terça-feira, novembro 13, 2007

Relações Escolas e Ponto de Cultura 1

As próximas postagens são parte da conferência que pronunciei na Teia, evento promovido pelo Ministério da Culturua, em Minas Gerais, na primeira semana de novembro de 2007

PONTOS DE CULTURA - NOVAS EXPERIÊNCIAS DE EDUCAÇÃO E CULTURA - RELAÇÕES ESCOLA E PONTOS DE CULTURA[1]

Severino Vicente da Silva[2]






Devemos estar sempre à procura de entender melhor as ações que realizamos e relacioná-las com outras ações, uma vez que todas as ações que fazemos estão interconectadas, fazem parte de uma enorme Teia, a teia de nossas vidas e de nossos projetos, também eles integrantes de uma Teia maior. A Teia da vida.

1. a escola e seus tempos
Instituição característica de nossa sociedade desde a sua formação, a Escola é parte da existência de cada um dos presentes nessa sala; cada um de nós já esteve nela. Alguns, como eu, jamais a deixaram, desde que nela entraram, pois nela vivem como estudantes e como profissionais; outros, embora jamais tenham participado dela, como estudante, ou como professor, têm sofrido as suas conseqüências. A escola, como a conhecemos, é filha desse tempo chamado moderno, um tempo que se iniciou no Renascimento Cultural europeu dos séculos XIV e XV. À medida que renasciam o comércio e as cidades fazia-se necessário um grupo capaz de manter a contabilidade organizada, acompanhar o movimento dos mercadores e das mercadorias. Os Estados que nasciam desde aquele período entenderam que a escola serviria como local de aprendizagem das artes de escrever, ler, contar. Até as instituições que até então transmitiam seus saberes através da exposição oral, perceberam que a importância da escola. Não foi sem razões objetivas que os cristianismos reformados e católico, n século XVI iniciaram a organização da vida da juventude nas escolas. As escolas passaram a ser o local para onde se enviavam os jovens com os objetivos de adequá-los aos novos tempos: tempos de diminuição dos brinquedos e de uma nova organização dos tempos, especialmente os tempos de trabalho. A escola tomou esse aspecto de formação para o trabalho, disciplinadora dos corpos e mentes especialmente após a Revolução Industrial dos séculos XVIII a XX. A escola tornou-se um instrumento essencial para a construção e manutenção da sociedade do trabalho. A escola parecia, e parece ainda, ser o local excelente para a formação dos homens e mulheres que a sociedade precisa.

2. os pontos de cultura nos tempos
Entretanto, desde tempos mais antigos os homens e mulheres sempre foram capazes de transmitir as suas invenções e suas descobertas aos que chegavam. Ora, é essa capacidade de produzir conhecimento, mantê-los e transmiti-los que caracteriza o humano como o cultural. Naturalmente é homem é um animal criador de cultura e, portanto, seu transmissor. A imensa tradição humana é-nos conhecida exatamente porque foi preservada e transmitida. Sempre, de alguma forma, os homens criaram pontos de transmissão da cultura. Eles ocorriam formal ou informalmente; creio que na maior parte do tempo a transmissão da cultura foi realizada de maneira informal. Em caminhadas, nas conversas e nos silêncios das caçadas, nas conversas em torno do fogo que queimava a carne, no pisoteio das uvas, no machucar dos grãos etc. Posteriormente a sofisticação das sociedades, o crescente número de atividades, ações e conhecimento, exigiram que alguns de seus componentes se especializassem em algo, pois nenhuma pessoa poderia saber de tantas coisas, de tantos conhecimentos como os que os homens, coletivamente, vinham criando. Em diversos grupos humanos foram se estabelecendo grupos que detinham esses saberes. E o saber sempre foi tão importante que alguns passaram a se r considerados sagrados. A maior parte da vida da humanidade, o grande saber era algo divino e que para a divindade deveria levar. Grandes pontos de cultura foram os templos e os locais definidos como sagrados, para onde convergiam, em certa época do ano, as pessoas para participar da celebração de algum saber. Eram muitos e diversos os pontos de cultura, ou seja, lugares de transmissão do saber. Entretanto continuava a haver a transmissão cotidiana e permanente dos saberes das casas, dos pequenos grupos, da família.

Mas também havia, com ainda hoje existem, os lugares de transmissão da cultura prática, locais de estágios, diremos hoje. Entretanto, como se aprenderia ser pescador se não acompanhando aquele que já sabe pescar; como aprender a dar forma ao ferro se não ao lado do ferreiro e com ele experimentando o calor do fogo e a docilidade do minério e a docilidade dos movimentos da mão, da curvatura do corpo, do movimento dos braços, da firmeza das mãos, da atenção do olhar. Esses saberes, como outros, nos entram pelos olhos, pela pele, pelos ouvidos. Por todo o corpo se aprende e é no corpo que se guarda o conhecimento. O conhecimento vinha por inteiro e penetrava, por inteiro o corpo humano. O corpo toma a forma do conhecimento que foi adquirido. E nós sabemos que as mãos de um professor são ligeiramente menos ásperas que a de um cortador de cana. E eram muitos os pontos de cultura que se formaram e, no fim de cada período de formação, no final de cada período de complementação da criação cultural – cultivo do arroz, do milho, do inhame, da pesca, - sempre havia a celebração e a festa. O saber fazer, o saber orientar, o saber cultivar, o saber produzir sempre estiveram ligados ao saber cantar, ao saber dançar. Alegria e produção da comida sempre estiveram juntas.
[1] Texto escrito para o Seminário Internacional Saberes Vivos, ocorrido na Teia Cultural – Tudo de Todos - do Programa Cultura Viva do Ministério da Cultura; mesa redonda Pontos de Cultura – Novas experiências de Educação e Cultura, em Belo Horizonte – MG no dia 8 de novembro de2007.
[2] PHd em História, Professor adjunto do Departamento de História da UFPE, assessor do Ponto de Cultura Estrela de Ouro, cidade de Aliança – PE.

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