sexta-feira, outubro 17, 2008

Para meus colegas professores

Nesta manhã não fui caminhar, preferi ficar pondo água nas plantas que fazem a floresta domesticada em nossa casa. Temos coqueiros que darão seus frutos quando meus netos puderem me ajudar a dividir o fruto, temos pitangas, mangas,jambeirom rosas vermelhas, rosas brancas, hortelã, colônia, arueira, arruda,jasmim, azaléias, pimenta, jibóia, palmeiras, papoulas, alecrim, espadas de São Jorge, comigo ninguém pode, bananeira e pau-brasil, este plantado no meu aniversário. Quase nunca tenho tempo de ficar algum tempo com elas. Hoje fiquei algum tempo e dei banho nelas, enquanto os cachorros olhavam apreensivos para a mangueira, temendo que eu dirigisse o jato d’água em sua direção. Esse exercício matinal auxiliou-me a pensar o tempo que demora a gente ver o resultado da ação humana. As palmeiras que agora têm três ou quatro vezes a minha altura, foram postas ali, pela minha mão já quase duas décadas. A natureza caminha com o seu ritmo, absorvendo, modificando os alimentos que ela própria produz, silenciosamente, e só exige que sejamos pacientes com ela, enquanto ele segue seu curso.

Mas para ser um jardim, as plantas, isoladas e no conjunto, carecem do cuidado, da atenção do jardineiro. E, o nosso cuidado não as faz crescer, elas cresceriam sem a nossa atenção. O nosso cuidado auxilia a cada uma delas desenvolver suas características, que elas já possuíam antes de nosso cuidado, mas, esse cuidado faz com que os aspectos específicos de cada uma delas, se tornem visíveis aos olhos dos que passam pelo jardim. Nosso cuidado não muda a planta, mas realça a sua característica, auxiliando-a a compor o jardim que nos alegra, que atrai pássaros, abelhas, borboletas, lagartixas e outros animais dos quais não tomamos conhecimentos, pois eles visitam o jardim enquanto dormimos.

Cuidar de um jardim é parecido, mas apresenta diferenças, como a prática de cuidar de cães e gatos e outros animais que foram domesticados desde que nos tornamos caçadores e agricultores. Os animais correm e nos tocam, não são apenas tocados; os animais gritam e conversam conosco semelhantemente aos nossos semelhantes; os animais correm para nos saudar e nos dizem quando estão sendo esquecidos. Os animais nos acariciam a pele, seja por gratidão, seja por seu interesse imediato. Eles nos deixam com vontade de pensar: como eles gostam de mim porque eu cuido deles, eles me dizem que eu sou bom. Esses animais cultivam nosso narcisismo e satisfazem nossa pele, dando-nos a impressão de sermos amados. Deve ser essa uma das razões porque tanta gente tem cachorros e gatos em seus apartamentos e raramente têm flores, exceto essas similitudes encontradas em lojas de objetos. Plantas artificiais não dão trabalho, não exigem que olhemos para elas, que a podemos, que a façamos sofrer alguma dor para que fiquem mais belas e acariciem, pelos olhos, a nossa alma. Elas já são compradas grandes, não precisamos esperar para que cresçam; algumas já são compradas com frutos, embora não os possamos comer. Esses objetos coloridos que são comprados em lojas nem mesmo se movem quando a brisa a toca.

Só quem sabe a alegria da planta é quem dela cuida, é quem despende carinho e tempo com ela. E às vezes, algumas plantas crescem tão vagarosamente que o jardineiro às vezes não vê as flores nem toca no fruto. Outros é que recebem o resultado do seu trabalho, ainda que ele também possa desfrutar dessa alegria. Mas quando o jardineiro se alegra com o resultado do seu trabalho, muitas outras pessoas já o fizeram, às vezes só ao passar em frente. O trabalho do jardineiro é sempre alegria para todos. As plantas não correm quando o jardineiro chega, não alardeia quem dela cuidou. A alegria do jardineiro provem dos comentários que escuta sobre o seu jardim e, muito raramente, quem se alegra com o jardim jamais fica sabendo quem foi o jardineiro. Mas sempre, em cada jardim, em planta que forma o conjunto do jardim, há as mãos, os olhos, os pés, o suor, o temor, a alegria, o sonho, a perspectiva de um jardineiro.

Esta foi a semana do professor.

4 comentários:

George Cabral disse...

Querido Biu,
Só quem já provou a dor e a delícia de ser professor poderia captar com tanta sensibilidade e poesia o que significa e o que representa a nossa ação. Manifestações e posicionamentos como os que você toma são fundamentais na valorização do papel do educador na sociedade, sobretudo na nossa, onde os problemas são gigantes e as perspectivas incertas. Receba o abraço do aluno que aprendeu e continua aprendendo sempre contigo! Até breve!

Prof. Daniel Silva disse...

Grande Biu Vicente,

Ótima analogia.
Mas, que bom seria se pudéssemos olhar mais para nossas plantas e nossas pessoas...
Que façamos então, pois, senão, assim como o "fígado comido diariamente", teremos o arrependimento nos consumindo.

Anônimo disse...

O interessante é que o professor tem a árdua tarefa em transformar "ervas daninhas" em "orquídeas"

Anônimo disse...

Professor Biu:
Realmente... estamos tão perto da vida e ao mesmo tempo tão distante dela. Por que descuidamos tanto dos jardins que poderíamos cuidar com maior zelo? Sua sensibilidade encanta aos leitores. Fátima