terça-feira, janeiro 22, 2008

Fim de semana cultural: do Recife à Mata Norte

O final de semana é sempre uma oportunidade de encontrar pessoas e experimentar novas emoções. Este que passou teve seu início com o prazer de assistir PEQUENA SUBVERSÃO, um estudo sobre os movimentos da dança do frevo; de como o corpo se movimenta ao movimento de uma de suas partes, de forma simples, mas definitivamente ampliada quando nos debruçamos para entender o pequeno movimento que, não percebido, leva aos mais largos. Entendo pouco de dança, ou nada entendo, mas a impressão que tenho é que o espetáculo que Valéria Vicente apresentou agora no Recife, (antes apenas São Paulo havia tido o prazer) é um importante passo na história da dança em Pernambuco. Após cinqüenta anos, como demonstra o RECORDANÇA, começa-se a teorizar sobre a dança que dançamos.

No sábado estive, desde cedo em Goiana. Fui assistir o I Encontro de Caboclinhos, que havia sido iniciado na noite da sexta feira. A intenção minha era ouvir o que as palestrantes iriam dizer a respeito dessa dança, desse folguedo bastante comum em Goiana, essa cidade que fica a 65 quilômetros ao norte do Recife. O Encontro foi promovido pela Associação dos Caboclinhos de Pernambuco, uma agremiação recentemente criada, associada à FUNDARPE, do governo do Estado. Ocorreu uma boa discussão a respeito de como manter esses brinquedos de tradição popular, na sua tradição e, ao mesmo tempo, tê-los como participantes de espetáculos. A possibilidade del manter a estrutura de folguedos provenientes de uma sociedade predominante agrária, como espetáculo em uma sociedade cada vez mais industrial, técnica e redutora de tudo e todos à mercadoria, pareceu-me ser o tema mais tocado pelos palestrantes. E, embora o tema central devesse ser o caboclinho, o mote para o debate foi AS PRETINHAS DO CONGO, do Baldo do Rio, ali presentes. Essa é uma tradição quem segundo seu Val, deve ter se formado ainda em 1888, mas que o grupo que ele preside é de 1932. Ele nega que AS PRETINHAS DA PRAIA, que tem sua atuação na praia de Carne de Vaca, seja de 1930, uma vez que o grupo praieiro é dissidente. Tive uma conversa com seu Val – Valdemar – e em outra oportunidade voltarei a conversar sobre essa interessante tradição goianense e pernambucana.

Outro ponto interessante nesse Encontro de Caboclinhos foi a homenagem feita a seu Antônio, o falecido dono do Caboclinhos Canidé de Goiana. Foi ele que, no início de 2007 protestou em praça pública contra a ausência de apoio da Prefeitura de Goiana às manifestações populares da cultura goianense, ao mesmo tempo que promove o desfile de blocos de Axé Music, transplantados da Bahia, para a alegria da pequena classe média dominada pelos meios de comunicação de massa. Seu Antonio morreu sem saber que foram proibidos os trios elétricos em Goiana, proibição do IPHAN, defendendo o casario colonial da cidade contra os decibéis dos imbecis.

Não fiquei para o desfile dos caboclinhos à noite. Segui viagem para Chã de Camará, a sede do Maracatu Estrela de Ouro de Aliança. Fui participar de uma Sambada, um ensaio preparatório para os desfiles que o maracatu fundado pelo Mestre Batista irá realizar ao logo dos três dias de carnaval. Como sempre foi uma alegria ouvir os versos improvisados do Mestre Zé Duda, o Peito de Aço de Aliança, um verdadeiro patrimônio cultural, pois a sua história se confunde com a história dos Maracatus de Orquestra, das Cirandas.

Zé Duda é um dos remanescentes dos carnavais que ocorriam na Zona da Mata Norte, desde os anos cinqüenta. Ele também é um dos maiores conhecedores da arte do Cavalo Marinho, tocando pandeiro e cantador de todas as loas. Um dia a FUNDARPE deve reconhecê-lo, já devia tê-lo feito, pois o conhece e sabe que não há Mestre de Maracatu melhor que ele. Recentemente uma das suas belas cirandas foi gravada por uma cantora pesquisadora sem mencionar o autor - diz que é tradição popular, como se o artista popular não tivesse nome e se ela não o conhecesse. Não farei publicidade de seu nome.

Lamentavelmente ainda estamos a viver esses tempos de apropriação da arte de nossos mestres sem dedicar-lhes o devido respeito ou cultivar-lhe a memória.

Foi um belo final de semana, bebendo das mais genuínas tradições culturais pernambucanas e mundiais.

Um comentário:

Anônimo disse...

É de dar inveja a experiência que o senhor teve, ter o privilégio de presenciar as genuínas tradições pernambucanas, que aos poucos estão esquecidas e suplantadas.