sábado, setembro 27, 2008

Óbulo da viúva indeniza príncipes

Meus heróis morreram de overdose

Construída em uma poesia em que canta o seu retorno ao Brasil e celebra a Assembléia Nacional Constituinte, nesta frase Cazuza diz suas perplexidade em ver que pessoas de sua admiração estavam se acomodando no muro, nos centros e nos esquecimentos dos compromissos tomados nos dias de luta. “Meus heróis morreram de overdose”, uma overdose da materialidade que desmantelava, que dissolvolvia os ideais. O projeto que se havia proposto realizar estava sendo mercadejado, trocado por algumas moedas ou espaços por onde caminham os sons que alcançam nossos rádios e televisores. Foi muito difícil aceitar que os ideais fossem sendo transformados em mercadoria, como sói acontecer com tantos valores que se liquidificam diante nossos olhos. Tão difícil foi, que partido houve que expulsou alguns dos seus fundadores por terem eles aceitado assinar a carta constitucional. Mas o poder de corroer, de corromper que o tempo e o dinheiro possuem é quase sem medida, ou incomensurável, para citar uma palavra bem ao gosto de um que se elegeu "sem ódio e sem medo".

Entretanto, um filósofo antigo, fora de moda, escreveu que tudo que é sólido desmancha no ar. São frase que aprendemos, muitos repetem e nem mesmo se dão conta do significado, ainda que passem a maior parte dos seus dias repetindo-as, como as jaculatórias monásticas.

Mas tem outras frases como “onde está teu tesouro aí estará o teu coração”. Esta é uma dessas que aprendemos na infância e nem mesmo sabemos quem nos disse primeiro, se algum parente mais antigo – avó, avô, pai, mãe, tio, tia – ou o orientador espiritual da família, um padre ou pastor. Como disse e ensina Eduardo Hoornaert, o processo de evangelização na parte americana do Império Português, com poucos padres, foi feito mesmo pelos leigos, ou seja, avô, avó, mãe, pai, tia, tio, fossem eles escravos ou fossem eles senhores. Contavam essa frase que ouviram de algum padre que lera a Bíblia, e queria nos ensinar que o coração do justo procura sempre a Deus e o coração do idolatra está sempre próximo a alguma botija, banco, ou o que sirva para guardar ouro, dependendo do tempo histórico. Quase sempre, essa lição vinha acompanhada de uma outra frase: que se deve "buscar as riquezas que a cobiça e a ferrugem não corrompem". E as frase vinham acompanhadas de exemplos de homens, mulheres, jovens e até crianças que morriam por amor de Deus e não buscavam recompensa nem compensação nesta terra. Os que fazem o que fazem por amor de Deus já carregam consigo a recompensa. Assim, eu e muitos outros aprendemos e dar mais valor àquilo que não há dinheiro que pague, coisas como honra, ideal e outras quizilas que aprendemos a amar. Aliás, essa é outra frase que os pobres repetem muito – "não há dinheiro que pague" – quando comentam suas perdas espirituais. Imateriais, se diz hoje.

No século IV, em meio a tanta perseguição no Império Romano, com tantos relapsos que cederam aos encantos de baal e deixaram, parte de seus corações, próximo a algum posto no sistema, os concílios admitiram que se todos morressem por amor ao ideal não haveria como continuar o ideal. Pensamento pragmático. Como dizia o título de um filme americano estrelado por Rock Hudson, Elizabeth Taylor e James Dean – ultima participação de James Dean – Assim Caminha a humanidade.

Trocar os ideais por trinta moedas: assim fez Judas, ensinaram-nos os padres, ao sentir-se traído em seus projetos. Disseram que Judas não entendeu o que é a economia da salvação, essa sotereologia que nos garante a parusia, embora estivesse a serviço dela e dela fizesse parte. Se Judas era um caso perdido, por outro lado sempre existiram os Estevãos, as Cecílias, as Catarinas, os Franciscos, os Antonios Conselheiros. Esses depositaram suas graças no grande banco das indulgências.

Mas estamos em outros tempos e podemos, não perguntar, mas talvez sofismar, também. A questão é: Agora, depois que se lutou tanto, por amor ao povo e por a Deus, como dizia o Frei Tito, torturado até à morte, temos o direito de ficarmos surpresos com uma ação perpetrada contra o Estado brasileiro por um eminente Príncipe da Igreja, em busca de indenização por caausa de seus sofrimentos em celas da ditadura da ditadura militar. Estará ele trocando a glória de ser "confessor da fé" “por um punhado de dólares”?

Penso que essa se deve à senilidade desse homem que sempre esteve com o coração para o alto, como o seu nariz; talvez se deva a algum parente que deseje receber algo do povo. Não creio que essa excelência eclesiástica tenha esquecido que o Estado não existe por si e que a indenização será tirada dos impostos, pagos pelo povo que ele pretendeu tirar da exploração do faraó e levá-lo à Terra Prometida. Que os fariseus assim façam, que os fariseus esqueçam que o povo não os chamou para lutar por ele; o povo não organizou exércitos. Na verdade, em grande parte, o povo foi convocado pelos generais que hoje recebem estipêndios tirados dos cofre públicos, a gente pode até entender, mas se é para se comportar como os fariseus, qual é o sentido de tantas palavras e tantas alabações ao Deus dos Pobres?

Se se lutava contra os que explorava o povo de Javé, qual uma solitária no organismo da sociedade, a produção dos povos, como se pedir, agora, pedaços do óbulo da viúva?

É Overdose!

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