêncio Batista tomou o avião no momento dos fogos de artifícios. Mas parece estranho que os jornalistas não conseguiram, ao menos aqui na “província de Pernambuco”, fazerem políticos dizerem algumas palavras sobre Cuba. Ora, o que aconteceu na noite de 31 de dezembro de 1958 e 1º de janeiro de 1959 foi de uma transcendência que ultrapassou os limites físicos da geografia e os limites do tempo, da imaginação, dos desejos. A América Latina mudou com a Revolução Cubana; a política estadunidense mudou com a Revolução Cubana; a política internacional mudou com a Revolução Cubana. É por isso que ficamos sem entender a razão de tantas celebrações a respeito de 1968 e 1989 e tão poucas menções a 1959. Será que é que em 1968 e 1989 ocorreram eventos europeus, algo em um mundo civilizado, e em 1959 ocorreu alguma coisa sem importância, pois essa ocorrência foi na América Latina? Ou será que tudo se refere à necessidade de não estragar o vinho de champagne – para os ricos, revolucionários, contra revolucionários, ex-revolucionários, – ou o bom espumante nacional não francês? Seja o que for, é necessário entender que o ocorreu na Ilha foi mais importante do que a contratação de Ronaldo para jogar no Corintians, time do Grande Guia. Pois é, quase sempre algumas convicções são tão belas quanto a explosão de fogos em noites de festas. Recentemente ocorreu um festival que unia Cuba e Pernambuco que pretendeu mostrar o quanto esses povos possuem tradições comuns. Beth de Oxum este em Cuba ensinando o Coco de Umbigada. Até se diz que somos PERNANCUBANOS.

O Ano de 2009 tem início com o Estado de Israel celebrando a Guerra de 1967; a África continua com seus ditadores gordos e seu povo famélico de alimentos e, como parece haver objetivos maiores, os meios de comunicação – rádio, jornais e televisões – com o apoio das muitas secretarias de turismos e culturas, já começam a anunciar que todos nós gostamos de carnaval e que ele se confunde com a nossa cultura e nós com ele.

Vamos consumir, vamos nos consumir, vamos consumir as bolsas enquanto as bolsas nos consomem.

Feliz ano novo!