segunda-feira, setembro 08, 2008

Pelópidas, o Prefeito do Recife

Pelópidas Silveira que morreu aos 93 anos de idade neste final de semana, foi prefeito da cidade do Recife logo após o término da ditadura denominada Estado Novo, foi o primeiro prefeito do Recife eleito após aquela ditadura e, foi o último prefeito da capital pernambucana antes da ditadura iniciada em 1964. A sua vida política, como militante, ocorreu ao longo da construção democrática, depois foi preso, teve seus direitos políticos cassados e, talvez desalentado, passou a ser um permanente conselheiro aos novos que se dispuseram a continuar parte de seu ideário. Entrementes, Pelópidas tem uma obra como professor na Universidade Federal de Pernambuco.

Quando minha família migrou da margem do Rio Capibaribe, em Carpina, para estabelecer-se em Nova Descoberta, antigo Beco da Tamancaria, aquela rua ainda não era calçada, mas o percurso que sai da Avenida Norte até a igreja Matriz de Nossa Senhora de Lourdes, foi calçada por Pelópidas. A parte da rua onde está a minha casa teve que esperar um pouco mais e foi obra da administração Augusto Lucena. Mas o tempo e os estudos me levaram a conhecer Pelópidas através dos estudos e pesquisas.

Durante algum tempo fui estagiário no Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano e, enquanto limpava e organizava documentos do governo do Estado, tomei algumas notas e transcrevei alguns documentos que interessavam à minha pesquisa sobre a arquidiocese de Olinda e Recife. Como católico, em meu tempo de infância ouvi falar de maneira pouco favorável a respeito de Pelópidas, especialmente um dos vigários de Nova Descoberta. Talvez eu quisesse compreender porque. Alguns dos documentos que copiei comentavam a eleição de Cid Sampaio que tinha, como companheiro de chapa, Pelópidas Silveira. Comecei a copiar o que podia e, algum tempo depois, dediquei-me a ler e refletir o que havia em minhas mãos. As reflexões levaram-me a entender que Pelópidas, quando foi prefeito na segunda metade da década de quarenta, estabeleceu a prática de garantir a venda de pescado para que a população católica pudesse cumprir suas práticas religiosas; verifiquei que ele estabeleceu a semana inglesa, realizando, de certa maneira, os anseios do Arcebispo Dom Miguel Valverde, para que fosse guardado o domingo como Dia do Senhor. Depois aprendi que a prefeitura do Recife, sob a administração de Pelópidas, concedeu um terreno, no bairro da Várzea, para que fosse construído o Seminário Menor Nossa Senhora da Conceição, local de início de preparação para a formação de sacerdotes. Mas, Dom Antonio de Almeida Moraes Junior não admitia que o Recife fosse administrado por uma coligação política formada por socialistas e comunistas e passou a fazer campanha contra a Frente, acusando Pelopidas de Comunista.

Pelópidas, organizador do Partido Socialista, foi um dos líderes dessas Frentes do Recife. Escolhido pelos alunos para ser o Paraninfo de uma das turmas do Colégio Arquidiocesano, estabelecido onde hoje estão prédios da UNICAP, ele foi notificado que não era uma pessoa bem vinda ao estabelecimento de ensino. Um dos diretores do Arquidiocesano era o padre Miguel Cavalcanti, aquele que veio a ser vigário na paróquia de Nova Descoberta e com quem mantive boa convivência até sua morte. O reacionarismo de Dom Antonio não o permitia enxergar as boas novidades, ele preferia evitar qualquer mudança que pusesse em risco a sua tradição mineira que ele confundia com a tradição da Igreja. Tal não acontecia com jovens intelectuais católicos que publicaram nota de apoio a Pelópidas.

Aquelas notas tornaram-se base para o meu doutorado e livro Entre o Tibre e o Capibaribe: limites da igreja progressista na arquidiocese de Olinda e Recife. O Dr. João Asfora, confrade no Instituto Histórico de Olinda, levou o livro a Pelópidas que, após o ler, quis conversar comigo. Asfora deu-me o número telefônico da residência do prefeito e conversamos por telefone. Comentou positivamente o livro, perguntou-me se haveria continuação de modo a debater, também, o pastoreio conservador do atual arcebispo. Não pudemos nos ver pessoalmente, conforme decidimos naquela conversa telefônica.

Comento aqui a emoção de ter conversado com alguém de minha admiração desde a minha infância e dele, que foi sujeito de tamanha importância para Pernambuco, conselheiro de tantos e ilustres personagens, ter gasto tempo para ler meus escritos e ainda dizer que foi dos melhores que ele havia lido recentemente.

A primeira obra sobre a primeira Frente do Recife parece ter sido escrita para ressaltar a necessidade de uma nova frente após a Ditadura, e em torno de Miguel Arraes. Assim, outras figuras foram postas em situação secundária. Novas leituras desses momentos históricos serão feitas e as contribuições mais permanentes e menos eleitorais aparecerão. Então veremos mais explicitado o papel de Pelópidas Silveira, guardião do pensamento livre.

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