sábado, setembro 06, 2008

WALDICK e FERNANDO: Artistas brasileiros

No quarto dia de setembro, como todos os dias de todos os ano, ocorreram mortes. Entretanto, duas mortes chamaram atenção. Logo cedo na madrugada ocorreu o passamento do cantor Waldick Soriano e, no começo da manhã recebemos a notícia da morte do ator Fernando Torres. Duas artes foram tocadas pela bruxa, e ela ganhou um cantor do povão e um ator mais conhecido da classe média.

Sei que está um pouco fora de moda usar expressões como essa – "classe social" – mas é que ela, além dos preconceitos e das semânticas, ela define melhor a sociedade quando a olhamos com o objetivo de fazer alguma análise para melhor conhecêla. Aliás, parece ser preconceituoso achar que não há classe social na sociedade em que existem classes e, consequentemente interesses conflitantes. Fico pensando na alegria do papa Leão XIII que era contra essa análise de sociedade baseada em classes com interesses que se contrapõem e estão em luta.

Mas voltemos a nos ocupar desses dois homens octogenários, Waldick Soriano e Fernando Torres; cada um foi, ao seu modo, retrato de uma parte da sociedade e, ao mesmo tempo, toda a sociedade viu-se neles e nas suas obras. Um era nordestino e foi mais ouvido pelas suas canções, nas emissoras de rádios e em apresentações nas mais diferentes cidades, desde o início da década de sessenta; ou outro, sudestino, foi primeiramente visto nos teatros do Rio de Janeiro, só mais tarde sendo conhcido pela população que possuía televisão após os anos setenta quando foi montada uma rede de televisão mais nacional, em extensão, que certas instituições nacionais. O primeiro mal concluiu cinco anos de escolaridade, e tornou-se escritor e autor de poesias que são repetidas por muitos, o outro, estudou até ser médico formado, mas se tornou um dos maiores atores do Brasil. Ambos amados e reverenciados pelos meios de comunicação social.


Chama atenção, nesses dois personagens da nossa cultura, o fato de que suas habilidades artísticas provocaram emoções e, enquanto o modo de apresentação das emoções em um, era considerado inferior, noutro, o seu modo de representação era motivo de orgulho, satisfação. As emoções são dos seres humanos que a vivenciam desde o lugar onde se encontram histórica e socialmente e lá fazem a sua história. Os diamantes são diamantes, ainda quando brutos, as emoções são emoções, ainda quando representadas cruamente.

Waldick, filho de uma família que o abandonou, criado no interior da Bahia, foi lavrador, garimpeiro, tropeiro, viveu as mais fortes emoções em sua juventude. E aprendeu a fazer canção das dores, suas e de seus companheiros. O primeiro sucesso foi na voz de Silvinho: Tu és o Maior amor da Minha Vida. Mas lembro que naquele período, o hoje bairro Nova Descoberta, cantava sempre Pobre do Pobre , que relatava o sofrimento de um homem que via seu amor ir ao altar com outro , um a quem ela não amava, porque, dizia ele "não tive o dinheiro para comprar a felicidade". Era o mesmo drama que fazia a classe média chorar, na mesma época, na voz de Antonio Prieto em La Novia, música tema do filme A Noiva, fenômeno de bilheteria em todas as classes sociais. Mas, se era chic chorar a dor de cotovelo de um espanhol, já era cafona a mesma dor vinda na voz e no jeito do povo brasileiro, em um bolerão ou mesmo samba canção. Outro grande sucesso de Waldick foi o pedido para que um amigo levasse uma Carta, para dizer A Paixão de Uma Homem e dizer "para aquela ingrata como está meu coração". Mais tarde veio o desabafo, cantado por todos, às claras ou na bebedeira envergonhada, dizendo que Eu não sou cachorro não. Era um desabafo para uma mulher, mas que foi assumido, mal assumido, como uma crítica social. Assim a Ditadura entendeu quando ele quis cantar Tortura de Amor, proibida numa época em que se torturava fisicamente alguns dos sonhadores brasileiros. Ainda hoje muita gente canta essa canção (hoje que a noite está calma, e mina alma esperava por ti....) sem saber que ela tem origem nos sentimentos de um ex-garimpeiro.

A propósito, José Sarney, conselheiro do atual presidente do Brasil, à época um dos premiados e responsáveis pelo sucesso da ditadura, recentemente negou que houvesse trtura no regime militar. Os tempos mudam e, para não poucos. Waldick Soriano vem se tornando um retrato de um Brasil, pouco glamoroso, mas carregado de emoções insatisfeitas, como muitas das necessidades básicas.

Em verdade. É apenas quando as necessidades básicas estão satisfeitas que os grupos e indivíduos humanos têm tempo para refletir melhor sobre as suas ações e sofisticar as maneiras de apresentar a beleza dos sentimentos de formas mais belas. Isso foi possível para o ator Fernando Torres que já chegou ao conhecimento dos telespectadores em sua maturidade de ator, depois de vários anos de teatro. Essa foi uma das vantagens da televisão, trazer para mais próximo atores como Fernando, sua mulher Fernanda Montenegro e sua filha Fernanda Torres. Personagens vividos nas novelas Dez vidas, Baila comigo e Laços de Famílias encantaram muitos que não podiam, nem podem ainda, ira aos teatros.

A morte desses dois artistas abre espaços para novos tradutores de sentimentos, embora, cada um a seu modo, tenha, criado formas próprias de tradução e comunicação com o seu povo, o povo brasileiro

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