terça-feira, novembro 07, 2006

Sobre as cotas raciais

Sempre devemos estar atentos ao que nos parece tão claro à primeira vista. As estatísticas mostram e escondem muitas realidades, por isso creio que pode ser interessante ler este artigo de Calos Marchi sobre o livro de Ali Kamel - Não somos Racistas.
Boa leitura e reflexão.



POLÍTICA DE COTAS RACIAIS E A POBREZA

Em Não Somos Racistas, o jornalista Ali Kamel defende que o Brasil tem de resgatar todos os pobres e não só os pobres negros
Carlos Marchi
Os números não mentem jamais, a menos que sejam manipulados - esta é a principal arma do jornalista e cientista social Ali Kamel para desmontar um dos grandes mitos do Brasil atual, as políticas compensatórias (ou "ações afirmativas", como se diz) para redimir a pobreza que penaliza a população negra. Kamel lembra que nem só os negros são pobres, mostra que os negros usam os pardos para engordar os números da miséria, mas depois os afastam dos benefícios, e, ao final, alerta para o perigo de o ódio racial instalar-se no Brasil.Não Somos Racistas (Editora Nova Fronteira, 143 págs., R$ 22) é um libelo contra o advento do ódio racial e responde à tese politicamente correta das ações afirmativas com uma tese mais politicamente correta ainda - o Brasil tem de resgatar todos os pobres, não só os pobres que são negros. Se não for assim, o que dizer aos milhões de pardos e brancos que são tão pobres quanto os pobres negros? "Quando pobres brancos, que sempre viveram ao lado de negros pobres, experimentando os mesmos dissabores, virem-se preteridos apenas porque não têm a pele escura, estará dada a cisão racial da pobreza", adverte Kamel.Ele mostra que o Brasil não é institucionalmente racista, apenas tem pessoas que são racistas. E posiciona o fim da democracia racial na década dos 50, pela ação da escola de Florestan Fernandes, da qual participava Fernando Henrique Cardoso. Para Kamel, quando chegou ao governo, FHC lembrou-se tanto do que tinha escrito que resgatou a idéia de criar ações afirmativas para os negros pobres. Adiante, o governo Lula - com seus movimentos populistas superlativos - abriu a porteira para as cotas raciais.RAÇAS NÃO EXISTEMO autor desmonta os argumentos usados para justificar as políticas de cotas. No preâmbulo, registra que, segundo a Ciência, raças não existem. Depois, critica a decisão que dividiu o Brasil em brancos e negros, quando o governo FHC decretou que os documentos oficiais deveriam juntar os "pardos", "mulatos" e "pretos" sob um só rótulo - "negros". A partir daí, oficialmente não houve mais pardos, mulatos e cafuzos de variadas nuances - só negros.Essa decisão viabilizou o principal argumento dos militantes negros - de que os negros são 48% da população e 65,8% dos pobres. Nem uma coisa nem outra, prova Kamel. Debulhando números do IBGE e da PNAD, ele mostra que os negros são 6,4% da população (11 milhões); os pardos são 41,7% (76 milhões); e os brancos, 51% (93 milhões). Dos 57 milhões de pobres, 34 milhões são pardos (58,7% do total), 4 milhões são negros (7%) e 19 milhões são brancos (34,2%).Entre os pardos, os pobres são 44,7%; entre os negros, 36,4%; e entre os brancos, 20,4%. Ou seja: mediante qualquer critério, os pardos são mais pobres que os negros. Nada nas estatísticas prova que a desigualdade é causada por racismo, diz Kamel.Na afirmação mais polêmica do livro, Kamel diz que os números relativo aos pardos - porcentualmente, os brasileiros mais pobres - serviram para engordar as estatísticas de pobreza dos "negros". Mas na hora de distribuir os benefícios, boa parte dos pardos (seguramente, os que estiverem mais para pardos/brancos do que para pardos/negros) são excluídos dos benefícios. O autor ironiza: o pardo é um negro meio branco ou um branco meio negro? E completa: "Chamar um pardo de afro-descendente é mais que inapropriado, é errado."Kamel traz duas novidades arrepiantes: a primeira é que nos EUA, a política de cotas beneficiou uma elite de negros que já tinha saído da linha da pobreza - a grande maioria pobre ficou fora dos benefícios. A segunda é que as políticas compensatórias nunca serão abolidas, porque nenhum político terá coragem de propor o seu fim. Ele diz que a política de cotas é a "importação acrítica" de uma política americana que não cabe à estrutura social brasileira e que sua implantação extingue os critérios meritocráticos.Com argumentação convincente, Kamel afirma que o propalado desnível salarial entre brancos e negros não tem fundamento racista: ganham menos sempre os que têm menos escolaridade. E lista a série de procedimentos bizarros que se seguiram à implantação da política de cotas nas universidades. Relata que a funcionária do IBGE que o ajudou a coletar números se disse "parda como a (atriz) Glória Pires".Kamel defende que o Brasil invista maciçamente em educação para erradicar a pobreza de todas as cores humanas. Em outro instigante livro (A Persistência da Raça, Civilização Brasileira), o sociólogo Peter Fry dá a pista para a chave do enigma: "O custo de um choque de qualidade nos territórios pobres do País é vultoso, ao contrário da política de cotas, cujo custo é quase zero". A política de cotas pode não ser a solução mais adequada, mas é a mais barata e, portanto, a mais conveniente e fácil para os governos.