segunda-feira, novembro 27, 2006

Alguns dos meus pensamentos sobre a Zona da Mata, sua cultura e suas possibilidades

PERSPECTIVAS E DESAFIOS NA EDUCAÇÃO E CULTURA NA ZONA DA MATA[1]


1. Introdução

A Zona da Mata pernambucana é historicamente a primeira afetada pelas expedições portuguesas, sendo essa uma das razões de ser, possivelmente, a mais explorada região do estado. Se quisermos lembrar como foi a formação do povo e da sociedade brasileiras, sem dúvida devemos lembrar que, a faixa litorânea de Pernambuco e a que lhe sucede em direção do Agreste e Sertão, foram os locais primeiros do domínio da terras pelos que chegaram, da expulsão, ou a morte, dos povos que aqui habitavam, a destruição da primitiva vegetação e sua substituição por novos vegetais que poderiam ser comercializados lucrativamente nos mercados europeus. Para o estabelecimento de uma produção mercantil lucrativa, após o insucesso de impor o trabalho forçado aos primitivos habitantes, fora trazido da África o contingente humano necessário para a tarefa de plantio, cuidado, corte da cana e produção do açúcar e de toda a infra-estrutura necessária para a cadeia produtiva de então.
Nessa região foram feitas as primeiras plantações de cana de açúcar e construídos os primeiros engenhos, após a vitória dos portugueses sobre as tribos que vivam ao longo do litoral, desde Itamaracá até São José da Coroa Grande. Embora houvesse tentado se estabelecer primeiramente em Igarassu, Duarte Coelho encaminhou-se na direção de Olinda, em busca de situação geograficamente defensável mais facilmente e, muito depois a necessidade de um porto mais amplo que o porto do Canal de Santa Cruz. Dessa forma, o primeiro crescimento d que seria chamado de Mata Norte foi descuidado pela opção que a estrutura geográfica da capitania desenhada pela mão da Coroa Portuguesa fizera. Ademais, Goiana fazia parte de outra Capitania, a de Itamaracá, que só posteriormente veio a ser anexada à Pernambuco. Esse rápido balanço histórico nos mostra a opção primeiramente realizada, seja por decisões das pessoas envolvidas, seja pela decorrência das circunstâncias históricas que então eram vividas. Aquelas circunstâncias podem nos auxiliar a compreender as diferenças que existem entre as duas Matas, à do Norte (Seca) e a do Sul (úmida), sendo as captais – Olinda e Recife – os pontos de referência.
Se o processo de desocupação e re-ocupação do território não se deu forma única em toda a Zona da Mata, em decorrência disso devemos entender que, embora de matrizes semelhantes, e com muitas características em comum, devemos entender cada micro-região, cada cidade, com possibilidades de ter suas próprias e únicas representações culturais, que as torna diferentes, diversas, embora apresentem, também, alguma unidade. Atualmente a população de toda a Mata é cerca de 1.300.000, com um Índice de Desenvolvimento Urbano de 0.637, abaixo da média do Estado (0.692); com 32.50% de sua população analfabeta, com um município, São Benedito do Sul, carregando 48.35%, enquanto que esse índice no Estado e de 24.50%. Esses dados são os utilizados pelo PROMATA, tomando base o censo de 2000. Dessa mesma fonte temos que 62.79% dos chefes de família estão com renda de até 1 salário mínimo. Apenas esses dados mostram que a riqueza produzida na Zona da Mata, que foi a base da riqueza de Pernambuco ao longo de sua história, não tem sido apropriada por aqueles que a produzem direta e constantemente. E é nesse quadro, simples, sintético e pouco extensivo, uma vez que tudo isso poderá ser aprofundado mais tarde, que vou pensar perspectivas para a região.

2. Desafios
A colonização de Pernambuco, seja dizer, a formação de Pernambuco beneficiou preferencialmente os detentores do poder, os possuidores das grandes propriedades, donos de engenhos e fazendas, dominadores de animais e homens. A riqueza produzida tem sido em Pernambuco e no Brasil, desigualmente distribuída, e os benefícios provenientes da cultura não têm chegado a todos. É isso que nos dizem os dados acima citados e o grande desafio e quebrar essa tendência quadricentenária de produção de miséria e exclusão social. Para realizar isso seria, houve um tempo que se julgava ser necessária uma mudança radical. Talvez ainda o seja, contudo os tempos das revoluções, os tempos em que os desafortunados sociais tomavam o poder com as mãos e giravam os lemes da história pela violência passaram. Os meios de comunicação são também meios de controle e orientação social. As revoluções, as mudanças devem ser ocorrer com participações massivas, entretanto as massas hoje precisam ser mais bem educadas nos meios, nos instrumentos que a sociedade já produziu.
2.1 Superar o atraso
Desde os séculos XVIII e XIX, quando a burguesia passou a ser sócia do poder, ela elegeu a educação como meio de ter alcançá-lo e de mantê-lo. Escolas, universidades, parques de convivência social, aparelhamento para cuidar da saúde, cuidado com tratamento de águas e esgotos, tudo isso foi construído para garantir que a burguesia passasse a ter domínio da produção cultural e da sua cultura. Nos países e regiões onde políticas com esse objetivo foram realizadas, a população, em sua maioria, passou a ter o mínimo de acesso a esses bens e puderam dizer de si mesma que são cidadãs. Entretanto, a lentidão com que o Brasil tratou a questão escravocrata, os pequenos encaminhamentos para garantir que a população de ex-cravos fosse incluída na vida social, promoveu o surgimento de enclaves de pobreza material e, principalmente de pobreza espiritual, pobreza cultural, pobreza política. O maior desafio é vencer a pobreza material ao mesmo tempo em que se derrotem as exclusões da cultura, da política. Esses poucos números citados dizem que a Região da Mata de Pernambuco é rica em pobreza.
2.2 Superar a pobreza política
Mas a primeira pobreza a ser eliminada é a pobreza política dos que estão assentados nos cargos de poder, a pobreza política dos que são os proprietários de terras e animais. A pobreza política é a que nega a participação democrática dos bens culturais a todos os membros da sociedade, com justificativas de que “o povo não sabe apreciar isso ou não sabe apreciar aquilo”; pobreza política é esquecer que se alguns hoje são capazes de apreciar um certo tipo de música, é porque essa apreciação foi aprendida no cotidiano da vida social; pobreza política é construir escolas nas quais não se prever quadras de esportes, áreas de lazer e bibliotecas, sem os modernos instrumentos de ensino; pobreza política é pensar e dizer que nada pode ser feito para mudar, pois isso é garantir o passado e não o futuro. A pobreza política dos ricos produz a pobreza política dos pobres.
A pobreza material reforça a pobreza política, pois a pobreza material é a pobreza do alimento, o medo de morrer e esses medos provocam os silêncios – silêncios na sala de aula, silêncios nas reuniões dos sindicatos, silêncios nas reuniões das igrejas -, a baixa estima de si mesmo – o não reconhecimento de sua arte, a não aceitação de sua beleza, a vergonha de convidar alguém para visitar, o hábito de manter os olhos para o chão, o que tira a possibilidade de ver o mundo em uma perspectiva humana -, o não reconhecimento de suas potencialidades humanas e das potencialidades dos seus pares. O medo paralisa a vontade de escolher, até mesmo elimina a vontade de escolher, o medo diz que “é melhor ficar quieto para que ninguém note que você está aqui”.
2.3 A aceitação da riqueza local
Entretanto esse quadro tem mudado. Talvez não tanto por desejo dos mantenedores da tradição, mas como exigências do mundo que se globaliza. Parece que a globalização fez com que a Zona da Mata Norte descobrisse que, ale, de ser rica de pobreza, ela é rica em sua pobreza, além de ser rica. Nas últimas décadas o processo de globalização, em sua busca constante de encontrar novidades para o seu consumo, gerou condições para que muitas pessoas descobrissem o seu potencial e vissem esse potencial ser objeto de estudo e de respeito. Essas pessoas pobres e desconhecidas dos viveram e vivem daquilo que os pobres produzem e não consomem, passaram a ser vistas como senhores de um saber que os seus vizinhos negavam. O que era negado no terreiro e nas varandas das casas grandes passou a ser admirado e desejado pela grande sociedade global. As “danças nativas”, as “coisas de negros”, os “costumes de caboclo” se tornaram testemunhas do tempo, fontes da nação e não apenas motivo para poemas saudosos dos tempos infantis dos moradores das casas grandes dos engenhos, agora vazias de seus donos e, por causa da cultura do povo, volta a ser ocupadas por visitantes interessados na cultura dos homens.
2.4 O Ensino e a educação
A demanda que acabamos de mencionar tem provocado mudanças no universo cultural e acadêmico da Região. Tanto na Mata Norte quanto na Mata sul, desde os anos setenta do século passado estão sendo criadas instituições de ensino superior. As primeiras estavam voltadas para a Formação de Professores – Palmares, Vitória de Santo Antão, Goiana, Nazaré da Mata, e as mais recentes apresentam-se voltadas para a formação de agentes para o terceiro setor, turismo, administração de empresas, etc. – Carpina, Igarassu, Limoeiro, Timbaúba. Esse é um indicativo de que há uma demanda de conhecimento a ser atendida e uma demonstração de há outras formas de produzir riquezas e superar os problemas da Zona da Mata que pode, e deve, deixar de ser um fornecedor de mão de obra barata para a Região Metropolitana do Recife, além de criar condições para que a sua juventude não abandone os espaços de sua meninice e juventude, além de se integrar de forma positiva no processo de globalização. Estou dizendo participação positiva no processo de globalização, pois as anteriores – século XVI e XVII – cana de açúcar -, séculos XVIII e XIX – cana de açúcar e indústria - e século XX – informatização.
As questões educacionais que começam a ser atendidas no nível superior exigem um maior comprometimento dos governos municipais em promover uma ampliação da rede de ensino básico para superar os níveis do analfabetismo que marca a região, e, ao mesmo tempo pressionar o governo estadual para ofertar o ensino do nível médio, o que garantirá a demanda para as escolas de ensino superior. Entretanto, é fundamental que não seja apenas uma preocupação quantitativista, de produção de números de matriculados, concluintes com o objetivo de enriquecer estatísticas para instituições internacionais, mas que se verifique a qualidade do ensino, pois os tempos exigem não apenas pessoas alfabetizadas, mas pessoas educadas, ou seja, pessoas capazes de decifrara s mensagens e criar novas mensagens, interagindo com o mundo que o circunda, de modo a transformá-lo.
A melhoria do nível educacional é fator básico para a melhoria da produção cultural, ainda que os maiores bens culturais da região seja bens imateriais e esses extremamente ligados à tradição oral, à tradição rural, à tradição dos não leitores. Contudo, como essa tradição cultural da Zona da Mata não se fossilizou como algo folclórico, algo a ser lembrado, a introdução das letras entre os novos mestres de Ciranda, Coco, Maracatu poderão servir de maior motivação na produção de novas loas, novos versos, novos cantares. Os próximos mestres de Maracatu, Ciranda, Cavalo Marinho, Coco e outras manifestações, culturais devem ser alfabetizados e cantores tanto das tradições rurais quanto das novas tradições urbanas que estão sendo criadas. Mais ainda, o aumento do nível de escolaridade e educação, será uma motivação maior para a atração de turistas que, não apenas virão uma vez, mas, atraídos pela recepção singela, educada, retornarão e trarão novos turistas. Por outro lado, essa melhor qualificação educacional levará a uma melhoria no atendimento na rede hoteleira, nos restaurantes, nas lanchonetes, etc. é impossível que haja uma maior atração de turistas sem uma melhoria educacional da população. Os investimentos em educação são tão fundamentais para o estabelecimento de teias e cadeias produtivas que, não se pode entender um administrador público na Região que não esteja tão preocupado com isso quanto deve estar preocupado com o estabelecimento de uma rede captação, tratamento e fornecimento de água, em como à redes de captação e tratamento de esgotos, de maneira a diminuir os estragos que já foram feitos ao ecossistema da região.
3. As decisões e os atos
Os desafios, os problemas a serem vencidos são fáceis de elencar uma vez que eles têm sido os mesmo desde muito tempo, eles acompanham as estruturas seculares que se recusam a ceder espaços para novos tempos: estruturas que estão ligadas às formas produção econômica e, quase sempre nos esquecemos, à produção e reprodução das maneiras de pensar. Assim, os maiores desafios estão nas tomadas de decisões políticas e de realizá-las. As perspectivas de superação desses problemas arrolados e dos encaminhamentos possíveis, são de responsabilidades de todos, especialmente daqueles que foram escolhidos, indicados, para gerenciar o presente e o futuro da Zona da Mata. O gerenciamento dos problemas e dos desejos dos povos, quer dizer: das pessoas, das comunidades, deve considerar a participação do povo. As reuniões de discussões dos problemas e encaminhamentos das soluções possíveis devem ser abertas a todos e, mais que isso, deve haver programas de incentivo à participação, através de convites e publicização dos locais onde ocorreram. As reuniões não podem ser excludentes. Como todos sofrem os problemas, como todos são partes dos problemas, todos também são partes efetivas das soluções.
[1] Para o Seminário Canavial, promovido pelo Ponto de Cultura Estrela de Ouro de Aliança, em Nazaré da Mata, 243a 26 de novembro de 2000, pronunciado no dia 24 de novembro 2006.

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