domingo, março 30, 2008

João Francisco de Souza - meu professor informal

Tão logo cheguei a Salvador recebi a lamentável notícia da norte de João Francisco de Souza, em Abrantes, município de Camaçari, na Bahia. Minha passagem por Salvador estava ligada à defesa da dissertação de mestrado de minha filha Ana Valéria, na Universidade Federal da Bahia. João Francisco estava em Camaçari para inaugurar um curso de Formação de Professores. Formar educadores, o grande objetivo de sua vida. Os motivos de alegria e tristeza se confundiram na paisagem baiana, como parte que da vida. Em um assalto, morreu vítima da violência um educador.

Conheci João Francisco ainda na minha adolescência, na segunda metade dos anos sessenta do século passado. João estava envolvido na organização do Encontro de Irmãos, um programa de evangelização da arquidiocese de Olinda e Recifem sob a liderança de Dom Hélder Câmara. João Francisco era um dos coordenadores daquelas Comunidades Eclesiais de Base, sistematizando as discussões e produzindo material que era utilizado nos grupos espalhados por toda arquidiocese. Especilamente nas áreas periféricas, pois as áreas centrais e engordadas com as riquezas carecem de sensibilidade para a Boa Nova.

Simultaneamente eu começava a organização de grupos de jovens na comunidade de Nova Descoberta, jovens ligados à Igreja Católica. Nas minhas andanças pelos bairros, visitando e conhecendo os grupos, pude sentir como João era querido por todos. O tempo passou e João Francisco iniciou a sua carreira acadêmica no Centro de Educação da UFPE. Seguidor de Paulo Freire, cujas diretrizes estavam tão presentes nas reuniões do Encontro de Irmãos e nas suas aulas, João foi chamado a participar na renovação educacional das escolas da Prefeitura da Cidade do Recife. Uma de suas maiores colaborações foi, acredito, o Projeto Teimosinho, para a Educação de Jovens e Adultos, quando ainda ele atuava como presidente da Fundação Educar, antigo Mobral, que se tornou depois a Diretoria de Educação de Jovens e Adultos da Secretaria de Educação do Recife, onde eu o substitui.

A ação de João Francisco ultrapassava os limites de sua cidade, vindo a se tornar Secretário de Educação de Jaboatão dos Guararapes, ao mesmo tempo em que assessorava os projetos de Educação de Adultos em vários países da América Latina e Caribe.

A educação, formal ou não formal, deve levar à libertação do educador e do educando. As estruturas de dominação e escravização dos homens e mulheres, sempre dispostas a impedir as possibilidades de realização dos anseios de liberdade, perseguem e procuram destruir aqueles que sonham e agem na direção da liberdade. No ano de 1973, no auge da ditadura militar, quando o ditador de plantão pugnava para acabar todas as resistências contra a desordem legal implantada desde 1964, João Francisco foi preso, tirado de sua casa, sob olhar atônito de sua esposa, Inês. Não foi ele o único a ser preso naquele difícil momento de nossa história, especialmente aqui no Recife. Impossibilitados de atingir diretamente a Dom Hélder Câmara, os ditadores e seus sequazes passaram a atacar os colaboradores do Arcebispo de Olinda e Recife, o DOM. Mas as igrejas lotaram em vigílias de oração por ele e por outro Francisco, o José, da ACO.

João Francisco de Souza, que sorria e abraçava com afetuosidade, gerou espaços de libertação para educandos e educadores que com ele puderam comunicar-se. Sua vida, com todas as contradições humanas foi, em sua maior parte, um hino à liberdade e à felicidade. Obrigado.

quarta-feira, março 26, 2008

Primeiro Quilombo Urbano do Brasil continua a Resistência

No final do ano passado, a Prefeitura de Olinda anunciou a existência de um Quilombo urbano em seu território. No dia 30 de dezembro escrevi um comentário sobre esse assunto, aqui. Terminei texto dessa maneira: O primeiro Quilombo Urbano do Brasil é uma afirmação do povo brasileiro. Um povo que agrega, na bela tradição ibérica, uma tradição mais includente que excludente. Como todas as tradições, ela é gerada na dor, mas dores geradoras de novas maneiras de viver.

Para mim foi interessante assistir o ato oficial, na mesma casa onde dona Biu – Severina Paraíso, desde a década de cinqüenta do século passado estabeleceu seu povo, um povo que cultiva uma tradição ancestral, vinda Niger, dos Camerons, lá no coração da África. Foi ressaltado nos discursos, que, em torno daquela família, ali, onde havia uma fábrica de gelo, foi sendo organizada uma sociedade, uma povoação, hoje parte do bairro de São Benedito. Da mesma forma que os mais antigos africanos que foram trazidos pela necessidade de braços para o plantio da cana e produção do açúcar, e, por seu saberes e por seus suores se tornaram parte constituinte do Brasil, sendo portando seu povo, a Casa da Nação Xambá, construída nas areias do rio Beberibe, parte do reino de Oyá, foi geradora daquele bairro, conforme a pesquisa da historiadora Valéria Costa. A fábrica de Gelo já não existe, poucas pessoas ainda sabem que existe um lugar de Olinda chamado Portão do Gelo, mas lá está viva a obra e a Nação Xámbá, reconhecida como patrimônio da cidade que é Patrimônio Cultural e Natural da Humanidade, definida assim pela UNESCO. Todos sabem da “Casa de Dona Biu”

Mas, nem passados seis meses do reconhecimento da importância cultural da Organização Religiosa Santa Bárbara – Nação Xambá, ouve-se o barulho de que, naquele espaço, a Prefeitura de Olinda pretende construir um terminal rodoviário. Ótimo que a Prefeitura tome iniciativas que melhorem as condições de transporte urbano a que está sendo submetida a comunidade de São Benedito e outros bairros da cidade, mas isso deve ser feito sem por em risco o patrimônio cultural que foi reconhecido pela edilidade. Com certeza o Conselho de Preservação dos Sítios Históricos da Cidade de Olinda ainda não soube dessa proposta que pode destruir a tradição que se quis salvar ao definir aquela região como Primeiro Quilombo Urbano do País. Mesmo os que não sabiam da existência desse local de resistência cultural, devem sentir-se obrigado a dizer à Prefeitura da Cidade que há outros lugares para se construir um terminal rodoviário. Aliás, parece que se falava de um espaço que localizado próximo à antiga fábrica da cerveja antártica. Pode ser que ali sim, seja “uma boa” construir o terminal rodoviário. Caso se mantenha a idéia de utilizar o espaço quase frontal ao Terreiro da Nação Xambá, estará sendo consumada uma outra forma de destruição, mais branda, embora bem mais destrutiva. Faz lembrar o verso do poeta que dizer ser o que abraça o mesmo que maltrata.

Parece-me evidente que a atual administração da cidade de Olinda não está pretendendo assemelhar-se ao período do famigerado Estado Novo, destruidor de uma de nossas mais populares tradições. Talvez, melhor benefício para si e para a cidade, seria a prefeitura complementar o que foi iniciado pelo Conselho de Preservação dos Sítios Históricos, e desapropriar, ou conseguir um comodato, o prédio da antiga CELPE e permitir que ali se organize um centro cultural, com biblioteca, sala de jogos, sala de teatro, local de conferências, etc. celebrando convênio com a comunidade local e as secretarias de Educação, Cultura e Turismo.

domingo, março 23, 2008

Reflexão em um domingo chuvoso - Feliz Páscoa

Famílias de tradição católica encontram-se na sexta feira santa para um pequeno almoço. Ocorre um pouco antes da cerimônia das três horas, quando se dá a adoração da cruz, uma vez que naquele dia não ocorre a celebração da missa. Como sempre nossa família reuniu-se no que foi possível, na casa de mamãe, com a ausência de um irmão que está no Rio de Janeiro e uma irmã que acompanha o marido em sua atividade comercial na cidade de Gravatá. Estávamos os demais, como filhos e netos na casa construída por meu pai nos idos de 1954.

Como sempre a comida era toda no coco: o feijão, o arroz, os peixes, o bredo. E então veio a chuva, forte e, rapidamente tomou conta da rua, que foi transformada em um rio. As águas foram invadindo os espaços e finalmente tomou toda a casa. As crianças mais jovens, assustadas, foram postas sobre cadeiras. Os mais velhos cuidavam de colocar no alto o que não podia ser molhado. E continuar o almoço esperando a chuva passar, as águas diminuírem.

Lembro que sempre houve a transformação da rua em rio, em Nova Descoberta. Desde a sua construção, nossa casa subiu o piso seis vezes. Quando a casa foi construída, não havia calçamento, o que ocorreu na administração de Augusto Lucena. Mas, como ainda hoje se faz, pouco se pensou no escoamento das águas pluviais e, saneamento e rede esgoto, essas coisas, pelo que vejo, não passam muito pela imaginação dos administradores. Assim é que para conter a queda das casas que foram construídas nos morros, sem qualquer atenção e assistência dos poderes públicos, assistimos a impermeabilização do solo. As águas apenas passam e quase nada delas é assimilada pela terra. Onde nos anos sessenta havia uma mata de eucaliptos, hoje há uma aglomeração de casas construídas pela pertinácia e coragem dos homens e mulheres sem apoio. Após a construção, o governado Miguel Arraes fez a concessão dos títulos de propriedade. Mas esqueceu que deveria criar um posto de saúde, escolas, projetar a coleta de esgoto, etc. Organizou-se a situação de miséria, não a possibilidade de sua superação.

As águas que a cada chuva tornam a nossa rua em um rio correm na direção do extinto rio do Brejo, que desaguava no rio Passarinho que se dirigia para o rio Beberibe. Os rio viraram córregos ocupados que foram por pobres sem casa e por indústrias sem senso ecológico, sem sentido de irmandade com os seres vivos.
O processo de ocupação urbana da Zona Norte da cidade foi semelhante à ocupação de outras áreas mais antigas da cidade. Mas não precisava ser desse modo, uma vez que já havia conhecimento suficiente para criar condições de vida decentes para todos. Hoje Nova Descoberta é um Bairro, mas tem uma infra-estrutura de um aglomerado dos anos cinqüenta do século passado.

Bem, mas nós estávamos no almoço familiar da Sexta Feira Santa e nós tivemos a casa lavada duas vezes pela águas que vieram da rua; mas também tivemos a casa lavada pelo suor e pela alegria de todos o que nela estavam naquela Sexta Feira. O trabalho da família como que nos anunciava a alegria da Páscoa, da Ressurreição, que se faz em conjunto, em comunidade. As águas da Sexta Feira nos fizeram mais próximos, nos alegraram; não pelo incômodo de ter a casa atingida pela sujeira que a enchente traz da rua, mas por temos aproveitado a oportunidade de, mais uma vez, nos tornamos irmãos, primos, tios, netos. Todos com vassouras e rodos na mão, limpando a casa, nos tornando limpos e, sem maldizer o mal que nos afligia, cultivávamos o sentido de família. Todos estávamos cuidando da casa onde crescemos e nos tornamos o que somos, sob a influência de nossos pais. Além de nos alegrarmos com a comida e a bebida, nos alegramos no trabalho comum, na construção e recuperação de nossas vidas, de nossas amizades, de nossos amores. Estávamos vivendo a Páscoa.

Nesta manhã do Domingo de Páscoa, quando os cristãos celebram a vitória da vida contra a morte, fico pensando na necessidade de superar os aspectos negativos da vida, os sinais de morte, como dizia o nosso Dom Hélder Câmara. São sinais de morte essa concentração de riqueza cultivada por algumas famílias em detrimento da maioria dos habitantes; são sinais de morte, esse cultivo incessante de um consumo incessante; são sinais da morte essa ganância de poder que torna tantos mentirosos e cegos para os reais problemas. Com todos esses problemas, com todas as omissões nossas e dos que nos pediram permissão para administrar o país, e o fazem apenas para a manutenção da situação de pobreza para muitos e bem riqueza para poucos, desejo, a todos que freqüentam esse espaço, uma vida melhor e mais feliz. Feliz Páscoa

quinta-feira, março 20, 2008

UMA RUA INDUSTRIAL

O texto que segue foi publicado no jornal A PROVÍNCIA da cidade de Goiana,em Pernambuco.


Talvez seja o tempo apropriado para aprofundar as repercussões do carnaval que se realizou tomando como eixo a Avenida Nunes Machado. Isso está sendo realizado nas conversas que os goianenses estão mantendo entre si. As cidades são construídas no diálogo dos seus cidadãos, nas relações que eles mantêm enquanto trabalham e tornam materiais os seus sonhos. E por isso cada época constrói sua própria história, e uma cidade é formada por todas essas histórias que ela viveu.

Percorrendo a Avenida Nunes Machado nossos olhos encontram uma parte de Goiana que foi construída no final do século XIX parte do século XX. Toda essa artéria urbana é uma lembrança do momento em que Goiana viveu um surto industrial. Ali funcionava a Companhia Industrial Fiação e Tecidos de Goyana, com paredes e máquinas inauguradas em 1894. Aquela rua e suas transversais atestam a modernização das relações de trabalho e a presença objetiva da chamada Revolução Industrial às margens do rio, gerando novas moradias e novos hábitos. Vê-se que há casas de diversos tamanhos, denotando as diferenças sociais e funcionais de seus moradores. Talvez alguns moradores daquelas não tenham se apercebido que eles estão continuando uma parte da história goianense: o momento de modernização, do estabelecimento de maquinarias modernas, não apenas nas usinas que substituíam os engenhos, mas maquinário que transformava o algodão em fio e tecidos para atender necessidades novas e maiores em Pernambuco e no Brasil. A Companhia Industrial Fiação e Tecidos de Goyana colocou a cidade como partícipe de um momento especial da economia pernambucana, dividindo com outras cidades a responsabilidade de, ao lado da cana de açúcar, apontar para uma outra possibilidade de riqueza para a região.

Da mesma forma que as igrejas e conventos são testemunhas de um passado mais antigo, a Avenida Nunes Machado é um testemunho da capacidade de seus habitantes em adaptar-se aos tempos industriais. É tempo de parar de pensar que só pode ser considerado históricos os tempos coloniais.

Bem que poderia haver um projeto para estudar aquela vizinhança da fábrica, verificar que prédios guardam as características daquele período, tombar alguns deles, para que fiquem como testemunha de uma época; assim estaríamos criando condições para se entender que Goiana tem história para além séculos XVI a XVIII. Essa visão romântica e ultrapassada de achar que a história de Goiana foi feita apenas nos engenhos e usinas de açúcar é uma negação aos tempos de homens empreendedores e modenizadores como Manuel Aurélio Tavares Gouveia, Joaquim Pereira Marques, José Ignácio da Cunha Rabelo, Manuel Antonio Pereira Borba. Agora que entramos no século XXI preocupados com a manutenção dos edifícios que guardam a memória dos tempos coloniais e imperiais, devemos nos preocupar em tornar viva a história dos goianenses que apontaram para a possibilidade de nossa Goiana ser uma cidade industrial. Foi o que aconteceu no alvorecer da República. As edificações da Avenida Nunes Machado são testemunhas do espírito inovador, progressista e industrioso de parte da nossa sociedade.

A história de Goiana é mais ampla do que indicam os prédios sagrados dos tempos coloniais. São históricos, também os prédios que foram construídos no século XIX, como as ruínas da edificação que acolheu o imperador Pedro II, os espaços dos escritórios da Companhia de Fiação e Tecidos, e mesmo a Vila Operária. Aliás, a Vila Operária é um sinal de que os criadores da Companhia Industrial de Fiação e Tecidos estavam pondo em prática as orientações contidas na carta encíclica Rerum Novarum, do papa Leão XIII, como também o faziam outros industriais católicos em Pernambuco. Na passagem do século XIX para o XX ocorreu um esforço de modernização industrial no Estado, utilizando principalmente o capital próprio, mas talvez se beneficiando da política do Encilhamento. Essas são questões que os professores de História, docentes de escolas secundárias e superiores de Goiana poderiam pesquisar com os seus alunos, de sorte a re-invertar a história de cidade e do município.

quarta-feira, março 19, 2008

Respeita os sofrimentos do teu povo!

Era uma vez, em um país de uma terra muito distante, que era tão longe que a gente nem é capaz de imaginar a distância. Um pequeno homem de bigode pequeno achava que ele sabia qual o caminho que todos deviam seguir para serem felizes. Ele jurava que jamais, antes dele, ninguém ousara pensar em fazer o povo tão feliz quanto ele era capaz de fazer. Esse home tinha um bigode aparado. E ele fez a econmia do seu país crescer e muitos ficaram felizes, até que um dia....

Noutra terra, tão longe que terminava ficando perto daquela que era longe, tinha esse outro homem que tinha um bigode e uma barba rala que nem sempre ele podia cuidar, tanto era o tempo que ele passava conversando e debatendo com o povo e os não povo. Para não ficar parecido com aquele homem daquela terra distante, ele começou a deixar a barba crescer. Assim ele podia lembrar o Jesus da Editora Paulinas, ou com Joaquim, o José da Silva Xavier, mas também podia ficar parecido com alguém que estava fora do sistema.

Esse homem, de barba assanhada e voz rouca, sempre achou que conversar era o melhor remédio para qualquer situação. Ele entendia que o grande problema é que os governantes jamais ouviam o que os outros membros da sociedade tinham para dizer. Negociação, debate, acordo, eram palavras que levariam, para ele, à construção da democracia. Ou seja, para ele a democracia, o debate democrático era o caminho, ainda que fosse mais demorado, mas o fim valeria à pena. Era no tempo em que a sua barba era revolta e preta. Depois ela foi ficando ruiva depois amarelecida e, finalmente branca. Aos poucos quem queria parecer José Joaquim Xavier, aquele que era da Silva, foi ficando parecido com Gepeto (aquele que prefere fazer uma criança de madeira) ou Nicolau (aquele que distribui presentes para os meninos bonzinhos e meninas boazinhas).

Depois de um tempo, esse tempo em que ele ficou dirigindo o que parece um circo, ele chegou à conclusão que não se pode governar esperando os “debates democráticos” do congresso, porque ninguém consegue governar sem decretos leis, agora renomeados de Medidas Previsórias, ou MP, como se diz nos restaurantes de Macombo.

Ainda que com barba branca, o seu discurso começa a ficar parecido com o moço do bigodinho preto aparado, aquele da terra distante que fica próximo da distante terra onde vive o homem das barbas brancas.

Bem que o povo de Cabrobó, Exu, Salgueiro, achou estranho aquele filho de Januário, e comentava:

Pois é, o Luiz “Nem parece aquele matuto que saiu daqui em 1930...(50) ‘amalero’, magro, buchudo, zambeta, feio c’a peste. Agora tá gordo, Bonito rosado. O nego enricou! Tá rico. Só anda com uma casimira lascada..”

Eita Luiz Gonzaga, o poeta profeta do Sertão.

Naquela música se pedia pra Luiz respeitar Januário. O velho pai que não foi buscar a riqueza no “sul maravilha”, mas ficou tocando o oito baixos, conversando para tirar música, sem sanfona de cento e vinte baixos, tantos desnecessários.

Bem que a gente, mesmo sem ser Januário, deveria receber mais respeito desse outro Luiz. Fico pensando no que diria a moça do parque de Niemeyer da Boa Viagem, né João!!!

sexta-feira, março 14, 2008

Tautologia e ensino

Os jornais deste dia informam que existem propostas de empregos bastante interessantes, uma diz que os valores a serem pagos chegam a dez mil reais e uma outra nos informa que o salário pode ficar em até quatrocentos e vinte reais. Como de praxe este último salário está reservado para professores. Mais interessante ainda é que as vagas oferecidas são para professores temporários. Não vou discutir a primeira oferta, pois ela se refere à ocupações a serviço do governo federal, necessitado de fiscais para o PAC. Mas sempre me chama atenção que no Estado de Pernambuco, que apresenta o pior desempenho educacional do Brasil, os governos continuem nessa política equivocada de não contratar profissionais a um valor decente pelo trabalho dos docentes. As vagas estão disponíveis porque os que fizeram concurso para o emprego provisório não aceitaram o salário oferecido. Já chamaram quase todos os concursados e não conseguem preencher as vagas. Não percebem que não é decente pedir a uma pessoa, que investiu quatro anos de estudos para diplomar-se, condenar-se a receber um salário mínimo, um salário que não se paga nem mesmo a coveiros. Decididamente os governos, de Pernambuco, pouco importa qual a orientação ideológica, continuam a apostar na política de impedir que os níveis educacionais ultrapassem os limites das primeiras décadas do século XX.

Mas, ontem, passei o dia com os mestres Griôs do Maracatu Estrela de Ouro de Aliança. Participei da acolhida a jovens do ensino médio de uma escola de Igarassu e, mais tarde, participei de uma oficina cultural na Escola Dom Bosco, pertencente à Rede Estadual de Ensino. Uma agradável experiência, ainda que no sol das três horas da tarde, em frente à escola, pois não há um espaço com cobertura que possa reunir os alunos para eventos desse tipo. Esta é a décima oficina que os Griôs estão realizando em escolas situadas no município de Aliança. A interação é grande e a apresentaçãoa deve ser fonte de assuntos para as aulas seguintes das diversas disciplinas.

Além da presença dos Griôs, a escola recebeu a visita de um casal de escoceses; ele professor de percussão, e veio estudar a sonoridade e o ritmo do Maracatu de Baque Solto, ela artista plástica. Aprendi que ele está em ano sabático, um período de seis meses em que fica liberado de sala de aula – mas recendo o salário - para que possa estudar, especializar-se e, então, renovado, retornar aos seus alunos com novas informações e conhecimentos. Essa prática de garantir um ano sabático ao professor, no Brasil ocorria para os professores de universidades. Entretanto, quando o Brasil foi governado pelo professor Fernando Henrique Cardoso, esse incentivo foi retirado, quando deveria ser acrescido aos professores de nível fundamental. Essas decisões políticas em não investir seriamente na educação, têm garantido o comprometimento do futuro das próximas gerações de brasileiros.

Entretanto, essas políticas garantem, também, que sempre haverá assuntos para os palanques populistas. Sempre haverá eleições e um povo que poderá ser manipulado por não ter indicações para superar o senso comum, aquele que vive da tautologia. Também garante empregos a pedagogos que vivem de assessorias a secretários de educação que julgam ser o seu papel garantir a alegria dos secretários de fazenda, sempre inovando para jamais mudar.

domingo, março 09, 2008

Sem se curvar aos "mitos"

As vezes é como se os temas e as palavras se afastassem da gente.Bem que queríamos escrever, pôr algo no papel, talvez alguma reflexão sobre o cotidiano. Mas tudo se parece muito grande e espesso para nossa aproximação. Contudo, a vida continua a nos dizer: é preciso pôr algo para fora, dizer em voz alta o medo que a realidade nos faz, como forma de preservarmo-nos dos fantasmas dela, um enigma a ser vencido, uma esfinge a ser derrotada. Leio e contemplo o passar dos anos, das pessoas e da percepção de seus e dos meus ideais.

Recebo uma correspondência que diz ter ocorrido a superação de um mito, a retirada da cena política de Fidel Castro. A saída da cena política sempre ocorre e é uma demanda histórica: quando o agente não percebe, é uma imposição biológica.

Fico sem saber se Fidel Castro é um mito. Na imprensa e na pressa, todos somos interessados a definir tudo rapidamente para termos a sensação de que o mundo é organizado e nessa organização nos sentirmos seguros. Em minha pequena vida vi nascerem e ocorrerem os mais diversos "mitos", que já não o são de um ou outro povo, mas tem sido mais comum o serem de uma ou outra geração. Assim já li sobre o “mito” de Fidel, de Miguel Arraes, o de Francisco Julião, o da juventude, o dos Beatles, o de Lennon e o da liberdade ser uma calça jeans azul desbotada. Essas idéias e as pessoas que as representam estão intimamente ligadas à um período de saturação de uma época e a busca de uma outra que se queria fazer mas que se não fez, o que levou Lennon a informar a todos que desejassem ouvir e acreditar que o sonho havia acabado.

Talvez precisemos saber ainda qual o sonho que parecia ter se acabado para Lennon. Pode ter sido o sonho de se criar uma sociedade global de liberdade e sem acumulação, como todos nós fomos convidados a imaginar. Muitos continuaram a imaginar, enquanto Lennon e seus companheiros – que pareciam ser os quatro cavaleiros do apocalipse do sistema de poder – continuavam a acumular bens e viram-se na condição de continuar a fazê-lo. É quase impossível querer continuar sonhando um mundo de partilha enquanto acumula riquezas para si. Não é difícil imaginar porque o sonho de Lennon não poderia deixar de ser sonho. Como não se quis ir mais além de sonhar, é melhor dizer que o sonho acabara e não que se desistira de sonhar.

Pode ser que o Imagine de Lennon estivesse ligado ao sonho que pretendia se concretizar na descida da Sierra Maestra. Afinal, a vida dos meninos dos bairros empobrecidos de Liverpol poderia ter alguma relação com os sonhos dos meninos e meninas pobres da América Latina que pareciam estar condenados à pobreza, à miséria, à impossibilidade de sonhar. Os jovens cubanos desde o início dos anos cinqüenta chamaram atenção do mundo que parecia não entender que o excesso de prazer material em certos lugares do mundo era a causa da pobreza material e espiritual na maior parte do mundo. Até o papa Pio XII pediu que Fulgêncio Batista não matasse o jovem sonhador Fidel Castro. Havia possibilidade de sonhar ainda. Essa possibilidade parecia ter acontecido em 1957, quando os jovens cubanos liderados por Fidel tomaram o poder na Ilha do Caribe. Em 1959, o substituto de Pio XII, o papa João XXIII, resolveu enviar padres para a América Latina com o objetivo de impedir a expansão do sonho cubano. No mesmo período, o jovem presidente dos Estados Unidos da América,John Kennedy, enviou jovens americanos do Corpo de Paz com o objetivo de impedir a expansão do sonho dos jovens cubanos. Em 1962 a ilha foi impedida de se comunicar com o mundo. Asfixia econômica. Os Beatles já não sonhavam apenas em cantar em alguma festa em Liverpoll, mas já cantavam suas insatisfações aos jovens dos Estados Unidos da América.

Algum tempo antes, o filho de proprietário rural Francisco Julião, assim como Fidel, foi apoiar os despossuídos que viviam no Engenho Galiléia, em Vitória de Santo Antão, PE. Aqueles camponeses sonhavam em ser enterrados em um caixão. Mas para se realizar o sonho de um enterro decente necessita-se de uma vida decente; ser enterrado como gente só é possível se o restante da sociedade aceitasse que aqueles que sonhavam com caixões eram gente. Assim não pensavam aqueles que possuíam terras e plantavam cana de açúcar e tinham, desde seus antepassados, a tradição de tratar gente como gado. Proprietários de terra e cana, como os do Engenho Galiléia, se uniram aos poderosos que estavam, desde 1962 tentando destruir o sonho dos jovens cubanos, e produziram veio o golpe militar de 1964 e, entre outras, se promoveu o exílio de Julião, de Miguel Arraes et alli.

Tempos depois, Julião voltou dizendo ser possível uma aliança com os donos das usinas, das canas, dos bichos. Confrontou-se com Arraes que ainda sonhava, apesar do aviso de Lennon,Mas Arraes tinha dificuldade de abrir espaços suficientes para os mais jovens, para os novos sonhadores.

Tenho dificuldade em admitir que “o sonho acabou” por ter Lennon parado de sonhar, por Julião ter confundido quimera por sonho, por alguns mais velhos se recusarem a permitir novos sonhos, porque tem gente qua inda pensa liberdade como calça jeans, ou porque a ilha de Fidel não tenha podido ter o sonho completado. Entendo que este último aconteceu, em parte, porque os Kennedys e seus sucessores asfixiaram a ilha economicamente e os papas – de todos os tipos de cristianismo - tentaram asfixiá-lo espiritualmente.

Não é uma questão de mito. É uma questão de opção de civilização que se queira construir.

Atualmente, estão querendo constituir o Lula como Mito. Outra bobagem enganadora. O líder do seu governo é o aliado de Francisco Julião na luta contra Miguel Arraes. Ele é o dono das terras que, uma vez foram “dadas” a Gangazumba por ele ter abandonado o sonho.

Abandonar um sonho até que se pode, mas não dizer que O SONHO tenha morrido.

Penso que não se deva confundir o sonho da humanidade com os limites de uma pessoa.

sábado, março 08, 2008

Rei português no Brasil - a explicação de Jorge Couto

Retirei essa informação da BBC. É quase uma dessas revisões históricas, que são permanentes, pois cada geração de historiadores ler os documentos a partir de novas questões. Um novo ângulo sobre uma questão antiga. Jorge Couto esteve diversas vezes aqui no Recife e tem nos auxiliado a compreender como fomos nos gerando e sendo gerados.

Jair Rattner
De Lisboa para a BBC Brasil


A Família Real portuguesa chegou ao Brasil há 200 anos
Um historiador português defende a tese de que uma disputa territorial na região da Amazônia envolvendo a França e Portugal está na raiz da fuga da família real portuguesa para o Brasil em 1808, depois que os franceses invadiram o país europeu.
Para o historiador Jorge Couto, antes da invasão das tropas de Napoleão em 1807, os franceses pretendiam ampliar a Guiana Francesa até a margem norte do rio Amazonas.
“A reivindicação territorial foi feita em 1797 pelo Diretório, ainda antes de Napoleão assumir como imperador da França. Uma das atribuições do Diretório era a de fixar as fronteiras”, disse Couto à BBC Brasil.
O historiador, que é diretor da Biblioteca Nacional de Lisboa – uma das principais fontes de pesquisa sobre a história de Portugal – indicou quais eram os três objetivos da invasão francesa de Portugal: Dividir o território português com os espanhóis, tomar posse das colônias portuguesas e colocar a marinha portuguesa a serviço dos franceses.
Construção da história
Para Couto, a ida para o Brasil foi uma grande saída do regente português D. João 6º.
“Portugal era a única parte da Europa continental que não estava sob o domínio de Napoleão. Não havia alternativa. Entre os franceses e os ingleses, D. João escolheu o mal menor, os imperialistas mais inteligentes.”
Ele conta que Portugal ainda tentou negociar com os franceses.
“Foi oferecido direito de os franceses negociarem nos portos portugueses da mesma forma que os ingleses; foram oferecidas possessões na África, mas não no Brasil.”
O historiador acredita que, por motivos políticos, procurou-se caracterizar a fuga da família real para o Brasil como atabalhoada e D. João 6º como uma figura caricata.
“Foi uma construção da história. Os países, para se firmarem como independentes tendem a diminuir o papel do colonizador, ridicularizá-lo.”
Marinha
Os portugueses tinham nessa época 21 navios de guerra e 33 mercantes.
Couto explicou que o objetivo francês de ter a Marinha portuguesa a serviço dos franceses e espanhóis se deve às derrotas marítimas desses países pelos ingleses nas batalhas de Abuquir, em 1798, e Trafalgar, em 1805.
Eles pretendiam usar os navios portugueses para combater o domínio inglês do mar.
“A Marinha portuguesa era a terceira maior do mundo, atrás da inglesa e da americana. A espanhola e a francesa tinham sido destruídas e a dinamarquesa havia sido bombardeada pelos ingleses em 1805, no porto de Copenhague, quando a Dinamarca aderiu ao bloqueio continental à Inglaterra.”

quarta-feira, março 05, 2008

Colombia ultrapassa os limites

Pagina12, Buenos AiresEl país
Martes, 04 de Marzo de 2008
Pasarse de la raya - Cuando fue asesinado, Reyes estaba negociando
Por Horacio Verbitsky

La incursión armada colombiana en territorio de Ecuador plantea el mayor desafío que la Confederación de Naciones de Sudamérica haya conocido en su corta existencia.No se trató de una agresión convencional por cuestiones limítrofes, al estilo de las que en el siglo pasado enfrentaron a distintas naciones andinas. Lo que se desplegó aquí es una nueva y perversa concepción: la denominada guerra contra el terrorismo, que habilitaría a ignorar límites, tanto geográficos cuanto políticos y morales.Las explicaciones del gobierno del presidente colombiano Alvaro Uribe agravan la situación. Primero pretendió que el enfrentamiento había ocurrido dentro de su territorio. Cuando esa versión se tornó insostenible afirmó que sus tropas se habían pasado de la raya en la persecución a un destacamento de las FARC-EP. Tampoco eso era cierto.

El segundo jefe de esa organización, Raúl Reyes, fue bombardeado mientras dormía y la incursión terrestre posterior sólo tuvo el propósito de rematar a los sobrevivientes y apoderarse del cadáver de Reyes, que luego fue objeto de una exhibición propagandística.Cuando el presidente ecuatoriano Rafael Correa reiteró su condena a las acciones y a los métodos de las FARC pero advirtió que no admitiría el ultraje a su soberanía, el gobierno de Colombia explicó que se había tratado de un golpe preventivo. Así pasó de la mentira voluntaria a la justificación inadmisible. La doctrina del preemptive strike, expuesta en la academia militar de West Point por el presidente de los Estados Unidos, George W.Bush el 1 de junio de 2002, declara caducas las doctrinas de contención y disuasión de la guerra fría y consagra como única estrategia posible el golpear primero. "Debemos llevar el combate al enemigo, frustrar sus planes y enfrentar las peores amenazas antes de que se concreten", dijo. Así, destruye las bases jurídicas que permiten la existencia de una comunidad internacional organizada sobre principios racionales y con intenciones pacíficas. En su lugar consagra la ley del más fuerte.El gobierno colombiano sostuvo también que entre la información capturada a Reyes figuraban sus contactos con el canciller ecuatoriano Gustavo Larrea. ¿De qué extrañarse, si Reyes era el encargado de las negociaciones con los gobiernos extranjeros, como confirmó de inmediato el canciller francés Bernard Kouchner? En la documentación difundida por el director de la Policía Nacional de Colombia, Oscar Naranjo, Reyes transmite al secretariado de las FARC el interés del gobierno ecuatoriano por una solución política, pero también una gestión estadounidense ante el canciller Larrea. "Los gringos", dice sin más precisiones Reyes, le pidieron al gobierno de Quito que transmitiera a las FARC el interés de conversar, porque el nuevo presidente será Barack Obama y "no apoyará el Plan Colombia ni el Tratado de Libre Comercio". Hay buenos motivos para creer que esas negociaciones, las ya entabladas y las que pudieran abrirse luego del cambio de gobierno en Washington, hayan sido el principal blanco que procuró impactar Uribe. Ya había dado un indicio hace dos meses, cuando hizo todo lo que pudo para frustrar la misión humanitaria de la que participó el ex presidente Néstor Kirchner y que incluía a Brasil, Bolivia, Cuba, Ecuador y Francia.Los grandes éxitos que Uribe ha conseguido al empujar a las FARC hacia el corazón de la selva, despejando las ciudades y las rutas principales, son el principal activo con que cuenta para forzar una reforma constitucional que le permita aspirar a un tercer mandato. Dados sus altos índices de popularidad, no parece lejos de su alcance siempre que consiga remover el obstáculo legal. El cadáver del negociador de las FARC-EP es un trofeo valioso en ese camino tan peligroso para la democracia en Colombia y para la paz en Sudamérica.
Colombia se desangró durante décadas, sin que los vecinos hicieran otra cosa que quejarse por la intromisión estadounidense, que encontró en las guerrillas y en su nexo con las organizaciones que abastecen de sustancias estupefacientes a su mercado, el pretexto intervencionista perdido con la finalización de la guerra fría. Los gobiernos progresistas de Sudamérica quebraron esa abstinencia suicida y decidieron involucrarse en el conflicto. Los presidentes de la Argentina, Brasil, Bolivia, Chile, Ecuador, Paraguay, Venezuela y Uruguay coinciden en buscar una salida negociada, porque éste es el tiempo de la democracia y de los medios pacíficos y no el de la lucha armada para la toma del poder y el establecimiento de la dictadura del proletariado y porque Colombia es demasiado importante como para dejarla en manos del Comando Sur. Hasta los ex guerrilleros que gobiernan Cuba y Nicaragua comparten esta apreciación. La novedad más reciente es que también los gobiernos de España, Francia y Suiza están dispuestos a participar en la búsqueda de ese desenlace. Con casi todos ellos, y también con el presidente de México, habló ayer Rafael Correa para comprometerlos en la elaboración de una propuesta conjunta que impida el derrame del conflicto colombiano. El canciller argentino Jorge Taiana, quien regresará hoy al país, habló desde Ginebra con sus colegas de la región y con algunos presidentes, como Lula. Lo mismo hizo desde Olivos la presidente Cristina Fernández.Apenas desentonaron en esta polifonía el presidente venezolano Hugo Chávez y el ex presidente de Cuba, Fidel Castro. Chávez ordenó por televisión desplegar su Fuerza Aérea y enviar divisiones de tanques a la frontera colombiana. Es sólo una bravata verbal, incomparable con la terrible agresión colombiana a Ecuador, pero contribuye a la creación del clima bélico que para nada conviene a Sudamérica y desplaza el eje de la discusión. Desde su retiro, Castro escribió que oye sonar en el sur del continente "las trompetas de la guerra". Está claro que no la desea, pero hasta mentar su posibilidad es imprudente en un momento tan crítico.Con cualquier justificación que se intentara darle, una escalada bélica en Sudamérica sería el peor de los crímenes y la más contraproducente respuesta a la provocativa actitud de Uribe, porque proveería de nuevos argumentos al intervencionismo estadounidense.
Nunca como ahora han sido tan promisorias las perspectivas para una región que tiene definitiva conciencia de la unidad de sus intereses y de su destino. Sus presidentes dialogan con confianza en la búsqueda del bienestar de sus pueblos, con una sinceridad y una frecuencia sin precedentes.La responsabilidad mayor la tienen Brasil y la Argentina, pilares del MERCOSUR, que constituye a su vez la columna vertebral de la Confederación Sudamericana. Si esas voces prevalecen podrán fijar, en acuerdo con la Unión Europea, las grandes líneas de un acuerdo que exponga a la última guerrilla de América a los vientos de la historia, que no han soplado hacia donde el ahora octogenario Manuel Marulanda creía cuando era un joven campesino atraído por la utopía comunista; que devuelva a sus rehenes a la vida, que frustre el intervencionismo estadounidense y asegure la paz que tanto anhela Colombia. En lo más negro de la noche, es cuando más cerca está el amanecer.

terça-feira, março 04, 2008

Westfália, Bush e o capitão Nascimento

Comecei hoje o semestre letivo propondo um debate sobre o conceito de Idade Moderna, mas parece que os estudantes preferiram ficar silentes ou esboçar, vez em quando um sorriso. Ao final a minha conversa, uma aula quase monologo castrista, pedi que escrevessem um texto sobre alguma das muitas idéias que foram postas para pensar. Em um momento da conversa disse que a decisão do presidente dos EUA, Bush, invadir o Iraque contra o posicionamento da ONU, em ato unilateral, significou um retrocesso de três séculos, pois ele violara disposições de convívio entre as nações desde o Tratado de Westfália, em meados do século XVII. Foi interessante ler, em um dos textos mais interessantes que recebi, uma percepção de não teria havido retrocesso, uma vez que as guerras e as invasões de fronteiras têm sido comuns desde então e, de certa maneira, aquele tratado jamais havia sido respeitado.

Ora, o ponto que foi apresentado pela aluna baseia-se em questões pontuais, enquanto eu debatia a questão de princípios. O que nós estávamos discutindo era que o mundo moderno, esse criado pela experiência européia desde meados do século XIV até parte do século XIX, define-se pela certeza dos princípios, a certeza das regras, da ciência. E o que Bush fez foi não respeitar o princípio de informar ao país as suas intenções bélicas. O mesmo fez Adolf Hitler em relação à Polônia e, mais recentemente, a Colômbia em relação ao território equatoriano. A questão é que os países, os Estados devem respeito a cada um, respeito às fronteiras e o jogo a ser jogado, mesmo um jogo de guerra, o oponente deve ser informado oficialmente. São princípios, são metas a serem alcançadas pelas nações, assim como é uma meta a honestidade dos homens e das mulheres. É algo a ser alcançado, algo desejado e desejável para que se viva e conviva. Sim, há um “retrocesso civilizacional” quando as regras comuns a todos são desprezadas por algum que se sinta superior aos demais. Quando regras de sociabilidade não são obedecidas especialmente por aqueles que devem preserva-las e cuidar pelo seu respeito, vive-se situação de anomia,uma vez que já não se sabe mais o que o certo e o errado, como diz a última frase do filme Tropa de Elite.

Esse filme é bem um retrato da situação vivida por muitos de nós, nesse emaranhado de incertezas, ou certeza pouco acertadas. Uma das cenas mais interessantes do filme é o debate sobre o pensamento de Foucault sobre o estado e a sociedade, especialmente quando o policial expõe seus argumentos e o silêncio severo se pôs sobre toda a turma, a ponto do professor-mediador indicar o final da aula. Da mesma maneira que o capitão Nascimento sabia que estava errado quando se decide pela caça ao bandido por conta de alcançar o seu objetivo pessoal, superando todos os limites de vida social, assim também fez o presidente Bush, não respeitando as convenções que foram sendo criadas ao tempo em que se construiu o mundo moderno.
Mas essas palavras, esses pensamentos estão aqui para ajudar-me a entender a mim, ao mundo moderno e as inquietações de meus alunos

sábado, março 01, 2008

Esbarrões, pacotes e gigantes com ideais

Terminado o mês de fevereiro é tempo de fazer as contas do como foi administrado esse período que começou com a brincadeira do carnaval. Mês diferente este com 29 dias, menor que os comuns e um pouco maior que ele mesmo. Assim às vezes somos nós, quase sempre menor que os comuns, embora julguemos ser maiores, conquanto o sejamos vez em quando.

Mas se é maior que ele mesmo vez em quando, fevereiro jamais consegue ser maior que o março iniciado nesta manhã. Somos nós diante da realidade, diante do imenso desafio em que fomos postos sem termos sido consultados, tal qual dizia Sartre. Entretanto, pigmeus, devemos a cada dia confrontarmos com gigantes e, depois de algum esforço, sermos capazes de rir deles ou com eles.

São muitos os gigantes que nos convidam para a luta ou a simples caminhada a seu lado. Nem sempre podemos acompanhar os passos dados por eles e caminhar lado a lado. Quase sempre estamos um pouco atrás, como eu, quase perdido, acompanhando meu pai, desde a Rua Tobias Barreto até à Siqueira Campos. Vez por outra esse era o desafio. Tomávamos um ônnibus em Nova Descoberta para irmos ao centro de vendas se secos e molhados a comprar carne de charque e outros produtos para a nossa mercearia. Cada um de nós com um pacote proporcional às nossas forças. Quanta gente na rua! e eu, pequeno, querendo olhar as ruas e as pessoas ao mesmo tempo em que acompanhava os passos largos daquele gigante que, vez por outra olhava para traz e perguntava se eu estava cansado e se queria descansar. Mas ele sabia que eu “não queria”, e continuava com os seus passos em meio àquela multidão. Eu dois passos atrás. A mente e o coração dizendo que as minhas pernas agüentariam o que faltava. Eu pensava no ponto de parada do ônnibus. E apertava meus passos para não perder o gigante de vista, como faço agora com os meus ideais, dizendo a mim mesmo que não estou cansado e que vou alcançá-los. Assim, quando chegávamos à Praça da Independência, ele parava e dizia, só falta mais uma rua, como a animar-me, pois a Siqueira Campos, onde iríamos apanhar o ônnibus que nos levaria de volta para casa, estava à vista. Ainda não era o final da jornada, mas era o momento que teria para descansar o corpo do peso que me fora atribuído. Vinha o ônibus e começava a etapa quase derradeira, antes de chegar em casa. Papai, o gigante que eu seguia, às vezes conseguia um lugar para sentar e, às vezes, me encabulava ao pôr-me no colo. Quase não havia palavras, mas ele me ensinava a ser duro e suave, exigente e compassivo na caminhada, no ganho da vida ao fazê-la.

Hoje, levando esbarrões ao longo da vida, em estradas mais movimentadas que as antigas Tobias Barreto, Concórdia, Palma; sendo empurrado por outros que tomam os espaços que eu estava conquistando, ou pensava ter conquistado, tendo vontade de jogar fora os embrulhos recebidos pela vida para carregá-lo e deles cuidar até chegar ao destino, eu preciso ouvir, e parece-me ouvir, aqui, na minha Praça da Independência, ou na Praça da minha Independência, meu pai dizer: “falta só mais uma rua”.

terça-feira, fevereiro 26, 2008

na Fronteira contra o ridículo sem fronteiras

Estive em Sergipe neste final de semana, um momento para encontrar pessoas conhecidas quando estive em Estância, mas a oportunidade de encontrar professores e estudantes de várias instituições de ensino superior, como a Universidade Federal de Sergipe, a Universidade Tiradentes, tudo sob o patrocínio da Faculdade São Luiz de França. O núcleo de pós-graduação promoveu o Primeiro Encontro de Professores de História, e fui convidado para discutir questões relativas à pesquisa no campo de História das Religiões e, ministrar um mini-curso que recebeu o simpático e quase enigmático título de Conversas sobre três Nordestes.

O encontro com Sergipe começou ao sair de minha casa, quando o correio entregou-me um livro, enviado desde Estância, que conta das passagens de Jorge Amado naquela cidade na década de 1930. Bem escrito por Rui Nascimento, um bom contador de “causos” , que nos deixa ficar sabendo de um pedaço mais desconhecido da vida do escritor criador de personagens que se tornaram emblemáticos, pois nos auxiliam a ver como o Brasil é. Talvez, como é o Brasil vivido e inventado por Jorge Amado. Assim, quando cheguei à Aracajú já estava tão sergipano quando pernambucano, ou seja sentia-me em casa, ao ponto de sorrir bem mais do que tenho sorrido recentemente nas ruas de Olinda e Recife.

Os riso ficam difíceis especialmente quando temos vereadores com vocação para exterminadores do futuro, pois que se dedicam a querer destruir a história vivida pela cidade do Recife. Pouco versado na história da cidade que diz querer defender, limitado homem que se diz público, pretende mudar nome de ruas como muda as suas meias: apenas pelo seu desejo pessoal. Um dia, creio, esses “homens públicos” irão deixar de pensar apenas nos jardins dos seus protetores e cuidarão que cada rua de uma cidade é um pedaço de uma história coletiva, de uma sociedade.

Nomes de ruas têm sentido e não tem sentido ficar modificando-os apenas para agradar a “tios”, “tias”, “avôs” ou qualquer outro tipo de “parente”. Em determinado momento, a cidade nomeou uma rua, uma praça com o objetivo de cultivar uma memória, um marco da sua formação. Aceita a nomeação, os que vivem na rua tomam para si e para as suas vidas aquele nome. Ele servirá para dizer o passado da cidade e o presente dos habitantes da rua ou da praça. Para modificar a nomeação que foi duplamente aceita, não basta a vontade de uma cabeça cheia de empáfia e vazia de respeito ao povo. Sorri um pouco hoje quando soube que, após a discussão posta por instituições e cidadãos através do Diário de Pernambuco, a Câmara dos vereadores resolveu adiar a sua decisão. É nossa convicção que, informados agora por entidades, historiadores e moradores, os vereadores e, mesmo as comissões por onde tramitou silenciosamente o projeto, pensarão que: uma rua como a Rua das Fronteiras, que lembra o herói Henrique Dias, a Rua das Fronteiras, na qual está uma igreja que recebeu marcas da força ditatorial; a Rua das Fronteiras onde viveu A Voz dos que não tinham Voz, essa rua não será transformada em rua do zerinho.

quarta-feira, fevereiro 20, 2008

Morte de mulheres, arquivos e sonhos

Faz cinqüenta e um dias que começou ano 2008 e, nesse curto espaço de tempo já foram assassinadas 43 mulheres em Pernambuco. Esse é um dado impressionante e dá continuidade aos números do ano passado. A violência em nosso meio parece que crescer, parece dizer que nos afastamos de uma convivência civilizada, talvez por sermos uma sociedade que não procura, firmemente, punir os destruidores sociais. Como não há punições para os criminosos das camadas que seriam a” elite”, aqueles que deveriam indicar os caminhos a serem seguidos pelos demais participantes da sociedade, torna-se indefensável a punição apenas para os mais pobres. Temos essa dificuldade em criar a nossa democracia por que não temos, não tivemos, uma elite cônscia de sua responsabilidade social. O que temos é um simulacro de lideranças que vive a pensar formas de “se dar bem”. “Se dar bem” quer significar safar-se, não se deixar pegar. Aquele que se safa de certas situações é um safado, aquele que se safou. Parece que somos uma sociedade de pessoas que se querem safadas, pois se safam de serem punidas por seus atos ilícitos. Esses atos podem ter sido mensais – daí os mensalões – podem ter sido de cartões, podem ter sido de viveram debochando dos códigos de ética, como é o caso de um ministro que também é presidente de um partido político, sob a proteção de seu chefe. Todos se safam, inclusive os matadores de mulheres, os assassinos. Quem não consegue se safar é o povo, sempre submetido às indissiocracias dos poderosos, até mesmo daqueles que eram povo e agora estão solicitando privilégios próprios das sociedades não democráticas. Não desejam ser sofrer nenhuma vigilância e procuram confundir a sua impunidade pessoal com a segurança nacional.

Nesse início de ano não morrem apenas as mulheres que são assassinadas, esses comportamentos assassinam as esperanças, algumas que os que estão no poder, auxiliaram a construir. Mas, ao chegar no poder desejaram ser seduzidos pela Mosca Azul, como diz bem o livro depoimento de Frei Beto, desiludido com o que assistiu no primeiro governo do ex-metalúrgico, ainda desatento.


Continuam a se matar as esperanças, e também o passado, como aconteceu no dia 15 de fevereiro, em uma das dependências do Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano. Nós sabemos que a tradição do Brasil é não guardar documentos, não cuidar dos arquivos. Dizem que isso é uma das heranças portuguesas. Não sei até que ponto isso é uma verdade, pois temos muitos pesquisadores que atravessam o Atlântico para se beneficiar dos arquivos portugueses. Creio que é mais uma mazela das “elites” brasileiras, inclusive “aselites” que atualmente governam Pernambuco, no fundo, as mesmas que sempre o governaram. Nosso arquivo, nossos documentos são sempre colocados em prédios velhos, caindo aos pedaços. Até parece que os governantes querem o sumiço dos documentos, pois os documentos falam do que os antigos governantes fizeram ou deixaram de fazer.

Sempre há verba para construir algum prédio para que eles possam exercer os seus poderes e, confortavelmente, continuarem a tarefa de espoliação, de exploração e de concentração de renda e poder. Contudo, nunca há verba para a construção escolas, para a formação de cidadãos. Essa corrida louca para formar motoristas de tratores para trabalhar em Suape é sinal da competente política de exclusão levada a termo nos últimos cem anos. E nesse período Pernambuco não era governado pelos portugueses e quem tomava decisões sobre escolas e arquivos eram pernambucanos. Foram os governos de pernambucanos que decidiram não ter uma política de arquivo que preserve a nossa memória e história. Já é tempo de abandonar o bloco da saudade holandesa, o festival de queima de Judas português e admitir: quem tomou a decisão de manter os documentos da história pernambucana em um pardieiro foi um pernambucano, como também é pernambucano aquele que hoje permite que lá fiquem esses documentos para serem destruídos, debalde o esforço de técnicos, estudantes e historiadores que, sem verba, procuram salvar o que lhes permitem as condições.

sexta-feira, fevereiro 15, 2008

O carnaval na Nunes Machado

Estou postando um artigo que foi publicado no Jornal A PROVÍNCIA, da cidade de Goiana, PE, de número 177m referente ao mês de Janeiro de 2008. O texto está na página 10 dessa edição, que tem o seguinte endereço eletrônico: jornalaprovincia@yahoo.com.br



O CARNAVAL NA NUNES MACHADO[1]

Severino Vicente da Silva


Nem sempre tomamos consciência da importância em vivermos em uma cidade que tem sua história confundida, não apenas com a vida dos seus habitantes, mas com a história do estado e do país e, mais especialmente, com a construção da nação. Sabemos que são poucas as cidades que gostariam de serem reconhecidas como históricas embora históricas todas já o sejam. É que, o reconhecimento de cidade histórica, as tornaria visíveis para os demais membros da grande sociedade que forma o estado e país, uma vez que todos passariam a olhar essa cidade com maior carinho; assim como em uma família se olha o avó e a avó, como membros mais velhos, mais experientes, ordenadores primeiros da família. Ora, essa situação, para além do prestígio, traz consigo responsabilidade que cidades surgidas mais recentemente, muitas vezes como resultado do crescimento da mais velha, não carecem de ter. Ser uma cidade histórica é ser referência, é ser responsável para garantir a continuidade de uma tradição.
Esta é a situação acima descrita é a de Goiana, uma cidade com patrimônio cultural que deve ser elevada, como a sua colega Olinda, a Patrimônio Nacional. Nascida na Capitania de Itamaracá, a vila de Goiana teve que disputar o lugar de sede da capitania com a Vila da Conceição, hoje pertencente ao município de Itamaracá. Nazaré teve uma importância excepcional por conta de seu porto, mas foi a vila de Goiana, crescida na várzea dos rios Tracunhaém e Capibaribe Mirim, assumiu importância maior por conta do porto interno, recebedor das mercadorias descidas desde o Vale do Siriji e mesmo das terras mais próximas da Paraíba. Era a riqueza da produção e comércio da farinha, do açúcar, do algodão que, durante anos, navegou os rios goianenses, que trouxe a visita de Pedro II às suas terras. Mesmo a ferrovia que fez diminuir a importância do porto, não destruiu de imediato a sociedade surgida pelo cultivo da cana, mas também da produção têxtil. Foi com a vitória da monocultura canavieira, não só em Goiana, mas em toda a Mata Norte de Pernambuco que a cidade perdeu o brilho dos tempos de Manuel Borba. Andar em Goiana, fazendo o olhar girar, subir, descer as paredes de seus casarões antigos, não apenas das igrejas e conventos, nos faz perceber o quanto foi criado pelos homens e mulheres que viveram e construíram a cidade. Cabe a quem vive nela hoje preservar, o que não significa estabelecer o passado como modelo, pois os avós, enquanto viveram adaptaram as suas vidas e os seus valores para que sobrevivessem, para que continuassem a criar a vida.
A vida de uma planta começa a acabar quando ela não busca nas próprias raízes e no solo onde se está os nutrientes necessários à sua vida, quando ela é retirada do seu solo ou quando lhe retiram o solo. Uma sociedade é capaz de se manter na medida em que acolhe outras influências sem negar a sua essência. Vez por outra nos esquecemos disso e destruímos, às vezes sem consciência, aquilo que fez de nós o que nós somos. E, quando somos uma cidade que é símbolo da formação do nosso país, as instituições que protegem o patrimônio que é comum de todos vêm nos auxiliar e lembrar de nossa responsabilidade na manutenção do patrimônio cultural comum, seja o patrimônio material, seja o patrimônio imaterial. Este ano Goiana viu-se na contingência de reorganizar a sua maneira de manter uma das tradições brasileiras, o carnaval com poucas restrições. O que hoje é o nosso carnaval vem sendo construído desde o final do século XIX, mas explicitamente após 1888. O carnaval brasileiro tomou as características que tem hoje ao longo da República, um regime de homens e mulheres livres para exercer a liberdade e a criatividade. O fim das cadeias que impunham limites aos espaços geográficos aos escravos, o fim do Império, que impunha limites sociais aos “súditos”, fizeram nascer quase duzentos anos as características brasileiras que, como sói esperar, tem as suas especificidades locais. O espírito é de liberdade, mas ela toma forma em cada situação histórica e geográfica. Goiana tem as suas próprias, desde as Pretinhas do Congo, o Coco, as Orquestras, os clubes como Os Lenhadores, os Maracatús, os Caboclinhos, os bailes de clube, as procissões religiosas, os quitutes Culinários, tudo isso e muito mais, além das belezas naturais.
Um sistema cultural garante a preservação de todas as suas partes, quando a utilização de um novo artefato cultural põe em risco as demais partes do sistema cultural é necessário que se tome medidas para evitar a destruição daquela parte mais frágil, quase sempre aqueles bens materiais já desgastados pelo tempo, mas que são a testemunha cultural dos nossos ancestrais modos de viver. Assim, foi muito interessante ver o carnaval de Goiana desfilar na rua Nunes Machado, um a rua que lembra um dos heróis pernambucanos, herói de nossa história, um dos grandes goianenses que pagou com a vida o seu compromisso com a sua gente e com uma pátria livre, autônoma e consciente da grandeza de suas tradições. Nunes Machado não se deixou por novidades passageiras, mas se ateve às raízes de seu povo e sua cultura.
[1] Escrito especialmente para o jornal A PROVÍNCIA, Goiana.
[2] Historiador, professor adjunto do Departamento de História da UFPE. Nascido em Carpina, na Zona da Mata Norte, sócio do Instituto Histórico de Olinda, tem ministrado cursos no programa de Pós-Graduação Latu Senso da FFPG, atua como assessor pedagógico no Ponto de Cultura Maracatu Estrela de Ouro de Aliança. Publicou A IGREJA E A QUESTÃO AGRÁRIA NO NORDESTE(Edições Paulinas, 1986) IGREJA E O CONTROLE SOCIAL NOS SERTÕES NOORDESTINOS (Paulinas, 1988), ZUMBI DOS PALMARES (Paulinas, 1992), FESTA DE CABOCLO (Edições REVIVA,2005). ENTRE O TIBRE E CAPIBARIBE: OS LIMITES DA IGEJA PROGRESSISTA NA ARQUIDIOCESE DE OLINDA E RECIFE (Editora da UFPE, Edições REVIVA, 2006), além de artigos publicados em revistas científicas.

terça-feira, fevereiro 12, 2008

o dinheiro de plástico no absoluto e a fumaça de um charuto na democracia

A cada dia, que nos é dado viver, nos deparamos com a capacidade da vida nos surpreender. É que cada dia é uma surpresa, um conjunto de momentos únicos, com algo que lhe é específico, embora faça parte de uma continuidade que nos permite reconhecer o mundo, com suas formas, pessoas, luzes e cores.. O específico do cotidiano é a surpresa, a novidade permanente e que fará desse dia, tão parecido fisicamente com os já vividos, ser o único em toda a nossa existência. Guardar o que é específico de cada dia é o que nos enche a memória que, misturada com as ocorrências corriqueiras complementam a nossa existência e nos auxilia a dar significado a ela. Quando pensamos a história, pensamos sempre nesses momentos únicos, irrepetíveis, que mudam significativamente a perspectiva que se possuía do mundo. Em nossa vida os atos são irrepetíveis, mas nem todos modificam o curso de nossas vidas.

Quando ocorreu a eleição de Luiz Inácio da Silva muitos disseram que estávamos vivendo um momento histórico, o que tem se comprovado. A presença de Luiz Inácio da Silva criou possibilidades novas para os que formam o Brasil. Passaríamos a ser governados por segmentos da sociedade que sempre foram governados. Um migrante, um metalúrgico desatento, aposentado precocemente por acidente de trabalho no qual perdeu o mais importante dos dedos de uma mão, o mínimo, chegava ao poder, conduzido pelas esperanças de muitas gerações.

Esperava-se muito daquele líder sindical, forjado em muitas lutas, cursos de lideranças, construtor de muitas amizades e garantidor de uma nova moralidade na vida pública. Os grandes problemas daqueles que cultivam a áurea da santidade em vida é que, mais cedo ou mais tarde os fariseus começam a encontrar ações que o tornam tão fariseu quanto aos que ele criticava. Vez por outra isso acontece, não somente porque os fariseus procuram, mas porque encontram o procuram.

A maioria das pessoas vive com o seu salário. Se quiserem um pouco mais têm que mudar de emprego ou fazer um bico por fora, nas horas que deviam dedicar ao lazer. No Brasil instituiu-se, não de hoje, a “sinecura”. É aquele emprego que não exige trabalho.

Os tempos mudam e as coisas se aperfeiçoam, especialmente para os que se dedicam à difícil tarefa de “fazer política”. Foi instituído um salário para os políticos com o objetivo de abrir possibilidade para os não ricos poderem também participar da criação das leis que regem a sociedade. Uma República não pode ser apenas dos patrícios, como a de Roma antiga, considerando "patrício" apenas os que são donos das terras da pátria. Mas nossos políticos têm muita imaginação. Primeiro conseguiram um salário maior do que o da população; segundo estabeleceram que precisavam de uma roupa melhor e o salário não dava para comprar, estabeleceram um “auxílio paletó”; depois pensaram que precisavam de funcionários para os auxiliar a pensar, e foi-lhe concedidos funcionários públicos concursados; mas eles começaram a dizer que tinham que ter gente de confiança e criou-se uma “verba de gabinete” e a permissão de trazer para o serviço público quem fosse de sua confiança pessoal; depois criou-se uma verba “idenizatória” que é para pagar despesas com viagens. Evidentemente todos os demais trabalhadores têm que arcar com essas despesas utilizando o seu salário. Mais recentemente, desde 2001, criou-se um cartão de crédito “corporativo” (o Estado é uma corporação?) a ser usado para fazer frente a pequenas despesas do governo.

A novo moralizador parece que andou utilizando esse cartão “corporativo” para despesas que deveriam ser pagas com o cartão de crédito pessoal. Parece que o chefe tem mantido os mesmos hábitos de alguns dos seus ministros. Quando isso começou a ser discutido, foi celebrado um acordo para salvar o chefe, como se salvou Renan Calheiros. E, mais uma vez, nós ficaremos sem saber o que realmente tem sido feito com o nosso dinheiro. Tudo isso é porque, como nós sabemos, nas monarquias absolutas o que ocorre com a família real não é de interesse dos súditos.

Pelo menos parece que Bill Cliton pagou o charuto, embora tenha perdido a estagiária. Coisas da Democracia!!!

quinta-feira, fevereiro 07, 2008

um aniversário e três mestres

Quinta Feira das Cinzas, o caminho da Quaresma está aberto após os dias das folias momescas, das alegrias e dos risos, abraços e beijos trocados com quem nunca vimos e, pode ser, que jamais vejamos novamnete. Foi a celebração outonal do nosso hemisfério, mas com a alegria primaveril dos trópicos, sempre nessa verdura, como ouvi o padre Nércio Rodrigues dizer várias vezes.

O padre Nércio sempre vestia branco. As vestes sempre brancas de meu professor de Sagrada Escritura eram como uma lembrança de sua promessa batismal e sacerdotal. O mesmo eu posso dizer do abraço e do riso largo de Dom Hélder Câmara, cujo data de aniversário, vez por outra, vinha um pouco depois do carnaval, como aconteceu neste ano do centenário do seu nascimento. O riso e os braços abertos do Dom sempre lembram o abraço do Pai, a certeza de que todos os dias são dias de alegria, pois que cada dia traz a alegria da vida, a pureza do dom.

Conheci Dom Hélder no dia em que ele tomou posse como arcebispo da Igreja de Olinda e Recife. Era um período de incerteza que, na ingenuidade de meus catorze anos, só mais tarde, porém não muito, vim a compreender. Dom Hélder chegava na nossa Igreja após o pequeno governo de Dom Carlos Gouveia Coelho, co-fundador da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Esses dois bispos, juntamente com Dom José Távora, eram os nordestinos que vinham desenvolvendo uma consciência social entre os prelados brasileiros. Dom Eugênio Sales, na arquidiocese de Natal também apontava para as responsabilidades sociais dos católicos. Foi de dom Eugênio a idéia da Campanha da Fraternidade, que era uma semana mas que tomou toda a Quaresma quando a CNBB a assumiu como sua.

Na co-catedral de São Pedro dos Clérigos, a 12 de abril de 1964, todos ouvimos Dom Hélder dizer que “no Nordeste Jesus tem o nome de Biu, Zé, ....” Mesmo depois dos anos de Dom Carlos, que jamais abriu mão da púrpura episcopal, mas que tinha uma relação de brandura com o seu povo, ouvir as palavras de Dom Hélder, era como receber, pela primeira vez, o entendimento do que é o mistério da encarnação. E foi assim por muitos anos na convivência com Dom Hélder.

A Dom Carlos Coelho eu conheci quando estudante no Seminário Menor da Várzea, que ele sempre visitava, especialmente na preparação da Primeira Sessão do Concílio Vaticano II, pois ele sempre levava os bispos que vinham tomar o avião no então muito internacional Aeroporto dos Guararapes. Sendo seminarista menor, minha relação com Dom Carlos Coelho foi bastante filial. Com Dom Hélder o relacionamento, além de filial, caminhou para a amizade, a companhia em almoços, ora na casa de papai e mamãe, ali em Nova Descoberta, ora em um pequeno restaurante próximo ao Palácio dos Manguinhos. Foram muitas as oportunidades de proximidade com o Dom, embora não fosse mais seminarista, mas um católico militante na minha paróquia e no setor de Casa Amarela.

Neste aniversário de Dom Hélder, no início da Quaresma, parece que escuto-lhe dizer ser este um período especial para “nos aproximarmo-nos do Pai”, quase me lembrando as aulas do padre Nércio Rodrigues sobre a sabedoria de Deus parecer loucura para os homens.

á faz algum tempo que esses três mestres estão vivendo a realidade da Ressurreição, e é necessário que os que os conhecemos e com eles tivemos o privilégio de viver, sempre falemos de sua importância para a sociedade humana. Nenhum deles era paroquial ou provinciano. Suas cidadanias eram universais, como o amor que dispensaram àqueles que com eles conviveram.

segunda-feira, fevereiro 04, 2008

Os carnavais do passado presentes

Nesta segunda feira de carnaval, em casa, dois pensamentos me assaltaram e, no final vejo que os dois confluem. Um deles é como nos metemos no carnaval de maneira diversas e, depois nos aproximamos dos mementos que a ele e nele chegamos, Leio as crônicas sobre os carnavais de antigamente e elas são repletas de melancolia e saudade. Estou escrevendo sobre o carnaval hoje porque brinco de maneira diversa da forma que o vivia no passado. No carnaval de 1977 eu estava com Tereza fazendo cordão de isolamento, um cordão humano, feito com os nossos corpos, protegendo a orquestra de Elefantes, caminhando aos passos do frevo em direção dos Quatro Cantos. Tereza estava grávida de cinco meses de nosso filho Ângelo. Mas sempre fomos amantes das duas grandes agremiações, por isso íamos com a orquestra da Pitombeira, que sempre teve uma população de foliões mais atrevidos e mais “tradicionais”. Sempre queríamos fazer parte daquele cordão de isolamento: poderíamos ouvir a música e ficar protegido com a proteção que dávamos. Foi um belo carnaval todos estávamos felizes, inclusive o nosso filho que ainda não sabíamos qual o sexo que teria. Em vários outros carnavais foi da mesma alegria. Sempre saí fantasiado de mim mesmo: sapato conga, meias, bermuda e camisa. Às vezes punha uma peruca. Anonimamente fazíamos nosso carnaval em Olinda. Na terça feira era o desfile na Avenida Getúlio Vargas e, nosso estacionamento de descanso era a casa de seu Paulo e Dona France, os pais de Tereza, ali na Cândido Pessoa.

Essas lembranças que chegaram enquanto me preparo para sair em direção à Guadalupe e Amparo é que me levaram ao pensamento do protagonismo dos anônimos. Em um dos recentes programas QUE HISTÓRIA É ESSA, na entrevista com o professor Marcus Carvalho eu ouvi dele uma expressão assim: “gosto de escrever a história dessas pessoas que não mudaram a história, como Lampião, pois o que ocorreu ocorreria independente de sua existência”. É assim o carnaval: ele existe independente de participação de um folião especificamente, mas só existe porque muitos anônimos assumem o papel de protagonista do carnaval e fazem a história do carnaval.

É verdade que quase ao há registro dos nomes dos músicos que tocaram nas orquestras de Elefantes e de Pitombeira naquele ano de 1977 (com quase certeza podemos dizer que não os há), mas sabemos que elas existiram, que produziram música; também não há registro de quantos foliões puseram seus corpos para proteger aquelas orquestras (como aliás ainda se faz nos dias de hoje), mas sabemos que esses cordões surgem “naturalmente” e são respeitados pelos foliões. O carnaval é isso, é a personalização coletiva dos anônimos, com as suas alegrias, seus desejos, seus sofrimentos, suas lembranças, suas saudades, como a minha, que agora vou para as ruas de Guadalupe e Amparo carregando a saudade do carnaval de 1977 e tudo que nele vivi.

sexta-feira, fevereiro 01, 2008

os tempos do carnaval

Finalmente o carnaval vai ter início amanhã, caso o tempo fosse o mesmo que fez surgir um frevo canção de Nelson Ferreira que dizia: Carnaval só tem três dias, foi um anjo que criou! Era o tempo em que o Carnaval começava no Sábado do Zé Pereira e terminava na Quarta Feira de Cinzas, o que fez aparecer uma outra canção chamando aquele dia Quarta Feira Ingrata que sempre chegava com muita pressa fazendo sofrer o verdadeiro pernambucano que esperava um ano para cair no frevo. Esses carnavais são passados, são do passado. Antes eram três dias e o ano, agora parece ser um ano e três dias.

Em todos os lugares o carnaval já começou, faz tempo. Antes mesmo da Queima da Lapinha, os ensaios de blocos já estavam ocorrendo, não em espaços fechados, mas em plena rua, quase todas as noites. O Carnaval não mais é apenas um momento em que o mundo fica de “ponta cabeça” mas, quem sabe, esteja se tornando o momento da normalidade. Todos querem iniciar o carnaval antes de todos. O governo de Pernambuco iniciou o carnaval uma semana antes do Zé Pereira, e em Olinda já é carnaval desde então. Por outro lado a prefeitura do Recife inicia carnaval hoje, sexta feira, na praça do Marco Zero, com o toque dos maracatus comandados por Nana Vasconcelos e a orquestra de frevo comandada pelo Maestro Formiga. Mas, todos sabemos, que já ocorreram desfiles de “virgens, catraias, touros” nos dois últimos domingos. Já há loucura suficiente para todos, pois até o Galo da Madrugada, que saía na Madrugada do Sábado, tem desfile ensaio oficial na noite da quinta-feira, ao contrário, bem carnavalescamente.

O meu carnaval tem início, ou tinha, no encontro do Nóis Sofre Mas Nóis Goza, na rua Sete de Setembro, desde 1976, o mais antigo dos blocos anárquicos, que anunciaram o final da ditadura militar. O famoso Galo foi a organização que dominou os demais: Língua Ferina, Eu Acho é Pouco, Siri na Lata. O Galo papou a todos com o seu jeito de carnaval veneziano, com os mais ricos desfilando enquanto a “rafa meia” fica ajuntada numa imensa lata de sardinha, nas ruas centenárias do Recife. O Galo modificou o sábado de Zé Pereira, esse ultrapassado folião dos tempos dos carnavais românticos, forçando a madrugada chegar cada vez mais tarde, este ano marcada para as nove e meia da manhã, quando os carros alegóricos começarão a sair da Padre Floriano. Sou um dos dinausauros do Nóis Sofre mas Nóis Goza.

Nesta sexta feira já farei figura no Pólo dos Pontos de Cultura, ali no Largo do Guadalupe, em Olinda, e andarei nas ruas de Olinda até assistir a apresentação de Alceu Valença. Amanhã depois do Nóis Sofre, o caminho será o de Goiana para, na madrugada do Domingo fazer a caçada do bode, o ritual inicial dos caboclinhos, com a Tribo Canidé de Goiana.

Bom Carnaval para Todos. E todos sabem que, desde os tempos gloriosos dos anos oitenta, o carnaval não pára quando chega a Quarta Feira Ingrata, pois ainda tem Segura a Coisa, Encontro dos Bois na Rua da Hora e, uma semna depoistem o pessoal da polícia. O baile dos Garçons ainda existe e é depois da folia.

terça-feira, janeiro 29, 2008

Pílulas, bispos: questões de éticas amazônicas

Estamos chegando no final da semana pré-carnavalesca e, ao que tudo indica, a crise entre a Arquidiocese de Olinda e Recife e a Prefeitura do Recife está chegando a um entendimento.

Infelizmente o bispo não entende que a sua autoridade é religiosa e tem validade apenas para os da sua Igreja. Como militante de sua religião ele pode recorrer ao Ministério Público para chamar atenção às suas idéias e influenciar a sociedade. O mesmo pode ser feito por outras igrejas e religiões, como as que pretendem acabar com o feriado de 12 de outubro e os que querem criar o dia da consciência evangélica, similiar à consciência negra. Os religiosos adoram a seu Deus e desejam impor as suas crenças a todos. Mas estamos em uma sociedade diferente daquela da Idade Média e do início dos tempos modernos.

O prefeito, por outro lado resolveu colocar as palavras devidas, dizer com clareza o que realmente ele pode fazer com as pílulas compradas com o dinheiro público. Agora ele já sabe, aprendeu a diferença entre “distribuir” e “colocar à disposição” ou “disponibilizar”, como desejam aqueles que já estão quase esquecendo o idioma, com a criação de tantos verbos e neologismo. A pílula estará disponível, como sempre esteve nos postos de saúde, desde o início do século, para aquelas mulheres que forem atendidas por um médico que reconhecerá a necessidade de utilização da pílula. Assim, fica garantido o direito da mulher e não se propaga a idéia populista de distribuição indiscriminada de um medicamento que pode causar distúrbios por seu uso freqüente. Como se vê, o debate esclarece a todos, inclusive aos já iluminados.

No mais, a floreta amazônica está sendo destruída sob os olhos da ministra Marina, para que aumente o plantio de soja, cana de açúcar e a criação de gado. Como sempre os responsáveis disseram que não sabiam e mentiram na ONU, jurando que estava diminuindo a área devastada. O Brasil pagará caro por essa mentira. Uma coisa é mentir aos brasileiros que se enganam com pequenas bolsas, outra coisa é não respeitar a comunidade internacional. Não foi essa a primeira mentira do atual governo nem será a última.

Ainda no governo federal está sendo rasgado o Código de Ética para a alta administração federal, criado em 1999 para inibir comportamentos como o da ministra da (des)Igualdade Racial. Dona Matilde é especialista no uso de cartão de crédito do governo enquanto poupa o seu ordenado; o comportamento do ministro do trabalho que, no horário do expediente participa de reuniões do seu partido – o que é proibido pelo Código de Ética. Só quem pode punir esses casos, e outros, é o presidente Lula, aquele que, no papel de Ali Babá, assumiu o cargo de chefe de quatro dezenas, ou quase isso.

sexta-feira, janeiro 25, 2008

O Céu ou as Urnas

Nos tempos de carnaval há sempre a recordação da quaresma, como em famoso quadro de Bosch. A festa da carne, o momento em que o mundo fica de ponta cabeça, é um instante em que a normalidade da vida social cede espaço para as desinibições, para a reinvenção da vida, a crítica dos valores e costumes. O processo de cristianização europeu sempre conviveu com o carnaval. Os cristãos puseram-se contra os prazeres da carne. Conta-se que Santo Agostinho passou os dias de carnaval pregando para a sua congregação, procurando evitar que algum dos membros caísse na tentação da folia, da loucura, se tornasse um folião. Ou seja, para Santo Agostinho carnaval não era coisa para os cristãos. Assim era antes que se formasse a grande cristandade e tivesse início a grande confusão entre poder político e poder religioso.

Neste carnaval o arcebispo de Olinda e Recife, Dom José Cardoso resolveu excomungar as pessoas que estejam favorecendo o festival da carne, distribuindo a pílula do dia seguinte, entre eles o atual prefeito do Recife, João Paulo. O Prefeito iniciou a sua vida política como militante católico. Excomungar significa colocar fora da comunhão eclesiástica aquele cristão católico que não se coadunar às normas da Igreja. Caso o Prefeito ainda seja católico, não poderá mais participar dos atos sacramentais da Igreja, exceto após o arrependimento, o que pode ser obtido mediante uma confissão sincera. Mas se o Prefeito não mais for católico, de nada adiantará a ameaça de excomunhão, pois não se pode expulsar quem já não mais está na comunidade. Seria mais prudente o arcebispo apenas ter lembrado aos católicos, melhor dizendo às católicas, que elas não devem tomar a pílula do dia seguinte, ou melhor, que não façam nada que produza a necessidade de utilizar a pílula que o prefeito está pondo à disposição das mulheres que fizerem as libações à Baco e Vênus. Por outro lado, a Igreja Católica sempre conviveu com o carnaval, permitindo que os que pecaram possam se arrepender, lembrando-lhes a sua origem e o seu futuro na Quarta Feira de Cinza, quando se inicia a Quaresma. A quaresma existe tanto para os foliões quanto para os que ficaram ouvindo Santo Agostinho de Hipona. Os que pecaram têm a possibilidade do arrependimento, no sacramento da confissão. Parece cinismo, mas é resultado do amor de Deus para coom suas criaturas. A misericórdia é parte da justiça divina.

Mas o Prefeito que cuida de todos resolveu comprar muitas pílulas de algum laboratório. Vai ver que algum laboratório ainda não conseguiu convencer as mulheres que essas tais pílulas do dia seguinte são mais seguras que as dos dias anteriores. A impressão que se tem é que algum laboratório convenceu o Prefeito.

A distribuição de pílulas do dia seguinte faz um imenso rombo na campanha de prevenção de Aids e outras doenças sexualmente transmissíveis. Com a pílula na mão muita gente vai esquecer o preservativo plástico. O preservativo conhecido como camisinha, é aquele que, além de prevenir gravidez indesejada, previne as doenças do amor, mas também são indesejáveis. Parece que Secretaria de Saúde da Prefeitura da Cidade do Recife não tem muita ligação com o Ministério da Saúde do Brasil. Pensando apenas na gravidez indesejada, o Prefeito que cuida de todos (inclusive dos laboratórios produtores dessas pílulas para os desatentos ou apressados) está pondo em risco um programa dos mais bem sucedidos em todo o mundo.

Entendo que esta é a questão maior que deve ser posta pelos cidadãos, e não a excomunhão prometida por Dom José Cardoso. Durante a ditadura, alguns bispos tentaram excomungar torturadores, mas alguns deles já não eram católicos, como explicitou um dos delegados envolvidos no caso da morte do padre João Bosco Burnier. Com a oferta religiosa que está posta no mercado, com o fim das cristandades, os bispos, de qualquer igreja, influenciam apenas as suas igrejas, ou uma parte de seus seguidores, nem sempre tão fiéis. A excomunhão que o Prefeito teme é a das urnas.