terça-feira, novembro 13, 2007

Relações Escolas e Ponto de Cultura -3

Este é o terceiro bloco de uma palestra com o título acima

5. uma corte sem escola ou uma escola sem povo
Melhor dizendo, tivemos algumas escolas, a dos padres Jesuítas que funcionaram até que o Iluminista Sebastião Carvalho, o admirado Marquês do Pombal, expulsou os professores modernos que atuavam na colônia portuguesa. Além disso, proibiu que se falasse o idioma que o povo utilizava nas ruas, nas casas, nas feiras. Todos haveria que utilizar o mesmo idioma usado pelo iluminado Marquês e a Majestade portuguesa do qual era ministro. E essa orientação continuou durante o século XIX e XX. A escola que foi implementada no Brasil afastou o povo brasileiro de si. Primeiro por não estudar nem ensinar o que o povo estava criando enquanto se fazia brasileiro e, em segundo lugar porque não havia escolas para o povo. Aqueles que tiveram acesso ao sistema escolar foram sendo treinados para ficar parecidos com franceses, ingleses e portugueses. A escola no Brasil era e é ainda um ponto de cultura da cultura européia.

6. Quase um ponto de cultura
Na segunda metade do século passado alguns intelectuais brasileiros começaram a pensar a escola como um lugar onde se pudesse estudar o Brasil. Esse movimento foi decorrente da pressão do sistema por pessoas com qualificação mínima para trabalhar nas fábricas que iriam surgir, pela transferência de parte da população para áreas urbanas. Cartilhas como DE PÉ DESCALÇO TAMBÉM SE APRENDE apontavam para um outro tipo de sociedade, mas esse movimento foi esvaziado por um movimento político disciplinador dos desejos das populações. O movimento militar de 1964, a ditadura dele decorrente, iniciou o processo de universalização da escola. Cresceu enormemente o número de escolas públicas para que houvesse a universalização da escola e do conhecimento. Mas essas escolas públicas perderam qualidade quando passaram a atender os setores mais pobres da população. O seu objetivo básico parece ter sido fazer o povo esquecer quem ele é e de onde veio. A escola não discutia os problemas reais do povo e continuava a dizer que só tinha cultura os que por ela passassem e, qual um Descartes perdido, tinha que esquecer tudo que sabia.

Algo eu sempre achei interessante é que as tradições que o povo cultivava em seus lugares de origem, nos interiores de onde saíram, passaram a ser cultivadas nos bairros das cidades para onde tiveram que ir. O povo deixava o campo, mas o campo não deixava o povo. E quando a população rural foi viver na cidade, por imposição do sistema social, ela reorganizou os espaços urbanos e os espaços sociais semelhantemente às práticas que viviam antes. Recriaram os seus modos e os modos que encontraram, dando-lhes um novo sentido, ou novo sentidos. Tomemos um exemplo:
Os carnavais, melhor dizendo, os entrudos, passaram a ter importância à medida que o trabalho escravo foi sendo substituído, e mais homens e mulheres livres passaram a interferir na vida social, ainda no século XIX. À medida que crescia a população livre nas cidades, grande parte dela de ex-escravos, tradições que foram trazidas da Europa foram sendo modificadas marcando a superação de fase imitativa, o início da recriação e criação de valores culturais novos. O povo da rua apropriou-se das máscaras, das danças de salão, reinventando-as ao seu modo, Também a segunda metade do século XX marca novos tempos para a cultura brasileira. Discutia-se, ao longo do século XX, qual a identidade do Brasil. Nos anos cinqüenta, enquanto nordestinos curtiam a saudade depois da Longa Partida ouvindo vozes como a de Luiz Gonzaga no Ponto de Cultura da Feira de São Cristóvão, a panela que produzia a grande feijoada, destampou um pouco e viu nascer a Bossa Nova no Ponto de Cultura de Ipanema. A crise dos sessenta deu origem a uma Música Popular Brasileira e atgé uma cultura popular brasileira, uma mistura do que se produzia em Pontos de Cultura de diversas partes do Brasil: no Maranhão de Gonçalves Dias e João do Vale; no Ceará de José de Alencar Patativa do Assaré; Rio Grande do Norte de Câmara Cascudo e de Antonio Pedro; no Pernambuco de Gilberto Freyre, Ascenço Ferreira, Vitalino, Dona Santa, Nelson Ferreira; na Paraíba de Ariano Suassuna e Jackson do Pandeiro, na Bahia de Jorge Amado, Mãe Menininha e Olga de Alenketo e Dorival Caymi; nas Minas Gerais de Drumond de Andrade, Guimarães Rosas e Ziraldo; no Rio de Janeiro de Noel Rosas Ary Barroso, Nelson Rodrigues, Carlos Cachaça, Cartola; no São Paulo de Mário de Andrade e Adoniran Barbosa; no Rio Grande do Sul de Érico Veríssimo, Ledo Ivo e Teixeirinha. As décadas seguintes foram a floração dessa cultura que se apresenta criativa, e sempre com novos criadores, novos atores. Contudo, sempre foi difícil para a escola absorver tanta criatividade na grade curricular que lhe foi destinada desde os tempos do Marques do Pombal, passando por outros marqueses que lhe sucederam. Esses marqueses ao mesmo tempo em que dizem estabelecer escolas para elas sejam lugares de produção de novos conhecimentos, apenas lhe dão condições para sejam elas reprodutoras do conhecimento exterior àqueles que as freqüentam. Esses marqueses, embora sentissem que grades – curriculares ou não – são incapazes de manter em silêncios pontos de cultura, não puderam ser ousados para tornar as escolas locais de estudo da cultura brasileira. Tornaram-se transmissoras dos conhecimentos culturais importados de outras experiências culturais.

Nenhum comentário: